RASCUNHO
SOLITÁRIO – Cada cabeça é um mundo: crenças, costumes,
vícios, tudo enquadrado em closes e poses, e desde que o mundo é mundo, não
aprendi a lidar direito com certas coisas, eu mesmo desaprendi de muitas, se
perto, longe ou equidistante; acima, embaixo, dicotomias paralelas ou
convergentes. Mesmo quando a mão ausente pedia passagem, ou o abraço amigo era
um copo vazio do que foi bebido ontem, mesmo assim, a esperança se fez um lance
de gol desperdiçado na final do campeonato e o desiderato nada mais que tomar
posição pro chute de quem precisa aprumar a pontaria. Aprendi doutro jeito, o
que vejo, ao fechar os olhos ou apagar a luz. Compreendo o que sinto jamais aos
olhos, e posso estar certo ou errado, pouco importa, vale o que se apreende e o
sentido além dos sentidos, o imperceptível se desvela. Se antes nem era, agora
sou ou já deixei de ser. Talvez perdido mãos à testa para afastar o suor ou ao
rim para amainar a sede, sempre vigilante e cauteloso pelos estreitos caminhos
intermináveis de lodo pútrido e gritarias inauditas, temores de sempre com seus
trechos longíquos em que a chegada mais que ansiada jamais acontece, sempre
interrompida por essa ou aquela monotonia desolada de quem espera e mais espera
entre as clareiras das covas e do matagal na semeadura infértil de todos os
langores e descrenças. A fome invariavelmente bate aguda nas horas mais
prementes e a suntuosidade gastronômica ali restava não mais que gravetos secos
carregados de formigas entre lembranças repassadas no palimpsesto da memória.
Não havia só uma, duas, três, muitas, senão todas remebranças entre visíveis e
invisíveis, inventadas ou por criar. Não mais um só caminho, todos; ou uma só
canção, todas. É só achar o que é de seu, o que pode ser de muitos ou de todos.
A parte que me cabe é a totalidade, a mim e para todos. Apesar de tudo, vou só.
© Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
Curtindo a arte musical do compositor,
crítico e produtor musical Edino Krieger.
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Dia Branco, Ítalo Calvino, Isaac Newton, Henrich Heine,
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&
DESTAQUE:A CAÇA DA SERPENTE
[...] Repentinamente,
ao desembocar numa clareira, o indígena que os guiava gritou, dando um salto
para trás: - A cobra! Subitamente os cinco caçadores, que vieram da cidade para
uma caçada na fazenda, neofitos nestes transes de cinegética, sentiram que por
todo corpo debaixo da pele, lhes corria um vivissimo calafrio. E sem esforço,
espontaneamente, desfilaram por suas memórias, atropelando-se, todas as
histórias em que as serpentes são protagonistas terríveis. Viam esses fatos com
expressão admirável, com nitidez surpreendente. – A cobra! A palavra, soando em
seus ouvidos, sob o sol dos trópicos; perdidos naquele mar de espigas douradas,
hipnotizados como se o fluido dos olhinhos da serpente – redondos, miudinhos,
dominadores – estivessem fixados neles, através das névoas que, condensando-se no
tempo, distanciam as épocas em que as fábulas aconteceram [....].
A caça da serpente,
extraído da obra Contos e fantasias
(1895), do escritor e jornalista salvadorenho Arturo Ambrogi (1875-1936), um dos pioneiros do Modernismo na
América Latina.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: Peace and Love, art by Jim Thompson.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.