segunda-feira, março 03, 2008

SEFÉRIS, COCTEAU, GEDEÃO, PAULO MENDES CAMPOS, THOMAS ASTLE, TANATOLOGIA & REINO DAS PERNAS

 
A arte do pintor, desenhista e professor Guerino Grosso (1907-1988).


PENSAMENTO DO DIA – Ninguém ignora que a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma. Pensamento do escritor, cineasta, dramaturgo, desenhista e ator surrealista francês, Jean Cocteau (1889-1963). Veja mais aqui e aqui.

A FALA & A ESCRITA - [...] A mais nobre aquisição da humanidade é a fala, e a arte mais útil é a escrita. A primeira distingue eminentemente o homem da criatura bruta; a segunda, dos selvagens sem civilização. [...] Trecho extraído da obra The origin and progresso f writing (Autor, 1784), do antiquário e palqueador inglês Thomas Astle.

PARA MARIA DA GRAÇAAgora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas. Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti. Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca. Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?” Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira. A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta. Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo. Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave. A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: “Oh, I beg your pardon” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gato se fosses eu?” Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste. Disse o ratinho: “A minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria. Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo” Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente. E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuido tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor. Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões. Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”. Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça. Extraído da obra Primeiras leituras: crônicas (Companhia das Letras, 2012), do escritor e jornalista Paulo Mendes Campos (1922-1991). Veja mais aqui e aqui.

ENQUANTO - Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio / e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé / para ver como é; / enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas / e correr pelos interstícios das pedras, / pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas; / enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas, / órfãs de pais e de mães, / andarem acossadas pelas ruas / como matilhas de cães; / enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto / com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente, / num silêncio de espanto / rasgado pelo grito da sereia estridente; / enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio / cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas / amassando na mesma lama de extermínio / os ossos dos homens e as traves das suas casas; / enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser / verdade, / enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia, / o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade: / ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA. Poema extraído de Poesias completas (Sá da Costa, 1987), do poeta e professor português António Gedeão (1906-1997). Veja mais aqui.


REINO DAS PERNAS – Ei-la que vem no ballet do andar pra incidiar minha libido quando aterrissa do seu salto alto com suas lindas torres gêmeas que eu Sansão cego de exaltação quero vencer e vergar e dominar no meu xeque mate, dissimulada cruza as pernas em xis fechando a porteira, o bailado cruzado em LA para abrir escala escancarando tudo pra mim e se agacha como quem faz UU com os glúteos e eu Uh!, ao vê-la rodopiar num pé só e estirar a perna pra tocar o meu sexo com os dedos pros caminhos dos pés descalços e o realce das unhas pintadas na inquietação de sua dança louca lúbrica, com a planta dos pés alisando meu pênis indomável e enrijecido a prendê-lo entre eles e a me expor seu tornozelo que contorno para prender-lhe os calcanhares e alcançar suas panturrilhas como quem domina a dobra do joelho – o istmo que me leva  às correntezas dos seus mares profundos e vê-la amanhecer entre as coxas com uma cruzada sensual de provocante Sharon Stone no meu instinto selvagem e distinguir a cor da calcinha para baldear seus quadris e nas suas ancas arrancá-la para saborear o que mata a minha sede e deixa brincar a minha língua na vulva de todos os seus desejos pra minha possessão até se afastar engatinhando pro close de sua fortuna secreta que eu exalto despudorado pra beijar-lhe o sexo, o ânus e a alma e lambê-la arrepiada a desvelar a catarse do seu iniciático orgasmo de égua nua pro meu deleite de cavaleiro templário guardião exclusivo no seu trote a subjugá-la as pernas em V pra descobrir-lhe o gozo ao crepúsculo até sermos um – Yin & Yang - na entrega carnal e anímica de nós dois. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais:

O ímpero de possuir-te docemente amanheceu desnudo – do escritor grego Giórgios Seféris (1900-1971) com a arte do pintor, desenhista e professor Guerino Grosso (1907-1988). Veja mais aqui.



