A SALVAÇÃO BIDIÔNICA DEPOIS DA BRONCA - Antes de se tornar a
beata-estandarte da Igreja Bidiônica, Prazeres do Céu enrabichou-se pras bandas
do Zé Peiúdo. Ambos adolescentes caíram num sarro pesado de findar a debutante
perdendo os seus três vinténs, embuchando por consequência. Passou o tempo e
sem poder esconder a gravidez, ela ficou atônita vez que não podia desmoralizar
a honra nem constranger a religiosidade dos seus pais. Revestida de um pânico
enorme, ela pegou então o galante libertino pela beca e deu-lhe ciência do seu
estado, exigindo contrair núpcias para resolver seu problema. Oxe, o cabra assim
que se livrou da intimidação, virou a venta pra primeira direção e deu um
carreirão pro fim do mundo, de quase gastar os pés na bunda com a poeira de
tanta estrada. Quando se sentiu livre do acocho, mal respirou aliviado, lá
estava ela inexorável vigilante, interceptando seus passos fugidios nas
quebradas duma capoeira que ornava uma das últimas curvas dos quintos dos
infernos. Segurado pelos colhões e orelhas, foi levado por ela pra juramento
diante do padre e do juiz. Pronto, obrigação cumprida, os esponsais foram
saudados no maior vexame pelos pais e padrinhos arrumados e catados feito
pega-na-rua. Cerimonial concluído, passaram a viver embaixo do mesmo teto, não
se salvando dumas encrencas por incompatibilidade de gênios num bangalô alugado
às pressas pra dividirem as queixas e desentendimentos. Privado da sua
liberdade, ela na cola dele cercando todo seu ciscado, a cada escapulida ele
enchia o tampo na farra e, lavando a jega ao chegar em casa, arreava a lenha na chatura de Xantipa dela: era cada murro e bofetão dos vizinhos pedirem
clemência e ela de tanto sacudida quase pedia arrego. Um escândalo, mas nada
saía disso. Dia sim e outro sim, o cacete comia no centro. Uma ou outra
intervenção amiga e ele aplacado em sua fúria. Ela aguentou resignada o quanto
pôde, deu a luz a um lindo bruguelo, suspendeu os estudos, virou dona de casa diligente
e tentou dar um ar de harmonia no que só se fazia só entre tapas e beijos. Um
dia lá, uns dez anos de surra, ela esborrou a paciência e procurou apoio nos
irmãos para socorrê-la dos maus tratos: todos deram as costas e arribaram pra
longe. Não teve alternativa, deu ciência ao pai sobre o que lhe sucedia: o
velho não aguentou o tranco e bateu as botas com o coração estuporado. A mãe
quando soube de tudo, embarcou junto com o pai pro reino dos pés juntos.
Sozinha e abandonada, deu parte do marido à polícia: um arranca-rabo da porra.
O injuriado cônjuge jurou-lhe de morte, fato que levou a promotora da comarca a
pegar pesado e não largar do seu pé. Resultado: foi trancafiado por anos e não
teve advogado vindo da capital que soltasse o malouvido. Tendo de pagar a pensão
preso – a família dele tinha posses, mas não teve força pra injúria da
representante do Ministério Público, sendo solto, só quando ela foi transferida
pra onde Judas perdeu o paradeiro. Prazeres não teve sua sorte mudada, muito
pelo contrário, havia se auto-endoidado de ficar falando sozinha, aos prantos,
diziam até que ela surtara pelas porradas tantas que levou na cabeça,
brutalidade de desumano. Quando estava à míngua de quase pedir esmola, eis que
conheceu o padre Bidião que lhe acolheu com carinho e tratamento psicológico,
dando início, então, ao que hoje se constituiu a filosofia bidiônica de
salvação de almas desencaminhadas. Foi aí que a vida dela se aprumou e até hoje
segura firme como pisciana beata juramentada e seguidora inarredável do
Evangelho Segundo Padre Bidião. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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UMA MÚSICA
Curtindo
o álbum Violoncelle solo
(Acord/Universal, 2005), da premiada violoncelista russa Tatjana Vassiljeva.
