A arte
do ilustrador, editor e desenhista de quadrinhos estadunidense Eric Stanton (1926-1999).
OUTRA DOR – Em memória de Ana Rosa Kucinski Silva (1942-1974). - Foi na exposição dos 30 anos
da Guerra Civil Espanhola que vi pela primeira vez a professora que era formada
em Química, com doutorado em Filosofia. Era 1966. Capricorniana inconfundível, filha de judeus
poloneses, dela algumas impressões: firme, daqueles irredutíveis; afável, como
aquelas figuras maternas inesquecíveis. Guardava para si a relação conturbada
familiar e seus dilemas existenciais. Gostava de música erudita, teatro,
literatura, cinema, quando não uma observadora severamente crítica da realidade
e da imprensa que a distorcia. Em sua fala e cartas, sempre o momento que o
país estava mergulhado nas trevas, a militância no combate à ditadura militar
na Aliança Libertadora Nacional (ALN). Ela casou-se em sigilo algum tempo
depois. E aos 32 anos de idade, 4 anos mais tarde, ela saiu do trabalho e se
dirigia ao centro da capital paulista, almoçar num restaurante nas proximidades
da Praça da República. Nesse trajeto ela desapareceu. Não havia nenhum sinal
dela em qualquer unidade militar ou policial, nenhuma notícia dela. Mesmo com
um habeas corpus impetrado de nada adiantou pela vigência do AI-5, o seu
desaparecimento levou à reportagem no New York Times e debates na OEA. Ela então
foi demitida pela Reitoria da USP por abandono de função, em 1975, tendo sido
anulada oficialmente em 2014, depois das exigências do Fórum Aberto pela Democratização
da universidade. Nos relatos do livro Desaparecidos
políticos: prisões sequestros assassinatos (Opção/Comitê Brasileiro pela
Anistia, 1979), de Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, um depoimento do físico e
jornalista Bernardo Kucinski: Certeza da
morte já um sofrimento suficiente, por assim dizer. Um sofrimento brutal.
Agora, a incerteza de uma morte, que no fundo é certeza, mas formalmente não é,
é muito pior. Passam-se anos até que as pessoas comecem a pensar que houve
morte mesmo. E os pais, principalmente, já mais idosos, nunca conseguem
enfrentar essa situação com realismo. A família, inclusive, foi extorquida
em 25 mil dólares em troca de informações que, ao final, mostraram-se
inteiramente falsa. O Ministério da Justiça, depois de muita pressão, anunciou
que ela e o marido eram terroristas foragidos. Foi preciso que um
tenente-médico reconhecesse a foto de ambos para denunciar que haviam sido
torturados. Outro militar depôs que ambos foram delatados por um cachorro,
presos em São Paulo e levados para a casa de Petrópolis, seus corpos
despedaçados. Pelo Ministério da Marinha foram presos em 22 de abril de 1974,
desaparecidos deste então. 18 aos depois, o tenente-médico que atuava nas ações
de tortura durante o período da ditadura militar informou que ambos foram
assassinados e seus corpos despedaçados na Casa da Morte de Petrópolis. O que
ficou apurado dos depoimentos é que eles foram capturados pelo delegado Fleury
e entregue aos militares para interrogatório na Casa da Morte, além de ser
torturados e executados. O seu irmão e escritor Bernardo Kucinski escreveu o
romance K-O relato de uma busca
(Expressão Popular, 2011): tudo neste
livro é invenção, mas quase tudo aconteceu. No livro Memórias de uma guerra suja (Topbooks, 2012), dos jornalistas
Marcelo Netto e Rogério Medeiros, o torturador confesso Cláudio Guerra afirmou
que os corpos foram incinerados no forno da Usina Cambahyba, no Rio de Janeiro.