TANATOLOGIA - A Tanatologia se preocupa com o estudo da morte visando a consciência humana deste evento tão submetido a tabus e mal-entendidos. Historicamente doutrinas filosóficas, religiosas e científicas têm estudado a morte e seus eventos promotores de angustias, temores e ansiedades para a humanidade, notadamente quando foi encarada como um fenômeno físico submetido a apreciações e estudos exaustivos, sendo, no entanto, apesar dessas pesquisas, ainda um mistério.
A Tanatologia é originária, segundo Torres e Torres (1983), do grego “thánatos”, identificado na mitologia grega como o deus da morte. Este deus grego, Tânatos, convivia com Eros, deusa do amor, no contexto mitológico grego. Tal origem traz a representação de que Tanatologia é a ciência que estuda a morte, onde as suas correlações com a vida em diversos momentos históricos deixam entendidas todos os anseios e temores humanos diante da morte.
Historicamente, a herança cultural sobre a morte vem das gerações mais antigas por meio das culturas que, segundo Bock, Furtado e Texeira (2201),.foram legadas pela modernidade, desde estudos realizados por arqueólogos e antropólogos onde se descobriu que o homem de Neanderthal já se preocupava com seus mortos.
Na pré-história, conforme Martins (1983), os mortos dos povos antigos eram cobertos por pedras, principalmente acobertando seus rosto e a cabeça, visando a proteção do cadáver da ação de animais, como também na tentativa de se evitar o retorno de mortos ao mundo dos vivos. Considera, ainda, Martins (1983, p. 32) que “Mais tarde, eram depositados alimentos e as armas do morto sobre a sepultura de pedras e o esqueleto era pintado com uma substância vermelha”.
Os egípcios da antiguidade, conforme os estudos de Kastenbaum e Aisenberg (1983), deixavam ver que em sua sociedade bastante desenvolvida do ponto de vista intelectual e tecnológico, consideravam a morte como uma ocorrência dentro da esfera de ação, uma vez que possuíam um sistema que tinha como objetivo, ensinar cada indivíduo a pensar, sentir e agir em relação à morte.
Também os malaios, segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983, p. 132): Os malaios, por viverem em um sistema comunitário intenso, apreciavam a morte de um componente, como uma perda do próprio grupo. Desta feita, um trabalho de lamentação coletiva diante da morte era necessário aos sobreviventes. Ademais, a morte era tida não como um evento súbito, mas sim como um processo a ser vivido por toda a comunidade. Deixam claro os autores, portanto, que na antiguidade, após a morte, o justo irá para o paraíso enquanto as versões nórdicas rejeitavam a idéia de paraíso porque não esperavam as mesmas delícias que os orientais, após a morte. Tais curiosidades trazem no bojo o entendimento de que, na Antiguidade, o ser humano deseja, ao menos após a morte, obter o conforto que não conseguiu em vida. E que as pessoas podiam escolher onde iriam morrer; longe ou perto de tais pessoas, em seu lugar de origem; deixando mensagens a seus descendentes.
Para Kovács (1998), outras exposições são encontradas, por exemplo, na mitologia do budismo onde é ocorre a busca por afirmar a inevitabilidade da morte. Também na mitologia hindu, a morte é encarada como uma válvula de escape para o controle demográfico. Os Antigos de Constantinopla mantinham os cemitérios afastados das cidades e das vilas, bem como os cultos e honrarias que prestavam aos mortos, tinham como objetivo mantê-los afastados, de modo que não "voltassem" para perturbar os vivos.
Na Idade Média, conforme Martins (1983), a visão de morte é encarada a partir da disposição dos cemitérios cristãos que se localizavam no interior e ao redor das igrejas, significando lugar onde se deixa de enterrar. Há de se considerar que a Idade Média foi um período critico com turbulências sociais violentas, período marcado pela mudança radical do homem encarar a morte. É neste sentido qie Kastenbaum e Aisenberg (1983, p. 138) relatam: A sociedade do século catorze foi assolada pela peste, pela fome, pelas cruzadas, pela inquisição; uma série de eventos provocadores da morte em massa. A total falta de controle sobre os eventos sociais, teve seu reflexo também na morte, que não podia mais ser controlada magicamente como em tempos anteriores. Ao contrário, a morte passou a viver lado a lado com o homem como uma constante ameaça a perseguir e pegar a todos de surpresa.Esse descontrole, traz à consciência do homem desta época, o temor da morte. Com isso, entende-se que as atitudes perante a morte, nas sociedades do Ocidente cristão, da Idade Média aos dias atuais, vão da aceitação predominante na primeira Idade Média, depois a simplicidade, a socialização do homem com a morte, a parca ou nenhuma preocupação com o destino futuro dos corpos, observando-se, inclusive, que no século XII, a morte é vista com maior dramaticidade, individualidade, quando o homem vai descobrindo a "morte de si mesmo" e a morte adquire características eróticas e de morbidez.
