TRÍPTICO DQP – Umestória
puxoutra... - Ao som do álbum Em família (EMI, 1981), de Egberto Gismonti. - No meio de tantontens, lembrançadvenas, uma: primeiro peixes pulavam
fora d’água e morriam à beira do rio. No começo aquilo era o espetáculo de
todos os dias na cidade. Depois, com o acúmulo deles, tudo dançava até as
plantas secarem, as árvores, e o chão se abriu. Um buraco espetacular dos olhos
pularem quase fora. Tornou-se uma cratera e, na borda dela, juntavam-se gatos,
depois cachorros, galos e galinhas, bodes e cabras, bezerros, vacas e bois,
cavalos e éguas, pássaros e répteis, todos os bichos da redondeza ali se
amontoavam numa dança estranha. Em seguida todos despencavam como se fossem engolidos
pela cova que mais se agigantava. As coisas andavam realmente bizarras por ali
e, com o passar do tempo, perdia o fascínio nem mais engraçado. Mais dias e as crianças lá chegavam aos passos e gestos extravagantes. Não pode ser! Também
moças e rapazes, senhores com suas senhoras, anciões de mãos dadas com suas
consortes anciãs, todos num bailado excêntrico, para, em seguida, como se fosse
ritual macabro, jogavam-se voluntários para serem consumidos pelo insaciável algar. Outros
temiam a ponto de não se aproximarem dali, nem arredarem o pé de casa. Só crescendo o
perau. Os que fugiam, nunca voltavam, nem que fosse na marra, pois cismavam
de cabelo em pé e, aos tombos, para recorrerem atônitos às autoridades. Rondava
a alegação de que aquilo era pior que o Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Mesmo? Nada a ver. Muito maior! E diziam disso e daquilo. Amedrontados,
não sabiam o que fazer: rezavam de joelhos e de mãos dadas continuamente. Como não surtia
efeito, vagavam para todos os lados, buscando providência que desse cabo do
inusitado. Muque, munheca, caixa dos peitos, insuficientes. Revolver,
espingarda, fuzil, canhão, reles brinquedos perto do estrupício. Aquilo, afinal, o que seria?
Apareceu uma tuia de pesquisador, jornalistas, curiosos e boateiros, tudo para
saber do ocorrido, até um bocado deles desaparecer na tragédia. Minha nossa! Alguns
mais precavidos logo assimilavam ter sido o mesmo que ocorrera na primeira
tragédia de Alagoinhanduba. Como é? Teve
até quem relacionasse a ocorrência com o desastre do Minamata e, por
coincidência, foi justo na hora em que fui abordado pela atriz japonesa Minami Bages. Epa! Logo me confundiu com
um fotógrafo desconhecido e tudo já se parecia com o enredo de Andrew Levitas. Endoidou geral, para mim. Ela se ria de tudo,
contando-me os mínimos detalhes do ocorrido por lá. Fui levado a acreditar
porque o cogitado sequer foi descartado. O pior foi que à boca da noite só se
via uma movimentação nos ares, como se fossem os defuntos do Cerro
do Pasco de Scorza: um bocado de fantasmas atiçando a todos para uma
revolução! Oxe! Pernas pra que te quero, ora! Escondido numa sala dum prédio enorme,
ela ali, arfante, olhou-me severa e me disse como se fosse a poeta britânica Christina Rosseti (1830-1894): É melhor esquecer e sorrir do que recordar e
entristecer-se... O silêncio é mais musical do que qualquer canção... Era
o maior vexame e ela como se nada acontecesse por ali. Como pode? Lá fora maior azáfama.
Cá dentro, ela deitou a cabeça sobre minha coxa e adormeceu...
Vida de trovador... – Imagem:
arte da artista visual estadunidense Ann Hamilton. - Ao despertar,
não sei se o dia era outro ou o mesmo, entendia nada, se sonho ou real. Só
sentia indisposição para me levantar. Logo percebi ao meu colo um volume aberto
e com a inscrição: Eu, Miquel de la Tour,
escrevo, faço-vos saber... Danou-se! Mais que curioso folheei e tomei
ciência quais damas eram cortejadas pelos menestréis lá por volta dum século lá
da Idade Média, coisa parecida com o que havia lido n’A Arte da Poesia de Pound.
Reli para me certificar e contava: O
monge Gaubertz de Poicebot era um de estirpe; era do bispado de Limousin, filho
do castelão de Poicebot. Fizeram-no monge quando criança, num monastério
chamado Sai Leonar. E conhecia bem as letras e sabia cantar e trobar. E por
desejo de mulher, ele saiu do monastério. E dali foi à procura do homem a quem
buscavam todos aqueles que, por cortesania, ambicionavam honras e grandes
feitos – Savaric de Mauleon – e esse homem lhe deu o arnês de um jogral, um cavalo
e roupas; e ele então percorreu as cortes, compôs e fez belas canzos. E
entregou o coração a uma bela e gentil donzela, pelo que Savaric o fez
cavalheiro, concedendo-lhe que ele conseguisse tomá-la por esposa. E ele contou a Savaric de que maneira o recusara aquela donzela,
pelo que Savaric, concedeu-lhe terras e as rendas delas. E
ele desposou a donzela e a honrou sobremaneira. E aconteceu que ele foi para a
Espanha, deixando-a. E um cavalheiro vindo de Inglaterra a desejou; e tanto o
fez e tanto disse que a levou consigo e a teve muito tempo por amante e depois
a deixou na sarjeta. E Gaubertz voltou da Espanha, e hospedou-se certa noite na
cidade onde ela estava. E desejando uma mulher, saiu e entrou no alberc de uma
pobre mulher, pois tinham-lhe dito haver ali uma bela mulher. E ele encontrou a
esposa. E quando a viu, e ela a ele, grande foi a tristeza e maior a vergonha
entre ambos. E ele esteve aquela noite com ela, e pela manhã foram para um
convento onde ele a fez entrar. E, de tristeza, deixou de cantar e compor.
