POESIA NÃO DEU, SÓ NOUTRA - No
começo da adolescência, Bestinha engraçou-se pelos dotes juvenis da Varnilza.
Fez de tudo para conquistá-la – principalmente pra se livrar do prazer
descoberto de amolegar e morrer na mão. Aproximou-se dela encostada à sombra do
cajueiro: - Oi, tais fazendo o que? Livro - o que pra ele era obrigação da
escola e incluso no rol das coisas antipáticas. Poesias? Danou-se! Duas coisas,
a seu ver, mais chatas do mundo. Soubesse quem inventou, mandava matar. E ela:
coisas que embalam o coração, satisfação da alma. Agora deu, destá! Queria
namorico com ela de qualquer jeito, virou-se pro sacrifício. Foi na biblioteca –
um peixe fora d’água, nada mais embaraçoso -, exigindo o melhor de todos:
deram-lhe Olavo Bilac. Pregou os olhos, páginas, volumes, não entendeu
patavina. Reclamou: que coisa!?! Abusou-se e saiu revoltado. Ao passar pelo
Clube Literário, parou pra ouvir o que os posudos falavam: Augusto dos Anjos.
No outro dia voltou pra biblioteca e saiu folheando leitura atenta dos
clássicos e parnasianos – parecia grego, complicadíssimo ao seu entendimento.
Armou-se de dicionários e enciclopédias – doravante seus companheiros
inseparáveis na empreitada -, tentando compreender tudo para impressioná-la.
Quase desistia, não fosse um grupo de poetas locais e um deles sapecar
completamente embriagado: Lá vem a lua
saindo, redonda como um tijolo, não é lua, não é nada, viva Dom Pedro I!
Oxe, disse ele de si pra si, isso eu também faço! Poetas-de-água-doce. Teve um
estalo e foi pras providências, catando polissílabos proparoxítonos – as lindas
de morrer, pra ele – e caprichava na entonação de quase dar um nó na língua ou
morrer engasgado com a pronúncia – tinha de ser, quanto mais difícil, melhor. E
ouviu um rábula com versos em juridiquês, o contador proseando economês, o
boticário com léxicos de ciência estrambólica e, quanto mais ouvia, mais se
pavoneava com verborragia carregada e catada a dedo. Imitava o jeito afetado,
copiava a performance, talqualzinho. Quando conseguiu juntar a garatuja toda no
primeiro esboço rascunhado, correu pra ela. Inchou o peito e não teve coragem,
deu branco e não conseguia articular palavra alguma. Nossa! Arreado de
decepção, resolveu reescrever tudo e treinar noite madrugada adentro, dias
seguidos. Procurou por ela e não achou, havia reunião do Grêmio Estudantil e
todos estavam no meio de um recital aplaudido pelos professores. Ah, chegaria o
dia da vez dele. Ela lá na maior euforia, ele encantado, ficou na sua. Reviu
tudo, dez laudas enroladas ao bolso e foi ter de novo com ela, pra valer.
Chegando, impostou a voz, pigarreou pra entonação melhorar e mandou ver na sua
cria. Um desastre: deu-lhe uma gagueira da peste, atropelando tudo de se
engasgar e não conseguir mencionar nem duas linhas. Fracasso total. Escabreado,
tomou fé e refez tudo. Agora vai! Semanas depois caprichou na investida, chegou
perto dela, respirou fundo, tomou coragem e mandou bala. Ela, hipnotizada; ele
empolgado, abafando, quase dos dentes pularem fora no repuxo. Quando terminou o
imbróglio, olhou pra ela, ainda paralisada, ousou perguntar: e aí? Demorou um
pouco, restabelecida do trampo ela conseguiu balbuciar: que porra é essa? Como?
Nunca ouvi nada tão horroroso! E ousou mais: você está com febre, endoidou ou o
quê? Vixe! O mundo desabou sobre Bestinha: queria um buraco aberto pra sumir
dentro! Era uma vez, nunca mais. Tentou até ainda algumas duas vezes, aprumando
nos sentimentos e dor de cotovelo, desgostou de tudo, abandonando
definitivamente de se meter com poesia. E saiu reclamando: vá entender as
mulheres, vá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.