PESQUISA: FILOSOFIA, IDEOLOGIA & CIÊNCIA SOCIAL - [...]
Deve-se enfatizar que o poder
da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder
matéria e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes
dominantes, mas, sim, porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças à
posição de supremacia da mistificação, através da qual os receptores potenciais
podem ser induzidos a endossar, “consensualmente”, valores e diretrizes práticas
que são, na realidade, totalmente adversas a seus interesses vitais. As
ideologias críticas, que procuram negar a ordem estabelecida, não podem sequer mistificar
seus adversários, pela simples razão de não terem nada a oferecer - nem mesmo
subornos ou recompensas pela aceitação - àqueles já bem estabelecidos em suas
posições de comando, conscientes de seus interesses imediatos palpáveis.
Portanto, o poder de mistificação sobre o adversário é privilégio exclusivo da
ideologia dominante. [...] as várias formas ideológicas de consciência social acarretam diversas
implicações práticas de longo alcance na arte e na literatura, bem como na
filosofia e na teoria social, independentemente de sua ancoragem sócio-política
em posições progressistas ou conservadoras. [...] a posição ideológica que “questiona radicalmente a persistência
histórica do próprio horizonte de classe, antevendo, como objetivo de sua intervenção
prática consciente, a supressão de todas as formas de antagonismo de classes.
[...] o conceito das “condições materiais
de vida” ocupa, estrutural e geneticamente, uma posição essencial no sistema
marxiano, - isto é, tanto em relação à gênese histórica das formas mais
complexas de intercâmbio humano, como diante do fato de que as condições
materiais constituam a pré-condição de vida humana estruturalmente necessária
em todas as formas concebíveis de sociedade -, tal conceito não é, de forma
alguma, capaz, por si só, de explicar as complexidades do próprio desenvolvimento
social. [...]. Trecho extraído da obra Filosofia,
ideologia e ciência social: ensaios de negação e afirmação (Ensaio, 1993),
do filósofo húngaro e um dos mais importantes intelectuais marxistas da
atualidade István Mészarós,
refletindo sobre temas e problemáticas distintas como filosofia, análise
literária e ciências sociais, a partir de seus contextos históricos e de uma
perspectiva crítica., procurando esclarecer o poder da ideologia e de seu papel
no processo dos ajustes estruturais. Para o autor em estudo, as condições de
dominação estão estreitamente ligadas à intervenção de poderosos fatores de
ordem ideológica. Veja mais aqui, aqui e aqui.
UM LIVRO, UMA LEITURA: MAL DE AMORES
[...] viajar é uma forma de destino. [...] Daniel
– dissera para si própria – podia dividir-se em dois: um era o que montava com
ela num corno da Lua, o que ocupava todos os sonhos porque nenhum sonho era
melhor do que a realidade quando ele a preenchia. O outro era um traidor que
montava no cavalo da revolução para ir fazer a sua pátria noutro lugar que não
a sua cama comum. [...] Mas a guerra contra a ditadura não se tinha
revelado mais do que guerra e a luta contra os desmandos de um general não
tinha feito mais do que multiplicar os generais e os seus desmandos. [...].
Trechos
extraídos da obra Mal de amores
(Objetiva, 1997), da premiada escritora e jornalista mexicana Ángeles Mastretta, contando a história
de um triângulo amoroso com suas paixões, medos, sonhos e desesperanças,
ocorrido durante a Revolução Mexicana.
