terça-feira, dezembro 08, 2020

STAN RICE, ESTHER WEITZMAN, DOLORES IBÁBURRI, HECILDA VEIGA, MAÍRA PASSOS & PHILAMIRE

 

 

TRÍPTICO DQC: JANELESCOLHA – Ao som dos quatro movimentos da Sonatine, da compositora japonesa Kazuko Hara (1935-2014) – Solidão de quarentena, noites longas, dias intermináveis e uns aos outros misturados, de não se saber se hoje é quarta ou segunda ou domingo, sei lá. Só me restava depor as ideias no papel na alta madrugada. Uma narrativa solta de sopapo, a ponto de ficar um calhamaço de quase cem páginas impressas. Resolvi imprimi-la para avaliar em quantas andava. Fui tentando organizar os rabiscos, elaborando planos e tramas, direcionando o enredo, identificando personagens que nasciam por si em uma história inusitada. Logo percebi as palavras se dissolverem, as letras decompostas numa dança circular a se soltarem do papel e começarem a levitar em minha frente, formando uma nuvem densa que seguia porta afora. Lá fora, deu para perceber a poeira revoluta tomando forma e, em dado momento, corporificando como um jovem que me dava a impressão de que já o tinha visto. Sim, já. E se ajeitou com esmero com o vinco das vestes, pigarreou e bateu a mão fechada na porta do meu quarto: Ô de casa! Dá licença? Atônito de quase não me conter na cadeira, vi-lhe entrar, sentar-se numa cadeira diante de mim: Sou Jangadeiro. É assim que o senhor, com certeza, me conhece ou, de alguma forma, sabe sobre mim. Quer dizer, não completamente, mas com base no processo criminal imputado contra mim, na forma de um crime doloso, quando, na verdade, foi em legítima defesa. É sobre isso que o senhor escreve há dias. E por isso mesmo, estou aqui para lhe contar a verdadeira história da minha vida. Tomara não importuná-lo, mas foi o senhor que insistiu em narrar aquele interrogatório no Fórum, onde o juiz, o promotor e o advogado da minha defesa já me condenavam antecipadamente. Todos contra mim. Por isso a minha fuga espetacular, quase viro lenda por conta disso. Na verdade, o meu infortúnio. Vou lhe contar tudo, depois o senhor poderá avaliar se sou culpado ou inocente. Contudo, agora tenho de ir, voltarei. Eles estão por perto, rondam todos os meus passos, e preciso garantir a minha integridade e a sua. Conversaremos ainda a respeito, até outro dia. E saiu como se numa frase de Aníbal Machado: Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia, sem o risco de morrer sob os entulhos. Ah, o mundo das escolhas: as marcas do passado, o mistério do futuro, o lugar de cada um reescrevendo destinos. O amanhã é aqui e agora!

 


PHILAMIRE, A ILHA DO AMOR – Imagem de diversas edições da obra Voyage D'Alcimedon Ou Le Naufrage Qui Conduit Au Port; Histoire Plus Vraie Que Vraisemblable, Mais Qui Peut Encourager a la Recherche Des Terres Incon (Rue Serpente, 1787 - General Books, 2012), da Comte de Martigny, ao som da Élégie, do álbum Passages (1996), da compositora italiana Violaine Corradi – Estava num local desconhecido, uma ilha talvez, cercada por rochedos e protegida por bancos de areia. Toda extensão está coberta por rosas perfumadas de jardins magníficos, arrodeados por laranjais e limoeiros que formavam grandes pomares e numerosas saídas. Na localidade todas as casas pareciam um palácio e estavam todas decoradas com muitos espelhos. Haviam grutas decoradas com conchas e perfume de jasmim. Aliás, este o aroma das mulheres que se aproximaram investigativas, se eu era ou não um náufrago. Como cheguei, não sei. Inquiriam para identificar se eu era virtuoso, única condição de abrigo; do contrário me exilavam. Uma delas adiantou-se em minha direção, alisou minhas faces com as costas da mão. Olhar fixo, jeito brando, conferia os mínimos detalhes de minhas vestes com a mão espalmada sobre meu tórax, braços, ventre, sexo apalpado e conferido carinhosamente, a me olhar firme: Venha! Segui seus passos e pude constatar que ali havia muitos teatros e o principal deles num prédio situado no meio de uma grande praça octogonal. Com a minha curiosidade, ela me disse que em todos os palcos as atrizes desempenham papéis de virgens vestais. Venha! Onde estou? Em Philamire, Philos. Onde? E me explicou que aqui quem governa é o amor, a amizade e a franqueza, e que se aproximava o dia da escolha do Primeiro Cidadão. Quem? Aquele que inspiraria os sentimentos mais nobres do lugar. Ele governará ao lado de lindas mulheres que reinam cônscia de seu papel e valor, e que escolhem seus amantes entre os maduros confiáveis. Deixei de mão a conversa, prestando atenção às paisagens. Lá estava John Milton, com seu aceno: O Amor depura os pensamentos e engrandece o coração. Aquele que reina dentro de si, as regras das paixões, desejos e medos, é mais do que um rei. Uma surpresa e tanto! Acenei e continuei a caminhada. Ela então me explicou que ali não havia templos: para os moradores, o único templo é o coração. Também não havia sistema judicial: Aqui todos são justos. Não há casamento, só declarações mútuas de amor. Todas as mulheres, inclusive as mais pobres, são virtuosas e mantidas pelo Estado, consideradas cidadãs úteis que se sacrificam pelo bem da sociedade em se dedicarem a satisfazer os desejos dos homens, apenas em troca de amor. Era o paraíso perdido, então, e eu havia encontrado, parece.