O corpo dela tinha marcas de mordidas e de abuso sexual, e o dele não tinha
unhas na mão direita. Já no livro Kaddish
– prece por uma desaparecida (Letramento, 2018), de Ana Castro, também
autora do documentário Coratio
(2015), conta a história sem fim baseado em depoimentos e colegas do casal. Devido
a tais circunstancias é ainda hoje considerada como uma das vítimas da ditadura
militar, em conformidade com o previsto pela Lei 9140/95. Veja mais abaixo,
aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – Todas
as vidas são interessantes. Ninguém a vida é mais interessante que outra. Seu
fascínio depende de quanto é revelado e de que maneira... Pensamento da
escritora canadense Mavis Gallant
(1922-2014).
ALGUÉM FALOU: Um
poeta só pode escrever sobre o que é fiel à sua própria experiência, não sobre
o que ele gostaria que fosse fiel à sua experiência. Todas as lições
aprendidas, desaprendidas... Pensamento do poeta inglês Stephen Spender
(1909-1995). Veja mais aqui.
DEPOIMENTO – Cheguei
na Oban e a violência começou no interrogatório, com choque elétrico. Quando eu
vi o pau de arara, não reconheci o que era porque estava em choque. Vi um copo
cheio de uma substância branca e achei que era açúcar, para tomar com água na
hora do nervoso. Mas era sal, para pôr nas feridas. Eles faziam piadas sobre o
corpo das mulheres, se era feio, jovem, velho, gozavam dos defeitos. Era uma
mesquinharia muito grande. Eles abusam, violentam, de uma maneira ou outra,
humilham, tornam objeto. Eles faziam a gente se sentir uma porcaria. Eles
tinham muito prazer na tortura. Não me pareceu que eles faziam por obrigação. Havia
o Ustra [coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra], que era o mais terrível,
porque vinha com uma conversinha, com uma diplomacia: ‘Minha filha, como você
vai se meter numa coisa dessas, você é de uma família boa, vai prejudicar os
seus filhos por essa coisa de comunismo’. E, de repente, inesperadamente, ele
lançava uma bofetada. Lá da minha cela, eu conseguia ver que eles tinham uma
cachorrada no pátio. Eles masturbavam as cadelas, as excitavam, e elas uivavam,
acho que de prazer e medo. Era brutal. Eu tinha vontade de vomitar. Uma vez, o
torturador “Jesus Cristo” [codinome do delegado de polícia Dirceu Gravina],
saiu de um interrogatório e foi para o meu. Ele estava muito nervoso e falou: “Você
é psicóloga, né, acho que vou precisar do seu auxílio. Eu estou descontrolado,
chego em casa e arrebento tudo, bato na minha mulher”. Depois da Oban, fui para
o Dops e para Tiradentes, onde a coisa foi ficando mais de tortura psicológica e
não física. Mas sempre com aquele horror de saber que a qualquer momento a
gente poderia voltar para a Oban... Depoimento da professora universitária da
USP, Lúcia Coelho, quando foi presa
em 15 de julho de 1971, em São Paulo, quando militante do Partido Operário
Comunista (POC). Ela é psicóloga e presidente da Sociedade Rorschach de São
Paulo. Veja mais aqui e aqui.
TEMPO DE MIGRAR – [...] Minha única arma afiada estava dentro do
crânio e um sentimento frio e gélido repousava no meu peito, como se ele fosse moldado
de rochas. Quando o mar engoliu a praia, as ondas se revoltaram contra o navio
e o horizonte se azulou diante de nós, senti uma familiaridade total com o mar.
Conhecia aquele gigante verde e infinito, como se rugisse entre minhas costelas.
[...] Esse é um mundo organizado: as
casas, os campos e as árvores são desenhados de acordo com um projeto. Nem os
rios correm tortuosos, mas sim ordenadamente em leitos artificiais. O trem
parava por minutos na estação e as pessoas entravam e saíam rapidamente, sem
alvoroço. Pensei na minha vida no Cairo. [...] Minha mente era uma faca afiada, mas essa língua não era a minha.
Aprendi a usá-la com eloquência depois de muita prática. [...] Eu era um sul que desejava o norte e o gelo.
[...]. Trechos extraídos do livro Tempo de migrar para o norte (Planeta, 2004), do escritor sudanês Tayeb Salih (1929-2009).