PENSAMENTO DO DIA: HORROR ECONÔMICO - [...] A vergonha deveria ter cotação na bolsa; ela
é um elemento importante do lucro. [...] É dessa maneira que se prepara uma sociedade de escravos, aos quais só
a escravidão conferiria um estatuto. Mas para que se entulhar de escravos, se o
trabalho deles é supérfluo? [...] Concorrência
e competitividade não agitam tanto quanto dizem, e sobretudo não “como” dizem
as empresas e os mercados. As redes mundiais, transnacionais, são por demais
imbricadas, entrecruzadas, ligadas entre si para que isso ocorra. [...] Em vez de abrir caminho para uma diminuição
e até mesmo uma abolição bem-vindas, planejadas do trabalho, a cibernética
suscita sua rarefação e logo sua supressão, sem que tenham sido igualmente
suprimidas ou mesmo modificadas a obrigação de trabalhar e a corrente de
intercâmbios, da qual o trabalho sempre foi o único elo suposto. [...] A supressão de empregos tornou-se um dos
modos de administração mais em voga, a variável de ajuste mais segura, uma
fonte prioritária de economias, um agente essencial do lucro. [...] Eles vivem num
mundo sedutor, do qual têm uma visão excitante que, pela sua redução despótica
funciona. Funesto, este não deixa de ter um sentido para quem dele participa [...]. Sejam quais
forem suas demonstrações sabiamente hipócritas, sua potência é posta a serviço,
ou seja, a serviço daquela arrogância que o faz considerar bom para todos
aquilo que lhe é rentável. E como natural para um mundo subalterno. Ser
sacrificado por isso então não se constitui em nenhum pecado. [...] Cada um parece ao
contrário, estranhamente cúmplice: não só aqueles que ainda têm a bondade de se
dignar ou se dar ao trabalho de fazer uso dessas perífrases corteses em relação
à população que não tem mais avisos a dar, mas que reclamam essas promessas,
suportam seus perjúrios e, afinal, pedem apenas para ser exploradas [...] Assim tacitamente
alienados, estamos imobilizados dentro de espaços sociais condenados, locais
anacrônicos que se autodestróem, mas onde temos o estranho e apaixonado desejo
de permanecer, enquanto o futuro se organiza, debaixo de nossos olhos, em
função da nossa ausência, já programada de maneira mais ou menos consistente [...]. Trechos extraídos da
obra O horror econômico (Unesp,
1997), da escritora, ensaísta e crítica literária francesa Viviane
Forrester, realizando um
balanço da atual crise global do trabalho e analisando as verdades do
capitalismo pós-industrial e a nova estrutura de produção como um drama moral
do projeto civilizatório da modernidade, com o desemprego e o desdobramento
lógico do horror econômico fabricado no laboratório dos economistas.
UMA IMAGEM
A arte
da artista plástica, performer, fotógrafa & multimídia Lia Chaia, nas performances/instalações/intervenções urbanas
realizadas nas exposições Glam –
Silèncio Feminino (2010), Na cama formigando com um tango (2010) e Que os meus
olhos te protejam (2010), com a percepção de vivências do cotidiano, a
permanente tensão cultura versus natureza e o a reação do corpo aos estímulos e
rupturas do cotidiano.
Veja mais sobre Panorama da Quilombo, Upanixades,
José Régio, Toquinho, Afonso Lisboa da Fonseca, Pedro Onofre, Kirk Jones,
Christianna Brand, Emma Thompson, Martha Rocha, Literatura Infantil &
Donald Zolan aqui.
A GAIA CIÊNCIA
Coragem com meu alimento, comedores!
Amanhã o seu gosto já lhes será melhor
e depois de amanhã será bom!
se então quiserem mais —
minhas sete velhas receitas
me serão sete novas audácias.
Convite - Brincadeira, astúcia e vingança – Prelúdio em rimas alemãs,
extraído da obra A gaia ciência
(Companhia das Letras, 2012), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Veja mais aqui.
E veja mais:
Proezas do Biritoaldo: Quem é bom já nasce troncho, apesar da água
benta no quengo do sopiado aqui.
Charlie Chaplin & probidade
administrativa aqui.
Cantador & obviedades cínicas aqui.
Literatura Erótica, Presente de Natal,
Agostini Carraci & previsões do Doro aqui.
Plenilúnio do Amor, A paixão de Aristóteles,
O amor mais que de repente & as previsões do Doro aqui.
DESTAQUE:
Preparation drawing for drawing, do artista plástico
brasileiro Wesley
Duke Lee (1931-2010). Veja mais aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
do pintor e escultor francês Auguste
Chabaud (1882-1955).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.