Art by Lynn
Bianchi
LITERÓTICA:
A PONTE – Entre o meu coração e a imensidão cosmogônica, ela se estira nua pro
meu deleite na liberdade verdadeira – a sensação etérea em mim e ao meu redor. Não
fosse ela a ponte entre o amor e eu, cego eu erraria por anos e farsas. Não
fosse ela a ponte entre o factível e o inatingível, eu não saberia do nirvana,
nem dos registros acásicos, nem da verdadeira arte de viver. Não fosse ela a
ponte entre a minha heterodoxia e meus paradoxos, eu não descobriria jamais a
vida em sua plenitude. A ponte, ela: entre o universo e minha existência. Eis
que ela nua e linda, ora estatelada com quem adormece à espera da minha
entrega, ora de bruços como que indefesa dos meus ataques e desvarios, mais
maravilhosa que sempre, mais minha que nunca, a me oferecer sua carne e começo
por tomar posse dos seus pés – ah, podólogo atrevido seria eu a sacralizar toda
sua emanação -, e eu como um fiel fanático, ajoelho-me e acaricio toda extensão
do seu solado, calcanhar, pernas, joelhos, coxas, até folgar-me no encontro do
ventre e lá provar com toda gulodice de toda sua proveitosa delícia – o manjar
da vida, o elixir da alma. No meio caminho da vida real, ouso atravessar essa
ponte que quero morar embaixo, viver passeando por cima, vencê-la sempre,
superá-la a todo instante, sabê-la minha e só minha em todo e mais completo
momento. A ponte que me ensina além de mim e de tudo e não me canso de
usurpá-la lambendo seu umbigo, sugando seus seios, acariciando o pescoço,
beijando apaixonadamente seus lábios e flagrando seus olhos incendiados de
prazer a me queimar na combustão dos desejos. E esse contato anímico com sua
carne, lábios e sexo, apossado da volúpia de todos os desejos, mergulho no céu
da sua boca e entre as estrelas do prazer, me faço inteiro a cobrir seu ser - a
ponte que me faz macho e homem realizado.
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA - Entre a ética e a estética, é preciso escolher. É evidente,
mas não é menos evidente que cada palavra contém uma porção da outra. Pensamento do premiadíssimo e provocador cineasta
franco-suiço Jean-Luc Godard. Veja mais aqui.
PENSAMENTO & ARTE – [...] Incansável, o pensamento começa sempre de
novo, e volta sempre, minuciosamente, às próprias coisas. Esse fôlego
infatigável é a mais autêntica forma de ser da contemplação. Pois ao considerar
um mesmo objeto nos vários estratos de sua significação, ela recebe ao mesmo
tempo um estímulo para o recomeço perpétuo e uma justificação para a
intermitência do seu ritmo. Ela não teme, nessas interrupções, perder sua
energia, assim como o mosaico, na fragmentação caprichosa de suas partículas,
não perde sua majestade. Tanto o mosaico como a contemplação justapõem
elementos isolados e heterogêneos, e nada manifesta com mais força o impacto
transcendente, quer da imagem sagrada, quer da vontade. O valor desses
fragmentos de pensamento é tanto maior quanto menor sua relação imediata com a
concepção básica que lhes corresponde
[...]. Trecho extraído da obra Origem do drama barroco alemão (Brasiliense.
1984), do filósofo, ensaísta e critico literário
alemão Walter Benjamin (1892-1940). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O
ROMANCE E O ROMANTISMO - Imagem: Iracema, do pintor luso-brasileiro José Maria de Medeiros (1849-1925) - O Romantismo foi um movimento artístico que ocorreu
entre os fins do séc. XVIII e meados do séc. XIX, sendo, portanto, o vocábulo
romântico, segundo Silva (1992, p. 526), oriundo do advérbio latino romanice que significava à maneira dos
romanos. Também derivou em francês do vocábulo romanz e passou para a língua inglesa sob a forma romaunt, passando a significar como os
antigos romances, chegando ao sentido em que à medida que a imaginação adquire
importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade.