Com o século das Luzes e do Barroco, a morte começa a ser dramatizada, exaltada. Toma sentido a "morte do outro", e a morte assume o sentido de ruptura, passa a ser indesejável, embora admirada pela beleza que lhe dá o romantismo.
A morte do século XIX é acompanhada, no leito do moribundo, por ritos e manifestações de choros, gestos dramáticos, uma afetividade macabra, pela religião emotiva do catolicismo romântico ou do petismo protestante. Surge o culto contemporâneo dos túmulos individuais ou familiares, da sepultura como propriedade particular e perpétua e o culto da saudade, com as periódicas peregrinações aos cemitérios. A civilização urbana e industrial intervém nas novas atitudes funerárias. A morte, no século XIX é um tabu, que substitui o tabu do sexo de há pouco tempo ou da era vitoriana. E ao penetrar nessa superfície constituída por relato literário, o cientista social depara com camadas profundas de dados culturais interessantes e significativos. Eles incluem um variado conjunto de crenças e ritos relativos à morte e aí se encontram. São prescrições próprias do catolicismo em graus variáveis de consonância com a ortodoxia; são crenças e ritos de procedência africana, combinada e recombinadas, entre grupos africanos culturalmente diferentes e entre essas diferentes crenças africanas e as variações próprias do cristianismo do colonizador católico.
No Brasil, o tema da morte é praticamente inexplorado; pelo menos dentro de um tratamento da demografia e das atitudes, comportamentos e representações das sociedades do passado. Os historiadores pouco se voltaram para o assunto. São os antropólogos primeiro, seguidos dos sociólogos e psicólogos que vão desbravando as primeiras veredas.
Numa abordagem conceitual a morte é descrita através de várias perspectivas na literatura de todo o mundo. Em primeiro lugar, a morte ou óbito são termos que se referem duplamente ao fim da vida de um determinado ser, ou o estado deste ser depois da ocorrência do seu fim. Razão pela qual, biologicamente, a morte ocorre na parte do ser, ou em todo ser, ou em ambos os casos. Por isso, a morte é vista na perspectiva de várias teorias, dentre elas, segundo Stedeford (1986), a da Extinção Absoluta, mais conhecida como teoria materialista que entende acaba a permanência da vida quando ocorre a morte física.
Na teoria Teológica, mais conhecida como Teoria do Céu e Inferno, Stedeford (1986), entende os anseios humanos de que numa vida eterna além da física é determinada pela conduta na vida física.
Na Teoria do Renascimento ou da Reencarnação, Stedeford (1986) explica em seus estudos que através de renascimentos sucessivos em corpos físicos e com diferentes experiências de vida para alcançar a expansão de consciência e perfeição espiritual. Também é a morte, na maioria das vezes, usada, para o autor mencionado, numa definição mais conservadora de morte: a interrupção da atividade elétrica no cérebro como um todo, e não apenas no neocórtex. Tal entendimento leva a apreensão de que, segundo Stedford (1986, p. 71): A irreversibilidade é constantemente citada como um atributo da morte. Cientificamente, é impossível trazer de novo à vida um organismo morto. Se um organismo vive, é porque ainda não morreu anteriormente. No entanto, muitas pessoas não acreditam que a morte física é sempre e necessariamente irreversível, enquanto outras acreditam em ressuscitação do espírito ou do corpo e outras ainda, têm esperança que futuros avanços científicos e tecnológicos possam trazê-las de volta à vida, utilizando técnicas ainda embrionárias, tais como a criogenia ou outros meios de ressuscitação ainda por descobrir. Alguns biólogos acreditam que a função da morte e primariamente permitir a evolução da espécie. A partir disso encontra-se que atualmente, quando requerida, a morte geralmente, conforme Stedford (1986), é esclarecida como morte cerebral ou morte biológica: pessoas são dadas como mortas quando a atividade cerebral acaba por completo. Presume-se que a cessação de atividade elétrica no cérebro indica fim de consciência. Porém, aqueles que mantêm que apenas o neocórtex do cérebro é necessário para a consciência, argumentam que só a atividade elétrica do neocórtex deve ser considerada para definir a morte.
