Imagem: Acervo ArtLAM.
O som pode realmente atuar como um gatilho para a memória
e, em seguida, trazê-lo de volta a um lugar e hora específicos. Eu queria trazer essas
vozes do passado para o presente.
Ao som do premiado We Shall Be All (Prêmio Turner de 2010) e Pledge (2002), instalações
sonoras da artista escocesa Susan Philipsz.
PONTO DE
DEBREAGEM, ARS ENVENIEND... - Versos soavam dos
meus ossos, poema da carne – quantos pesos e muitas medidas. Nunca fui poeta,
apenas vitimado. Sempre enfrentei o perigo da estagnação e do nada, embora
imerso numa sufocante estase nada revigorante. Nunca temi a roda do
arrependimento, era o sisifismo: os mistérios são muitos menos novidades, simulações
apenas, simulacros do inacessível. O que não era poesia nem música o que seria
se mexia dentro da gente e parecia outra coisa, laivos do futuro, talvez. Inaugurei
o que poderia ser de festa e o olho no dilema: a jornada do herói imigrante
condenado à queda, tal qual Bastian da História sem fim de Petersen
– da obra de Michael Ende, quando, na verdade, apenas um leitor voraz na
trama da Continuidade dos parques de Cortázar: jamais poderia me
safar do sórdido, como se coagido pelos estudantes do colégio Marquês de
Arapongas. Talvez essa a minha punição de Prometeu, a sanção nas opções
de Camus. Optei por me rebelar à doença niilista e o absurdo, a fugir sobrecarregado
– era eu na overwhelmed de Valéria Duca... Não me rendi jamais e
fui ter com a imperatriz da fantasia, atingido pelo inesperado: lá estava eu
dislálico diante de Nora Roberts: Algumas pessoas querem o simples, o
banal e o tranquilo. Isso não faz com que as pessoas que querem o complicado, o
extraordinário e o emocionante sejam gananciosas ou egoístas. Querer é querer,
qualquer que seja o sonho... Apesar de parecer-me sardônica, não era:
incentivava meus sonhos. Qual intrigante, e daí? Pessoas vivem, nenhum
extremismo nem empolgação, pausas regulares, humor sombrio no julgamento dos
outros. Interpelou-me Harriet Hosmer: Palavras são coisas frias e
formais... Eu honro toda mulher que tenha força o suficiente para sair do
caminho batido quando ela sente que sua caminhada encontra-se em outro... Tanto
quis ao menos beletrista em estado de graça, impossível para quem pretenso Macunaíma
– sirvo lá pra grande coisa... Disse-me então Mercè Rodoreda: É bom
que, antes de escrever, se viva... Sim, as cartas da vida, o que foi
abolido e a pedra de toque. Apesar de sempre tropeçar no meu próprio calcanhar
dizia sempre me mandassem a bola que resolveria a parada. Era aquele que se
achava pronto e toda vez me atrapalhava mãos pelas pernas. Sei, sempre jogaram
às minhas costas, quase me convenci ser eu próprio meu inimigo, dei para isso minha
ausência. O amor nunca foi fácil porque não será jamais um jogo. Conto meus
botões, até mais ver.
COLAR DO SILÊNCIO
Imagem: Acervo ArtLAM.
água pura derramada \ - mas turvo no chão havia gotas
- \ algumas - de memória
linda que retorna de viagens distantes \ de cidades
desconhecidas sorrindo para si mesmo \ misteriosamente silencioso linda, \ isso
só antes da expressão
já está desolado, já amanheceu \ já crepúsculo da
manhã \ alguns pensamentos de repente \ alguns pulsos de luz semeando tempo, \
mãos, corpos \ doce perturbação cidade derretendo \ colar do silêncio
de todas as minhas vidas \ Eu me lembro de um
outono \ na memória daquele outono \ Eu espio por uma janela ribeirinha \
naquela janela \ Eu vejo um trecho aberto de estrada \ naquela estrada \ Eu
encontro uma pegada \ naquela pegada \ Eu construo uma casa naquela casa \ Eu
planto minha samambaia de infância \ naquela samambaia \ Eu sonho com uma flor
brilhante naquela flor \ Eu vejo uma gota caída naquela gota \ Eu reconheço um
rosto velho naquela cara \ - Eu ouço minha própria voz
Poema da atriz e escritora lituana Birutė Mar.
O ROUXINOL - […] Se aprendi alguma coisa nesta minha longa vida, é isto: no amor descobrimos
quem queremos ser; na guerra descobrimos quem somos. [...] Os homens
contam histórias. As mulheres vão em frente. Para nós foi uma guerra
sombria. Não houve desfiles para nós quando tudo acabou, nem medalhas ou menções em
livros de história. Fizemos o que era necessário durante
a guerra e, quando ela acabou, juntamos os cacos e recomeçamos nossas vidas. [...] Mas o amor
tem que ser mais forte que o ódio, ou não haverá futuro para nós. [...] As
feridas cicatrizam. O amor dura. Nós permanecemos [...] Sempre pensei
que era isso que eu queria: ser amada e admirada. Agora acho que talvez eu
gostaria de ser conhecido. [...]. Trechos extraídos da obra The Nightingale (11 x
17, 2021), da escritora estadunidense Kristin Hannah.
ATIVISMO – Pensamentos e sonhos não
morrem. A crença na liberdade e na justiça não perece com a prisão, a tortura ou
mesmo a morte e a tirania não prevalece sobre a liberdade. Continuarei os meus
esforços até alcançarmos a paz, a tolerância para uma pluralidade de pontos de
vista e os direitos humanos. Não estou desesperado nem perdi a motivação. Não podemos parar de
tentar. Ainda espero e acredito profundamente que os esforços incansáveis dos
nossos ativistas da sociedade civil acabarão por dar frutos. Matar, prender ou
negar os direitos de um ser humano não é injustiça contra uma pessoa; ela acorrenta e mata
toda uma sociedade. Pensamento da ativista iraniana e Prêmio Nobel da Paz, Narges Mohammadi.
PARADOXOS AZUIS
Sobreponha à
palavra o abrupto da alma. \ E se livre da ausência de peso \ do verbo abstrato...
Extraído da obra Paradoxos
azuis (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo, organização,
seleção e prefácio do poeta e professor Admmauro Gommes. Veja mais aqui
e aqui.