segunda-feira, janeiro 16, 2017

HENRICH BÖLL, MÁRIO FICARELLI, JOÃO CÂMARA & A CIDADE UMA HISTÓRIA DE AMOR


AINDA ASSIM É UMA HISTÓRIA DE AMOR - Pela beira do rio lá estava Japaranduba pelas bandas do Riacho dos Cachorros e eu via da ponte lá estava ela bela com seus olhos enormes debruçada como quem espera a minha passagem entre cruzes como estaca no chão de barro batido e o cheiro da cana no massapê, a carniça de quantas manhãs pelas gambiarras do que foi pra existir pelos bairros com tantos nomes de santos, tanto pecados para cometer do que mais cometido, injúrias, luxúrias, agiotagem, quantas promessas para pagar por tantas tardes que se perdiam entre farmácias e movelarias, angustias enfincadas na fotografia de quantas noites o cúmulo do mau gosto nas fachadas e ruas das praças com o ar envenenado por afetos diversos, ódios nas esquinas do perigo com toda sujeira e fuligem, procissão de almas assassinadas e as reputações de areia que viram poeira na gente que quer viver melhor sem saber como e vota e erra e acerta errando e erra acertando tudo sem prever nada e só servem de cobaias para desgovernos e propagandas baratas, tratados como bexigas tontas abandonadas ao próprio destino ou bonecos calungas ocrídios nas façanhas de mané-gostoso, bumerangues do tempo do ronca feito pipas no ar trajados de transeuntes cabeças de vento absortos cai, cai balão, absenteístas constrangidos com todo desdém e desconfiança das conspirações na epidemia da cegueira do sombrio golpe dos interesses entre a vida e a morte ao sabor das misérias a cutucar com inconveniência os desertores de si mesmos a botar o bloco na rua e a quebrar o que pensam que vale e o pau cantou pros heróis salvadores do oitão que enlouqueceram na sua claustrofobia de peitos rasgados e os seios cheios da dona bela debruçada no muro sestrosa com o adeus de quem vai e o alvoroço de quem chega para esquecer de ontem tão hoje e nem dá fé da população descartada de todo jogo tramado no tapetão e não há compaixão por nada nesse mundo a não ser pelas cenas espetacularizadas da televisão. E tudo é habitável apesar de não parecer, tudo padece e eu enlouqueço nesse arrastão a me levar pros olhos da bela debruçada no muro a espera de que eu seja seu príncipe encantado perdido nos sonhos que nunca existiram, acho, a reinventar minha cidade perdida no tempo, como quem fugiu do Alcatraz com meus passos erráticos que não sei pra onde vão nem onde chegar. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui

 Curtindo a Sinfonia nº 2 – Mhatuhabh, do compositor e educador Mário Ficarelli, pela Tonhalle-Orchestrer Zürich, sob regência do maestro Roberto Duarte.

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DESTAQUE: O ANJO SILENCIOSO DE HENRICH BÖLL

[...] Talvez fosse o número de passos que deviam ser dados a partir do cruzamento, ou alguma coisa na disposição do toco das árvores, que antes haviam formado uma alameda alta e bonita: algo o fez parar de repente, olhar para a esquerda e lá estava ela: ele reconheceu os restos do vão da escada, subiu lentamente os escombros: estava em casa. [...] Ele colocou seu braço em torno do ombro dela, atraiu-a para bem perto de si e adormeceu, seu rosto colado ao dela. Durante o sono, trocaram os movimentos quentes de sua respiração como se fossem carícias [...].
Trechos do romance O anjo silencioso (Estação Liberdade, 2004), do escritor alemão, tradutor e autor teatral Nobel de Literatura de 1972, Henrich Böll (1917-1995).

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