quinta-feira, julho 05, 2018

POE, COCTEAU, MIA COUTO, MERTON, LEILA MICCOLIS, HIROMI UEHARA & TOMMASO PINCIO


OS AMORES DO CORVO POE – Imagem: Portrait of Edgar Allan Poe, art by Tommaso Pincio. - Das tantas e muitas que soube, uma das mais singulares foi a do órfão aos dois anos de pais atores fracassados, para ser adotado na afeição de Francisca e brincar com a afilhada dela, Catarina Isabel. Afeiçoado com as travessuras pelos jardins e trelas às macieiras, ah Catarina, aquela que foi interrompida por ricas viagens que lhe facultaram o aprendizado do grego, latim, francês, espanhol e italiano, e o primeiro amor sucumbia. E surgiu a bela senhora majestosa Joana, mãe do amigo que lhe festejara a proeza de nadar seis milhas contra a corrente do rio James. Ah, Joana, bela e enlouquecida, a morte e ao seu túmulo o poema Helena: “à luz de ônix, teu vulto se revela”. Com o Tamerlão, “Doce consolação nesta hora extrema!”, a jovem delicada Mira – Sara Elmira - às juras de amor para casar, abandona a universidade ao jogo e depois expulso por falta às aulas, segue vida nômade e inconstante, desavenças com o tutor e o pai da moça que lhe cerceiam o idílio, ela casada em acordo com outro e a sinfonia de amor inacabada: “Em tua festa de núpcias eu te vi, ardendo de rubor”. Pra ela o poema: “o néctar dos lábios teus meu trouxe / fragrância tão balsâmica e tão doce, / dando o primeiro beijo apaixonado”. Vieram os Poemas na água-furtada e os cachos dos cabelos de Maria de Devereaux aos escândalos do chicote na paixão desenfreada rompida na marra. Com o Manuscrito encontrado numa garrafa, demitido por abuso de bebida, também A queda da casa de Usher com seus restos desmoronados e o nebuloso casamento com Virginia, a musa de tantos e muitos versos entre a miséria e a doença. E todos os Contos do grotesco e do arabesco com a tia-sogra viúva Maria Clemm sempre disposta a ser mãe e a ele servir entre os mais belos e puros amor, e Os crimes da rua Morgue a se referir à sua maneira de negar o que é e explicar o que não é, e O escaravelho de ouro e quem nos dirá desaparecessem todos que sabiam do segredo, se no barril do Amontillado, ou jogador de xadrez de Mawlzel, os mistérios de Marie Roget ou a carta roubada, o poço e o pêndulo ou de Berenice e quantas vieram ao coração: a compassiva e atenciosa Virginia, Os sinos para a prudente Luisa, a feminilidade frágil da poeta Francisca, a alma irmã da poeta misteriosa Helena “Vi-te uma vez, só uma, há vários anos..”; e queria morrer nos braços de Anita. E Mira enviuvara, era a sua vez. Com ela, O corvo e o reencontro com Catarina Isabel, portas fechadas não lhe atendem, vai embora até retornar a Richmond noivo de Mira e o fantástico das exacerbações: alucinações, neuroses, o duplo, cenários de fatalidade e morte, pavor e mistério. Eis, finalmente, diante de Catarina, nem se demora, quando voltará a vê-la? Nunca mais, até ser encontrado inconsciente poeta maldito numa rua de Baltimore: “Senhor, amparai minha pobre alma”. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da pianista e compositora japonesa Hiromi Uehara: Time control, Brain, Spiral & Estival Jazz Lugano & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui & aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] seja qual for a intenção dos analistas, suas análises tendem a possuir uma qualidade azeda: tendem a acusar, secularizar, ironizar, satirizar, alienar o conteúdo intrínseco da crença ou ponto de vista confessado. O que estes sistemas de análise têm em comum é a prática de descartarem o valor nominal das declarações, das crenças e dos sistemas de idéias, reexaminando-os dentro de um contexto novo que proporciona o 'significado real’ [...] Numa sociedade em que a desconfiança recíproca encontra expressões populares tais como 'quanto ele vai ganhar por isso' [...] em que a defesa contra as desilusões traumáticas talvez consistam em estarmos permanentemente desenganados, reduzindo as expectativas sobre a integridade de outros, dando  por descontados de antemão seus motivos e talentos; - numa sociedade assim, a análise sociológica sistemática e uma sociologia do conhecimento derivada assumem uma pertinência e convicção socialmente fundamentadas [...]. Trechos extraídos da obra Sociologia: teoria e estrutura (Mestre Jou, 1968), do sociólogo estadunidense Robert Merton (1910-2004).

VELHICE - A importância dos velhos tem a ver com o fato de que somos sociedades orais, e portanto os velhos são espécies de bibliotecas vivas, são detentores do saber. Cabe aos velhos essa missão de reprodução da moral, da ética. Nos sistemas religiosos monoteístas, há um julgamento, depois que morremos temos que prestar contas do que fizemos em vida. Nas religiões africanas, nós prestamos contas em vida, em nossa relação de viventes com os mortos. Não há essa coisa do Juízo Final, e portanto há disponibilidade para se estar vivo. Trecho extraído de Fronteiras do Pensamento (2014), do premiado escritor e biólogo moçambicano Mia Couto. Veja mais aqui e aqui.

