A arte da pintora alemã Marita Zacharias. Veja mais abaixo.
TOLINHO & BESTINHA - II - Quando Tolinho deu uma de bundão e quase bate as botas - Tolinho inda nem conhecia Bestinha quando quase esticou as canelas indo pro-que-vai-num-torna. Era tempo ainda de rapazote, molecote das horas arrepiadas no meio das freiras, no convento das irmãs Carmelitas, pintando e bordando no meio das pingüins de Jesuisis. Elas davam maior folga pro tinhoso, largadão de dar bundacanasca no meio do oratório. Era mesmo! Perdoavam até a coleção de páginas arrancadas com fotos de mulher com as chebas arreganhadas dos livros e revistas que apareciam às escondidas assanhando os meninos do internato e apregadas aos montes nas paredes do seu quarto, além de fazerem vista grossa com os seus profundos conhecimentos sobre a natureza da cloaca alheia. Não, de orifício o bicho entendia: sabia de cor e salteado o número de pregas no anel dos outros, mangando quando checava no teste da goma, a ausência de uma delas. E num era pra menos, os que gostavam de agasalhar uma brachola sempre zanzavam afoitas e se achegavam nele com uma coceira no papeiro, a fim de que ele diagnosticasse o que se passava no seu frande e, consequentemente, sanasse a comichão no seu escaninho. Num perdia tempo, no prurido do alesado, ele enfiava a macaca de chega dormir de braguilha aberta a noite toda. E ainda saía dizendo que o colo ileopélvico onde passa a tripa gaiteira estava com uma infecção só sanável com supositório de chapéu-de-vaqueiro de tantas polegadas de diâmetro, injetável três vezes ao dia, antes da descarga dos borborígmos eventuais. Isso acrescido de umas boas garrafadas ingeridas em jejum que ele fabricava no porão da capela e causava flatulências abundantes de ouvir-se na redondeza o maior peidorreiro da paróquia. Era póim! poim! poim! azucrinando a paciência dos cristões dali. E estufava o peito quando falava de fita cólica distal, de proctos, de retos, de sigmóide, de ramos epiplóicos, do anel anoretal e catimbofá e furicos e retilínios e analógicos, patati patatá, comprovando a sua profunda sapiência no assunto, vez que desviara um montão de marmanjo para assumição pesada da pederastia. Nego que num tivesse firmeza na homência, ele encaminhava para a pirobagem. Era só chegar um sorrateiro desmunhecando, ele pei buft! Mais uma gazela saltitante na floresta. E para azoar os homofóbicos, dizia, usando da sapiência do Trajano de Araripina que era amigo do seu primo Lombreta-boca-de-frô: - todo calango fudedor tem a rodela do cu vermelho! Arrepia, Mané! A vida ali no convento das freiras era muito boa e só passava aperto quando o dia já arreava pra noite que num via uma caçola de qualquer delas. Ôxe, era um aperreio do nego sair dando dentada, arrancando um taco do que tivesse pela frente. Ah! E quando chegava a ver qualquer que fosse a cor das intimidades delas, vôte, dava um carreirão pro matagal e só lhe encontrava tarde da noite com os olhos revirando na bronha. Eram dez encarreadas. De mesmo. Bicho raçudo, esse. Tirante este aperto, era para cima e para baixo na Rural, carregando as esposas de Jesuisis e aguentando a pecha dos desafetos: - Eita, lá vai o macho das freiras! Já vai né? Tô vendo! Virgem, que ele ficava injuriado. Comprava briga de instante em instante por causa disso, e a negada caindo na maior gozação. Piorou, aí é que a mundiça quando notou que ele esquentava o juízo com isso, caboetou para todos que agora só tratavam-no como "macho-de-freira". Acabou-se, pronto, bicudo, invocado, mordido com a gota, espezinhando de num adiantar em nada. Macho-de-freira foi e ficou. Até hoje. Um dia lá, deu uma escapulida do internato e encheu a cara na carraspana. Umas e outras até tarde da noite, quando se recolhendo, escondido, de volta pro internato, no meio do caminho, às