Depois, passou a designar o termo como aquele que agrada à imaginação, o que
desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas,
aos castelos, dentre outras coisas. Segundo Brasil (1979), já no séc. XIX um
outro conceito tipológico de romantismo foi corporificado principalmente na oposição
clássico-romântico. Tais acepções levaram Brasil (1979, p. 187) a assinalar que
o Romantismo é uma: Escola literária que
teve origem na Europa do séc XVIII, principalmente na Alemanha e na Inglaterra.
Movimento artístico de várias tendências e tinha como ideal maior o rompimento
com os modelos greco-latinos, ainda vivos no Barroco e no Arcadismo. (...)
Acentuava a feição nacionalista, defendia ideais políticos e a liberdade de
expressão. Exaltava o amor e o sentimentalismo. As origens do Romantismo
remontam o final do séc. XVIII ao final do séc. XIX, se tornando um estilo que
predominou nas artes ocidentais, iniciado na Alemanha em 1774, e depois se
propagou por toda Europa, quando na Inglaterra se manifestou nos primeiros anos
do século XIX, cabendo à França, o papel de divulgar o romantismo, o que levou Sodré
(1976) a observar que o triunfo do Romantismo assinala a plenitude do
desenvolvimento no mundo ocidental, originado no final do séc. XVIII. Este
movimento nasceu sobrepondo os sentimentos à razão e preferindo a imaginação e
a inspiração ao pensamento lógico discursivo. Assim, favoreceu a plena
expressão das emoções e a ação livre, espontânea, em detrimento da sobriedade e
da ordem. Surgiu, portanto, o Romantismo em oposição a outro estilo, denominado
Classicismo, sendo considerado em dois sentidos: como uma característica de
determinados autores ou como fenômeno universal de uma determinada época,
cronologicamente delimitado. Tais conduções acerca do movimento levou Moisés
(1994, p. 5) a declarar que “o Romantismo mergulha raízes na crise de cultura
que revolve o séc. XVIII e prepara as mutações radicais dos tempos modernos”. E
mais adiante, ele assevera: Revolução que
é, o Romantismo corresponde, na ordem política, ao desaparecimento das
oligarquias reinantes em favor das monarquias constitucionais ou das repúblicas
federadas; à substituição do Absolutismo religioso, filosófico, econômico,
etc., pelo Liberalismo na moral, na arte, na política, etc. A pirâmide social,
estratificada até o século XVIII, entroniza o ápice de uma classe nova, fundada
na Ética do Dinheiro – a Burguesia -, em lugar da aristocracia de sangue,
organizada à luz da herança e dos privilégios vinculados. Da mesma forma que o
Classicismo e a Nobreza se identificavam, o Romantismo e a Burguesia se
tornaram categorias sinônimas e descreviam percursos comuns. Embora o
aparecimento do Romantismo e a ascensão da Burguesia se dessem
concomitantemente, a classe social se utilizava da estética para se exprimir,
adquirir voz e estatuto intelectual, e o movimento literário se arrimava à
classe social para se impor e sobreviver. Observa-se, com isso, que o
Romantismo possui por características próprias na oposição ao clássico e aos
modelos da Antigüidade Clássica que foram então substituídos pelos da Idade
Média, defendeu a liberdade do indivíduo, rejeitou as convenções sociais
restritivas e o governo injusto, promovendo uma volta ao catolicismo medieval. Com
base nisso, Amora (1976) expressa que tais características foram adornadas ao
se cultivar em seu conteúdo o nacionalismo, que se manifestava na exaltação da
natureza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional
e que, também, a natureza assume múltiplos significados: ora é uma extensão da
pátria, ora é um refúgio à vida atribulada dos centros urbanos do século XIX,
ora é um prolongamento do próprio poeta e de seu estado emocional, onde o sentimentalismo,
a supervalorização das emoções pessoais, leva o mundo interior ao centro e
sendo o que conta, o subjetivismo. Por conseqüência, o Romantismo, segundo
Silva (1992, p. 449): Libertou a criação
literária das coações advindas das regras, condenou a teoria neoclássica dos
gêneros literários, reagiu violentamente contra a concepção dos escritores
