VIDA DE
MENINA – Um poema prosado para Helena Morley - pseudônimo
de Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970). – Helena era Alice desde pequena
em Diamantina. Era para muitos meninos a mais bonita dali. Seu pai, um
minerador inglês de diamantes, sua mãe mineira e ela crescia mostrando-se
caprichosa e de uma praticidade, sempre em busca da perfeição. Cresceu, ficou
moça feita e logo casou-se com seu primo deputado e desapareceu: foi morar lá
pras bandas do Rio. Soube depois havia sido professora na escola da sua tia
Madge e adotou o sobrenome da avó para a personagem da sua memória - um diário
da adolescência que virou seu livro de vida e foi traduzido pela Elizabeth
Bishop pro inglês, considerando-se seus escritos como a da Jane Austen. Li e
reli. Lá estava o seu cotidiano durante a abolição da escravatura, sonhos e
humor requintado, o protagonismo da voz feminina tão reprimida, a avó materna
Teodora que era uma viúva rica escravocrata, seu avô paterno que foi enterrado na
porta da Casa da Caridade por ser protestante e que foi direto pro céu dos
ingleses; sua nostalgia e os momentos de perda, os boatos e superstições da
sociedade mineira da época e as relações românticas. São visíveis as tristes situações
escravagistas, o preconceito imperante que não permitia brincar com as
coleguinhas escuras. Alegrei a memória ao ver o filme da Helena Solberg e a crônica
do Drummond, sempre no coração.
DITOS
& DESDITOS - A liberdade nunca acontece por si só. Se
pararmos de lutar por ela, não haverá liberdade. A liberdade não é uma condição
absoluta mas o resultado da resistência... Nenhum estado ou sociedade pode
afirmar ter estabelecido os diretos humanos uma vez por todas. Eu quero que as
pessoas enxerguem seu próprio poder. A liberdade diz respeito a nosso direito
de questionar tudo. A arte não é um fim. É um começo. A história nos ensina que
no início das maiores tragédias havia ignorância. Pensamento
do artista e ativista chinês Ai Weiwei.
ALGUÉM FALOU: A
solidão lhe dá as ideias e a motivação para fazer você querer colaborar. Você
tem a si mesmo e do seu instinto - não há mais nada no final do dia. Vivemos em
um contexto, mas também somos indivíduos. Precisamos explorar os dois.
Pensamento do premiado músico e compositor britânico Nitin Sawhney.
LARANJAS SANGUÍNEAS – [...] Então, para começar, você deve estar
se perguntando como essa garota com um macaco nas costas é do tamanho de King
Kong está correndo atrás de estaqueamentos desagradáveis e outras coisas. Bem, verdade seja dita, tenho
esticado o na verdade, como se fosse um grande punhado de caramelo de água salgada
com sabor de framboesa. [...] Em primeiro lugar, eliminar monstros não vem com um manual de
instruções. [...]. Trechos extraídos da obra Blood Oranges (Ace, 2013),
da escritora estadunidense Kathleen Tierney (pseudônimo
de Caitlín Rebekah Kiernan).
DOIS POEMAS - SEM PRESSA - O cheiro da faísca
inaugural \ inundou os cantos da velha casa \ ali entre as sombras do corotú \ e
da ameixeira desfolhada. \ Esse cheiro das cinzas de ontem \ misturado com o
barro feito \ aproximou o cansaço do tédio na hora imprudente do amanhecer \ quando
meu pai chapéu na mão \ Ele saiu sem pressa na pressa. \ O aroma do café encheu
os espaços da antiga cozinha aguardando o retorno. ABRAÇO PARA PELE CANSADA - Venho
dos abraços e para os abraços \ caminho com a lua nos poemas \ e uma cachoeira
ao amanhecer. \ Eu venho do abraço primeiro \ aquele que minha mãe me deu \ quando
abri meus olhos para este mundo \ no claro-escuro da velha casa \ com cheiro de
caraña no quarto de todos e de ninguém. \ Venho do abraço dos meus avós \ nas
tardes de chuva sem fim \ quando o cheiro de amendoim torrado \ Encheu os
caminhos para a casa. \ Eu venho do último abraço do meu pai \ na triste manhã
da despedida \ Venho do abraço dos meus irmãos \ em uma viagem fugaz pela
saudade da infância e da juventude. \ Mas também vou em direção aos abraços \ que
reorganizam as coisas que silenciam os demônios \ e essa sentença de vida. Poemas da premiada escritora e
professora panamena Mariafeli Domínguez.