A VOZ HUMANAUm ato, um quarto, uma personagem, o amor e o acessório banal das peças modernas, o telefone: O autor gosta de fazer experiências. Tendo o hábito de perguntar a si mesmo o que é que pretendia fazer depois de ter visto o que fez, talvez seja mais simples dar algumas informações em primeira mão. Vários motivos o incentivaram a escrever este ato: 1.º O motivo misterioso que leva o poeta a escrever mesmo quando todas as suas mais profundas preguiças se recusam a fazê-lo e, sem dúvida, a recordação de uma conversa surpreendente ao telefone, a singularidade dos timbres, a eternidade dos silêncios. 2.º Criticam-no dizendo que age de acordo com estruturas maquinais, que instrumentaliza demasiado as suas peças, que conta demasiado com a encenação. Importava, por isso, partir do mais simples: um ato, um quarto, uma personagem, o amor e o adereço banal das peças modernas, o telefone. 3.º O teatro realista está para a vida como estão para a natureza as telas do Salão de Belas Artes. Era preciso pintar uma mulher sentada, não uma certa mulher, uma mulher inteligente ou estúpida, mas uma mulher anónima, e afastar-se do virtuosismo, do diálogo “tu falas e eu respondo”, das palavras de mulher apaixonada tão insuportáveis quanto as palavras das crianças, enfim, de todo aquele teatro que de forma venenosa, pastosa e sorrateira substitui o teatro tout court, o teatro verdadeiro, as álgebras vivas de Sófocles, de Racine e de Molière. O autor tem consciência da dificuldade da tarefa. Por isso mesmo, e de acordo com o conselho de Victor Hugo, relacionou a tragédia e o drama com a comédia, sob os auspícios dos imbróglios que o aparelho menos indicado para tratar dos assuntos do coração permite. 4.º Finalmente, e porque é muitas vezes criticado por exigir aos intérpretes uma obediência prejudicial ao seu talento, reclamando sempre prioridade, o autor quis escrever uma peça ilegível que, tal como o seu Roméo se intitula pretexto para uma encenação, seria um pretexto para uma atriz. Por detrás da interpretação, a obra apagar-se-ia, o drama ofereceria a possibilidade de desempenhar dois papéis, um quando a atriz fala, outro quando ouve e circunscreve o carácter da personagem invisível que se exprime através de silêncios. Apresentação da peça teatral A voz humana (1930 -Assírio & Alvim, 1989), do escritor, cineasta, dramaturgo, desenhista e ator surrealista francês, Jean Cocteau (1889-1963). Veja mais aqui e aqui.

CONFISSÃO - Dizem que o amor é cego, / não nego, / por isso te abro os olhos: / não tenho bens nem alqueires, / eu não sou flor que se cheire, / nem tão boa cozinheira, / (bem capaz que ainda me piches / por só comer sanduíches), / minha poesia é fuleira, / tenho idéias de jerico, / um cio meio impudico / como as cadelas e as gatas, / às vezes me torno chata / por me opor ao que comtemplo, / sei que sou péssimo exemplo, / por pouca coisa me grilo, / talvez por mim percas quilos, / eu não sei se valho a pena, / iguais a mim, há centenas, / desejo te ser sincera. / Mas no fundo o amor espera / que grudes qual carrapicho: / são tão grandes meu rabicho / e minha paixão por ti, / que não estão no gibi... / Ao te ver, viro pamonha, / sem ação, e sem vergonha / o meu ser inteiro goza. / Por isso, pra encurtar prosa, / do teu corpo, cada poro / eu adoro adoro adoro... Poema da escritora, editora, professora, promotora cultural e artista performática Leila Miccolis. Veja mais aqui e aqui.

EDGAR ALLAN POE: LOVE, DEATH AND WOMEN
O documentário Edgar Allan Poe: love, death and women ( Edgar Allan Poe: Amor, Morte e Mulheres, 2010), produzido pela BBC inglesa, incursiona nas histórias por trás dos textos do genial escritor, revelando as sensaborias femininas e vivenciais que inspiraram alguns dos mais aterrorizantes e influentes contos do século XIX, contando as relações entre Poe e as mulheres de sua vida - mãe, esposa, amante e musa - eram muito tênues, desastrosas na pior das hipóteses, por outro lado forneceram inspiração e estimulo para alguns dos mais influentes e aterradores contos, por viagens em Nova York, Virginia e Baltimore, para desvendar as tortuosas e peculiares relações de Poe, interligando os acontecimentos, a mente e suas mulheres através das próprias cartas, diários e escritos publicados.
Veja mais:

O Congresso de Educação do Vale do Sapucaí (2º CEVS) & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte do escritor e artista visual italiano Tommaso Pincio
&
Viver é tão pouco, é preciso sonhar, a dificuldade de ser de Jean Cocteau, a música de Egberto Gismonti, a escultura de Texeira Lopes & a arte de Gil Teixeira Lopes aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.


