Tive na minha vida essas viagens que nunca acabavam nem começavam, de e
para lugar nenhum, e onde eu passava a maior parte do tempo sem fazer nada,
andando nas ruas, sentada em cadeiras pré-moldadas, deitada em colchas de
hotéis baratos, olhando o negro das janelas de metrôs, o branco das janelas dos
aviões, falando frases que não eram minhas. Desse período, tão longo, ficaram
uns poucos dias. Uns porque nunca acabaram, outros porque nunca existiram, o
anterior se debruçando sobre o novo que não conseguiu se instalar.
A arte
da escritora, ilustradora e jornalista Elvira Vigna (1947-2017). Veja
mais abaixo.
DITOS & DESDITOS - A arte
não é o espelho da vida, mas a sua essência. Pensamento do escritor e
dramaturgo húngaro Lajos Egri (1888-1967).
ALGUÉM FALOU: Homem
que é homem chora quando a música é muito bonita e faz lembrar outros tempos
mesmo quando não há exatamente outros tempos, são tão jovens.
Pensamento da escritora, ilustradora e jornalista Elvira Vigna (1947-2017).
PENSAMENTOS – No que diz respeito aos enredos, não acho que a vida real
me ajude em nada. A vida real parece não ter enredos. O tempo não é um grande curador. É
indiferente e superficial. Às vezes, não cura nada. E outras vezes, quando
parece, a cura não foi necessária. A vida real não tem mapa. Existem mais
diferenças dentro dos sexos do que entre eles. As pessoas são apenas humanas
... Mas realmente não parece muito. Pensamento da novelista britânica Ivy Compton-Burnett (1884-1969).
DOIS POEMAS - I - As folhas estão cada vez mais amarelas.
Os dias são mais curtos / (por volta / das seis horas estará escuro), As noites
lentas são tão frescas / Que você tem que fechar a janela. / As aulas na escola
estão ficando cada vez mais longas / As chuvas fluem como uma parede inclinada,
/ Só às vezes no lado ensolarado A / pessoa se sente bem-vinda como na
primavera. / As donas de casa cozinham com fervor / Cogumelos e pepinos, / maçãs
vermelhas, frescas / Assim como suas bochechas tenras. PARA TODOS OS SERES - Todos
os seres / que vivem sob as estrelas / terão sua vez. / E a hora da neve
derretida / chegará. / E a nuvem de maio na calçada vai / derramar tristeza. / E
o raio lunar prateará / todas as florestas. / E a água encontrará seu cheiro, /
até o respingo será diferente. / E irei embora, como sempre, / na primavera. / E
vamos nos despedir, minha luz, / meu amor / E vamos nos encontrar de novo, / ou
não? Poemas da poeta russa Vera Inber (1890-1972).
BIG SHIT BÔBRAS: E
NUM É QUE O PADRE CÍCERO MATOU DUAS!!!!!!!
Não quero aqui sapecar
mácula no meu padim Pade Ciço. Jamais. Não comungo de fé alguma, nem professo
nenhuma religião. Entretanto, na hagiologia católica, duas figuras merecem meu
respeito: o São Benedito e o Padre Cícero Romão Batista.
Esclarecendo o meu
intento, quero apenas narrar um fato que, sob o julgamento do rafamé Doro e do haríolo
hecatombico Padre Bidião, merece ser destacado.
Estava eu no aconchego do
meu lar, bebericando na tarde domingueira, quando fui agraciado com a visita
inesperada de duas reboculosas vizinhas que, de chapa, recusaram embeiçar uma
cervejinha comigo.
- Abstêmias? -, ironizei
a conduta das duas tidas como biriteiras despravaneadas.
Explicaram que se
encontravam encharcadas de cerveja, preferindo outra bebida para aliviar o
paladar. Entre as opções desejadas, consignaram a preferência por vinho.
Eis que eu havia sido
contemplado com um presentaço: dois botijões de 5 litros do milagrento vinho
Padre Cícero. Os olhos delas brilharam e não se abstiveram de virar o primeiro
copo numa talagada só.
- Isso é que é vinho! -,
disseram em uníssono.
Papo vai, papo vem, a
coisa, lá pras tantas, engrenou. Gargalhadas, piadas cabeludas, ditos de baixo
calão, pilhérias licenciosas, pei, bufe, etc e tal. O rumo entrou no vórtice da
pilecada.
Já mais de meio botijão
consumido, aí a primeira delas, a Vera Indignada, logo largou sua devoção
extremada pelo sacerdote, detalhando a biografia, fatos históricos, a
necessária beatificação e até estrofes com versos do cordel da Luciana Savaget.