A partir daí, várias são as expressões entendidas acerca dos conteúdos que se demonstram negativos por causa das associações da morte aos flagelos, torturas, conteúdos macabros e perversos, relacionando-se a castigo e punições perturbadoras nos seres humanos desencadeando um completo estranhamento acerca do seu evento. Além disso, a morte dos mais próximos e amigos passa a ser uma das mais importantes formas da tipologia da morte a causar problemas nos seres humanos, trazendo até conseqüências devastadoras quando da ocorrência de falecimento de entes queridos e desconhecidos, discutindo-se o seu significado religioso, filosófico, social, dentre outros.
Os estudos freudianos recolhidos por Stedford (1986, p. 75) registram que a morte de um ente querido revolta por levar consigo uma parte do próprio ser, uma vez que “Para a psicanálise, a intensidade da dor frente à uma perda, se configura narcisicamente como a morte de parte de si mesmo”.
A morte, na contemporaneidade, é vista, conforme Kübler-Ross (1997), culturalmente, não incorporada à vida, mas sim como castigo ou punição, principalmente quando são cada vez mais intensas e velozes as mudanças sociais, expressas pelos avanços tecnológicos, onde o homem tem se tornado cada vez mais individualista, convivendo com a idéia de que uma bomba pode cair do céu a qualquer momento. Para Kübler-Ross (1997, p. 69), "Diminuindo a cada dia sua capacidade de defesa física, atuam de várias maneiras suas defesas psicológicas", ao mesmo tempo que as atrocidades se transformam em verdadeiras pulsões de destruição, detectando, portanto, a dimensão visível da pulsão de morte. Também a morte é encarada como ruptura de um vínculo. Ou como fracasso, a impotência, a depressão, a negação, a evasão. Portanto, a morte em si está ligada a uma ação má, a um acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou castigo.
Na sociedade onde predomina o homem da massa, em detrimento do homem como indivíduo e com o distanciamento cada vez maior do homem em relação à morte, cria-se um tabu, como se fosse desaconselhável ou até mesmo proibido falar sobre este tema. É neste sentido que Torres e Torres (1983, p. 110) expressam: Esse quadro atual nos revela a dimensão da cisão que o homem tem feito entre vida e morte, tentando se afastar ao máximo da idéia da morte, considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele. Nos lançamos então à questão da angústia e do medo em relação à morte. Com isso Torres e Torres (1983, p. 112) entendem que, por meio da Psicanálise Existencial, esta revela a dimensão da angústia da morte: "A angústia mesma nos revela que a morte e o nada se opõe à tendência mais profunda e mais inevitável do nosso ser", que seria a afirmação do si mesmo. Recolhem os autores que a partir de Freud situa ou na reação a uma ameaça exterior, ou como na melancolia, ao desenrolar de um processo interno. Fato este que leva Kastenbaum e Aisenberg (1983) a entender que o ser humano lida com duas concepções em relação à morte: a morte do outro, da qual todos nós temos consciência, embora esteja relacionada ao medo do abandono; e a concepção da própria morte, a consciência da finitude, na qual evitamos pensar, pois, para isto, temos que encarar o desconhecido. Daí, entende Kovács (1998, p. 84) que: "O medo é a resposta mais comum diante da morte. O medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente da idade, sexo, nível sócio-econômico e credo religioso". Isto porque, para o autor, o homem é o único animal que tem consciência de sua própria morte.