gregos e latinos como autores paradigmáticos, fonte e medida de todos os
valores artísticos e, ainda, adotou a concepção do eu elaborada pela filosofia
idealista germânica, constituindo-se, pois, este um dos elementos dorsais do
romantismo alemão e, de modo difuso, de todo o romantismo europeu. Entende-se,
portanto, conforme salienta Coutinho (1978, p. 140), que o Romantismo consistiu numa transformação estética e poética,
desenvolvida em oposição à tradição neoclássica setecentista, e inspirada nos
modelos medievais. Disso se apreende do autor que o movimento romântico é
relativista, buscando satisfação na natureza, no regional, pitoresco, selvagem,
e procurando, pela imaginação, escapar do mundo real para um passado remoto ou
para lugares distantes ou fantasiosos, tendo como impulso básico a fé, a norma na
liberdade, suas fontes de inspiração na alma, no inconsciente, na emoção, na
paixão, deixando-se, assim, se revelar que o romântico é temperamental,
exaltado, melancólico e procura idealizar a realidade e não reproduzi-la. Mediante
isso pode se ver com base nos autores mencionados, que são características
gerais deste movimento o medievalismo, o exotismo, o irracionalismo, a
liberação do inconsciente, a reação contra o cientificismo, a revivência do
panteísmo, o idealismo, a rebelião contra as convenções sociais e artísticas, o
retorno à natureza, dentre outras, que vão influenciar a introdução e
desenvolvimento deste importante movimento no Brasil. No Brasil, segundo Moisés (1994, p. 19), o inicio
do movimento romântico “coincidia com o processo de nossa autonomia histórica,
de que tanto a transladação da Corte para o Rio de Janeiro (1808), como a
proclamação da Independência (1822), constituem marcos miliários”. Isto quer
dizer que o contexto histórico em que se desenvolve o Romantismo no Brasil,
onde se desencadeia no início do séc. XIX a independência política e social,
com a vinda da família real ao Brasil, todo este cenário demonstra a ocorrência
de uma série de transformações sociais e econômicas que visavam um país livre
do jugo português e voltado para o nacionalismo. Com base nisso, observam-se
que o acontecimento histórico ocorrido em 1808, marca a chegada da Corte ao Rio
de Janeiro, onde esta cidade passa por um processo de urbanização, tornando-se
um campo propício à divulgação das novas influências européias. E, a partir
disso, a Colônia caminhava no rumo da independência que ocorre em 1822, crescendo
o sentimento de nacionalismo, buscando o passado histórico e exaltando a
natureza da pátria enquanto ocorrem profundas crises sociais, financeiras e
econômicas. O Romantismo possuía uma ênfase ao nacionalismo, ao orgulho
patriótico, além de um desejo consciente de exprimir, no plano literário, a
independência (MOISÉS, 1991). Por esta razão, Coutinho (1978, p. 177) é levado
a afirmar que é a partir do Romantismo que “começa a existir no Brasil uma
literatura própria, no conteúdo e na forma”. E, com isso, é criado um novo público que torna a literatura
mais popular pelo surgimento do romance,
que é uma forma mais acessível de manifestação literária. O gênero romance é uma das conseqüências da
liberdade de criação e forma permitidas pelo Romantismo, tendo suas origens nas
novelas de cavalaria medievais e nas epopéias clássicas. Na Europa,
principalmente na Inglaterra, seu surgimento remonta ao início do século XVIII,
com obras posteriormente consagradas no mundo todo, mas no Brasil somente
começara cerca de cem anos após. Para
Brasil (1979, p. 184), o romance é a mais completa de todas as formas
artísticas por ter uma característica saliente que “apresenta uma pluralidade
de conflitos, de ações, de episódios, de personagens; atinge uma cosmovisão, um
horizonte largo da condução humana”. Sodré (1976, p. 166) diz que “o romance
representa a contribuição por excelência da ascensão burguesa ao
desenvolvimento literário. É com aquela ascensão que o gênero chega à sua
maturidade, torna-se o caminho natural, o caminho comum da criação literária”. Com base nas idéias expressas por Dimas