quarta-feira, julho 04, 2018

BORGES, HESSE, KHLÉBNIKOV, RICOEUR, NAGEL, PIAZZOLLA & NÉSTOR SARMIENTO


OS LABIRINTOS DE BORGES - Imagem: La biblioteca Borges en París (1995), do pintor argentino Néstor Sarmiento - Foi pelas mãos de HermilAfonso que soube quase menino homem feito da velha dama e outros duelos do encontro do indigno e da intrusa do Informe de Brodie, para me dar conta dos anacronismos deliberados e suas atribuições errôneas nos alicerces da inexistente História Geral dos Labirintos do igualmente irreal Herbert Quain. Marinheiro de primeira viagem, fui obrigado a refazer as rotas até chegar lá longe onde o heresiarca de Tlön, Uqbar, Orbis Tertius abominava a cópula e os espelhos, para poder entrar no sonho do homem que sonhava e o sonhado despertou caminhando contra as línguas de fogo das Ficções mais ambíguas, disseram seus detratores, quando a ambiguidade era uma riqueza com o desvario laborioso e empobrecedor de compor vastos livros, menos tautológicos que outros não menos imaginários que o livro cíclico que é Deus. Não foi à toa que encontrei o premiado poeta maluco Carlos Argentino no Aleph a me apresentar das astúcias do descortês mestre-de-cerimônias Kotsukê No Suké a me contar do homem da esquina rosada e etcétera da História Universal da Infâmia com todo virtuosismo literário de coisas sérias e jocosas pela imaginação desenfreada, em que heréticos foram queimados e entraram no céu, e quem perdeu foi condenado à multa penosa na Loteria, só porque quem ganha pode presidir a vida e os tecidos do acaso povoado pelo monstro Aqueronte que é o inferno, o pássaro que traz a chuva, o galo celestial, o mirmecoleão, a serpente óctupla, as nagas, lêmures, fadas, sereias e valquírias e tantos seres do satírico e mistificador no infindável e impalpável Livro de Areia e o dos Sonhos manipulando as diversas línguas e épocas de coisas que nunca existiram nem foram escritas, coisas inventadas do gênio pelo universo indefinido e infinito da Biblioteca de Babilônia, com suas escadas e galerias hexagonais repletas de livros e livrinhos e livrões mortos para ninguém encontrar o que procura no meio do incompreensível das ruínas circulares com o pesadelo matemático de um sonho fantástico em que as paralelas se encontram no infinito coerentemente absurdo e poético. E ter-se com o imortal rejeitado entre a fama e a cegueira que vinham graduais, porque o mundo de Russel nasceu há poucos instantes e o tempo inteiro já passou e somos recordações do passado, e só brincou com um menino como quem brinca com algo próximo e misterioso de João, I, 14 no que É, Foi e Será do Elogio da Sombra: o dia regido pela divindade que nas selvas os corpos amantes entretece. Porque não há mandamento que não possa ser infringido e também os que digo e os que os profetas disseram, não exageres o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes nos Fragmentos de um evangelho apócrifo. Por fim, pôs a palavra em liberdade com o seu Ultraísmo celebrando Buenos Aires como se fosse as paisagens da europeias sonhadas e autobiografou seus perfis olvidando da fama e do fracasso na demasiada ambição de amar e ser amado. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor e bandoneonista argentino Ástor Piazzolla (1921-1992): Libertando, Mas cuatro estaciones porteñas, Live at the Montreal Jazz Festival & Concierto para Bandoneon & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Onde houve situação, haverá horizonte suscetível de se estreitar ou se ampliar. [...] significa que não vivemos nem em horizontes fechados, nem num horizonte único [...] O que pretendemos compreender não é o evento, na medida que é fugidio, mas sua significação que permanece [...] É na linguística do discurso que evento e sentido se articulam um sobre o outro. [...]. Trechos extraídos da obra Interpretação e ideologias (Francisco Alves, 1990), do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005). Veja mais aqui.

ÚLTIMA PALAVRA - [...] As reduções comportamentais e as suas descendentes não são operativas na filosofia da mente porque as características fenomenológicas e intencionais que são evidentes a partir do interior da mente não são adequadamente explicadas da perspectiva puramente externa a que as teorias redutoras se limitam, devido à impressão errada de que só uma perspectiva externa é compatível com uma mundividência científica. [...] Para usar alguns exemplos grosseiros mas conhecidos, a única resposta possível à acusação de que uma moralidade dos direitos individuais não é senão uma carga de ideologia burguesa, ou um instrumento de dominação masculina, ou que a exigência de amar o próximo é afinal uma expressão de medo do próximo, ódio e ressentimento, é considerar de novo, à luz destas sugestões, se as razões para respeitar os direitos individuais ou para cuidar dos outros podem ser sustentadas, ou se disfarçam algo que não é de modo algum uma razão. E esta é outra questão moral. Não se pode pura e simplesmente sair do domínio da reflexão moral: está simplesmente aí. Tudo o que podemos fazer é levá-la por diante à luz de sejam quais forem as novas provas históricas ou psicológicas disponíveis. É o mesmo em todo o lado. Os desafios à objetividade da ciência só podem ser enfrentados usando mais raciocínio científico, os desafios à objetividade da história só pela história, e assim por diante [...]. Trechos extraídos da obra A última palavra (Gradiva, 1999), do filósofo estadunidense Thomas Nagel. Veja mais aqui.

