CLARICE LISPECTOR (1920-1977)– Ler Clarice
é dum prazer imenso; reler, nunca é demais: redescobertas. Principalmente:
aprendizados. Essa adorável escritora consegue me embalar numa viagem insólita
por seu feitiço artístico. E eu aterrisso renascido na última página de
qualquer de sua obra.
Mesmo tendo nascido nas longínquas
terras da Ucrânia, ela se dizia pernambucana. Era ela de origem judaica e duma família
de fugitivos judeus da Guerra Russa dos anos 20. Talvez seja esse um dos pontos
que mais me fascinam nos seus mistérios: os teores místicos, esotéricos.
Antes de morar no Rio de Janeiro, ela
viveu em Maceió e Recife. Ao se formar em Direito, optou pela Literatura. Seu primeiro
conto foi publicado em 1940 na Revista Pan, quando passa a trabalhar na Agência
Nacional. Três anos depois se casa com Maury Gurgel Valente que se torna
diplomata, passando a morar na Itália, depois na Inglaterra, Estados Unidos e
Suíça. Só em 1959 ela se separa do marido e volta ao Rio de Janeiro, onde passa
a assinar colunas inicialmente no Correio da Manhã e, posteriormente, no Diário
da Noite. Era a hora da jornalista e, por consequência, a definição da identidade
da escritora.
Foi depois de participar do I Congresso
Mundial de Bruxaria na Colômbia que ela ganhou uma aura mitológica com sua
literatura passando a ser taxada de bruxaria por Otto Lara Resende pela forma
intimista e introspectiva da sua literatura, tornando-se umas das mais
importantes escritoras do século XX no Brasil. .
Ao reler Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, deparei-me com uma
narrativa construída em terceira pessoa que traduz a ideia de sequencia,
incompletude e fragmentos acerca de uma relação entre Loreley, a Lóri, uma
professora primária, e Ulisses, um professor universitário de Filosofia. É um vertiginoso
livro onde a voz feminina se apresenta com todas as reflexões e hesitações de
uma mulher diante da relação amorosa.
Eis os principais destaques capturados
da obra:
Sonhos
que crescem no que é inacreditável. Aprendi a viver com o que não se entende.
Não
é mesmo com bons sentimentos que se faz literatura: a vida também não.
Quando
esquecemos todos os nossos conhecimentos é que começamos a saber.
Todo
erro dos outros e nos outros é uma oportunidade para mim de amar.
O
melhor modo de despistar é dizer a verdade.
Eu
gosto de ver as pessoas sendo.
De
um ator estava nas imitações sensíveis do rosto, e que a mascara escondesse. Por
que então lhe agradava tanto a ideia dos atores entrarem no palco sem rosto próprio?
Quem sabe, ela achava que a mascara era um dar-se tão importante quanto o
dar-se pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, que eram de rosto puro, à
medida que iam vivendo fabricavam a própria mascara. E com muita dor. Porque saber
que de então em diante se vai passar a repre4sentar um papel que Ra de uma
surpresa amedrontadora. Era a liberdade horrível de não-ser. E a hora da
escolha.
Também
Lóri usava a máscara de palhaço de pintura excessiva. Aquela mesma que nos
partos da adolescência se encolhia para não ficar desnudo para o resto da luta
[...] escolher a própria máscara era o primeiro gesto voluntário humano. E solitário.
Mas quando enfim se afivelava a mascara daquilo que se escolhera para
representar-se e representar o mundo, o corpo ganhava uma nova firmeza, a
cabeça podia às vezes se manter altiva como a de quem superou um obstáculo: a
pessoa era. [...] e o próprio rosto de máscara crestada chorava em silencio
para não morrer.
Faço
poesia não porque seja poeta mas para exercitar minha alma, é o exercício mais
profundo do homem.
Agir
sem se conhecer exige coragem.
A
alegria é uma fatalidade.
Lori
passara da religião de sua infância para uma não-religião e agora passara para
algo mais amplo: chegara ao ponto de acreditar num Deus tão vasto que ele era o
mundo com suas galáxias: isso ela vira no dia anterior ao entrar no mar deserto
sozinha. E por causa da vastidão impessoal era um Deus para o qual não se podia
implorar: podia-se era agregar-se a ele e ser grande também.
Nós
que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falda, grande mistério que
não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tinha que não indagar do mistério
para não trair o milagre. Quem escreve ou ensina ou pinta ou dança ou faz cálculos
em termos de matemática, faz milagres todos os dias. [...] Melhor seria a empáfia,
e está mais perto da salvação quem pensa que é o centro do mundo, o que é um
pensamento tolo, é claro. O que não se pode é deixar de amar a si próprio com
algum despudor.
Nasce-se
com sangue e com sangue corta-se para sempre a possibilidade de união perfeita:
o cordão umbilical. E muitos são os que morrem com sangue derramado por dentro
ou por fora. É preciso acreditar no sangue como parte importante da vida, a truculência
é amor também.
FONTE:
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem, ou
o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. Veja mais Clarice Lispector aqui, aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Cikó Macedo & Santa Folia, James
Joyce, Marilena Chauí, Charles Darwin,
Auguste Rodin, Henri Matisse, Arto
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