DOS REVEZES QUE
NÃO POUPAM A AMIZADE E O AMOR – Imagem: Love and
violence (1963), da artista plástica, escultora, escritora, dramaturga e
roteirista Rosalyn Drexler. - Os pariceiros João e José, carne e unha, pacto de sangue,
amigos à toda prova. Tudo dividiam e se completavam: goles, boias, putas e
apuros. João casou-se com Maria, José com Joana: quarteto perfeito. Uns aos
outros família mais que unida, necessidade de um, ação de todos. Ele, fanático
de paixão, aprontava das suas: não largava um rabo de saia, Maria que não
soubesse. Com José, sumiam nas capoeiras do mundo. Fora de hora chegava em
casa, a mulher mãos no quarto: isso são horas? Não passava aperto, uma saída
pronta na ponta da língua, ostentava maior lábia, carregado de ademanes. Ela
fingia tudo bem e dormiam o sono do fica pra outra, não será dessa vez. No
outro dia, a ferrenha competição: Maria ficou cabreira, e a comadre Joana? Oxe,
virou mulher de bigode, nem o diabo pode. E aí? Macho é rei, faz e acontece.
Assim a coisa ia por anos, até o dia, durante uma farra domingueira, embaixo da
mesa os pés de Maria na virilha de José. Ele teve um baque, quase cai morto. O
que é isso? O nome não faz a santa, pensou. Maria minimizou: estava cutucando
Zé para mangar de Joana. A intervenção da comadre deixou tudo em pratos limpos:
amigas inseparáveis, brincadeiras de casal. Desculpas esfarrapadas, sacou a
mulher assustada, trêmula e hesitante; a comadre passava a mão na cabeça dela,
fazia de conta pra atenuar o perigo; o amigo, olhos arregalados, balbuciava sem
jeito, sem conseguir esboçar nada que explicasse aquilo. Ah, tá, ficou assim
não, destá. A desconfiança descia como um réptil pelas ocasiões daí por diante,
não descansava no quengo nem no coração dele: logo a sua mulher e o melhor
amigo. Que coisa! Não, ele agora não era tão mais digno de sua amizade como
pensara por esses anos todos. Agora, de mesmo, ele só queria flagrar ambos em
intimidades e dar um fim a tudo isso. Para tanto, chegava intempestivamente em
casa, dizia que ia fazer uma coisa pros dois e voltava antes do previsto,
atocaiava ambos, não tinha sossego. Não fosse uma tarde inesperada o flagrante
de Maria nua e aos beijos na kombi de Zedinaldo, ele manteria o amigo ainda de
soslaio. Foi pior. Baixou a crista, separou-se dela e nunca mais foi o mesmo
com os compadres: desconfiava conluio dos dois, ambos escondiam as safadezas dela,
tinha ele certeza na sua dúvida, o último sempre a saber. Escondeu-se do mundo
e de si, a insincera capa da hipocrisia denegriu sua reputação. Por
conseguinte, perdeu o entusiasmo e não se importava mais com o que diziam dele,
sempre pedras na sua direção. Ninguém se lembrava dele como trabalhador, o
craque dos tacos e das porrinhas, o vencedor de todo vamos ver. Não, agora era
outro, antes a pecha incomodava, agora não mais. Entrementes, mantinha-se
cabisbaixo, exangue, buscava forças dentro de si, tentando se reencaixar ao
molde como o mundo funciona, havia perdido o jeito. Não sabia o que fazer para
resgatar a vitalidade, via-se indigno ou inaceitável, indesejável, suprimido,
rejeitado, impotente e incapaz de retomar a vida, não sabia mais como operar o
mundo conformado a padrões e modos de comportamento, os seus limites todos
estreitos e insatisfatórios fizeram-no render-se à consternação da desventura, vítima
de um doloroso teste, de uma lição muito amarga, o perfeito desprezo vingativo
de uma mulher. Mudo e rígido, pensou seguir pelas ruas, sem paradeiro, andrajoso,
o esvaziamento e a depressão. O seu inflado orgulho estava ferido, pelo menos
de mãos limpas entre lamas e detritos. As coisas não são tão facilmente
maravilhosas como se pensa e ele sabia que mergulhara no caos, o qual não sabia
nem como dissipá-lo. Só seguia sem nem mais saber quem era, nem quem poderia
ser ou para onde ir. Seguia. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
Curtindo os álbuns Mundo Verde Esperança
(2002), A Música Livre de Hermeto Pascoal (1973), Zabumbê-bum-á
(1979) e Cérebro Magnético (1980), do compositor, arranjador e
multi-instrumentista Hermeto Pascoal. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
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da Silveira, Egberto Gismonti, Galileu Galilei, Irena Sendler, Michelangelo
Antonioni, Charles André van Loo & Anna
Paquin aqui.