O PRINCÍPIO DO FIM - [...] Só nos últimos dias de outono é que fui enviado á frente de combate. A princípio, e apesar das sensações do combate, senti-me defraudado. Antes me havia perguntado muitas vezes por que eram tão poucos os homens que conseguiam viver por um ideal. Agora percebia que todos os homens eram capazes de morrer por um ideal. Mas não por um ideal seu, livremente escolhido, mas por um ideal comum e transmitido. Contudo, ao fim de algum tempo, tive de confessar-me que havia julgado os homens abaixo do que realmente valiam. Apesar da uniformidade que lhes impunha o serviço militar e o perigo comum, vi muitos se aproximarem arrogantemente à vontade do destino, em plena vida ou a ponto de morrer. Muitos mostravam a todo momento, e não só no ataque, aquele olhar firme, distante e alheado que não sabe de fim nenhum e implica uma completa entrega ao monstruoso. Fossem quais fossem suas opiniões ou idéias, aqueles homens estavam prontos, eram aproveitáveis e podiam servir para dar conformação ao futuro. Não importava que o mundo parecesse continuar obstinadamente fixo em seus antigos ideais, em seu conceito tradicional da guerra, do heroísmo e da honra, e que toda voz de verdadeira humanidade soasse mais longínqua e irreal do que nunca. Tudo isso era apenas superfície, igual aos fins exteriores e políticos da guerra. Sob ela, no fundo, formava-se algo novo. Algo como uma nova humanidade. Pois havia muitos homens, e alguns deles morreram a meu lado, para os quais era evidente que o ódio e a fúria, a matança e a destruição não se achavam ligados aos objetos. Não; os objetos, bem como os fins, eram puramente casuais. Os sentimentos primordiais, inclusive os mais violentos, não iam contra o inimigo; sua obra sangrenta era apenas uma irradiação do interior, da alma dissociada e dividida, que queria enfurecer-se e matar, aniquilar e morrer, para nascer de novo. Uma ave gigantesca rompia a casca. A casca era o mundo, e o mundo havia de cair feito em pedaços. Numa noite de primavera eu estava de sentinela diante de uma granja que havíamos ocupado naquele dia. Um vento sutil soprava em ondas caprichosas, e sob o alto céu de flandres cavalgavam exércitos de nuvens, atrás dos quais resplandecia indefinido um prenuncio de lua. Durante todo o dia me sentira já inquieto; uma preocupação indeterminada me agitava. Agora, em meu sombrio posto, pensava com fervor nas imagens de minha vida passada, em Eva e em Demian. Apoiado no tronco de um álamo, contemplava fixamente o céu inquieto, cujos resplendores, secretamente palpitantes, se converteram de súbito numa ampla série fluente de imagens. Na debilidade singular de minhas pulsações, na insensibilidade de minha pele para o vento e a chuva, e na vibrante vigília interior, senti que em torno de mim havia um guia. Via-se nas nuvens uma grande cidade, da qual fluíam milhares de homens que se espalhavam como enxames pelas amplas paisagens. Em meio a eles caminhava uma poderosa divindade, o cabelo semeado de estrelas reluzentes, alta como uma montanha. O rosto era o de Eva. Em seu interior entraramos homens em grupos como numa caverna gigantesca e lá desapareceram. A deusa sentou-se no chão. Em sua fronte o sinal resplandecia. Parecia sofrer o domínio de um sonho; fechou os olhos e o amplo rosto contraiu-se num gesto de dor. De repente, lançou um grito agudo e de sua fronte saltaram estrelas, muitos milhares de estrelas resplandecentes, que voaram para o negro céu em curvas magníficas. Uma das estrelas vinha, com vibrante cântico, em minha direção. Parecia procurar-me... De repente, explodiu com estrondo em milhares de estilhaços, elevou-me nos ares e arrojou-me novamente ao solo, enquanto o mundo caía fragorosamente sobre mim. Encontraram-me perto do álamo, coberto de terra e com muitas feridas. Estava estendido numa cova. [...]. Trecho extraído da obra Demian (Civilização Brasileira, 1972), do escritor alemão Hermann Hesse (1877 – 1962). Veja mais aqui.

POEMA - Herdades noturnas, gengiscantem! / Crepitai, bétulas azuis! / Albas da noite, zaraturvem / Ao céu cerúleo mozarteante! / Goyam trevas como nuvens! / Roops é um cirro soturno! / Voa uma tromba de risos, / Enfrento firme o verdugo, / Gargalham garras de gritos, / E em torno o silêncio escuro. / A mim convoco os valentes, / Saem dos rios os afogados, / O miosótis, estridente, / Declama a velames pardos, / Gira o eixo cotidiano, / Move-se a massa vespertina, / Nas águas da noite vogando / (Sonho) uma carpa-menina. / Mamáj – pinhos ao vento! / Nuvens nômades de Báti! / Como cains do silêncio / Palavras santas se abatem. / Passo tardo, cercado de tropas, / Asdrúbal azul vai ao baile das rochas. Poema do poeta da vanguarda russa Vielimir Khlébnikov (1885-1922). Veja mais aqui.