Contemporaneamente as discussões filosóficas, científicas, psicológica e psicanalítica, principalmente a partir de Bataille (2004), trazendo a noção a partir das pulsões de morte, transgressão, nascimento e morte, redundando nos debates atuais. A questão envolve a discussão alusiva a afinidade entre a reprodução e a morte, quando, segundo Bataille (2004), se delineia a morte, a decomposição e a renovação da vida. É neste sentido que Bataille (2004, p. 84) assinala que “[...] as interdições responderam à necessidade de afastar a violência do curso habitual das coisas”, quando, mais adiante, assinala que “A morte e a reprodução se opõem como a negação à afirmação”, sendo que, no entanto, considera que a vida é a negação da morte, uma vez que a mesma é a sua exclusão. Diz Bataille (2004, p. 85) que: A vida é sempre um produto da decomposição da vida. Ela é tributária em primeiro lugar, da morte, que cede o lugar; em seguida, da decomposição, que sucede a morte, e recoloca em circulação as substancias necessárias à incessante vinda ao mundo de novos seres. Neste tocante o autor acentua a dicotomia entre vida e morte, reprodução e decomposição, delineando, no entanto, a noção antagônica, porem complementar entre si que as relacionam e as tornam complementares em suas essências. No entanto, mais adiante Bataille (2004, p. 92) assinala que: [...] a morte sozinha assegura um constante reflorescimento sem o qual a vida declinaria. Recusamo-nos a ver que a vida é a armadilha oferecida ao equilíbrio, que ela é inteiramente a instabilidade, o desequilíbrio no qual se precipita. É um movimento tumultuoso que atrai incessantemente a explosão. Mas a explosão incessante não cessa de esgotá-la, e ela só continua sob uma condição: que os seres que ela engendra, e cuja força de explosão está esgotada, detem lugar a novos seres, que entram na roda com uma nova força. É neste sentido que o autor advoga a relação existente entre o nascimento e a morte, a reprodução e a decomposição, assegurando que a sexualidade e a morte não são nada além de movimentos agudos de uma festa que a natureza celebra com inesgotável multidão de seres, ambos tendo o sentido do desperdício ilimitado ao qual a natureza vai ao encontro do desejo de durar que é próprio de cada ser, mesmo diante da constatação de finitude, da condenação ao fim existencial, da certeza de que a vida um dia terá um fim determinado na morte e na decomposição. É a partir disso que fica claro nas idéias do autor em questão, que a teoria já difundida e bem retumbante nos meios psicanalíticos, filosóficos e científicos de que o ser humano nasce morrendo, indicando assim a contagem regressiva de sua existência e, deixando claro, portanto, que a morte não é a tragédia nem o evento fatal da existência humana, mas a conseqüência das transformações vitais como um acontecimento natural a ser entendido como tal.
Estudar a Tanatologia é, conforme visto, abordar a morte no seu mais amplo sentido, mesmo que ela, a morte, não tenha um significado único geral. Isto quer dizer, portanto, que o entendimento dessa variedade de significação do termo morte, leva-se a um necessário aprofundamento acerca do tema proposto no presente trabalho. Em razão disso, em primeiro lugar há que se entender o tabu que representa a abordagem do tema morte, um evento que assusta, causa temor, apavora e leva a depressão ou insatisfação da vida. No entanto, há que se entender que este comportamento diante da morte, é um comportamento cultural: desde as mais antigas civilizações do planeta, a morte causa fascínio e temor. É exatamente por meio do estudo realizado pela Tanatologia que se pode evidenciar um caminho para se aprofundar estudos e pesquisas que levem á superação das pessoas diante do evento da morte e suas conseqüências na vida humana. Entende-se, com isso, que é a Tanatologia que proporcionará uma consciência da finitude humana e do evento natural da morte para o ser humano, cabendo necessariamente ampliação nos debates acerca de tão importante temática na vida de todas as pessoas.

REFERÊNCIAS
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Atx, 2004.
BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO Odair; TEIXEIRA Maria de L. Trassi. Psicologias; uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.
KASTENBAUM, R. e AISENBERG, R. Psicologia da morte. São Paulo: EDUSP, 1983.
KOVÁCS, Maria Julia. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
KUBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
MARTINS, José de Sousa. A morte e os mortos. São Paulo, Hucitec, 1983.
STEDEFORD, A. Encarando a morte. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
TORRES, W. e TORRES, R. A psicologia e a morte. Rio de Janeiro: FGV, 1983. Veja mais aqui, aqui e aqui .


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