(1987), Dourado (2000), Proença Filho (1990) e Brasil (1979), o romance
é um gênero da literatura que transpõe para a ficção a experiência humana, em
geral por meio de uma seqüência de eventos que envolvem um grupo de pessoas em
um cenário específico. A caracterização dos personagens, conforme Brasil
(1979), é dada a partir da origem da persona
que são as pessoas que transitam pelo romance, obtendo estas formas, juntamente
com o enredo e a descrição paisagística, e são caracterizadas por
comportamentos, atitudes, fisicamente, temperamentos, dentre outras. Neste
sentido, Antonio Candido (1976) assinala que os personagens obedecem uma lei
própria seguindo uma lógica preestabelecida pelo autor, que os torna paradigmas
e eficazes. Neste sentido, Silva (1992, p. 703) observa que no romance do
século XVIII e de quase todo o século XIX, “a personagem é em geral apresentada
através de um retrato, elemento relevante, por isso mesmo, na estrutura de tal
romance”. Este retrato, mais ou menos minuciosos, mais ou menos sobrecarregado
de dados semânticos, pode dizer respeito à fisionomia, ao vestuário, ao temperamento,
ao caráter, ao modo de vida, etc., da personagem em causa. Com o surgimento do
romance romântico, a manifestação literária era levada a termo porque o escritor
deste movimento, segundo Brasil (1979), era livre para conceber novas formas de
expressão dentro de um ímpeto revolucionário e patriótico, tendo, com isso, de ser
uma reação à tradição clássica e assumindo a conotação de um movimento
anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na
época colonial, em virtude do apego dessa produção aos modelos culturais
portugueses. Há que se considerar que, conforme Sodré (1976, p. 191): O primado do romance, tornado gênero
literário por excelência, proporciona a melhor ponte, o caminho natural para os
espíritos; generaliza o gosto da leitura, incorpora novas e amplas camadas ao
interesse literário, permite celebridade, sucesso variado ao romancista,
tornando-o um instrumento fácil e flexível, capaz de interpretar a sociedade a
seu modo, apto a aceitar, defender e difundir o primado da classe que atinge a
plenitude do seu poder ao mesmo tempo em que se geram os fatores que
concorrerão para a sua ruína, porque ela oferece liberdade e proporciona uma
disfarçada escravidão, que é imprescindível disfarçar sempre mais. O surto
individualista, ampliando extraordinariamente o campo literário, acarreta os
seus grandes problemas, entre os quais se destaca o da liberdade de expressão e
o da honestidade interpretativa. Além do mais, os escritores da época,
trazendo os traços essenciais do nacionalismo,
que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de possibilidades dentre
das óticas indianistas, regionalistas, a pesquisa histórica, folclórica e
lingüística, além da critica aos problemas nacionais, levam-no a se empenharem
na definição de um perfil da cultura
brasileira em vários aspectos, tais como a língua, a etnia, as tradições, o
passado histórico, as diferenças regionais, a religião, dentre outras. Nesta
direção, Coutinho (1978, p. 130) chama atenção para o fato de que: O gênero ofereceu ao espírito romântico as
melhores oportunidades de realização de seus ideais de liberdade e realismo –
fosse na linha psicológica, histórica ou social – além de proporcionar-lhe
melhor atmosfera para o sentimentalismo, o idealismo, o senso do pitoresco e do
histórico, e a preocupação social.Com o Romantismo, inaugura-se o gosto da
análise precisa e do realismo na pintura dos caracteres e dos costumes. Mas a
simples realidade não prendia os romancistas românticos, que também buscavam a
verdade através da construção de sínteses ideais e tipos genéricos, reunindo
traços variados e de origens diversas na composição de uma personagem. O
romance, destarte, fundiria realidade e fantasia, análise e invenção. (...) o
gosto da história, dos motivos e personagens, é de tal maneira disseminado, que
imprime ao gênero uma de suas formas principais na época: o romance histórico.