OS LABIRINTOS DE BORGES

Simpósio Nacional de Educação (X SINCOL) & muito mais na Agenda aqui.
&
Recuerdos de un arlequín do pintor argentino Néstor Sarmiento
&
A paz que ninguém vê, Certo & errado de Thomas Nagel, o teatro de Nelson Baskerville, a música de Flora Purim, a escultura de Pietro Baratta & a arte de Tchello d'Barros aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.
 

terça-feira, julho 03, 2018

KAFKA, EDWARD CARPENTER, KORZYBSK, EFLAND, YULIANNA AVDEEVA, GRAÇA CRAIDY & LUIZ SANTOS


NEM PINTADO A OURO - Imagem: arte da série Até que a morte nos separe, da artista plástica Graça Craidy. - Cleudizita, menina risonha, era Zitinha para os mais achegados, franzina folgazã da saia curtinha avoada, peitinhos miúdos pulando fora das alças decotadas e ela alvoraçada adolescia na vida. Conheceu Juvenácio da pá virada e caíram aos esfregões apaixonados num sarro pesado. Nacinho travou-se nela, os dois pendurados pelos beiços, aos acochos e pegações, ela magrela tarada saia na cabeça, toda espalmada e espremida pelas travadas nos muros e paredes, e ele dentro dela só no fungado e umbigada de saírem por aí encangados, nem ai, só na base do homem é meu, a mulher é minha. Não demorou muito, ela embuchou e deu na hora um casamento a pulso, ordem dos pais que não se entendiam entre desaforos e indignação. Coisa de somenos, o que valia mesmo era vadiação deles por baixo de lençóis e fronhas, festas domingueiras e eventos dançantes. Tudo ia bem, bastou vê-la no centro das olhadelas da marmanjada, ciúmes e desconfianças: Estão azarando o meu dicomer, isso não. Grades e cadeados, dela nem sair dos escondidos. Barriguda pela boca, depois do parto ela foi tomando corpo e cuidando exclusivamente do bruguelo, sua única razão de viver. Nacinho enciumado não se continha e se aproveitando disso, caiu na gandaia. Chegava tropicando com as mãos bobas nas saliências da Zitinha desolada das lides domésticas. A indisposição dela empiorava a situação, da paranoia de enjeitado prevalecer e o pau cantar, usada na marra, estuprada a força sem um gozo sequer. Era a vingança dele todo santo dia depois de se enxerir com uma e com outra, bicado insaciável de chegar ameaçando estrangular o filho e descontar toda trovejada furiosa nela, regada a tapas e murros na indefesa, de deixá-la fodida e com o couro quente pela violência. Todo dia, ao sair de casa Nacinho trancava tudo, ela nem podia botar a cara na rua, do contrário, lamboradas de sobra noite adentro. Ele no regalo com uma e com outra, ao retornar cheio dos quequeos, tudo ao seu mando, brigas e munhecadas na resistência dela. Anos nessa pisada, ele cheio dos pantins, até ela não aguentar mais, levada pra polícia e findar no juizado numa separação carregada de ameaças e insultos. Livre do marido pôde então cuidar de si e do garoto já crescidinho, e ela tomando corpo, peitos volumosos e empinados, a bunda arrebitada de chamar atenção pelo pandeirão, quartuda, arrumada boazuda toda e Nacinho só de esguelha pronto pra pegá-la na virada. Não se conteve, invadiu a casa armado de cólera e tesão para atacá-la, dela aos gritos, vizinhos socorreram e logo a polícia botou o invasor na prisão. Regulagem da Maria da Penha, o cabra quase espremido de tão apertado pela força da lei: um quilômetro de distância dela, senão apodrecia na cela da penitenciária. Ele endoidou de vez armando arapuca enquanto ela seguia livre toda feliz e cobiçada. Nacinho transgrediu, invadiu a casa novamente, ajoelhou-se aos pés dela, pediu por Deus e todos os santos pra ela perdoá-lo e reatar a vida do casal. Beijou-lhe os pés, chorou, jurou e esperneou, não teve como se livrar de ser jogado atrás das grades. E ela vingativa: Nem pintado a ouro, mô fio! Ao cabo de alguns meses depois, ela não ouviu, as trinta e uma facadas não deixaram que ouvisse o choro do filho na alça do caixão. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da pianista russa Yulianna Avdeeva: Concerto in E minor de Chopin, Sonata in B minor de Chopin, Sonata in B minor de Liszt & Sonata op. 21 de Beethoven & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais  aqui.

PENSAMENTO DO DIASe todas as pessoas aprendessem a pensar de maneira não-aristotélica sobre a Mecânica Quântica, o mundo mudaria de forma tão radical que, em geral, o que chamamos de “estupidez” e até uma grande parte do que consideramos como “insanidade” poderia desaparecer e os problemas “intratáveis” de guerra, pobreza e justiça de repente pareceriam bem mais próximos de uma solução. Pensamento do filósofo, linguísta, engenheito, cientista e matemático polonês Alfred Korzybsk (1879-1950), autor de célebres frases como “As palavras não são as coisas que elas representam, o nome não é a coisa; o mapa não é o território: um mapa não representa tudo de um território, o mapa ideal é auto-reflexivo”, bem como da expressão: “Os filósofos são de certa forma incapazes de compreender que seus trabalhos são o produto de seus próprios sistemas nervosos. Para a maioria deles é apenas um verbalismo desprendido (detached verbalism)”.

