quinta-feira, dezembro 13, 2018

GEORGE SAND, DELACROIX, WAGNERT TISO & ESTAÇÃO DO BEM CATENDE


QUEM O AMOR DE TANTOS AMORES – Imagem: George Sand, do pintor do Romantismo francês Eugène Delacroix (1798-1863) – Amandine nasceu como o dia e era Aurore, e podia ser Lucille com seus encantos, ou mesmo Dupin pelas ruas, ou: uma menina de muitos nomes e tantas aventuras. Ainda criança, uma queda do cavalo e o pai perde a vida às travessuras de infância com Hippolyte, sob os cuidados da avó atenta. E ao brincar, passa da conta, levada para um convento, se apaixona pelo silêncio e introspecção das paredes de pedra: diversões de espírito independente para música e teatro. Com a morte da avó, um novo sofrimento, o que seria dela sem mais ninguém. E para herdar Nohant, uma crise mística e um casamento com François: dois filhos e um divórcio por conta de tantas coisas e pela paixão repentina dela por Jules: uma frenética atividade e parceria no Le Figaro e Rose et Blanche. Para valer na vida, a menina tinha de ser menino – senão não haveria como realizar seus sonhos, havia de ser entre outros. E ganha do amor o pseudônimo, George: adota o vestuário masculino – um redingote-guérite, chapéu, calças, botas, gravata, o andar firme pelas ruas de fumante que causa escândalos, tudo para publicar Indiana e folhetins nos jornais. Vestida assim, não temia nada e dava volta ao mundo a qualquer hora da noite. No seu disfarce advogava o direito da mulher em dirigir sua própria vida e ter um amor sincero. Amiga entre eles, dela a amizade da atriz Marie e a acusação de lesbianismo e ninfomania. Que dissessem, nem dava conta nos braços de Prosper; mais falassem, envolveu-se num poema de Alfred com um convite na carta para a cela de uma reclusa: uma grande paixão arrebatada pelo vale do Rhône na companhia de Stendhal e ciúmes mútuos em Veneza, por conta da presença de certo médico Pagello. O amor, então, ruiu e ela logo se viu panfletária na companhia do advogado Michel: ideias republicanas e socialistas na defesa dos direitos da mulher e nas discussões com Flaubert, o desapontamento com a Revolução de 1848. Vieram então os prelúdios de Frédéric depois de uma festa com Liszt & Marie de Agoult. Ganhou dele a Polonesa Heróica e em retribuição, Lucrezia Floriani, a tradução do seu amor embalado por quase dez anos. Enquanto ele escutava, improvisava; quantos fantasmas rondavam, dele ir embora para nunca mais. Duma só vez a derrocada da paixão, a morte da neta e o amigo do filho aparece para ser seu secretário, ah, Alexandre, em seus braços para a Itália e, depois, Consuelo mais suas preocupações sociais e o Companheiro da viagem pela França, a inquietação viandante e deambulações de uma incansável que amava a vida e as pessoas. Outra amizade, a de Balzac, fez dela Seraphita: a androginia da ilustre hermafrodita, e vestida de homem era uma mulher que fazia carreira sozinha, sedutora feminina, desencadeando paixões avassaladoras enquanto melómana se encantava com tudo e pintava aquarelas dendritages para ganhar a vida e ser amante do teatro. E ela, a mulher se mostrava homem e tornava a ser mulher na intimidade, nunca se deixou vencer por contrariedades, a sonhar no amor fraterno unindo as classes sociais. Fez das suas memórias a história da sua vida: O romance não precisa ser necessariamente a representação da realidade. E viveu suas extremas paixões nas diversas formas de amar, como aclamada baronesa Dudevant ou afamado George, era ela, em Nohant da infância e da saudosa avó, da vida para a eternidade das páginas com todas as cenas do seu otimismo e ingenuidade. Dela, Victor Hugo: Eu choro uma morte e saúdo uma imortal. