QUEM O AMOR DE TANTOS AMORES – Imagem: George Sand, do pintor do
Romantismo francês Eugène Delacroix (1798-1863) – Amandine nasceu como o dia e era
Aurore, e podia ser Lucille com seus encantos, ou mesmo Dupin pelas ruas, ou: uma
menina de muitos nomes e tantas aventuras. Ainda criança, uma queda do cavalo e
o pai perde a vida às travessuras de infância com Hippolyte, sob os cuidados da
avó atenta. E ao brincar, passa da conta, levada para um convento, se apaixona
pelo silêncio e introspecção das paredes de pedra: diversões de espírito
independente para música e teatro. Com a morte da avó, um novo sofrimento, o
que seria dela sem mais ninguém. E para herdar Nohant, uma crise mística e um
casamento com François: dois filhos e um divórcio por conta de tantas coisas e
pela paixão repentina dela por Jules: uma frenética atividade e parceria no Le Figaro e Rose et Blanche. Para valer na vida, a menina tinha de ser menino –
senão não haveria como realizar seus sonhos, havia de ser entre outros. E ganha
do amor o pseudônimo, George: adota o vestuário masculino – um redingote-guérite, chapéu, calças,
botas, gravata, o andar firme pelas ruas de fumante que causa escândalos, tudo
para publicar Indiana e folhetins nos
jornais. Vestida assim, não temia nada e dava volta ao mundo a qualquer hora da
noite. No seu disfarce advogava o direito da mulher em dirigir sua própria vida
e ter um amor sincero. Amiga entre eles, dela a amizade da atriz Marie e a
acusação de lesbianismo e ninfomania. Que dissessem, nem dava conta nos braços
de Prosper; mais falassem, envolveu-se num poema de Alfred com um convite na
carta para a cela de uma reclusa: uma grande paixão arrebatada pelo vale do Rhône na companhia de Stendhal
e ciúmes mútuos em Veneza, por conta da presença de certo médico Pagello. O
amor, então, ruiu e ela logo se viu panfletária na companhia do advogado Michel: ideias republicanas
e socialistas na defesa dos direitos da mulher e nas discussões com Flaubert, o
desapontamento com a
Revolução de 1848. Vieram então os prelúdios de Frédéric depois de uma festa com
Liszt & Marie de Agoult. Ganhou dele a Polonesa
Heróica e em retribuição, Lucrezia
Floriani, a tradução do seu amor embalado por quase dez anos. Enquanto ele
escutava, improvisava; quantos fantasmas rondavam, dele ir embora para nunca
mais. Duma só vez a derrocada da paixão, a morte da neta e o amigo do filho
aparece para ser seu secretário, ah, Alexandre, em seus braços para a Itália e,
depois, Consuelo mais suas preocupações sociais e o Companheiro da viagem pela França, a
inquietação viandante e deambulações de uma incansável que amava a vida e as pessoas. Outra amizade, a
de Balzac, fez dela Seraphita: a
androginia da ilustre hermafrodita, e vestida de homem era uma mulher que fazia carreira sozinha, sedutora feminina,
desencadeando paixões avassaladoras enquanto melómana se encantava com tudo e pintava
aquarelas dendritages para ganhar a vida e ser amante do teatro. E ela, a
mulher se mostrava homem e tornava a ser mulher na intimidade, nunca se deixou
vencer por contrariedades, a sonhar no amor fraterno unindo as classes sociais. Fez das suas
memórias a história da sua vida: O romance não precisa ser necessariamente a representação
da realidade. E viveu suas extremas paixões nas diversas
formas de amar, como aclamada baronesa Dudevant ou afamado George, era ela, em
Nohant da infância e da saudosa avó, da vida para a eternidade das páginas com
todas as cenas do seu otimismo e ingenuidade. Dela, Victor Hugo: Eu choro
uma morte e saúdo uma imortal. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Pois
sua esposa tinha dezenove anos [...] se
vocês a tivessem visto toda franzina, pálida, triste, o cotovelo apoiado sobre
o joelho, ela tão jovem em meio a esse lar, ao lado de seu velho marido,
parecia uma flor plantada ontem em um vaso gótico. Vocês teriam lamentado junto
da esposa do coronel Delmare, e talvez o coronel mais ainda que sua esposa [...]