ARTE & EDUCAÇÃO – [...] As artes são lugares em que os saltos metafóricos da imaginação se apreciam por seu potencial e excelência estética. Alem disso, é na arte onde a experiência, a natureza, e a estrutura da metáfora se convertem no principal objeto de estudo. Este ocorre em atividades que os indivíduos criam obras de arte, mas também entra em jogo a interpretação das obras de arte [...] O objetivo final da educação deveria ser a maximização do potencial cognitivo dos estudantes. Isso requer o reconhecimento do reino da imaginação e as ferramentas cognitivas, como a categorização e a metáfora, que permitem que esta operação, provavelmente em todas as disciplinas, mas fundamentalmente nas artes visuais [...] a imaginação se identifica como uma atividade amplamente estruturadora que utiliza a metáfora e a narrativa para estabelecer novos significados e conseguir representações coerentes, com padrões e unificadas [...] Muitas experiências físicas, como o equilíbrio, se adquirem antes de se aprender seus nomes, como quando uma criança aprende a andar. Este conhecimento não proposicional facilita um fundamento construído a partir de categorias de nível básico, e proporciona uma base para a elaboração metafórica. Assim, a experiência do ato físico pode estender–se mais adiante no ato físico de andar, quando como um adulto pensa em coisas como uma personalidade equilibrada, as equações químicas equilibradas, e o equilíbrio da justiça [...]. Trechos extraídos de Art and cognition: integrating the visual arts in the curriculum (NAEA, 2002), do professor estradunidense Arthur Efland (1942-2009).

O VEREDICTO – [...] E quando ela, então, respirando rápido sob seus beijos, ainda argumentava: “na verdade isso me ofende”, ele achou que realmente não era embaraçoso escrever tudo ao amigo. “Eu sou assim e é assim que ele tem de me aceitar”, disse consigo. “Não posso talhar em mim mesmo uma pessoa que talvez fosse mais ajustada à amizade com ele do que eu sou.” E de fato, na longa carta que escreveu nessa manhã de domingo, relatou ao amigo a realização do noivado com as seguintes palavras: “A melhor novidade eu guardei para o fim. Fiquei noivo da senhorita Frieda Brandenfeld, uma jovem da família bem-posta que só se estabeleceu aqui tempos depois da sua partida e que portanto você dificilmente poderia ter conhecido. Ainda haverá ocasião para lhe contar mais sobre a minha noiva, basta hoje que lhe diga que estou muito feliz e que nossa atual relação só mudou alguma coisa na medida em que agora você terá em mim, ao invés de um amigo comum, um amigo feliz. Além disso você ganha, com a minha noiva, que manda saudá-lo cordialmente, e que em breve vai escrever pessoalmente a você, uma amiga sincera, o que não é sem importância para um solteiro. Sei que muita coisa o impede de nos visitar, mas não seria justamente o meu casamento a oportunidade certa para afastar os obstáculos? Seja como for, porém, aja sem qualquer escrúpulo e segundo o que achar melhor”. Com essa carta na mão Georg ficou longo tempo sentado à escrivaninha, o rosto voltado para a janela. Mal respondeu, com um sorriso ausente, a um conhecido que, passando pela rua, o cumprimentara. Finalmente enfiou a carta no bolso e, do seu quarto, atravessando um pequeno corredor escuro, entrou no quarto do pai, ao qual não ia já fazia meses. De resto não havia necessidade disso, pois sempre encontrava o pai na loja e almoçavam juntos num restaurante; à noite, efetivamente, cada um cuidava de si a seu critério, mas na maioria das vezes, quando Georg não estava com os amigos ou visitava a noiva, o que acontecia com mais frequência, ficavam sentados ainda um pouco na sala de estar comum, cada qual com o seu jornal. Surpreendeu Georg como estava escuro o quarto do pai mesmo nessa manhã ensolarada. A sombra era pois lançada pelo muro alto que se erguia do outro lado do estreito pátio. O pai estava sentado junto à janela, num canto enfeitado com várias lembranças da finada mãe, e lia o jornal segurando-o de lado para compensar alguma deficiência da vista. Sobre a mesa jaziam os restos do café da manhã, do qual não parecia ter sido consumida muita coisa. [...]. Trecho extraído da obra Essencial (Companhia das Letras, 2011), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Veja mais aqui e aqui.

DOIS POEMAS - VIRÁ – Deixe a mente aquietar, / percebendo a beleza do mundo / e os imensos, inexauríveis tesouros / que armazena. / Tudo tens dentro de ti / tudo que teu coração almeja / tudo para que tua natureza tão especialmente te preparou / isso tudo guarda por ti / incrustado no grande todo / com certeza virá para ti / com certeza virá. II - Oh ! Não deixeis apagar a chama! Mantida / De século em século / Nesta escura caverna, / Neste templo sagrado! / Sustentado por puros ministros do amor! / Não deixeis apagar esta divina chama! Poemas do poeta socialista e ativista politico homossexual britânico Edward Carpenter (1844-1929).

CASOU NO PAPEL & OUTRAS ARTES
Os livros da série Casou no papel (Autor, 2017), reúne o trabalho fotográfico do fotógrafo, educador e videofazedor Luiz Santos, tratando sobre os invisibilizados.
Um dos volumes com textos e fotografias coloridas versa e exibe retratos de personagens que são pacientes do Hospital da Tamarineira. O outro volume, preto & branco, reúne os carregadores dos bonecos gigantes de Olinda.