escuras, se encontrou com uma manceba que caminhava a esmo entre as árvores do parque ecológico vizinho e deitou maior chavecada nas ouças da moça, a ponto de, depois de muita lengalenga, deixar o rapaz fuçar suas intimidades, enterrando nela semente de fazer gente. Foi uma agonia porque besouros, muriçocas, maruins, pernilongos vários, insetos de todo o tipo queriam participar da orgia ritualística que ocorria a céu aberto. Era um impado vexado a cada estocada que ocorria sincronicamente a cada picada dos indesejáveis invertebrados nas partes mais variadas do corpo dos sedentos, a ponto de sair todo pinicado de vermelho, mais parecendo acometido de sarampo ou rubeola. Um deus nos acuda no dia seguinte, retirado do convívio dos outros para não contagiar ninguém. Mas foi muita manha que elas deram pro safado. Botaram o menino a perder, mesmo. Uns dias na cama, uns meses sem botar a venta na rua mode castigo delas, quase dois meses depois, Tolinho inventa de dar outra escapulida, durante a qual teve uma inusitada surpresa. - Sumiu, né, minino? - Que é? - Táis isquecido d eu, né? - Qui foi? - É assim mermo, depois que arrevira e remexe, fica todo metido a desentendido! - E eu sei lá quem é você, mulé! - É, dois meses atrás, tarde da noite, você me conhecia desde o dia que nasci, até plantou semente nova em mim e hoje espero um filho seu! Tolinho teve um baque do coração querer sair pela boca. Olhou direito para as feições da moça: zarôlha, banguela, zambeta, ocrídia e grávida. Tudo isso junto, dava um carnaval da porra! A mulher não era feia não, era horrível! Um ET era mais simpático que aquela estrovenga de mulher ali, toda troncha, beiço arrebitado de dar dobra embaixo do nariz, cabelo espichado à pulso mais parecendo vassoura de piaçava enfiada na testa, os olhos aboticados parecendo mais que vão soltar fora, meio mundo de peito estufado numa blusa apertada e encardida, os quartos avantajados mais parecendo pára-lama de fusca amocegado, um traste! O bicho deu um carreirão de se esconder embaixo da cama. Notícia ruim, como se sabe, espalha rápido. Os pais dele, seu Beliato e Dona Conça-tranca-rua, souberam e foram catá-lo nos quintos dos infernos. - Vai casá, maloqueiro! - Mas, mãe... - Mas, mas, nada! Mexeu com a moça, vai casar! - Mãe, aquilo num é moça, é um bicho, mãe, tenha pena d´eu.... - Nada disso, cabeça num pensou, cu pagou! - Aquilo é um monstro, vai me comer vivo, mãe, tenha pena d´eu, mãe... Num teve jeito, a mãe irredutível. O seu Beliato ali, a tudo olhando, piscando os olhos, mudo, assentindo com tudo que a mulher resolvesse. Num dava um pio; nem fedia, nem cheirava. Dona Conça-tranca-rua que resolvesse as broncas dos filhos maleducados deles. E não adiantou nada Tolinho espernear, suplicar pela intervenção do pai, pedir por clemência à mãe, jurar inocência pelos santos do céu e do inferno, se ajoelhar choroso, plantar bananeira, contorcer-se, estrupiar-se, desmilinguir-se, prantear-se, nada. Num tinha quem demovesse a decisão inexorável da mãe. Tolinho estava entregue, a sina queimava o seu filme. Sem saída, todo macambúzio, precisou tomar qualquer decisão, menos casar com aquela assombração. Até que foi chorando pro quarto dos pais, remexeu umas gavetas, pegou o revólver do pai e pei! - E aí, doutor, como é que está o desgraçado? - perguntou a mãe entre aflita e revoltada. - Nada não, dona Conça, está bem... - Ele perdeu ou num perdeu o pingulim? - Não, não, o pingulim tá salvo, ele só ficou rancôlho. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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PENSAMENTO DO DIA – Escrevo
para que meus amigos me amem ainda mais. Pensamento do escritor, jornalista
e ativista político colombiano Prêmio Nobel de Literatura de 1982, Gabriel
García Marquez (1927-2014). Veja mais aqui.
