CARTA DE CONDOLÊNCIAS - Imagem: arte da
escultora e artista visual Cristina
Ripper. - A cada passo eu piso em falso pela paisagem embaraçada em
pleno meio dia e para que a tarde seja tão imprevisível quanto a noite confusa no
céu impossível. Para quem perdeu o sono, o amanhecer é escasso como aqueles que
fazem o pequeno número no rol do apreço, de contar nos dedos e quase nem vê-los
escapulindo por trás dos montes do desprezo. Assimilo à contraluz a insensatez –
oh, humanidade canhestra -, o reverso da medalha e os golpes contínuos no
abrigo dos vivos, confinado aos gestos e atitudes que passam lá longe e alheios
aos acontecimentos, e absortos pela negra venda da ignorância cega à vasilha do
destino e ao recipiente da morte, para nos mostrar as misérias da fortuna. Estou
só, quem não está nessa hora, eu bem sei. Nunca esperei nada, nem do merecido,
muito menos o prometido, e para quem não sabe o que fazer na vida, lançado ao
fogo ou abandonado à própria sorte e à explosiva força centrífuga dos
desenganos, o meu abraço fraternal. Estou peito aberto para quem foi pro fundo
do poço e não saiu de lá, porque ainda há tempo, e Thiago canta versos do
coração diante do inevitável desfecho suspeito de proibições formais e sujeito
a toda sorte de calamidade, aqui estou eu. Sou mãos de peito aberto para quem
restou apenas o telhado a céu perdido e os males voando por todos os lados, cansado
já de agitar os braços infelizes por socorro, rendendo-se de cócoras e
desafortunado, com menos de meia dúzia de opções baldadas, na sua
ignorância-plutão de vê-se condenado desde o pecado original até ao mais
recente decreto municipal, para cumprir mais esmerado a sua tarefa sobre a
tampa de um tonel inflamável com a dádiva das coisas, aqui estou, estamos. Sou abraço
de peito aberto para quem perdeu a esperança, como se Pandora trouxesse uma
nuvem negra e o Sol deixasse de eclodir no Leste, mesmo que ela pareça que voou
e foi embora com suas vestes esvoaçantes, nada mais de nada mais, sou coração solidário
para que juntos possamos irromper foco de luz capaz de mostrar que somente a
esperança permanece dentro, e aqui estou, estamos, vamos juntos. E mesmo que
soem condolências, não olho pra trás, nem posso ou deva, sou mãos postas e
braços peito aberto para que a saibamos desencontrados, lamentando a distância
regulamentar pela correria no afã do ouro com seus laços dissolutos, aqui
estou, estamos. Aqui estou a desculpar da pressa do relógio com sua lâmina
afiada degolando sentimentos e a lamentar do corte na ternura para quem hasteou
a soberba de bloco do eu sozinho na pisada de uns sobre outros, pela
competitividade e conquistas de nada, aqui estou, estamos. Aqui estou a perdoar
dos ardis com seus toques de arrodeio só para chegar antes que todos ao pódio,
com todas as comemorações dissimuladas de sabedoria ádvena da lealdade, aqui
estou, estamos. Aqui estou e só nos resta, nada mais, só as mãos postas, espalmadas,
o peito aberto e o abraço, agora vamos. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico, linguista e professor
universitário Luiz Tatit: Rodopio, Depois melhora & A companheira; da cantora e
compositora Luiza Possi: Sobre o amor e o tempo, A vida é mesmo agora & Seguir
cantando; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A
questão não é a de saber se conseguimos esgotar um potencial disponível ou a
ser ainda desenvolvido, mas a de saber se escolhemos aquilo que podemos querer
para os fins de uma pacificação e satisfação da existência. [...]. Trecho
extraído da obra Técnica e ciência enquanto ideologia (Edições 70,
1968), do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Veja mais aqui.
LÉVINAS & A EDUCAÇÃO – [...] Pensar
a educação como acontecimento ético implica fazer da experiência educativa um
lugar de encontro com o Outro; significa, de modo contrário à relação que visa
à objetivação do Outro na educação, estar disposto a lançar-se a novos
horizontes desconhecidos, expondo-se, com isso, ao inesperado, ao imprevisível,
ao irredutível do Outro, com todos o riscos que o encontro exige e toda
insegurança e inquietação que ele provoca. Na educação, o sujeito que não se
expõe ao desconhecido é incapaz de sentir a força transformadora do encontro
com o Outro, a qual está na base da experiência educativa. Lá onde acontece a
educação, produz-se um encontro do professor (não como um sujeito que sabe) com
o aluno (não como aquele que não sabe). Uma relação que não pressupõe o
exercício de transmissão de saberes, mas o encontro do que se sabe responsável
pelo outro, obrigado a dar-lhe uma resposta na situação de radical alteridade.
[...]. Trecho extraído do artigo Lévinas e a reconstrução da subjetividade ética aproximações
com o campo da educação (Revista
Brasileira de Educação, 2014), de José
Valdinei Albuquerque de Miranda. Veja mais aqui e
aqui.
