domingo, julho 04, 2021

JACQUES ROUBAUD, DANIEL FARRELL, MICHEL DEGUY, AMELIA PELAEZ & MARÍLIA PARENTE

 

 

TRÍPTICO DQP –- Poesia etcétera... - Ao som da Sinfonia nº 1 - Fiat Lux op. 21 (2017), do compositor, arranjador e maestro estadunidense Daniel Farrell, witch Jacksonville University Orchestra, conductor Marguerite Richardson. - A hora era aquela que eu não sabia, nem razão, triunfos ou fracasso. Era a minha íntima solitude e entre as linhas das minhas mãos se formaram imagens do Olho de Hórus, ampliadas e reproduzidas na parede em frente, como se o Udyat se tornasse o Olho-que-a-tudo-. Tive a sensação de ali se desvelarem registros acásicos, entre imagens caleidoscópicas. Identifiquei o I-Chin que logo deu lugar a imagens cabalísticas e superpostas do Sefer Yatzirah. Uma espiral diminuta foi crescendo e no centro dela a Ars magna de Lull, como se a mim fosse dada a oportunidade da sua experiência lucificadora. Uma voz invisível começou a ditar a doutrina Hokhmath ha-Tseruf de Abulafia, e logo se imprimia de forma crescente o Zairjat al’alam, que se iluminava com trigramas recombinados e formavam hexagramas alternados como boustrophedon e eu a discernir o que havia estudado da linguística filosófica de Derrida. Logo vi-me imerso em ambiguidades, anagramas recombinados como Temurah e acrósticos feito Notarikon. Como eu sabia da palavra perdida esperava Schechina. De repente tudo escureceu e ouvi os versos finais de um poema de Jacques Roubaud: ...Sob os ângulos. Quase uma poeira: / Imagem sem espessura / voz sem espessura / A terra / que te esfrega / O mundo / do qual nada mais te separa / Sob a lâmpada. Na noite. Cercado de preto. Contra a porta. Em meu peito entendia o que tudo ali se mostrava, abri os olhos e era a vida.

 


E o coração às voltas com a paixão... – Imagem: arte da pintora cubana Amelia Pelaez (1896 - 1968), ao som da Symphony No. 6 in B minor, Op. 74 Pathétique, de Tchaikovsky, witch Mariinsky Theatre Orchestra, conductor Valery Gergiev, from the Salle Pleyel in Paris, 2010. - O que me aconteceu antes foi tão inexplicável, na verdade supus que só saberia o significado muito tempo depois. E assim foi. Acontece que fui envolvido pelos secretos sentimentos de Piotr, aquele mesmo de Votkinsk, que perdeu a mãe por conta da peste e aos catorze anos de idade, a profunda depressão. Ao se recuperar, tornou-se escriturário, diplomado advogado e, sentindo-se rejeitado por todos, licenciou-se para se tornar tradutor e viajar. O retorno levou ao pedido de demissão e o ingresso no mundo dos seus sonhos: a música. Vieram os Sonhos de Inverno, A tempestade, uma carreira promissora que começa como professor para fracassar com o bailado de Ondine e a abertura-fantasia Romeu e Julieta. Exilou-se. E ao ouviu o jardineiro: um quarteto que até Tolstoi chorou. Então, vieram mais o Lago dos Cisnes e, entre escritos e aulas, um colapso nervoso. Era chegado o inverno, prostrado até uma carta com a surpresa: era Nadezhda, uma aristocrata e ateia confessa, independente: A distribuição de direitos e obrigações, conforme determinado pelas leis sociais, é especulativa e imoral. Era a sua redenção: ... nas minhas relações com você há sempre a desconfortável circunstância de que, toda vez que escrevemos um para o outro, o dinheiro aparece em cena. Dias de dedicação sem outras preocupações. Contudo, dissabores e atordoamento, Antonina e os outros, o casamento rompido em 15 dias, a tentativa de suicídio e o exílio. Apesar disso, algum tempo depois, estava consagrado. Retomou as atividades e uma outra carta surpreendente: O conto de fadas acabou. Treze anos de correspondência e eles nunca poderiam ter a dádiva do encontro, este o trato. Para ela, a Quarta. Depois, episódios dramáticos enredados e a inaceitável ausência, tudo estava lá, naquela partitura da Sexta e nas entrelinhas evocava uma paixão de emoções exacerbadas, levada até as últimas consequências. Ali estavam seus mais plenos sofrimentos: a autoconfiança arreada, o desespero e a desolação, a relação íntima recôndita pela intolerância, a peste e o precoce envelhecimento, a exaustão profunda e a misteriosa morte repentina. Era, enfim, a libertação. Fiquei bastante comovido com a história e logo me apareceu Bergson: Criamos e recriamos a todo momento... o progresso da atenção tem por efeito criar de novo não apenas o objeto percebido, mas os sistemas cada vez mais vastos aos quais ele pode se associar. Não entendi direito, a ponto de questionar o que havia entre uma coisa e outra. Foi quando apareceu tentando esclarecer, o escritor francês Michel Deguy: Os homens contam histórias que acontecem aos deuses (ou a Deus) e aos homens, e acontecem aos homens porque acontecem aos deuses e nas cosmogonias e antropogonias... A humanidade continua a transmitir a memória nas grandes narrativas, a se bater dentro dessas narrativas, a reinventar a história do mundo. Nisso era eu que precisava me reinventar, estranhices abundantes ao meu redor.

 


A vida nos cacos de vidros... - E no meio disso tudo, de repente uma voz feminina de longe apareceu e sou surpreendido. Uma voz da minha terra e ecoavam em minhas entranhas. Dela, primeiro: Tristeza não existe! Que bom! E me animei. Depois uma cachoeira com todas as ventanias e poeiras que envolvem meus dias e noites: Meu Céu, Meu Ar, Meu Chão & Seus Cacos de Vidro. E choveu baiões e forrós nas violadas de quem já Avoada juntou os amigos e cantou no Pé de Cachimbo, no Malunguim e em casa mesmo, e era Dia de João, Vasudeva, e A Vida no Cariri Demora, na Alvorada, e Estou Desocupado Com Outras Coisas Desimportantes, e a Viagenzinha de Verão, Eu Quero Ver o Cão Mas Não Quero Ver Você, e o Amor, Disco Voador. Quem? É ela a cantora e compositora Marília Parente: A única coisa permanente na cultura popular é sua inevitável e necessária transformação, porque ela é pulsante, viva, cotidiana. Tentar aprisioná-la a um olhar de exotismo, a essa bandeira difusa de ‘preservação do forró’, é matá-la, porque ela acaba se traduzindo em produções ‘caretas’. Exaltar nossa nordestinidade, recebendo a influência do contexto em que vivemos é uma atitude política de resistência. E com a voz dela lavei a alma. Tudo muito bom! Mas agora tenho que fazer umas ginásticas para dar umas carreiras: tempos difíceis. Preciso ir lá fora para se da pedra dá leite, porque cansei de cravar as unhas na parede à cata de moeda que seja. Já rapei o tacho e as contas estão pra chegar. Vou ali, volto daqui uns dias, tá? Tomara. Até mais ver.

 

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KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...