segunda-feira, fevereiro 06, 2017

LOU SALOMÉ, ENRICA CAVALLO, ANTONI TÀPIES & MISTY COPELAND

COMO AS COISAS SÃO E COMO PODEM SER - Imagem: arte do pintor e escultor espanhol Antoni Tàpies (1923-2012). - Nele havia a chama viva da superação. Tirocínio certeiro, saída para todos os lados. Aprendera com a vida pra não passar vexame: dançava conforme seu proveito, sempre, situação que fosse. Acordava pronto pra enfrentar a vida e o destino com sua espada de dois gumes. Viesse o desacerto, levava nos peitos. Decidia puxando vantagem qualquer. Desconfiava de tudo: lucrava com o desequilíbrio moral da sociedade. Ao fim do dia, recontava o apurado, acumulava ganhos. E sorria, quem quisesse que chorasse. Ao travesseiro ele enfrentava a si mesmo. No sonho uma voz: isso não está certo, meu filho. O primeiro pesadelo. Lavado de suor, mal dormira direito, nem conseguiu mais conciliar o sono. Levantou-se, era sonho e a vida continua. Os pensamentos confusos, absolvia-se: nunca ganhei nada nem nunca vi ninguém rico com honestidade. Se sou bom, o mundo me quer ruim. E vestia a máscara do dia, tinha lá seus motivos. Caía no mundo, pintava e bordava, defendia-se: chorar é pra gente fraca, repetia para si, só os destemidos prosperam: chapéu de otário é marreta. Ao crepúsculo, fechava para balanço: adições nas contas, resultados favoráveis. Deitava feliz e o sono pro sonho: isso não é direito, meu filho. O travesseiro era seu juiz: ameaçador e inflexível. Tudo feito era repassado e uma voz ameaçadora tocava cada ato como corte pra ferida: tudo quanto condenável, fatos desagradáveis e o trampolim no flagelo alheio. Via-se entre o verme e o anjo: o paraíso das riquezas e abastança, ou o inferno de pobreza e miséria. Optava: melhor que ser doutor na penúria, melhor o anel de quem tem dinheiro pra comprar um. Mais uma noite mal dormida, a máscara do dia e o pé nos embates do mundo. Para qualquer situação, o que ganho com isso? Tinha que ter algo a mais no ocaso. Ao travesseiro, o tomento. Caía em si entre a ascensão e a queda, o ideal sempre inatingível, o real insuportável. Encarava o cinismo, o sarcasmo e a perda do respeito pela autoridade com os golpes e ataques ao semelhante sem o menor remorso ou compunção: são bichos selvagens com instintos e apetites tão primitivos que são piores que predadores, destruindo semelhante. Não há ser humano, só bichos interesseiros e insensatos. Não havia para si correspondência alguma entre os fundamentos da herança secular dos códigos prontos cultuados pelo pai e a família, e a terminologia convincente da inclinação comportamental na encruzilhada teológica da atualidade, afora as patéticas e infrutíferas controvérsias, tudo com ódio a refutar qualquer afirmação alheia com demonstrações de elogiável capacidade dialética e ninguém sabe nada sobre o nebuloso futuro nos conflitos das teorias filosóficas especulativas. Ué, o que é que eu faço? E não sabia. A voz cobrava cada vez mais inclemente. Acordava como quem batia a porta na cara do pesadelo, voltava pro dia com tudo, quantos disfarces e se escondia neles. A cada dia amealhava mais patrimônio e nem dormia mais. Intrépido na buraqueira, perseguia seus ideais. O cansaço levou ao cochilo e a voz voltou com força. Agora mais viva, terna e reconhecível, amável e feminina, ah, a voz da mãe que perdera na puberdade para o desamparo. Não falava com castigo, antes aconchegante. E ele ao seio dela lamentava o seu amor débil, a auto-complacência envenenadora, a pseudo-aceitação paralisante. Num susto voltava ao mundo, aquilo remoendo na cabeça. O que era ou não certo, não fazia sentido diante da confusão das religiões e das leis, ele próprio não se via identificado a cumprir dogmas e regras, muito menos obrigado a ser leal ou não com quem quer que aparecesse na sua frente. Estava mergulhado no precipício da desesperança, a queda entre o perigo e o deslumbramento. É só uma questão de tempo, sabia que também ia sucumbir. A despeito disso, a voz da mãe soava comiseração, mesmo parecendo recriminatória. Se pinotava com vivacidade entre todos, o livre arbítrio para o escuro e mercenário, alimentava a sensação de que nele havia humanidade, mesmo que distante. Lembrou da mãe agasalhadora, era como se ela estivesse ali do seu lado para dizer como são as coisas e como podem ser, a vida é como um rio: flui. Meu filho, meu filho! O que fiz, mamãe? E conseguiu dormir para nunca mais acordar. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

 Curtindo o talento da pianista italiana Enrica Cavallo (1921-2007).

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DESTAQUE: A OUSADIA DE SALOMÉ
Ouse, ouse... ouse tudo!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!
Pensamento da escritora russa Lou Andreas-Salomé (1861-1937). Em 2016 foi lançada uma cinebiografia sobre a vida dela, dirigida por Cordula Kablitz-Post, com sua personagem desenvolvida pelas atrizes Katharina Lorenz e Fries Liv Lisa na juventude e maturidade, e Nicole Heesters quando idosa. Veja mais aqui.

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