O TÚMULO - Durante a viagem que leva você o
cavaleiro negro, cuidado para não pegar nada vem de sua mão. E se você está com
sede no submundo Não beba a água da negação pobre corte de hortelã. Não beba,
ou você vai nos esquecer para sempre, por toda a eternidade; espalhar sinais
para não perder o rumo, e como você é pequeno e leve como uma andorinha, e as
armas não ressoam em seu cinto bizarro, olhar e zombar do sultão da noite,
fugir devagar, furtivamente e volte aqui, e em sua casa abandonada, no seu
retorno, nossa querida, tornar-se um sopro de ar e beije-nos docemente! Poema do
poeta grego Kostis Palamas (1859-1943). Veja mais aqui.
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS BANCOS - Visando abordar acerca da
Responsabilidade Civil das Instituições Bancárias, o presente artigo evidencia,
introdutoriamente, que as relações de consumo na evidência moderna alusiva ao Direito
do Consumidor tem se apresentado como ponto de maior relevância na vida social
do universo, notadamente em virtude da indubitável condição de que fornecedores
de bens e de serviços e seus respectivos adquirentes, sempre existiram desde às
épocas mais remotas da vida humana. Nesta condução entende-se que a relação de
consumo tem assim sua origem registrada quando alguém passou a necessitar de um
serviço ou de um bem que foram produzidos ou possuídos por outros. Objetiva,
portanto, o presente estudo abordar acerca da responsabilidade das instituições
bancárias à luz da legislação vigente. Metodologicamente o presente estudo
adota o modelo de pesquisa descritiva. A pesquisa doutrinária utilizou fontes
bibliográficas disponíveis, juntamente com o estudo da jurisprudência existente
sobre o tema; o uso de trabalhos e artigos publicados sobre a matéria; a
pesquisa de jurisprudência pátria concernente ao tema que se propõe e uma
análise da divergência quanto à sua interpretação constitucional e
aplicabilidade, tudo, objetivando realizar um estudo amplo e necessário para a
fundamentação de todo o conteúdo teórico do tema.
A
RESPONSABILIDADE CIVIL - A "responsabilidade" é definida dentro do vocabulário
jurídico a partir de sua origem no vocábulo responsável, do verbo responder
oriundo do latim "respondere", com o sentido de responsabilizar-se,
vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que
praticou e que, conforme João Agnaldo Donizetti Gandini e Diana Paola da Silva
Salomão, vem “... o fato de alguém se constituir garantidor de algo”,
verificando-se, pois que o termo pode se apresentar sob vários aspectos. Enquanto
isso "civil" está relacionada ao cidadão, com o sentido indivíduo
articulado na interação de suas relações com os demais membros da sociedade,
das quais resultam direitos a exigir e obrigações a cumprir. Diante da
etimologia das duas palavras, bem como das tendências atuais a respeito da
responsabilidade civil, o Código Civil anterior adotava a noção de ato ilícito,
situando a culpa em sentido amplo, como fundamento para a obrigação de reparar
o dano, segundo dispunha o art. 159, caput, 1.ª parte: "Aquele, que, por
ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". No novo Código
Civil, vigente por força da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os atos
ilícitos foram nomeados nos artigos 186 a 188, que estabelecem: Art. 186.
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito. Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 188. Não constituem atos
ilicítos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a
lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do
inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a
remoção do perigo. A Responsabilidade Civil está prevista na Constituição
Federal, em seu art. 37, parágrafo 6º, onde estabelece que: As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa. Observa-se que a responsabilização de que cuida a Constituição
Federal é a civil, visto que a administrativa decorre da situação estatutária,
e a penal está prevista no respectivo Código, em capítulo dedicado aos crimes
funcionais, indicados nos arts. 312
a 327 do CP. Essas três responsabilidades são
independentes e podem ser apuradas conjunta ou separadamente. A responsabilidade
civil também está prevista no Novo Código Civil, em seu art. 927, conceituando
que: Artigo 927. Aquele que, por ato
ilícito, cansar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único.