No caso do Brasil especificamente, Coutinho
(1978, p. 173) atenta para o fato de que: Realizaram
os românticos a criação dos gêneros literários com feitio brasileiro. (...) a
ficção brasileira foi criada no Romantismo. Mesmo com predomínio do descritivo
e da pintura sobre o narrativo; mesmo a despeito da voga da historia romanesca,
sentimental e idealizada, as condições peculiares do meio brasileiro
favoreceram a formação do gênero, na temática e na estrutura, mediante,
sobretudo, as experiências altamente conscientes de Alencar (...) A Alencar,
entretanto, deve-se a compreensão de que o romance era o gênero mais adequado à
expressão brasileira do que a epopéia. Esse estudo, também ratificado por Dourado (2000) e por Proença Filho (1990), conduz a ficção romântica a
desdobramentos pautados no passado, na cidade e no regionalismo. O passado, por
meio do romance histórico que buscava na história e nas lendas heróicas
a afirmação da nacionalidade; na cidade, através do romance urbano e de
costumes, retratando a vida da Corte, no Rio de Janeiro do século XIX,
fotografando, com alguma fidelidade, costumes, cenas, ambientes e tipos humanos
da burguesia carioca; e o regionalismo, voltado para o campo, para a província
e para o sertão, num esforço nacionalista de reconhecer e exaltar a terra e o
homem brasileiro, acentuado as particularidades de seus costumes e ambientes. Coutinho
(1978, p. 147) diz que, no movimento romântico, não somente a remotidão no
tempo, mas também no espaço “com gosto das florestas, das longes terras,
selvagens, orientais, ricas de pitoresco, ou simplesmente de diferentes
fisionomias e costumes”, sendo, pois, o pitoresco e a cor local um meio de
expressão lírica e sentimental e de excitação de sensações. Observando tais
tendências, é importante chamar atenção para o romance urbano, aquele que
desenvolve tema ligado à vida social, principalmente do Rio de Janeiro,
apresentando uma variedade dos tipos humanos, retratando os problemas sociais e
morais decorrentes do desenvolvimento da cidade, tudo isso fazendo cenário e
servindo de fonte para os romancistas brasileiros, dentre eles, José de Alencar
como o seu romance Senhora. Nesta observação
se apreende que as características do romance romântico estão, dentre outras,
na estrutura linear com personagens estereotipadas e previsíveis; predomínio do
tempo cronológico; partes bem definidas: prólogo, trama e epílogo; mensagem
redundante; grande valorização do enredo; detalhes de costumes e de cor local; comunhão
entre a natureza e os sentimentos das personagens; divisão das personagens em
bons e maus; e final feliz para as complicações sentimentais, ou a fuga, a
morte, celibato, dentre outras. Além
do mais, outro fato merece destaque e foi exaltado por Moisés (1994, p.
11-12) ao mencionar que: (...) a primeira
mais relevante conseqüência desse intercâmbio ser a profissionalização do
escritor: refugado do mecenalismo dos potentados como atentatório à liberdade
criadora, o escritor, emergido da Burguesia, produz um objeto a ser consumido
pela classe média e do qual aufere proventos para sua subsistência. (...) o
escritor funcionava, desse modo, como a consciência da classe de que provinha e
como ideólogo que lhe propunha um figurino moral, estético, etc. (...) A ficção
servia, portanto, de espelho de um estado de coisas e, simultaneamente,
decálogo da sociedade: esta se revela, não exatamente como era, mas como
pretendia ser ou aprendia a ser, graças à imagem fornecida pelo escritor. Neste sentido, o Romance, neste
movimento, difundia as tendências literárias do séc. XIX, sofrendo alterações
importantes em suas características básicas. Tendo em vista que o
romance se passa dentro de um trâmite, este é o seu espaço ao se considerar que
a ação
narrativa, segundo Proença Filho (1990, p. 51) é caracterizada por uma seqüência
simples ou complexa de conflitos ou tensões que se resolvem ou não e é situada
na trama, intriga ou enredo e envolve o que ocorre com os personagens, o
conjunto de suas ações ou reações, o acontecimento ligado entre si, tudo isso
comunicado pela narrativa. Segundo ele, “é na articulação da ação com a
narração que se instaura o processo da ambigüidade peculiar ao texto
literário”. Por narração, portanto, entende-se a sucessão de fatos, imagens ou
acontecimento que, numa seqüência ordenada configura num texto literário, sendo
o modo como a narrativa se organiza. Assim, para o autor mencionado, o tempo e
o espaço envolvem a duração da trama e a estrutura ficcional do romance, à
ampliação da duração psicológica dos personagens. Neste sentido a expressão da
irreversibilidade do tempo que se escoa é acrescida à distância interior do
tempo subjetivo e se articula ao ambiente, o meio, a localização e as condições
materiais que se movimentam entre os personagens desenrolando os acontecimentos.