UMA
MÚSICA
Curtindo o álbum duplo ao vivo O coração tem três portas (Zona Música,
2006), da premiada cantora portuguesa Dulce
Pontes.
PESQUISA: GAIA CIÊNCIA - Separação
e hierogamia: o passo inicial para a criação não se dá com a união dos
elementos, mas exatamente através do processo inverso. Tal ocorre quando se
rompe o caos para que a Luz (Aithér), sucedendo à Noite (Nýks), ilumine o
espaço entre Gaia ou Gê (Terra) e Ouranós (Céu), e o mundo emerja com a
aparição de Póntos (Mar), oriundo da própria Terra. Todos esses nascimentos,
segundo a compilação de Hesíodo (Teogonia, 132), produzem-se sem intervenção de
Eros (Amor), força dinâmica do processo criador que une os opostos. [...] Na Grécia, do mesmo modo, a partir de um
rico substrato religioso pré-helênico (cretomicênico), concebia-se Urano (Céu)
e Gaia (Terra) como geradores dos Titãs, que, à exceção de Mnemósine e Têmis,
se uniram todos entre si: Oceano e Tétis, Hipérion e Téia, Ceo e Febe, Crono e
Réia. Só Jápeto e Crio tomaram consortes fora de sua própria linhagem. [...]
A Terra (Gaia) continuava encarada como o
fator de estabilidade e Mãe do Universo, dando orientação ao espaço
desorganizado do Caos, que representava uma realidade permanente e sempre
ameaçadora. A exemplo de outras concepções mitológicas, a greco-romana fixa o
estabelecimento da ordem sob o reino de Zeus (Júpiter) como resultado da
sequência de gerações e lutas divinas. Mas o demônio ctônico Píton, personificando
o Caos em forma de serpente (a Apep dos egípcios), era tido como ameaça
constante de retorno ao estado primitivo., pois se emergisse destruiria o Sol,
confundiria todas as direções do espaço e reuniria Terra e Céu. (Enciclopédia
Mirador Internacional, vol. 14). Gaia já foi o nome da deusa que, na mitologia dos antigos povos romanos,
representava a Terra e se ligava à fertilidade, portanto, à vida. A palavra,
transformada em adjetivo e no decorrer da história das sociedades medievais,
passaria a ter significados como "mundano" (no sentido de inserido no
mundo), mas também "alegre", "intensamente vivo", "plenamente
livre". Um pouco de cada um desses sentidos aparece na incorporação do
adjetivo "gaia" à palavra "ciência", para designar a arte poética
dos trovadores europeus da Idade Média Central (séculos XII a XIV). A Gaia
Ciência, portanto, é aqui entendida como a "alegre ciência" ou o
"alegre saber" dos trovadores medievais, que é um saber inteiramente dedicado
à capacidade de viver intensamente, ao envolvimento amoroso, à exaltação da
natureza, à experiência da verdadeira liberdade e, sobretudo, à fina arte de
tecer versos e fazer da própria vida individual, ela mesma, uma obra de arte. [...] Trecho extraído do artigo acadêmico A gaia ciência dos trovadores
medievais (Revista de
Ciências Humanas - EDUFSC, abr-out, 2007), do historiador e musicólogo José D 'Assunção Barros.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
UM LIVRO, UMA LEITURA:
[...] Nessa noite, fez amor com ela com a ternura
recíproca [...] contra a qual se
guardara – com uns poucos lapsos -, não podia se dar ao luxo de um compromisso
naquela situação, precisava estar apto a pegar aquilo que o próximo apoio
tivesse a oferecer, fosse o que fosse. Nessa noite, fizeram amor, o tipo de amor
que é um outro país, um país em si mesmo, nem seu nem meu. [...]