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Vê-se,
pois, que o novo Código Civil vigente traz todo Título IX dedicado à
Responsabilidade Civil, trazendo adiante a obrigação de indenizar, nos arts. 927 a 943, e da indenização,
dos arts. 944 a
954. No entanto, verifica-se, desta forma, a existência de requisitos
essenciais para a apuração da responsabilidade civil, como a ação ou omissão, a
culpa ou dolo do agente causador do dano e o nexo de causalidade existente
entre ato praticado e o prejuízo dele decorrente. Aprofundando conceitualmente,
Maria Helena Diniz entende que a responsabilidade civil como a aplicação de
medidas que obriguem “(...) uma pessoa a reparar um dano moral ou patrimonial
causado a terceiros”, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por
quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição
legal. Ou seja, numa outra conceituação mais aprofundada da própria Maria Helena
Diniz, encontra-se que: A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que
obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros,
em razão de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por
alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Assim,
apreende-se que a responsabilidade civil é aquela que se traduz na obrigação de
reparar danos patrimoniais, e se extingue com a indenização. Em conformidade
com Néri Tadeu Câmara Souza, a responsabilidade civil possui doutrinariamente
duas teorias que regulam os mecanismos de responsabilização para avaliar a
necessidade, quando por ocasião da prestação jurisdicional, de ressarcimento de
dano causado a outrem. Isto quer dizer que o sistema é dualista, coexistindo a
responsabilidade subjetiva, conforme o art. 186 do Código de 2002 e a objetiva,
esta sempre definida em lei. A responsabilidade objetiva, segundo Néri Tadeu
Câmara Souza, também chamada teoria do risco, “(...) surgiu da necessidade de
se trocar o conceito de culpa pela noção de risco”. E conforme Ruy Stoco: A
doutrina objetiva ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a
resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade
entre uma e outra) assenta-se na equação binária cujos pólos são o dano e a
autoria do evento danoso. .sem cogitar da imputabilidade ou investigar a
antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é
a verificação se ocorreu o evento e se ele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo,
o autor do fato causador do dano é o responsável. Isto quer dizer, portanto, a responsabilidade objetiva no Brasil,
vigora para os danos causados pelo Estado através de seus agentes, e também, em
certos casos, para danos causados em razão de atividades de risco, em que o
causador do dano é considerado responsável pela indenização causada por sua
própria atividade, independentemente de culpa ou dolo, porque essa
responsabilidade é tida como risco de sua atividade econômica. José de Aguiar Dias
menciona que: A teoria da responsabilidade objetiva, ou doutrina do risco, tem,
pelo menos, o mérito de se inteirar daquele equívoco e, se é passível de
crítica, esta por certo não reside no fato de contradição. Correspondem, em
termos científicos, à necessidade de resolver casos de danos que pelo menos com
acerto técnico não seriam reparados pelo critério clássico da culpa. No
entanto, há que se observar que a responsabilidade civil era, até há pouco
tempo, subjetiva, conforme o art. 159, do Código Civil de 1916, e só
excepcionalmente objetiva em algumas leis especiais. Para Samuel Del-Farra
Naspolini, também há que se considerar que “(...) a responsabilidade civil
objetiva dos prestadores de serviços, um dos pilares do regime tutelar do
Código de Defesa do Consumidor, é excetuada no que tange aos profissionais
liberais”, tendo em vista ser a pessoa que exerce atividade especializada de
prestação de serviços de natureza predominantemente intelectual e técnica,
normalmente com formação universitária, em caráter permanente e autônomo, sem
qualquer vício de subordinação. No entanto, observa o Samuel Del-Farra
Naspolini que hoje algumas atividades tipicamente liberais são exercidas sob o
regime da subordinação à pessoa jurídica empregadora, desqualificando portanto
a autonomia de tais profissionais. Da mesma forma, fenômeno contemporâneo
bastante nítido é a reunião de vários profissionais liberais no sentido do
desempenho conjunto de suas atividades. E em ambos os casos, configuram-se o
conflito entre o que se poderia denominar concepção material e concepção formal
das profissões liberais, de implicações óbvias para a caracterização do regime
de responsabilidade civil destes profissionais. A responsabilidade subjetiva,
conforme Néri Tadeu Câmara Souza, também chamada de teoria da culpa, está
entendida pelo fato de: Além dos elementos básicos da responsabilidade civil:
ato lesivo (ato ilícito), dano e relação de causalidade entre estes dois, tem
que estar presente, na conduta causadora do prejuízo, a culpa do agente lesivo.