Através deles podem-se configurar traços dos personagens e mesmo a própria
história. Nesta condução, chama atenção Dimas (1987, p. 33) ao assinalar que: Na questão do espaço narrativo, o ponto
central que orienta a discussão e que dividem as suas águas diz respeito à
utilidade ou à inutilidade dos recursos decorativos empregados pelo narrador em
sua tentativa de situar a ação do romance. Em outras palavras: até que ponto os
signos verbais utilizados limitam-se apenas a caracterizar ou a irnamentar uma
dada situação ou em que medida eles a ultrapassam, atingindo uma dimensão
simbólica e, portanto, útil àquele contexto narrativo. O que é acidental e
extrínseco à ação; o que lhe é essencial e, portanto, intrínseco? Qual é,
enfim, o grau de organicidade/inorganicidade de um determinado elemento
narrativo? Por esta razão, o autor considera que não se deve confundir
espaço com ambientação. E que, para efeitos de análise, exige-se do leitor
perspicácia e familiaridade com a literatura para que o espaço puro e simples
(o quarto, a sala, a rua, o barzinho, a caverna, o armário, etc) seja
entrevisto em um quadro de significados mais complexos, participantes estes da
ambientação. Em outras palavras o autor assinala ainda que “o espaço é
denotado; a ambientação é conotada. O primeiro é patente e explicito; o segundo
é subjacente e implícito. O primeiro contém dados de realidade que, numa
instancia posterior, podem alcançar uma dimensão simbólica” (DIMAS, 1987, p.
20). É nesta dimensão que Silva (1992, p. 711) entende que: O romance, como todo o texto narrativo,
constrói e comunica sempre informação sobre uma ação, sobre um processo ou uma
seqüência de eventos que são produzidos e suportados por personagens. Tal
seqüência de eventos pode ser construída e transmitida ao leitor segundo
técnicas discursivas muito variáveis. Esse processo é conhecido como diegese.
A diegese do romance, segundo Silva (1992), não é apenas constituída por
eventos que, na sua sucessão temporal e causal e nas suas correlações, configuram
uma história com uma finalidade e um fim: A
diegese é também constituída por personagens, por objetos, por um universo
espacial e por um universo atemporal. No texto do romance, a parte importante
da informação sobre as personagens, os objetos, o espaço e o tempo em que
decorrem os eventos, é construída e transmitida por descrições. Embora a
descrição funcione sempre como uma ancilla narrationis, a verdade é que pode
facilmente encontra-se uma descrição isenta de elementos narrativos, ao passo que
é muito difícil, senão impossível, existir um enunciado narrativo que não
ofereça, por mínimo que seja, um conteúdo descritivo. Os elementos descritivos
são indispensáveis para a construção do significado do romance como cronotopo
(SILVA, 1992, p. 740). Desta forma, deixa claro o autor que o espaço narrativo
pode ser a descrição de um macro-espaço telúrico ou sociológico, pode ser a
descrição de um aglomerado populacional, rústico ou urbano, ou de uma área
restrita desse aglomerado; pode ser a descrição de uma cada ou de um aposento. Isto
se dá pela razão simples de que o que motiva e estrutura a descrição estão
estreitamente correlacionadas com o ponto de vista ou a focalização adotada no
romance. A responsabilidade da descrição pode ser assumida direta e
explicitamente pelo narrador, que se comporta como um cicerone dotado de grande
liberdade que vai mostrando ao leitor o que entende que este deve ver e
apreciar. É o que acontece, em geral, com o narrador onisciente. Este tipo de
descrição situa-se, como é obvio, fora da temporalidade subjetiva ou privada da
diegese. Tal responsabilidade pode caber, porem, a uma personagem na qual
resida, momentânea ou duradouramente, o foco narrativo. Neste caso, a descrição
tem como referentes o espaço, os seres e as coisas que a personagem abarca com
a sua visão. Ao contrário do que se verifica com o tipo de descrição
anteriormente citado, esta descrição integra-se no tempo subjetivo da diegese. Para
motivar e tornar verossímil uma descrição centrada numa personagem, o
romancista pode utilizar diversos pretextos e artifícios: mudanças de
luminosidade que obrigam ou convidam a personagem a reparar nos seres, nos
objetos e nas paisagens; deambulação da personagem com conseqüente descrição do
que vê durante a deambulação; situação da personagem ou na proximidade de uma
janela que lhe permite ver o mundo exterior, ou num lugar morfologicamente
adequada à visão de um grande espaço. Em qualquer caso, o narrador-cicerone ou
a personagem, ambos são o centro em relação ao qual se estabelece a perspectiva
da descrição e ao qual se encontram referidos na descrição.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, L. A. Corações
partidos. São Paulo: Ática, 2004.
