AS DUAS VIOLÊNCIAS
De repente o padre Bidião desperta meio azuado com o ronco solto dum cochilo manemolente e meditativo, ainda bocejando abiscoitado no meio de sua hibernação divinatória.
O homem deu um salto doido de ficar com os olhos arregalado pros lados, pronto para revelar mais uma das suas ocultidões mais transcendentais.
Ih! É sempre assim.
É verdade, é que ele adormece profundamente do cachimbo cair, da baba escorrer, do ronco se lascar e findar todo cagado. Aí, eureka!! É quando a iluminação do vaticínio destampa a doidice e traz o indicador levantado para pronunciar imperativamente a sua revelação.
Foi exatamente quando ele gritou que existem duas violências!
- Duas violências -, repete ele com veemência.
E explicou:
- A primeira violência é aquela que é tácita, aparentemente invisível aos olhos comuns, mas duma ubiqüidade quase onipresente e jamais devidamente apurada e comprovada ou desvendável nos seus meandros. Isso quase, claro. É essa violência que é a causa real de tudo e que está escondida quase hermeticamente nos gabinetes das repartições públicas onde estão arrumados os negociantes e interesseiros da miséria. É aquela que segue incólume por debaixo dos panos da sujeira nas falcatruas dos políticos e autoridades do Brasil. É aquela que está no meio dos acordos espúrios de levar pro bolso dos mandatários da Nação toda abastança fácil. É aquela que nasce na acumulação sonegatória dos que subtraem de todos para o vultoso patrimônio daqueles que se dizem locomotivas do desenvolvimento da Pátria e nas comemorações efusivas dos magnatas do vosso reino tudo que compram todos os óbices e sentenças! É aquela que se sustenta com a proibição das coisas para lucro dos sabidos. Esta é a primeira violência, a que ninguém ver, ninguém quase nem sabe, mas todo mundo sente e sofre:com as suas conseqüências, porque é quando roubam de todos para uns poucos gatos pingados do compadrio e negociatas. E tiram merenda da boca das crianças. E desviam remédios dos doentes do SUS. E caem por cima de verbas que eram para a calamidade pública da pobreza e da miserabilidade do Brasil. É quando vendem por suborno os privilégios dos que enriquecem a custa do direito de todos, da exclusão de todos, da desgraça de todos.
Vixe-santa criatura!!! Num é que o padre endoidou de vez. Ou está endoidando.
Foi que o homem vociferou isso com os olhos esbugalhados e com uma cara de quem estava pronto para desvendar o mistério mais recôndito dos irreveláveis.
Confesso que fiquei arrepiado e atônito com o tom bombástico de sua discurseira toda. Nunca tinha visto ele naquele estágio.
E nem me deixou respirar direito quando retomou a saraivada de indignação.
- Agora, a segunda violência, esta é pura e simplesmente a conseqüência, o retorno e o troco da primeira. Naturalmente esta é a que todo mundo ver e que está estampada nas páginas dos jornais, nos programas de rádios e tvs, nos discursos dos políticos e autoridades, no assalto a mão armada, nos furtos do ladrão de galinha, no roubo geral de posses, nos trambiques da esquina, no peculato, na concussão, no excesso de exação e na corrupção de tudo e de todos, na prevaricação e no envolvimento de policiais e de outros funcionários públicos no tráfico de tudo, na queima de arquivos, na remoção de obstáculos, no silêncio a mando de armas, na conivência de todos, na subserviência de todos, na servidão, na deserção e na participação de todos!
Valei-me, minha santa sobriedade da carraspana!!!!
O homem estava enfezado mesmo. E ainda destabacou:
- A primeira violência, a que é matriz e causa de tudo, é aquela que está nos suntuosos ambientes da podridão humana, ou seja, entre os privilegiados abastados e mandões de plantão. A segunda, a que é o efeito e conseqüência da primeira, é a que todos são sacudidos para remoerem pelos esgotos da incompetência e só comprova a degeneração geral da humanidade.
Por fim, ele sapecou mais:
- Como todo mundo ver o mandão mais casacudo da babaovice nacional mamando e ajeitando com todo charme para sucesso da impunidade que nunca dar em nada, aí, meu fio, num tem quem num se assujeite a afanar e procurar o molezinho para se arrumar, ora. Na esculhambação todos se copiam. E lá vai teibei!
Disse isso puto da vida. Aí, se calou de vez e se aboletou na arupema já roncando sono solto outra vez.
Veja mais Padre Bidião aqui.
DITOS & DESDITOS - Os homens normais não sabem que tudo é possivel. Pensamento do escritor e ativista francês David Rousset (1912-1997),
sobrevivente dos campos de concentração.
O POVO - [...] tudo ocorre como se aquilo que chamamos de povo fosse, na realidade não
um sujeito unitário, mas uma oscilação dialética entre dois polos opostos: de
um lado, o conjunto Povo como corpo político integral, de outro, o subconjunto
povo, como multiplicidade fragmentária de corpos necessitados e excluídos; ali
uma inclusão que se pretende sem resíduos, aqui uma exclusão que se sabe sem
esperanças [...]. Trecho extraído da obra Meios sem fim: notas sobre a política (Autêntica, 2015), do filósofo italiano Giorgio
Agamben. Veja mais aqui.
A VIAGEM PARA MOONLIGHT - [...] Lendo-a, subiu-me ao coração
um grande transbordamento de amor por ele, tal qual um fluxo do mar, mas eu
olhava minhas mãos calosas, como as de um homem, e as rugas finas em torno dos
meus olhos. Tinha as plantas dos pés como uma sola de couro e cheirava a suor e
à terra. Tinha a carne dura e os seios pequenos e musculosos. Não era digna
dele. [...] Jim voltou. Abraçou-me.
Era como se estivesse se afogado e como se eu tivesse tornado a busca-lo do
fundo do mar e vivo, apesar de tudo. Esvaziou as malas diante de mim. [...]
Num instante, ele voltaria, me abraçaria,
tomaria meus seios nas suas mãos, me esmagaria contra ele, pousaria a boca no
pescoço, sobre a orelha e diria que eu era boa de trincar. [...] O que é a vida? A sombra e a luz se sucedem.
É preciso passar pelos dois para conhecê-la. [...]. Trecho do conto do
escritor australiano D'Arcy
Francis Niland (1917- 1967).
PARA OS QUE CHEGAM - A compreensão / desta mulher enrodilhada, / deste
sol em desalinho / que conta passos, batentes, / e o rosa-pálido do tempo, / pode
perdoar a falta de lucidez / que se expõe astuta e a faz refém. / Naquele
corpo, / teimosos fragmentos de fascínio / expõem a verdade que ela é / depois
dos tantos cotidianos / que exigem, determinam e aliciam, / um corpo que se
quer santuário para outros. / Naquela fêmea / deslavada e nos seus tremores de
aço, / guardam-se suores que gozam / com jeitos maroto e parceiro, / aqueles
que ela quis sem medo, / mas quase os arrancaram ontem. Poema
da poeta Vernaide Wanderley. Veja mais aqui.
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Sagan, Diná Silveira de Queirós, Giacomo Carissimi, Domenico
Mazzocchi, Luigi Rossi, Torquato Neto, Martin Esslin, Joseph Newman, Leatrice Joy, Dita
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de Drica Novo aqui.
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de um perna-de-pau aqui.
Literatura
de Cordel: O casamento da porca com Zé da lasca, de Manoel Caboclo e Silva aqui.
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