O agente do dano deseja o resultado lesivo ou aceita o risco de que este
aconteça – dolo – ou, em vez disso, age com negligência, imprudência ou
imperícia – culpa no sentido estrito. Portanto, agindo com culpa o agente, se
desta conduta surgir um prejuízo a direito ou interesse alheio, emerge –
imposto pelo sistema jurídico – deste agir e conseqüente prejuízo, o dever de
ressarcir aquele que sofreu danos. Mediante isso, vê-se que a chamada responsabilidade civil subjetiva, ou
seja, aquela que depende, para uma configuração, de um elemento subjetivo, que decorrerá do dolo (ação ou omissão
voluntária, quer dizer, o agente atua ou se omite intencionalmente) ou da culpa
(negligência ou imprudência, elementos os quais a doutrina acrescentou a imperícia,
quer dizer: o agente não tem intenção direta de atuar indevidamente, mas o faz
em razão de um descuido - negligência ou imprudência - ou de uma inaptidão ou
imperícia). Tais conceituações encontradas levam a entender que, em
conformidade com Rui Stoco e José de Aguiar Dias, a fonte da responsabilidade
ou é a prática de um ato ilícito ou a existência de um pressuposto previsto em
alguma norma legal, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor - CDC,
ao disciplinar a responsabilidade pelo defeito do produto. Observa-se, também,
conforme anotado por Carlos Roberto Gonçalves e Caio Mario da Silva Pereira, no
Código Civil Brasileiro de 1916 era adotada a noção de ato ilícito, situando a
culpa em sentido amplo como fundamento para a obrigação de reparar o dano, ou
seja, a culpa como princípio da responsabilidade civil, em seu Livro III,
Título II, Art. 159, onde estabeleceu o seguinte: "Art. 159. Aquele que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou
causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". Mediante isso, observa-se que a verificação da
culpa e a avaliação da responsabilidade, conforme Carlos Roberto Gonçalves,
regulavam-se pelo disposto no Código Civil, arts. 1518/1532 e 1537/1553, quando
o conceito tradicional de culpa e os estreitos limites do art. 159 do Código
Civil passaram a ser considerados injustos e insuficientes para a reparação dos
danos pelo exercício dessas e de outras atividades consideradas perigosas. Já
no novo Código Civil, conforme anotado por F. Schaefer, o ato ilícito está no
art. 186 sugerindo uma nova definição, considerando-o somente a violação de
direito que cause dano, ou seja, o que significa que numa situação, desde que
caracterizada, obriga a quem a provocou, a reparar o dano. Em julgamento do
Superior Tribunal de Justiça, o ato ilícito é tratado da seguinte maneira:
"A indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela
violação de um direito" (RSTJ 23/157). Neste contexto, o ato ilícito é
aquele praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo
individual de alguém. Demonstrando o novo Código Civil, conforme F. Schaefer, a
exigência da existência de dano, dispõe-se no seu artigo 944 o seguinte: "A
indenização mede-se pela extensão do dano", o que para a existência de ato
ilícito haveria necessidade de dano, pois a reparação ficou condicionada à
prova do dano, conforme os arts. 186, 927 e 944, do novo Código Civil. Nesta
direção F. Schaeffer observa que ao dispor no art. 186 do novo Código Civil que
"violar direito e causar dano a outrem" está inovando na definição do
ato ilícito, exigindo, para a sua ocorrência, a prova de dano. Para ele, o art.
927, do novo Código Civil condiciona a reparação à existência de dano ou
prejuízo, dispondo: "Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, é
obrigado a repará-lo". E no parágrafo único desse mesmo artigo, está: Art.