ALENCAR, J. Senhora. Senhora. São Paulo: Ática, 2002.
AMORA, A. S. O
romantismo: a literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1976.
BRASIL, A. Vocabulário
técnico de literatura. São Paulo: Tecnoprint, 1979.
BOSI, A. História
concisa da literatura brasileira. 22 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.
CANDIDO, A. Literatura
e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Neclosal,
1976.
COUTINHO, A. Introdução
à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
DIMAS, A. Espaço
e romance. São Paulo: Ática, 1987.
DOURADO, A. Uma
poética do romance. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
FERNANDES, A. T. Para uma sociologia da cultura. Porto: Campo das Letras, 1999.
LINS, O. Lima
Barreto e o espaço literário. São Paulo: Àtica, 1976 (Coleção Ensaios,
20.).
LITRENTO, O. Apresentação
da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Forense/Universitária, 1978.
MARTINS, W. A
literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MOISÉS, M. História
da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
______. A
Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1991.
OLIVEIRA, Maria Betânia Rocha. Policarpo Quaresma: entre o ideal e o real – o triste fim. Maceió:
Catavento, 2006.
PROENÇA FILHO, D. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 1990.
SILVA, M. F. da. A cidade desfigurada: uma análise do romance Ninho de cobras, de
Ledo Ivo. Maceió: Catavento, 2002.
SILVA, V. M. de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1992.
SODRÉ, N W. História
da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. Veja
mais aqui e aqui.
DOIS
POEMAS - CANÇÃO DE NINAR: É grande o mundo?/ - É grande. Do
tamanho do medo. / É longo o tempo? / - É longo. Longo como o esquecimento. / É
profundo o mar? / - Pergunte ao náufrago. / (O Tentador sorri, me acaricia os
cabelos e me diz que durma.) XADREZ: Porque éramos amigos e às vezes nos
amávamos, / talvez para juntar outro interesse / aos muitos que os dois nos
obrigavam, / decidimos jogar jogos de inteligência. / Pusemos um tabuleiro
frente a nós, / eqüitativo em peças, em valores, / possibilidades de
movimentos. / Aprendemos as regras, juramos respeitá-las, / e a partida teve
início. / Eis-nos aqui há um século, sentados, meditando / encarniçadamente / como
dar a estocada última que aniquile / de modo inapelável e para sempre o outro. Poemas da poeta mexicana Rosario Castellanos (1925-1974).
Art by Lynn Bianchi
Veja
mais sobre:
Ingresia
dum chato de galocha, Graciliano
Ramos, Dylan Thomas, Vanessa-Mae,
Piero della Francesca, Maria Della Costa, Antonio Carlos Fontoura, Maria Zilda
Bethlem, Zizi Smail & Humor e alegria na educação aqui.
E mais:
Propriedade
industrial no Código Civil aqui.
A poesia
de Suzana Mafra aqui.
Erich
Fromm, Teste da Goma & outras loas aqui.
A
graviola do Padre Bidião aqui.
A poesia
de Manoel Bentevi aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem:
arte de Vladimir Kirov
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.