Amiudou Vera
detalhadamente a ocorrência da sua viagem ao Juazeiro do Norte, onde, ao lado
de romeiros oriundos de todo pais, esteve aos pés da estátua do devotado, na
colina do Horto, toda metida à La Lilian Ramos com uma indumentária mostrando
todos os seus possuídos aos presentes curiosos que não arredavam pé de conferir
suas formas.
Imagem: Lilian Ramos, recolhida do blog do Sergio Leo.
Acontece que nessa
ocasião, completamente embriagada de uma virada de noite cheinha dos quequéos,
achou de se vestir duma impecável indumentária pra lá de sensual, o que causou
burburinho ao vê-la mostrando tudo, de joelhos, orando aos pés do monumento
cearense. Não bastando, deu de fazer o maior streep tease, causando a
maior revolta nos presentes que findaram por expulsá-la bem da moral e dos bons costumes, sob a
acusação de sacrilégio imperdoável. Como bêbada estava, nem deu conta do apupo
e saiu aos rebolados só de calcinha e sutiã insinuando já ter mantido
intimidades sexuais com o dito, o que mais aumentou a ingresia dos revoltados.
E nos contou ali, detalhes de certa feita, numa noite agoniada de cio, ter
gozado com a imagem do santo enfiada na vagina.
- O padre Cícero tocou na
minha mão!
Deu-se um silêncio
medonho, de todo mundo ficar assustado. Como é que é? Isso mesmo, ele bateu pé
e reiterou ter pego não só na mão como na bimba do devotado, num dia de
desalinhamento dos planetas no seu juízo, saia nas cabeças, vento na cheba e
bunda-rica à mostra pra deleite dos marmanjos de queixo caído e revolta dos
romeiros que malsinaram o despropósito. Oxe! Virou mangação. Jura? Duvido.
D-u-du-v-i-vi-d-o-do! Desconfiança instalada, foi aí que ela começou a ficar
amuada, dando de se assanhar toda, revoltar-se remexendo o corpo como que
possuída por algo sobrenatural. Verdade, ela baixou o santo. E pegou na minha
mão dizendo que meu sofrimento ia parar porque eu seria bastante rico muito em
breve e que eu tomasse cuidado na vida com os invejosos e porque ainda ia
construir algo que me embeveceria bastante e me tornaria famoso e milionário.
Depois pegou na mão de
Vera e disse-lhe para deixar de ser quenga, tomasse rumo na venta para a
contrição e a resignação, porque o príncipe encantado dela estava prestes a
chegar feito um ídolo de capa de revista, de pau duro e totalmente apaixonado
para servir-lhe para todo o sempre de suas vidas, amém.
Voltou-se para uma
vizinha que passava inadvertidamente por ali naquele momento e ela proferiu
palavras em tom bastante grave para que cuidasse de sua própria vida e deixasse
a dos outros em paz, que fofoca não dá futuro para ninguém, cuidando porque o
sal dela estava se pisando e a coisa podia entornar piormente pro lado dela.
Recomendou uma série de orações para a distinta que estava já de olhos
esbugalhados, determinando uma vida devotada pro Padre Cícero a fim de que
fossem redimidos todos os seus pecados. E que doravante a mesma nunca mais se
metesse na vida dos outros nem provocasse sonsamente intrigas entre as pessoas.
Ximênia ao dizer tudo
isso, começou a bater no corpo, a dançar, gargalhar, se desgrenhar e botar a
mão na cabeça da Vera dizendo com voz embargada de uma entidade não
identificada:
- Minha amiga, seu futuro
é nefasto.
Nessa hora, a Vera deu um
engulho, ficou injuriada e no meio do maior acesso de fúria arriou sem parcimônia
o maior bezerro da paróquia, do meladeiro sair escorrendo pelo piso até
derramar pela escadaria do prédio.
- As bruxas estão soltas!
-, disse-me atarantado.
Foi que as duas se deram
aos puxavanques, tabefes, empurrões e beliscadas, de findarem esfarrapadas,
quase nuas e estendidas no assoalho, completamente desacordadas. Que porra é
essa? Nem havia dado conta do esvaziamento dos 2 botijões do beligerante vinho.
- Eita que o Padim Ciço
matou duas!!! -, galhofou um vizinho gaiato ao flagrar tão desditosa cena.
Foi quando ele mesmo
tratou de sacudir no ombro, uma a uma, levando-as para os seus aposentos.
- Se num morrero, tão cum
os pé bem pertim da cova -, proseou o faroso.
- Pois é, agora só na
outra -, finalizei me recolhendo que a coisa não estava lá muito boa pras
minhas bandas. Pinguei uma pro santo e virei o copo para ali findar a farra.
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