927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua
natureza, riscos para os direitos de outrem. Isto quer dizer, portanto, que se
assegura uma sanção para melhor tutelar setores importantes do direito privado,
onde a natureza patrimonial não se manifesta como os direitos da personalidade,
os direitos do autor, dentre outros. Anota ainda F. Schaefer que o caput do
art. 944 do novo código dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano,
mas esta regra só tem sentido para os danos materiais. E que de acordo com o
art. 953 e seu parágrafo único, o magistrado deve agir com prudência ao
arbitrar a indenização. Isto quer que o juízo prudencial é o que não se baseia
em categorias lógicas, mas em questões de preferência pois, para tanto, existem
alguns critérios para a fixação do quantum a ser pago na indenização, como a
gravidade objetiva do dano que envolve tempo, lugar, duração, situação
particular da vítima etc.; a personalidade do agressor; a condição econômica deste
e da vítima; e a culpa concorrente da vítima.
A RESPONSABIILIDADE CIVIL DAS
INSTITUIÇOES BANCÁRIAS - No tocante à responsabilidade civil das instituições
bancárias, com base no que é expressado por Vilson Rodrigues Alves, observa-se
que esta atividade procede sempre direcionada à evolução e que, apesar disso,
não ficará imune da possibilidade do risco ao causar dano à sua clientela, uma
vez que tal risco está nas inerências da atividade, tendo em vista as suas
relações diretas com seus clientes.Há que se considerar as preocupações acerca
da responsabilização das instituições bancárias, conforme anotado por Mauro
Henrique Pereira dos Santos, por possíveis danos causados aos seus clientes,
principalmente pela evolução que a tal responsabilidade teve, considerando que
nos primórdios estava assinalada de modo subjetivo, uma vez que se assentava na
culpa. No entanto, a legislação vigente está assentada na teoria subjetiva que
é voltada para a culpa como elemento caracterizador. Em decisão editada através
da Súmula 28 do Supremo Tribunal Federal que, particularmente em relação aos
bancos, reconhece a responsabilidade civil com base na culpa presumida; é
dizer, desta presunção de culpa, a responsabilidade encontra-se
predominantemente com o agente passivo causador do fato danoso e permanece com
ele até a real comprovação fática de que não agiu com culpa. No que tange à
responsabilidade objetiva da atividade bancária, há que se considerar a
denominada teoria do risco profissional, que serve de base à responsabilidade
objetiva com reflexos sentidos por grande parte das leis especiais reguladoras
da atividade econômica. A teoria do risco profissional conforme Marcelo Moreira
Santos, tem possibilitado decisões jurisprudenciais na busca por indenizações morais
e materiais do cliente, atuando de forma protetora. No entanto, é conveniente
observar que isto se deve de maneira especial pela razão com que os bancos se
relacionam de maneira com seus clientes de forma contratual, enquanto que em
relação a terceiros pode ser extracontratual. Por outro lado, com base no que
defende Rodrigo Bernardes Braga, há que se levar em consideração que a doutrina
nacional converge com acentuada freqüência para o perfeito enquadramento da
atividade bancária na teoria do risco profissional, partindo do pressuposto que
da mesma forma que são elevados os proveitos profissionais dos bancos, através
de exorbitantes lucros, na mesma proporção deve ser sua responsabilização para
eventuais danos causados aos seus clientes. Coerente é, a esta altura, afirmar
que as atividades bancárias são, de um modo geral, de risco. Isto quer dizer
que, a atividade bancária responde em decorrência da sua relação com a
clientela, pelas inadimplências, insolvências e postergações. Mesmo assim, a doutrina
nacional tende a direcionar suas interpretações com relação ao fato de que pela própria
natureza das atividades desenvolvidas e dos serviços prestados pela instituição
financeira, impõe-se, dessa forma, a responsabilidade objetiva pelos mesmos
motivos por que se estabeleceu a do Estado. É evidentemente compreensível e,
desta forma, entendida pela doutrina dominante que é impossível ao leigo
consumidor das atividades bancárias ter conhecimento da complexa rede de
aplicações e atendimentos de produtos e serviços da corporação creditícia,
justificando, assim, que esta responda evidentemente no forma objetivo pelos
danos que causou. Nessa direção é importante ressaltar, ainda, normatização
elaborada pelo Banco Central do Brasil, na condição de órgão regulador da atividade
em questão, quando por meio da Resolução 002878 de 26/07/200, estabeleceu que
as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços
aos clientes e ao público em geral, devem adotar medidas que objetivem
assegurar a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
causados a seus clientes e usuários. Tal determinação chama atenção, para o
fato de que a instituição bancária está determinada a exercer a mais completa
vigilância, havendo, pois, a necessidade de realizar seus procedimentos de
atendimento e ação com prudência, discernimento e cautela, para que não esteja
sujeita a causar dano que, uma vez apurado e questionado, o responsabilizará
por tal. Em conformidade com o Luiz Roldão de Freitas Gomes, há que se observar
que “o serviço bancário se constitui e se verifica por meio do contrato
bancário que, como todo contrato, é um fato jurídico e dentro do gênero fato
jurídico” e que, por isso, é enquadrado especificamente como negócio jurídico.