A folia do prazer na ginofagia aqui.
Fecamepa & a Independência do Brasil aqui.
Têmis, Walter
Benjamim, Luís da
Câmara Cascudo, Sandie Shaw, Patrícia
Melo, Marie Dorval, José Roberto
Torero, Julia Bond & Iracema Macedo aqui.
Nise da Silveira & Todo dia é dia da mulher aqui.
&
DESTAQUE: O MORRO DE MAMBIALA
[...] Havia
alguns dias, que o negro e os seus se deitavam sem nada comer, e naquela manhã
que foi a de um Domingo de Ramos, Serápio despertou lembrando-se que sonhara
estar metido dentro de uma abóbora, da mesma maneira que a criatura ainda não
nascida, no ventre materno: e com todos os dentes intactos mordia-lhe na polpa,
e a abóbora saltava e corria, aflita, gritando: “Socorro! Socorro!” – que lhe
faziam cócegas; que acabaria louca... – Será um aviso do céu: - conjeturou o
negro, persignando-se. – Se encontrasse hoje na Mambiala essa abóbora! E depois
de contar – muito alegre – o sonho á família, subiu para o alto da ladeira, e
esteve muito tempo procurando-a com grande afinco. Folhas,. Talos, e mais
folhas! Em todo o denso, peludo e entrançado aboboral, não havia uma só abóbora
minguada: e não ficou lugar onde não procurasse. De procura em procura, soaram
as doze horas do dia; a hora em que outros homens se estavam sentando para
almoçar. Serápio chorou, implorando a Deus e a Mambiala. Voltou pacientemente a
explorar, canto por canto, de ponta a ponta, o aboboral. [...] Já estava caído, mas antes de abandonar a
última esperança, postou-se de joelhos e ergueu os braços para o céu.
Lembrou-se de uma estampa sagrada que contava um milagre, e se pôs a invocá-la.
O céu não lhe fez o menor caso. Não choveu sobre a sua cabeça nenhuma abóbora.
No auge da aflição, caiu de bruços. Quando, depois de haver chorado todas as
lágrimas dos seus olhos, levantou-se para ir embora, viu ao seu lado uma panelinha
de barro vermelho, em cujas extremidades o sol brilhava como um ouro úmido. A
mais fresca e graciosa que saiu jamais das mãos de um artífice. Tão simpática,
que sentiu alegria e um desejo de acariciá-la... Como se fosse natual que ela o
pudesse entender, e ainda mais natural que o pudesse consolar, assim falou: -
Ah, como é tão bonita, e como é redonda e novinha! Quem a trouxe para cá? Algum
desgraçado como eu, procurando uma abóbora? – perguntou-lhe, suspirando: - Como
se chama, negrinha gorda? A panelinha, movendo-se sobre as suas bordas, com justa
garridice, respondeu: - Eu me chamo Panelinha Cozinha Bem. – A fome me faz
ouvir disparates – pensou Serápio – Como se chama? É você quem fala, ou sou eu
mesmo que sou dois, um em bom juízo e outro louco, e os dois famintos? –
Panelinha Cozinha Bem. – Pois cozinhe para mim. A panela fez uma volta no ar.
Sobre a relva apareceu uma branquíssima toalha de mesa, e em vasilha fina, faca
e garfos de prata, foi servido um almoço delicioso, ao desgraçado, que não sabia
usar de outros talheres que não fossem os seus próprios dedos; mas ele comeu
até dizer não posso mais, e bebeu até sentir que o morro de Mambiala começava a
bambolear... [...].
O morro de Mambiala, conto
extraído da obra Contos negros de Cuba
(Cuentos negros de Cuba – Universal, 1986), da
antropóloga e escritora cubana Lydia Cabrera (1899-1991).
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
do escultor neoclássico estadunidense Hiram Powers (1805-1873).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: Yoga
Mudras I (Carved
stone Spiritual Hands sculptures), da escultora inglesa Nicola Axe.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.