PSIQUE PLURAL - [...] no
nível pessoal, deparamo-nos com a tarefa pluralista de reconciliar nossas
muitas vozes e imagens no interior de nós mesmos com o desejo e a necessidade
de nos sentirmos integrados e de podermos falar uma única voz. Esse processo
intrapsiquico é uma questão que envolve intensamente o sentimento. [...]
extraído de A psique plural:
personalidade moralidade e o pai (Imago, 1992), do psicoterapeuta,
professor, ativista e escritor inglês Andrew
Samuels.
PALAVRA & LINGUAGEM - [...] a palavra penetra literalmente em todas as
relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica,
nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político,
etc. As palavras são tecidas a
partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as
relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o
indicador ma is sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que
apenas despontam, que ainda não to mara m forma, que a inda não abrira m ca
minho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual se
produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram
tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de
engrendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar
as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. [...] Na realidade,
não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras,
coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc.
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou
vivencial. É assim que co mpreendemos as palavras e somente reagimos àquelas
que despertam e m nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. [...].
Trecho extraído da obra Marxismo e
Filosofia da Linguagem (Hucitec, 1999), do filósofo e pensador
russo teórico da cultura e das artes Mikhail Bakhtin (1895-1975). Veja
mais aqui.
A POESIA & VERSOS - [...] Para
escrever um verso, é necessário ver muitas cidades, homens e coisas; é
necessário conhecer os animais, sentir como voam os pássasros e conhecer os
movimentos com os quais as flores se abrem pela manhã. É necessário pensar de
novo nos caminhos das paragens desconhecidas, em encontros inesperados e em
despedidas que pareciam estender-se por longo tempo... É necessário ter
recordações... mas não é suficiente ter recordações. É preciso esquecer quando
são muitas e é necessário ter muita paciência para esperar que voltem. Porque
as próprias recordações não são ainda poesia. somente quando se tornam sangue,
olhar e gesto, sem nome e já sem que se consiga diferenciá-las de nós mesmos,
só então pode suceder que,em um momento muito especial, surja a primeira
palavra de um verso no meio delas e a partir delas [...]. Trecho extraído
da obra Teoria Poética (Júcar, 1987),
do escritor alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Veja mais aqui.
OS
HOMENS AMAM A GUERRA - Não sei com que armas os homens lutarão na
Terceira Guerra, / mas na Quarta, será a pau e pedra – Einstein / Os homens amam a guerra. Por isso / se armam
festivos em coro e cores / para o dúbio esporte da morte. / Amam e não
disfarçam. / Alardeiam esse amor nas praças, / criam manuais e escolas, / alçando
bandeiras e recolhendo caixões, / entoando slogans e sepultando canções. / Os
homens amam a guerra. Mas não a amam / só com a coragem do atleta / e a empáfia
militar, mas com a piedosa / voz do sacerdote, que antes do combate / serve a
hóstia da morte. / Foi assim na Criméia e Tróia, / na Eritréia e Angola, / na
Mongólia e Argélia, / no Saara e agora. / Os homens amam a guerra / E mal
suportam a paz. / Os homens amam a guerra, / portanto, / não há perigo de paz. /
Os homens amam a guerra, profana / ou santa, tanto faz. / Os homens têm a
guerra como amante, / embora esposem a paz. / E que arroubos, meu Deus! nesse
encontro voraz! / que prazeres! que uivos! que ais! / que sublimes perversões
urdidas / na mortalha dos lençóis, lambuzando / a cama ou campo de batalha. / Durante