 


DE CHOROS & A DANÇA DO FUTURO – Imagem: A arte da bailarina, coreógrafa e mestra Esther Weitzman: Me interessa a ação da gravidade no corpo, a relação que se estabelece com o chão. Peso, força, vigor. E também a leveza que é possível surgir daí. Ao som de Crepuscole With Nellie (Ten 2010), do compositor e pianista estadunidense Thelonious Monk (1917-1982), na interpretação do pianista estadunidense Jason Moran. - O entardecer já tomava o colorido crepuscular quando chegamos e ela, apressada e asfixiante, me trouxe de volta ao meu quarto. Ué? Acomodou-me à poltrona e disse: Olhe bem, sou Hecilda, a professora e socióloga Hecilda Fonteles Veiga: Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer”. Depois, fui levada ao Pelotão de Investigação Criminal (PIC), onde houve ameaças de tortura no pau de arara e choques. Dias depois, soube que Paulo também estava lá. Sofremos a tortura dos ‘refletores’. Eles nos mantinham acordados a noite inteira com uma luz forte no rosto. Fomos levados para o Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro, onde, além de me colocarem na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’, numa sala profusamente iluminada. A pessoa que interrogava ficava num lugar mais alto, parecido com um púlpito. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. De lá, fui levada para o Hospital do Exército e, depois, de volta à Brasília, onde fui colocada numa cela cheia de baratas. Eu estava muito fraca e não conseguia ficar nem em pé nem sentada. Como não tinha colchão, deitei-me no chão. As baratas, de todos os tamanhos, começaram a me roer. Eu só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei. Depois disso, ficavam dizendo que eu era fria, sem emoção, sem sentimentos. Todos queriam ver quem era a fera que estava ali. E chorou desmesuradamente. E contou-me que isso ocorrera em 6 de outubro de 1971 e que, há três anos, falecera este seu filho que nasceu preso pela ditadura, e que se queimara por décadas no inferno do mundo e precisava de um instante que fosse de paraíso. O filho que se foi repetia sempre: Não havia algemas para os meus pulsos. Nem ela mais possuía nenhuma algema: Sou ela, a que é filha ao lado de outras filhas da dor. Ao conseguir segurar o soluço do pranto, disse uma frase da ativista espanhola Dolores Ibáburri (1895-1989): É melhor morrer de pé que viver de joelhos. E mais disse até conseguir fôlego para recitar um poema de Stan Rice: Pouca coisa é / Mais digna de nossa atenção / Do que compreender / O talento da substancia / Uma abelha, uma abelha viva, / Na vidraça, tentando sair, condenada, / Sem conseguir entender. Assim somos e vivemos. Até mais ver.

 

A ARTE DE MAÍRA PASSOS

Antes de escolher o jornalismo como profissão, a dança já fazia parte da minha essência. Pensei em criar o site para proporcionar um espaço de divulgação gratuita, através de mídia espontânea, para os profissionais de dança. Como danço desde criança, percebia que a maioria não tinha como investir em ações de marketing. Queria chegar junto, ser acessível, dar voz à dança local.

A arte da bailarina e jornalista Maíra Passos, idealizadora do Na Ponta do Pé, projeto pioneiro de jornalismo cultural com notícias sobre a dança pernambucana, lançado em 2012,mostrando a diversidade dos passos e trazendo a pluralidade dos estilos praticados no estado. Na pauta, vários estilos de dança, como dança popular, balé clássico, dança contemporânea, jazz, dança moderna, dança de salão, hip hop, dança do ventre, flamenco e pole dance. Há ainda série de reportagens especiais e entrevistas exclusivas com personalidades da dança pernambucana, além de matérias sobre festivais, mostras, cursos e espetáculos de dança realizados em Pernambuco. Veja mais aqui & aqui.


 


HIRONDINA JOSHUA, NNEDI OKORAFOR, ELLIOT ARONSON & MARACATU

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014), Retalho...