O livro Kant não estuprou a camareira & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte das séries Delicadezas, Trinta contra Uma e Até que a morte nos separe da artista plástica e cronista Graça Craidy.
&
Qual é a tua, Zé Brasil?, Membranas e interfaces de Fernanda Bruno, a música de Rick Wakeman, a arte de Jana Brike, o cinema de Larry Clark & Chloë Sevigny aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.
 

segunda-feira, julho 02, 2018

ASHBERY, THOMAS PYNCHON, VIRILIO, MOUNIER, ALCEU VALENÇA, DIANA DOMINGUES & ESTER ROSA


MARIA FULÔ, OROPA, FRANÇA & BAÍA – Toda vez que Maria aparecia com toda pujança buliçosa arrepiando as peles, coisas e ventos na primeira esquina ao descer a ladeira, o coração de Manuel saudava os seus requebros aos pipocos, acompanhando a música dos seus pés, a festa do seu riso, ah coisa bonita medonha, chega dá gosto vê-la toda faceira no rebolado de mexer no juízo e endoidar de vez. Pronde tu vai, Maria? Vou encher o mundo de pernas, seu Manuel! Eita, danada, coisa mais melhor de bom! Ela forrava cama, penteava cabelos, quando não ajeitava enxame, abanava nas quenturas e causava calafrio. Muitos misteres outros ela era capaz, desde alinhar os planetas, cortar unha do pé e da mão, fazia cafuné de deixar o sujeito molinho, tal mucama Nega Fulô, a flor mais apreciada daquela redondeza, toda cheirosa e cheia de feitiços, oh nega tinhosa essa, toda enfeitada e mimosa. Quando se ajeitava, era toda perdição. Pior se tirava o xale e a saia, era uma danação. E lá ia ela e Manuel atrás: Oh, Maria! Vem cá, moléstia dos cachorros! Lá ia ela com o solo da sanfona manhosa nos olhos, um sapecado triângulo na fala cantada a animar os mais mortificados, uma zabumba cadenciada na firmeza da pisada dançante, e Manuel todo arreado aos encantos dela: Vem cá, Maria, que eu quero me achegar. Vou não, seu Manuel, que tu só quer me pegar. Para onde ela ia, Manuel babava atrás: Chega, Maria, deixa da tua ruindade, mulher! Vou não, seu Manuel, sou moça pra casar. E Maria ia com um e com outro, de Manuel endoidar: Dou-te o que quiseres, Maria, vem comigo ficar. Ah só vou se tu me der as naus dos sonhos de Oropa, França e Baía. E onde diabos vou isso buscar, mulher? Se isso me der, contigo hei de casar! E Manuel mais afundava, escravo de grande paixão. No quengo dele ecoava a voz maviosa dela: Eu só quero as naus dos sonhos de Oropa, França e Baía. Tudo fez para que ela entregasse a ele o seu coração. Maria tripudiava: quero isso e aquilo, e Manuel mais pirava: era chita e brebotes, presente daqui e dali, sandálias e vestes aos montes, paparicado de beija-pés até deixá-la montar na cacunda, ele cão sem dono, ela rainha do céu e da terra. E ele só queria com ela a maior chambregação. Mas ela de dengosa, chantageava o cristão: O que é que tu me dá? Tudo que quiseres, princesa! Ainda não me desses a primeira que te pedi! E com isso ela se fazia de difícil, fechava as pernas e o sexo, dele sair enlouquecido, pra superar tanta resistência, o que faço, meu Deus, quanto tormento. Ele então fez promessa de levá-la pra Portugal se com ele se casasse, e quando lá chegasse daria de presente as naus dos sonhos de Oropa, França e Baía. Maria iluminou-se e toda engalanada com ele casou-se. Veio a lua de mel, muitas noites e tantos dias, meses e anos se passando, Manuel em Maria se divertia. Até ela bater o pé na cobrança da promessa. Amanhã ou depois de amanhã, um ano e mais se passou, nada de Manuel cumprir o ajustado. Maria insatisfeita, não diminuiu no badalo, saía de casa três dias, só voltava quando ele apalavrasse o que havia prometido. E assim viviam, vez em quando ela desaparecia, às vezes pra mais de mês, de louco ele sair pelas ruas: Maria, ó Maria! Você viu Maria? Ninguém dela o paradeiro, ele troncho de saudade, trocava a noite pelo dia, cadê aquela nega do cão! Lá vinha Maria, mal chegava e já saía, toda sapecada e apetitosa, dele babar de cair: Vem cá, minha nega sestrosa, vem cá que eu quero amar. Vou não, só quando cumprir o devido. Manuel desfalecia de quase morrer do coração. Não tinha outra escolha, desconfiado contratou um patrício detetive: Descubra se Maria anda a me trair. Pois, pois. E ficava ele esperando, toda vez que ela sumia. Pra mais de ano chega o contratado: E aí, patrício, o que é que tu viste? Ah, não vi nada não: só vi um cu enterrado e outro pulando chão. Só. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor e compositor Alceu Valença: Oropa, França & Baía ao vivo, Sol e Chuva, Maracatus, batuques e ladeiras & seus grandes sucessos com muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui & aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando já não tivermos possibilidades de sucessão, resta-nos testemunhar. Não se perde a vida daqueles que souberam dar largo testemunho. Conhecemos a fragilidade de nossas forças e do sucesso, mas conhecem também a grandeza do nosso testemunho. Eis por que conduzimos sem hesitação a nossa tarefa na certeza da nossa juventude. [...]. Pensamento do filósofo francês Emmanuel Mounier (1905-1950).