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Pois sua esposa tinha dezenove anos [...] se vocês a tivessem visto toda franzina, pálida, triste, o cotovelo apoiado sobre o joelho, ela tão jovem em meio a esse lar, ao lado de seu velho marido, parecia uma flor plantada ontem em um vaso gótico. Vocês teriam lamentado junto da esposa do coronel Delmare, e talvez o coronel mais ainda que sua esposa [...] Se ele a tivesse amado verdadeiramente, ele teria podido, sacrificando seu futuro, sua família e sua reputação, encontrar ainda a felicidade com ela, e, por consequência, fazê-la feliz; pois o amor é um contrato como o casamento. Mas desanimado como ele se encontrava então, qual futuro poderia dar a essa mulher? A desposaria para mostrar cada dia um rosto triste, um coração magoado, um interior desolado? A desposaria para torná-la odiosa para sua família, desprezível diante dos seus pares, ridícula diante dos criados, para correr o risco em uma sociedade onde ela se sentiria deslocada, onde a humilhação a mataria [...] Era uma dessa mulheres que atravessaram épocas muito diferentes, que seu espírito tomou toda a surpresa de seu destino, que foi enriquecido pela experiência da infelicidade, escapou das forcas de 93, dos vícios do Diretório, da vaidade do Império, dos rancores da restauração; mulheres raras, cuja espécie está perdida [...] Esposando Delmare, ela apenas trocou de dono, vindo morar em Lagny, apenas trocou de prisão e de solidão. Ela não amava seu marido, pela única razão talvez que fazia amá-lo um dever e resistir mentalmente a toda espécie de limitação social havia se tornado para ela uma segunda natureza, um princípio de conduta, uma lei do consciente. Não haviam procurado prescrever a ela outra coisa a não ser a obediência cega [...] Educada no deserto, negligenciada por seu pai, vivendo em meio aos escravos, ela não tinha outro socorro, outra consolação que sua compaixão e lágrimas, ela estava habituada a dizer: “Um dia virá em que tudo será mudado em minha vida, quando eu farei bem aos outros, um dia em que me amarão, e eu darei todo meu coração àquele que me der o seu; esperando, sofremos; calemo-nos, e guardemos nosso amor por recompensa a quem me libertará.” Esse libertador, esse messias não veio [...] Ignorante como uma verdadeira criola, Madame Delmare não havia até lá pesado os graves interesses que agora eram discutidos diante dela. Ela havia sido ensinada por sir Ralph, que tinha uma opinião medíocre da inteligência e do raciocínio das mulheres, e se limitava a lhe dar alguns conhecimentos positivos e de uso imediato [...] Eu não o quero mais, respondeu ela. Eu o queria ontem, era minha vontade; não é mais essa manhã. Você usou de violência me trancando em meu quarto; eu saí pela janela para lhe provar que você não pode reinar sobre a vontade de uma mulher, é exercer um império irrisório. Eu passei algumas horas fora da sua dominação; eu fui respirar o ar da liberdade para lhe mostrar que você não é moralmente meu senhor e que eu dependo apenas de mim sobre a terra. Passeando, refleti que eu, por dever e por consciência, tinha que voltar a me colocar sob seu patrocínio; eu o fiz de minha plena vontade [...] Assim, senhor, não perca seu tempo a discutir com minha convicção; você nunca me influenciará, perdeu o direito desde que o quis fazer pela força. Ocupe-se da nossa partida; estou pronta a ajudar e segui-lo, não porque essa é a sua vontade, mas porque essa é a minha intenção. Você pode me condenar, mas nunca obedecerei ninguém além de mim mesma [...] Para ela, a vida era um cálculo estóico, e a felicidade uma ilusão pueril da qual é necessário se defender como de uma febre e do ridículo [...] Madame Delmare não tentava lutar contra um destino traçado, contra uma vida quebrada e se deixou corroer pela fome, pela febre e pela dor, sem proferir uma queixa, sem derramar uma lágrima, sem tentar um esforço para morrer uma hora mais tarde, por sofrer uma hora a menos. Ela foi encontrada no chão, no dia seguinte ao segundo dia, endurecida pelo frio, os dentes serrados, os lábios pálidos, os olhos apagados; no entanto, ela não estava morta [...]
Trechos da obra Indiana (Omnibus, 1991), da escritora francesa George Sand (1804-1876).

A ARTE DE EUGÈNE DELACROIX
A arte do artista plástico do Romantismo francês Eugène Delacroix (1798-1863). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

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