Trecho
extraído do romance O engate (Texto,
2005), da escritora sul-africana e Prêmio Nobel de Literatura em 1991, Nadine Gordimer (1923-2014), contando a
história de um relacionamento arrebatador entre uma bem-sucedida mulher branca
e um mecânico de pele escura no pós-apartheid.
PENSAMENTO DO DIA: A GAIA CIÊNCIA PARA ALÉM DO BEM E DO MAL - Supondo-se que a verdade seja feminina — e
não é fundada a suspeita de que todos os filósofos, enquanto dogmáticos, entendem
pouco de mulheres? Que a espantosa seriedade, a indiscrição delicada com que
até agora estavam acostumados a afrontar a verdade não eram meios pouco
adequados para cativar uma mulher? O que há de certo é que essa não se deixou cativar
— e os dogmáticos de toda a espécie voltaram-se tristemente frente a nós e
desencorajaram-se. [...] O que nos incita a olhar todos os filósofos
de uma só vez, com desconfiança e troça, não é porque percebemos quão inocentes
são, nem com que facilidade se enganam repetidamente. Em outras palavras, não é
frívolo nem infantil indicar a falta de sinceridade com que elevam um coro
unânime de virtuosos e lastimosos protestos quando se toca, ainda que superficialmente,
o problema de sua sinceridade. Reagem com uma atitude de conquista de suas
opiniões através do exercício espontâneo de uma dialética pura, fria e
impassível, quando a realidade demonstra que a maioria das vezes apenas se
trata de uma afirmação arbitrária, de um capricho, de uma intuição ou de um
desejo intimo e abstrato que defendem com razões rebuscadas durante muito tempo
e, de certo modo, bastante empíricas. Ainda que o neguem, são advogados e frequentemente
astutos defensores de seus preconceitos, que eles chamam "verdades" [...] o amor como paixão — que é a
nossa especialidade européia — foi inventado pelos poetas-cavaleiros
provençais, esses seres humanos magníficos e inventivos do ‘gai saber’ a quem a
Europa deve tantas coisas e a quem quase inteiramente se deve ela própria
[...]. Trechos extraídos da obra Para
além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro (Companhia das
Letras, 1997), do filósofo alemão Friedrich
Nietzsche (1844-1900), composta por nove partes com 296 seções numeradas e
um “epode” - poema intitulado Das montanhas altas -, que tratam de
diversos assuntos como a
influência dos preconceitos populares no trabalho do erudito e do filósofo; a
conceituação nietzscheana de liberdade e espírito livre e sua expectativa sobre
a filosofia do futuro; a essência do homini religiosi, suas diversas
facetas e seu comportamento frente à ciência; análises acerca da moral
corrente, da filosofia, da ciência e da mente do erudito europeu; um ensaio
sobre a condição política da Europa, a "moral aristocrática" e a moral
cristã, entre outros assuntos. Veja mais aqui e aqui.
UMA IMAGEM
A arte do fotógrafo angolano Kharlos Cesar.
Veja mais sobre Nascente – Publicação Lítero Cultural, Bertolt Brecht, Steven Pinker, Luiz
Ruffato, Rocio Jurado, Gilvan
Pereira, Greta Garbo, Literatura Infantil, Teatro Infantil, Albert Marquet,
Neila Tavares & Bruno Gaudêncio aqui.
E mais:
Paulo Freire, William Blake, José Louzeiro, Cesar Camargo
Mariano, Joaquin
Oristrell, Mitodrama, Olivia Molina,
Literatura Infantil, Gilberto Geraldo & Infância, imagem e Literatura aqui.
As trelas do Doro
aqui.
Vera indignada
aqui.
Estopô calango
aqui.
A Filosofia de
Ascenso Ferreira aqui.
Fecamepa: o Brasil
do século XVI aqui.
DESTAQUE:
Jeju
Loveland é um parque temático com 140
esculturas e exposições interativas com temáticas eróticas, voltadas para
educação sexual, na ilha de Jeju, na Coreia do Sul. Veja mais aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte
da escritora e ilustradora de quadrinhos italiana Giovanna Casotto.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.