E isso deixa claro que no âmbito da atividade bancária, conforme o autor
mencionado, os contratos bancários representam o esquema jurídico como fato
jurídico propulsor da relação jurídica obrigacional bancária, engendrando
direitos e deveres. É, portanto, relevante conceituar o contrato bancário que
está definido, conforme Aramy Dornelles Luz como o "negócio jurídico concluído por um Banco
no desenvolvimento de sua atividade profissional e para a consecução de seus
próprios fins econômicos".
No entanto, conforme Luiz Roldão de Freitas Gomes, deve-se esclarecer
que o no contrato bancário possui peculiaridades que justificam tenha ele uma
disciplina diferenciada, pois, "os esquemas contratuais comuns, quando
inseridos na atividade própria dos bancos, sofrem modificações sob o aspecto
técnico, que determinam alterações em sua disciplina". É preciso observar que tais
peculiaridades que, conforme Carlos Alberto Bittar, se encontram inclusas e
intrínsecas ao contrato bancário que fica demonstrado como um instrumento de
crédito que envolve, indubitavelmente, uma relação de confiança, bem como de
continuidade e habitualidade na prestação do serviço, o preço e o risco que
estão intimamente ligados à operação de crédito. Ainda há que se levar em
consideração que a jurisprudência ainda não firmou resultado pacífico acerca do
assunto, mostrando-se, evidentemente necessário, que os debates sejam amplos,
exaustivos, conclusivos e esclarecedores, tendo em vista o importante papel
social e processual do instituto na defesa do interesse tanto da clientela como
da relação bancária. Conclusivamente, o presente estudo entende que o dinheiro
é, como qualquer outra mercadoria, um bem consumível em razão da existência da
relação entre o consumidor que toma o crédito disponível ou mantém uma conta
corrente na relação com a instituição bancária e financeira. Desta forma, fica
claro que há a ocorrência de uma prestação de serviços onde ficam configuradas
as figuras de contratante e contratado, quer dizer, de um lado a instituição
financeira como fornecedor e, no outro, a pessoa física ou jurídica como
consumidor. Tal relação resulta na aplicação do Código de Defesa do Consumidor
relativa às operações bancárias. Nesta direção, Claudia Lima Marques, considera
que "apesar das posições contrárias iniciais, e com apoio na doutrina, as
operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela
jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC
de boa fé obrigatória e equilíbrio contratual". Desta forma, longe de
tentar exaurir todas as possibilidades, o presente estudo pretende, pois,
contribuir para amplitude dos debates que tão importante tema exige. Veja mais aqui e aqui.
REFERÊNCIAS
ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários. Campinas:
Bookseller.1996.
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil dos bancos
na prestação de serviços. Revista dos
Tribunais. n. 75, v. 614, dez. 1986, p. 35.
BRAGA, Rodrigo Bernardes. Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
BRASIL. Código de Proteção e Defesa do
Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999.
_______. Novo Código Civil Brasileiro.
São Paulo: Escala, 2003
_______. Constituição do Brasil.
Recife: CEPE, 1989
_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 602.680-BA.
Recorrente: Caixa Econômica Federal. Recorrido: Eleonilson Raimundo dos Santos.
Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Brasília, DF, 21 de outubro de 2004.
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