séculos pensei / que a guerra fosse o desvio / e a paz a rota. Enganei-me. São
paralelas / margens de um mesmo rio, a mão e a luva, / o pé e a bota. Mais que
gêmeas / são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar / são o ouroboro- cobra
circular / eternamente a nos devorar. / A guerra não é um entreato. / É parte
do espetáculo. E não é tragédia apenas / é comédia, real ou popular, / é algo
melhor que circo: / — é onde o alegre trapezista / vestido de kamikase / salta
sem rede e suporte, / quebram-se todos os pratos / e o contorcionista se parte /
no kamasutra da morte. / A guerra não é o avesso da paz. / É seu berço e seio
complementar. / E o horror não é o inverso do belo / - é seu par. Os homens
amam o belo / mas gostam do horror na arte. O horror / não é escuro, é a
contraparte da luz. / Lúcifer é Lubel, brilha como Gabriel / e o terror seduz. /
Nada mais sedutor / que Cristo morto na cruz. / Portanto, a guerra não é só
missa / que oficia o padre, ciência / que alucina o sábio, esporte / que
fascina o forte. A guerra é arte. / E com o ardor dos vanguardistas / frequentamos
a bienal do horror / e inauguramos a Bauhaus da morte. / Por isso, em cima da
carniça não há urubu, / chacais, abutres, hienas. / Há lindas garças de
alumínio, serenas, / num eletrônico balé. / Talvez fosse a dança da morte,
patética. / Não é . É apenas outra lição de estética. / Daí que os soldados modernos
/ são como médico e engenheiro / e nenhum ministro da guerra / usa roupa de
açougueiro. / Guerra é guerra! / dizia o invasor violento / violentando a
freira no convento / Guerra é guerra! / dizia a estátua do almirante / com a
boca de cimento. / Guerra é guerra! / dizemos no radar / desgustando o inimigo /
ao norte do paladar. / Não é preciso disfarçar / o amor à guerra, com história
de amor à pátria / e defesa do lar. Amamos a guerra / e a paz, em bigamia
exemplar. / Eu, poeta moderno ou o eterno Baudelaire / eu e você, hypocrite
lecteur, / mon semblable, mon frère. / Queremos a batalha, aviões em chamas / navios
afundando, o espetacular confronto. / De manhã abrimos vísceras de peixes / com
a ponta das baionetas / e ao som da culinária trombeta / enfiamos adagas em
nossos porcos / e requintamos de medalha / - os mortos sobre a mesa. / Se
possível, a carne limpa, sem sangue. / Que o míssil silente lançado à distância
/ não respingue em nossa roupa. / Mas se for preciso um banho de sangue / - como
dizia Terêncio:-sou humano / e nada do que é humano me é estranho. / A morte e
a guerra / não mais me pegam ao acaso. / Inscrevo sua dupla efígie na pedra / como
se o dado de minha sorte / já não rolasse ao azar, / como se passasse do branco
/ ao preto e ao branco retornasse / sem nunca me sombrear. / Que venha a
guerra! Cruel. Total. / O atômico clarim e a gênese do fim. / Cauto, como
convém aos sábios, / primeiro bradarei contra esse fato. / Mas, voraz como
convém à espécie, / ao ver que invadem meus quintais, / das folhas da bananeira
inventarei / a ideológica bandeira e explodirei / o corpo do inimigo antes que
ataque. / E se ele não atirar primeiro, aproveito / seu descuido de homem
fraco, invado sua casa / realizando minha fome milenar de canibal / rugindo sob
a máscara de homem. / — Terrível é o teu discurso, poeta! / Escuto alguém
falar. / Terrível o foi elaborar. / Agora me sinto livre. / A morte e a guerra /
já não podem me alarmar. / Como Édipo perplexo / decifrei-a em minhas vísceras /
antes que a dúbia esfinge / pudesse me devorar. / Nem cínico nem triste. Animal
/ humano, vou em marcha, danças, preces / para o grande carnaval. / Soldado,
penitente, poeta / — a paz e a guerra, a vida e a morte / me aguardam / — num
atômico funeral. / — Acabará a espécie humana sobre a Terra? / Não. Hão de
sobrar um novo Adão e Eva / a refazer o amor, e dois irmão: / — Caim e Abel / —
a reinventar a guerra. Poema do poeta Affonso Romano de Sant’Anna.
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