Ah, esse relato era o mesmo citado, agora sim, me certificara. Voltei à leitura
e fui interrompido por ela que ali adentrara para dizer que íamos fugir naquela
noite. Como assim? Respondeu-me ironicamente com o Autorretrato de Joel Silveira: Sou um homem que faz
perguntas – nunca fui mais na vida. E assim serei, certamente, até o último dia,
que também será o dia da última pergunta. E me sorriu lindamente como quem possuía
a urgência no olhar, trêmula dentro do hábito, porque o asteroide Kamo’oalewa se aproximara perigosamente
da Terra. Era uma urgência desmedida: havia um grande contingente de cegos e
surdos, outros apresentando fraqueza e distúrbios sensoriais nos pés e mãos, alguns
tantos chegaram a ficar paralíticos e muitos outros morreram. Não brinca! Verdade,
arrume-se! Para onde? E num misto entre angelical e ansiosa, recitou-me o poeta
russo Afanasy Fet (1820-1892): Compartilhe comigo seus sonhos de viver, / Dirija-se
diretamente à minha alma; / O que não pode ser expresso apenas em palavras - / Ventile
minha alma na forma de som. Depois, aproximou-se mais e senti sua alma
tomando a minha. Éramos um: olhos nos olhos, sua respiração rente às minhas
faces, sua vibrante carne: uma sinapse na minha. Beijou-me
e saiu como se fosse nunca mais.
A sina da caçula...
– Imagem: a arte da escultora, fotógrafa
e artista visual britânica Helen Chadwick (1953-1996).
– Décadas passaram e, um dia lá, ao
reencontrá-la, a vida parecia não ter sido tão madrasta assim: estava mais
linda que nunca. Depois de muita conversa, contou-me a sua história - talqualzinha
aquela contada pelo escritor, médico e dramaturgo, Ronaldo Correia de Brito, numa das edições da Continente
Multicultural: era caçula de três irmãs e o pai, que era podre de rico,
enviuvara de repente. Macambúzio com seu luto, resolveu reunir uma em outra, às
confidências. Da conversa, a mais velha saiu cantarolando, havia recebido um
quinhão polpudo por herança. Era a vez da do meio que saiu mais feliz que
nunca, bailando a partilha vantajosa. Era a vez dela. Ao término da conversa, o
pai ficou calado. Ela esperando. Nenhuma reação dele. Então ele se levantou,
ficou mudo em pé na janela pro mundo, por um longo tempo. Lá pras tantas,
voltou-se pra ela cheio de ira e deu-lhe o castigo: de casa para a rua! Estava
deserdada. Por quê? Deve ter sido pelos namoricos ou por gostar de artes, ou
por ser a saidinha nada obediente, ou coisa parecida, tudo que ele reprovava
demais. As irmãs nem intercederam e, nem bem amanheceu, caiu estrada afora. Mais
vinte anos e, de repente, à sua porta, alguém pedia socorro. Era um senhor de
idade e, mesmo que quisesse, não havia como negar abrigo. Afinal, o solicitante
estava em petição de miséria – a situação dela nada diferente em privação. Acolheu
e cuidou por semanas. Ao se restabelecer, o ancião contou-lhe a história. Ela chorou muito: era o seu pai. E as irmãs premiadas haviam fechado a porta. Da
mesma forma que ela não soube a razão pela qual foi expulsa de casa, ocultou
quem era. E mesmo assim cuidou dele até o dia em que ele, à morte, atendeu o
pedido dele e revelou seu segredo. Não havia mais tempo: ele só ouviu,
apertou-lhe uma das mãos e deu o último suspiro. Tudo muito triste. Diante da
minha expressão interrogativa, respondeu-me como se lesse para mim um trecho da
obra The Rejected Body: Feminist
Philosophical Reflections on Disability (Routledge, 1996
), da professora e editora estadunidense Susan Wendell: Se
as pessoas com deficiência fossem realmente ouvidas, ocorreria uma explosão de
conhecimento do corpo humano e da psique... Compreendi em parte,
evidentemente. E havia muito mais para contar: ela fora acometida por uma
enfermidade que a deixou inválida por dois longos anos, até se recuperar quase
sem esperança. Perguntei: Então é você? Sim sou eu. A vida somos todos nós. Até mais ver.
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