TRÍPTICO DQC: JANELOUCA, UMA ÁRVORE DA PEDRA - Ao som dos Seis pequenos prelúdios (2010/11), do maestro, compositor e arranjador brasileiro Walter Branco (1929-2018). – O cenário à janela: antes Mata Atlântica, tudo verdinho, era de se pendurar nos galhos de tudo, cantando sou mato matagal e fugia amedrontado das assombrações pra baixo da cama. Havia tanto que contar, hoje ninguém mais sabe, tudo desmatado morro acima e abaixo, plantio de soja e cana, pasto ao gado. Havia o rio para timbungar no meio do mormaço. A temperatura subiu demais e nem chegou o verão ainda. Dia mais e menos, o rio secava, quarenta e tantos graus. Danou-se! E subindo mais, lá vai. Do mar chega evaporar: a sede é tanta de se beber o suor. Tem mais água não. Da pedra, uma árvore: Que pé é esse? Oxe, quem lá sabe, ora! O fruto na quentura pinga: Que gosto tem? Sorver o sumo, oxente! E os pés, depois as pernas, coxas, tronco, cara, virou gente de pedra: sentimento algum, ombros pros desafios, mãos pra quebradeira, pisadas para rachar. Ah, perdeu a alma. De repente escureceu. Alguém aparece como se estivesse assistido tudo. É Woody Allen: Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de saber escolher. Pelas escolhas de milênios já dá para prever como tudo vai terminar, não há outro jeito. É o que o me diz a Música de Juhan Liiv: Em algum lugar do mundo escondido / a primeira harmonia existe. / Está na fúria do infinito, / em órbitas distantes, / no orgulho do sol, / nas flores, na floresta, / na canção de ninar ou no soluço. / Algum lugar tem que ser encontrado / imortalidade, harmonia primeiro. / De que outra forma nossa alma se enche de sua música? Estou só e estão longe os que resistem à pedraria, os demais insensíveis rondam pelos cantos da cidade e estão bem perto, nem sei se dormem ou sonham acordados.
A TERRA DIVIDIDA –
Imagem: a arte do escultor francês Étienne-Maurice
Falconet (1716-1791) - Ao som de Preludiji za harfo, do
compositor e educador musical esloveno Alojz Srebotnjak (1931-2010) – De
repente a cena de um vilarejo: é Moolaadé (2004),
do escritor e cineasta senegalês Ousmane
Sembène (1923-2007), um lugar afastado de qualquer cidade grande, onde voga
a purificação feminina: a excisão clitoriana como rito de passagem, uma prática
comum do Egito à Nigéria. Entre as mulheres, Collé não permite que sua filha
seja mutilada e por isso fez a deprecação mágica. Dali em diante, sua filha
torna-se uma impura bilakoro, razão
pela qual perderá o casamento promissor e seu marido completamente
desmoralizado perante a comunidade. Outras jovens pedem a proteção da revoltada
e o litígio cultural se intensifica. Ao final, o enquadramento do ovo
repousando no cume da mesquita da vila concentrada numa antena de televisão. Eis
que uma voz suspende minha reflexão: é Christa Wolf: Quem sou eu, de fato, e o que
me impede de ser eu mesma? Entre matar e morrer há
uma terceira via: viver. Ela me olha, faz um aceno e sai. Fico ruminando e agora
tudo está embaralhado em minha mente. O ovo permanece entre os meus
pensamentos. Alguém que desconheço se aproxima como se me deixasse evidenciado
que entre confusos e descabelados, não há escapatória: a visada da subjetivação da dominação. Não
entendi. Ele me passa um volume: Como
nasce o novo: Experiência e diagnóstico de tempo na
Fenomenologia do espírito de Hegel (Todavia, 2018), do filósofo Marcos Nobre. Folheio e atento à
leitura, ele ainda me joga outros dois livros do mesmo autor: Imobilismo em movimento: Da abertura
democrática ao governo Dilma (Companhia
das Letras, 2013), no qual realiza uma síntese política dos últimos 30 anos e a
blindagem do sistema político que represa as forças de transformação, os
escândalos de corrupção, as crises e planos econômicos, as viravoltas
eleitorais; e Ponto-final: A guerra de Bolsonaro contra a democracia (Coleção
2020), em que analisa questões como a pandemia, a política de guerra e a destruição
da democracia. Procuro por ele para indagar sobre as publicações, não mais ali.
Recolho os livros e vou curioso para leitura. Aí aparece o escritor
estadunidense Rex Stout (1886-1975):
Vou aproveitar minha sorte de vez em
quando, mas gosto de escolher a ocasião. Deixa no ar o seu riso irônico e,
em mim, a sensação de que realmente entre confusos e descabelados, não há como
escapar: encontrou-se os restos da casca do ovo da serpente, ela zanza com a
morte por aí. Na cena uma exposição de esculturas. E entre elas, eis que ela
surge nua e linda...
O QUE RESTA DOS
VIVOS – Imagem: a arte da artista visual e perfomática britânica Millie Brown, ao som Pandemic Improvisation #3 5/3/20, de Peter Scartabello. - De suas mãos brotavam flores de rosas de
todas as cores distribuídas ao chão. Muitas delas por todos os lados e ao final
ela desnuda se deita na cama de flores sussurrando: Quero usar meu corpo para criar arte. Quero criar algo que venha de
dentro, que seja bonito, cru e ao mesmo tempo incontrolável. E mais disse
passar dias sem comer nem beber e sentir o que é murchar e apodrecer, assim era
a vida e ela precisava passar por isso para saber quem e como poderia ser
alguém viva de verdade. E no seu delírio mencionava trechos de obras e de vida
e morte, abismos, escuridões, e do seu sonho acordar um dia alguém falando ao
seu ouvido a frase de Bram Stocker: Há escuridões na vida e há luzes, e você é
uma das luzes, a luz de todas as luzes. E se contorcia e chorava porque o
imenso amor corroía suas entranhas e o amor não é dor, não é nada disso de
angústia, tristeza, sofrimento, o amor é lindo e é vida e é felicidade e tudo o
mais que digno de contemplar o ser humano para sua integral plenitude. E mais delirou
na sua vertigem até me dizer Jonathan Swift: Nada é constante neste mundo
senão a inconstância. E me chamou mais para perto, queria ser possuída como
se estivesse morta. Até mais ver.
A LUNETA DO TEMPO
O Poder é irmão da Polícia que é prima carnal do Estado e de uma cega
chamada Justiça.
O drama A luneta do tempo (2014), de Alceu Valença, estrelado por Irandhir
Santos e Hermila Guedes, contando a
história da paixão entre Lampião e Maria Bonita, que lideram um bando de
cangaceiros pelo sertão pernambucano, enfrentando a polícia local. Seu
principal antagonista é Antero Tenente, que foi abandonado preso e de cabeça
pra baixo pelo bando de Lampião. Esta disputa permanece com o passar dos anos,
quando o filho de Antero torna-se adulto e não aceita qualquer provocação à
imagem do pai ou a simples menção a algo que lembre Lampião e seus cangaceiros.
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