GIOVANI - [...] Impaciente,
fico imaginando o motivo pelo qual ela parece tão preocupada. Mas a mulher
sorri assim que abro a porta, num sorriso que emana a coquete e a matrona. Ela
já é bastante idosa e, na realidade, não é francesa. Veio para a França já
muitos anos, “quando era muito novinha, senhor”, cruzando a fronteira e saindo
da Itália. Como a maioria das mulheres dali, parece ter entrado em luto assim
que o último filho deixou de ser criança. Hella achava que eram todas viúvas,
mas verificamos que a maioria tinha maridos ainda vivos. Esses maridos pareciam
seus filhos e às vezes jogavam belote num campo próximo à nossa casa e seus
olhos, quando viam Hella, continham a vigilância orgulhosa de um pai e a
especulação vigilante de um homem. [...] Tratavam-me como o filho há pouco iniciado na idade adulta, mas ao
mesmo tempo com grande distância, pois eu realmente não pertencia a qualquer um
deles, e eles também sentiam (ou eu achava que sim) alguma coisa em mim, coisa essa
que não era de sua conta aprofundar. [...]. Trechos extraídos da obra Giovanni (Civilização Brasileira, 1968),
do escritor norte-americano James
Baldwin (1924-1987), contando a história de dois jovens em Paris para
resolverem a relação de todos os problemas da existência, angustiada e cheia de
variados sentimentos. Veja mais aqui.
TRÊS POEMAS - RILKE SHAKE: salta um rilke shake / com
amor & Ovomaltine / quando passo a noite insone / e não há nada que ilumine
/ eu peço um rilke shake / e como um toasted Blake / sunny side pra cima / quando
estou triste / & sozinha enquanto / o amor não cega / eu bebo um rilke shake
/ e roço um toasted Blake / na epiderme da manteiga / nada bate um rilke shake
/ no quesito anti-heartache / nada supera a batida / de um rilke com sorvete / por
mais que você se deite / se deleite e se divirta / tem noites que a lua é fraca
/ as estrelas somem no piche / e aí quando não há cigarro / não há cerveja que
preste / eu peço um rilke shake / engulo um toasted blake / e danço que nem
dervixe. A MINA DE OURO DE MINHA MÃE & DE MINHA TIA: se chamava / ilha da
feitoria / ou ilha do meio / onde as duas vendiam / cosméticos avon / chegavam
de bote / motorizado / com fardos de produtos / batons rímeis perfumes / e
sobretudo rouges / eram recebidas / pelas donas de casa / cabeludas / bigodudas
/ panos de prato no ombro / filhos ranhentos no colo / minha mãe & minha
tia procediam / ao embelezamento das nativas / devolviam-lhes cores / às faces
/ todo o espectro de cores / de um céu de fim de tarde / na lagoa dos patos / azuis
e roxos e laranjas e rosas / e depois lhes emprestavam / espelhos / as donas de
casa da ilha do meio / compravam muita maquiagem / minha mãe & minha tia / enchiam
sacos de dinheiro. MULHER DE ROLLERS: no condomínio querem saber / se ela pirou
de vez / ou se vai competir / nalguma espécie de jogos olímpicos / porque deu
para andar de rollers / na área comum do prédio / prejudicando a saída / e a
entrada de veículos / ainda por cima anda mal / nem ganhou velocidade / pirueta
é coisa então / para a próxima encarnação / consternação entre condôminos / com
seu senso do ridículo / “essa daí vai acabar / como na música do chico ”/ “vai
passar na avenida / um samba popular?” / “não, atrapalhando o tráfego”. Poemas
da poeta e tradutora Angélica Freitas, autora dos livros Rilke Shake
(São Paulo: Cosac Naify, 2007) e um útero é do tamanho de um punho (São
Paulo: Cosac Naify, 2013).
A ARTE DE ANTONIO TORRES
O premiadíssimo
escritor, jornalista e ocupante da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras,
Antônio Torres, é autor de diversas
obras, entre as quais destacamos Essa Terra, relato emocionante de um homem que
retorna à cidade natal depois de vinte anos de ausência, desiludindo-se com
tudo que reencontra, enforcando-se, por conta disso no gancho de uma rede. A
obra já foi destacada neste espaço, como também alguns dos seus títulos
infanto-juvenis. Por conta disso, veja mais aqui, aqui e aqui.
Exposição
Em-Cantos de Palmares, do artista plástico José Durán y Duran & muito mais
na Agenda aqui.
&
A arte da escultora e
artista visual Cristina Ripper aqui.
&
Tudo dela pra mim, O livro vermelho de Carl Gustav Jung, a música de Livio Tragtenberg & a arte de Luciah Lopez aqui.
&
Das coisas & coisas, a literatura de Paul Auster, a coreografia de Luciana
Achugar, a arte de Debbie Lee & a música de Marisa Ricco aqui.