AH, VERONICA,
A LUTA PELO AMOR... – Aquela bela veneziana teve o ofício herdado da sua
mãe que, ao casar-se com seu pai, abdicou de sua vida para ser a dama de um
cidadão. Morreu-lhe o pai, fato que fez
com quem a sua mãe regressasse de onde viera. E ao completar 16 anos, logo foi
levada a casar-se com um médico amante do jogo e da bebida: o sofrimento lhe
batia à porta. A jovem esposa enfrentou o arrojo da gravidez do primeiro
filho aos 18 anos, enfrentou seu marido e separou-se, estava cansada de ser
espancada. Logo reclamou seu dote para ser dona de sua vida. E assim o fez. Ao lado da mãe exerciam turnos distintos, levando-a
a figurar entre as citações do Tariffa dele puttane. E aos 20
anos foi listada no Catalogo de tutte le principal et più honorate
cortigiane di Venetia. Tornava-se a mais respeitada entre as cortigiane oneste que habitavam a
cidade, uma exótica beldade culta e refinada, de vasta cultura e domínio das artes e das letras, gozava da
liberdade e da autossuficiência. Não olvidava de passar diante da Igreja de Maria Formosa, mesmo que um beijo seu fosse duma
valia tão avultada. Bela e
delicada no trato, inteligente e culta, um dia lá seus olhos enfeitiçantes pousaram
os meus. Não havia como escapar e me fez hóspede de seus banquetes, arcos
triunfais, concertos e fogos-de-artifício. E fez-se presente exclusiva e
particular, como se eu fosse o rei entronizado ali, levando-me ao seu
ateneu. Depois de festiva noite me levou à sua alcova e lá fez-se a Dama que descobre os seios. Diante de
mim o Retrato de dama em carne e osso, completamente nua e pronta pros meus
caprichos mais ousados. Depois dos beijos, abraços e trocas de pernas nas mais
avassaladoras das entregas, recitou-me seus sonetos e uma compilação de seus poemas. Fez-me presentear o volume
de tom erótico de seus versos no Terze Rime. Deu-me o volume do Lettere familiari e diversi, o qual continha um compilado de cartas do
gênero epistolar, com descrições da sua vida cotidiana. Passou a ser a musa do
meu coração e de tantos artistas, como Tintoretto, Comin, a Vênus de Aretino, Montaigne, poetas tantos enamorados, como
Venieri e dos maldizentes: Veronica, ver
única puttana... E vencedora
do duelo poética, expunha-se a mais linda cortesã da tez branca, dos
cabelos acobreados, olhos claros e feições finas, enfeitada de pérolas, exultante
fêmea para todos os desejos mais exaltados. Dias depois não mais a vi, sumira
enfrentando perseguições por ter sido denunciada por um amante despeitado ao inexorável
“Santo” Ofício, acusada de falta de zelo religioso e prática de feitiçaria. Encarcerada,
viu-se declinando com a perda quase total de todos os seus bens. Não se safou
de difamações, viu-se às voltas com acusações de bruxaria e encantamentos mágicos, levada ao julgamento inquisitorial por
dias, finalmente libertada. Veio então a epidemia da peste que vitimou muitos,
dos seus 6 filhos, apenas 3 sobreviveram à infância. Exilada e insultada por
sua beleza e sedução, vistas como perigosas, servas de tiranos e demônios, manteve
sua voz enfrentando quem a ousasse calar, dizendo-se uma mulher real, nunca uma
deusa: ... Doce, gentil, sua valorosa amante, \ Aquela que, longe de
você, na miséria vive... Estava ela prostrada de devoção, sua casa fora
saqueada. Retirou-se, enclausurada em sua mansão, negociou um asilo para
acolhida de outras cortesãs doentes e idosas, e o ensino de um ofício, porque
todas estavam condenadas a
comer pela boca de outros, a dormir pelos olhos de outros, a movimentar-se de
acordo com o desejo de outros, correndo em manifesto naufrágio sempre das
faculdades e da vida. A iniciativa
malogrou, mas ela continuou tão admirada quanto temida, sua vida com o recheio
das reviravoltas por conta de sua desafiante luta contra os padrões e com sua
coragem encantadora: Amar sem razão é a única maneira de amar... A vida
tornou-se obscura para a poeta do desafio, cobiçada cortesã e heroína em luta
pelo amor, Veronica eterna no meu coração. Veja mais abaixo e
mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Dançamos nossa juventude numa cidade sonhada, Veneza, paraíso, orgulhosa e
bonita, Vivíamos para o amor e a luxúria e a beleza, O prazer então nosso único
dever. Flutuando entre o céu e a terra E bebendo
em abundância a alegria abençoada Nós nos considerávamos eternos então, Nossa
glória selada pela própria caneta de Deus. Mas descobrimos que o paraíso é sempre
frágil, Contra o medo do homem sempre falhará... O amor é
um campo de batalha e já travei muitas batalhas. O amor é
um jogo em que sempre se trapaceia. O amor não é para os de coração fraco; é
para as almas corajosas que ousam sentir. Ser ousada no amor é conquistar o
mundo. Pensamento da poeta e cortesã veneziana Veronica Franco (1546–1591).