O HUMANO & O DIVINO - [...] As referências místicas são as únicas que permitem compreender as teletecnologias, já que tocam a ubiquidade, ao imediato, ao instantâneo, a omnividência, que são atributos do divido e não do humano. [...]. Pensamento extraído de Rato de laboratório (L’Autre Journal), do filosofo, arquiteto, urbanista, pesquisador e polemista francês Paul Virilio. Veja mais aqui.

CONTRA O DIA - [...] Por toda a extensão verdejante que se descortinava abaixo, à luz declinante da tarde, por entre as formas estelares dos sacos de areia estourados, correndo a todo vapor, como se por um firmamento terreno, seguia um cavalheiro corpulento de paletó esporte e calções de golfe, apertando o chapéu de palha contra a cabeça com uma das mãos e com a outra mantendo equilibrada no ombro uma câmara fotográfica presa a um tripé. Logo atrás dele vinha a mulher que fora vista por Blundell, carregando uma trouxa de roupas femininas, embora no momento trajasse pouco mais que uma espécie de diadema floral, vistosamente inclinado em meio à farta cabeleira loura. A dupla parecia dirigir-se a um bosque próximo, dirigindo de vez em quando um olhar apreensivo ao enorme invólucro de gás do Inconveniência, que descia, como se fosse ele um imenso globo ocular, talvez o próprio olho da Sociedade, sempre a vigiar do alto, num espírito de censura construtiva. Quando Lindsay conseguiu arrancar o instrumento óptico das mãos úmidas de Miles Blundell e induzir o jovem consequentemente frustrado a lançar fateixas e ajudar Darby a afixar o grande aeróstato à “Mãe Terra”, o casal indecoroso já havia desaparecido em meio à vegetação, tal como em breve toda essa parte da República haveria de desaparecer na escuridão crescente. [...]. Trecho extraído da obra Contra o dia (Companhia das Letras, 2012), do escritor estadunidense Thomas Pynchon.

TAPEÇARIA - É difícil separar a tapeçaria / Do lugar ou tear que a antecede. / Pois deve ficar sempre de frente ainda que pendendo para um lado. / Ela insiste nesse retrato da “história” / Por fazer, porque não há como escapar do castigo / Que ela propõe: a visão cega pelo sol. / A vista é engolida com o que é visto / Numa explosão da consciência súbita de seu esplendor formal. / A visão, vista como interior, / Registra sobre o impacto de si mesma / Recebendo fenômenos e, nisso, / Traça um esboço ou uma planta / Do que estava lá agora há pouco: certo na risca. / Se tem a forma de um cobertor, isso é porque / Ansiamos, ainda assim, por nos enrolarmos nela: / Esse deve ser o lado bom de não experienciá-la. / Mas, em alguma outra vida, que o cobertor retrata, de qualquer modo, / Os cidadãos mantém um com o outro um comércio agradável / E beliscam as frutas sem empecilhos, como querem, / E as palavras choram por si próprias, deixando o sonho / Revirado numa poça em algum lugar / Como se “morto” não passasse de mais um adjetivo. Poema do poeta estadunidense John Ashbery (1927-2017).

ABRIU-SE A BIBLIOTECA... MITOS, RIMAS, IMAGENS, MONSTROS GENTES E BICHOS
A biblioteca é um lugar de encontros. Encontros com histórias, encontro com leitores.
Neste final de semana tive acesso ao livro Abriu-se a biblioteca… mitos, rimas, imagens, monstros, gente e bichos (UFPE-2014), organizado pelas professoras Ester Calland de Sousa Rosa e Maria Helena Santos Dubeux, contendo relatos de sequências didáticas com a temática do desenvolvimento da leitura literária nas escolas, um trabalho desenvolvido pelo Centro de Estudos de Educação e Linguagens (CEEL). Da psicóloga e professora mestre em Educação pela UFPE e doutora em Psicologia pela USP, Ester Calland de Sousa Rosa, tive acesso a outras de obras e publicações por ela coordenadas, a exemplo de O fazer cotidiano na sala de aula: A organização do trabalho pedagógico no ensino da língua materna, com Andréia Tereza Brito Ferreira, Ler e escrever na educação infantil: Discutindo práticas pedagógicas, com Ana Carolina Perrusi Brandão, e Os saberes e as falas de bebês e suas professoras, com Tacyana Karla Gomes Ramos.
IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação (CIFE) & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte da professora, pesquisadora e artista multimídia Diana Domingues.
&
Freyaravi & o circo dos prazeres, Cultura de consumo de Mike Featherstone, Kama Sutra de Vātsyāyana, Contos brasileiros de Julieta de Godoy Ladeira, a fotografia de Ralf Mohr, World Peace Flame Humanitarian Projects, a música de Marisa Monte, a arte de Crystal Barbre & Luciah Lopez aqui.
&
Lualmaluz, De segunda a um ano de John Cage, Técnica e ciência de Jürgen Habermas, a literatura brasileira de Nelson Werneck Sodré, a escultura de George Kurjanowicz, a música de Sally Seltmann, a arte de Théodore Géricault, Moisés Finalé, Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
&
Apologia à mentira, Jogo dos possíveis de François Jacob, a escultura de Pierre-Nicolas Beauvallet, a música de Alceu, Tavito, Joyce, Eliane Elias, Maria Rita, Yuja Wang, Arrigo & Marcus Vianna; a arte de Axel Zamudio & John Harding aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.


ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite , que possui mestrado em...