Se ele a tivesse amado verdadeiramente,
ele teria podido, sacrificando seu futuro, sua família e sua reputação,
encontrar ainda a felicidade com ela, e, por consequência, fazê-la feliz; pois
o amor é um contrato como o casamento. Mas desanimado como ele se encontrava
então, qual futuro poderia dar a essa mulher? A desposaria para mostrar cada
dia um rosto triste, um coração magoado, um interior desolado? A desposaria
para torná-la odiosa para sua família, desprezível diante dos seus pares,
ridícula diante dos criados, para correr o risco em uma sociedade onde ela se
sentiria deslocada, onde a humilhação a mataria [...] Era uma dessa mulheres que atravessaram épocas muito diferentes, que
seu espírito tomou toda a surpresa de seu destino, que foi enriquecido pela
experiência da infelicidade, escapou das forcas de 93, dos vícios do Diretório,
da vaidade do Império, dos rancores da restauração; mulheres raras, cuja
espécie está perdida [...] Esposando
Delmare, ela apenas trocou de dono, vindo morar em Lagny, apenas trocou de
prisão e de solidão. Ela não amava seu marido, pela única razão talvez que
fazia amá-lo um dever e resistir mentalmente a toda espécie de limitação social
havia se tornado para ela uma segunda natureza, um princípio de conduta, uma
lei do consciente. Não haviam procurado prescrever a ela outra coisa a não ser
a obediência cega [...] Educada no
deserto, negligenciada por seu pai, vivendo em meio aos escravos, ela não tinha
outro socorro, outra consolação que sua compaixão e
lágrimas, ela estava habituada a dizer: “Um dia virá em que tudo será mudado em minha vida,
quando eu farei bem aos outros, um dia em que me amarão, e eu darei todo meu
coração àquele que me der o seu; esperando, sofremos; calemo-nos, e guardemos
nosso amor por recompensa a quem me libertará.” Esse
libertador,
esse messias não veio [...] Ignorante como uma verdadeira criola, Madame
Delmare não havia até lá pesado os graves interesses que agora eram discutidos
diante dela. Ela havia sido ensinada por sir Ralph, que tinha uma opinião
medíocre da inteligência e do raciocínio das mulheres, e se limitava a lhe dar
alguns conhecimentos positivos e de uso imediato [...] Eu não o quero mais, respondeu ela. Eu o queria ontem, era minha
vontade; não é mais essa manhã. Você usou de violência me trancando em meu
quarto; eu saí pela janela para lhe provar que você não pode reinar sobre a
vontade de uma mulher, é exercer um império irrisório. Eu passei algumas horas
fora da sua dominação; eu fui respirar o ar da liberdade para lhe mostrar que
você não é moralmente meu senhor e que eu dependo apenas de mim sobre a terra.
Passeando, refleti que eu, por dever e por consciência, tinha que voltar a me
colocar sob seu patrocínio; eu o fiz de minha plena vontade [...] Assim, senhor, não perca seu tempo a discutir
com minha convicção; você nunca me influenciará, perdeu o direito desde que o
quis fazer pela força. Ocupe-se da nossa partida; estou pronta a ajudar e
segui-lo, não porque essa é a sua vontade, mas porque essa é a minha intenção.
Você pode me condenar, mas nunca obedecerei ninguém além de mim mesma [...] Para ela, a
vida era um cálculo estóico, e a felicidade uma ilusão pueril da qual é
necessário se defender como de uma febre e do ridículo [...] Madame Delmare não tentava lutar contra um
destino traçado, contra uma vida quebrada e se deixou corroer pela fome, pela
febre e pela dor, sem proferir uma queixa, sem derramar uma lágrima, sem tentar
um esforço para morrer uma hora mais tarde, por sofrer uma hora a menos. Ela
foi encontrada no chão, no dia seguinte ao segundo dia, endurecida pelo frio,
os dentes serrados, os lábios pálidos, os olhos apagados; no entanto, ela não
estava morta [...]
Trechos da obra Indiana (Omnibus, 1991), da escritora francesa George Sand (1804-1876).
A ARTE DE EUGÈNE
DELACROIX
A arte do artista plástico do Romantismo
francês Eugène Delacroix (1798-1863). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
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& Gonzaguinha aqui.
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de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
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