Veja mais aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU:
Isto é uma
espécie de disciplina. As pessoas pensam que os compositores
sentam
ali
com a caneta sobre o papel manuscrito, e Deus envia
sua
inspiração no topo da caneta no papel. Bem, em
em
alguns casos, parece que sim; talvez Mozart. Mas em outros casos é
preciso impor uma disciplina, e a disciplina de
número
é uma excelente disciplina. A sequência de Fibonacci
as
pessoas usam há séculos. Os números da natureza; o
número
de folhas de uma samambaia, o número de sementes de um girassol
cabeça,
e como eles estão dispostos... este é o Fibonacci
sequência,
usada em arte, arquitetura e música. Embora
quando
você ouve isso na música, não é reconhecido...
Meu som mais bonito na época
era um abajur verde e surrado da BBC. Era da cor errada, mas tinha um lindo som de toque. Eu bati no
abajur, gravei isso, fiz fade out na parte do toque sem o início da
percussão... Analisei o som em todas as suas parciais e frequências, peguei os
12 mais fortes e reconstruí o som nos famosos 12 osciladores da oficina ... Pensamento da compositora
britânica Delia Derbyshire (1937-2001), pioneira de música eletrônica
e música concreta inglesa.
CAMA NO CÉU - [...]
A cor é uma
questão de opinião pessoal. [...] Eu gostaria de
saber como alguém deve viver. Eu gostaria que alguém tivesse me ensinado. Por que as pessoas que consideramos
autoridades quando éramos crianças nos decepcionam nesse aspecto? Quem nos dirá o que é certo? A cruz, o crescente, a foice e o martelo, o
Buda sorridente? Faça como seria feito por. [...]
Como pode um rio que nasce numa floresta negra e desemboca num mar negro ser
celebrado como azul? [...] As pontes simbolizam a
paz e o contato humano. [...] Uma bela ponte é um
poema. [...]. Trechos extraídos da obra Bed
in Heaven (Arcadia, 2008), da escritora holandesa Tessa
de Loo, pseudônimo de Johanna Martina Tineke Duyvené de Wit.
FRONTEIRAS
- suas fronteiras criaram uma série
\ de armadilhas e transgressões. \ nos anais da divisão a fronteira foi
inscrita \ como vitoriosa. em tempo de guerra, a faixa fronteiriça \ oscilava
para frente e para trás, as aldeias \ se desviavam, deslizavam para \ a periferia.
seus habitantes \ selaram suas gargantas com cadeados toscos, \ vigiaram a
silenciosa cena do crime \ na qual entro despreocupadamente. muitas vezes,
seguido pelos \ seus olhos, eu tomava o caminho blindado para uma \ terra
vizinha, para ouvir falar de tempos passados, \ quando cercas ainda ladeavam os
pastos \ e um eco semelhante ligava \ todos os nomes. onde antes uma estrada
passava, \ seu rastro desaparece. tudo é margem, \ esquecimento e transição. Poema da escritora eslovena-austríaca Maja
Haderlap.