TRÍPTICO DQP:
Ladeirabaixo e nem aí... - Ao som do Piano Concert (2012) da pianista japonesa Yuki
Murata. – É noite em pleno dia, um hoje a mais e tão assim, quase qualquer.
Não apaguei nada, restou o embaralhado e inexplicável das coisas que nunca
entendi direito. O que tivera de ser era imperceptível já passado e longe,
sacramentado: não mais que uma quimera deslembrada, riscos no chão do tempo que
pisadas e ventos trataram de apagar, monturos num sótão que não mais existe,
porões removidos e eu no saguão de espera nenhuma de átrio desaparecido. No
meio da barulhada infernal, entre os que vão e voltam nem aí, a voz da
escritora estadunidense Úrsula Le Guin: É bom ter um objetivo para a jornada à frente, mas, no fim, o que
importa é a jornada... Para ouvir, é preciso ficar em silêncio. Assim
como ela tudo passa sem
correspondência, não há como fruir da solitude: azáfama de escárnios, pipocos e
peidos, escarros e agouros. O que guardei e se perdeu no esquecimento, o que
fiz e não valeu mais que cinzas evaporadas, o que andei de não lembrar o
percorrido, o que amei pra me socorrer de desalmados, o que fisgou meu coração
e soltou a mão com o segundo aceno. E os que vêm e vão nem aí, eu voo.
De ontem
para hoje, o mesmo será... - Lamber
as feridas e lavrar as dores do corpo escalavrado, eis o que faço ao rasgar o
peito para encontrar a raiz das asas perdidas, para quem antropófago Oswald fosse aos outros visto como Saturno
devorando filhos para horror do Goya
que sou diante da banalidade do mal de Arendt.
E se a biologescritora estadunidense Rachel
Carson (1907-1964) me diz: Até que tenhamos coragem de reconhecer a crueldade pelo que ela é - seja
a vítima de um animal humano ou não humano - não podemos esperar que as
melhores coisas vivam entre os homens vivos… Para cada ato que glorifica o
prazer de matar, estamos atrasando o progresso da humanidade... O bem-estar
futuro do homem e provavelmente até sua sobrevivência, dependem de ele aprender
a viver em harmonia, e não em combate, com essas forças. Também
o eco do Bill Mckibben não me deixa passar
impune: Existe uma tendência em toda
encruzilhada importante, mas difícil, de fingir que não está realmente lá. A
lógica do desinvestimento não poderia ser mais simples: se é errado destruir o
clima, é errado lucrar com esses destroços. É tudo muito difícil no meu país desembestado como o navio dos tolos na alegoria platônica:
timoneiro tonto desqualificado disputa a bordo com tripulação disfuncional e
normacha neopentec no inferno da repetição: empanturrada farra e tudo acaba em
corrupção! Do impossível a sensatez feminina me recita trechos da poeta italiana Márgara Russotto: Ninguém falará / de mulheres anônimas / na
poeira / do domingo / puxadas por infinitas crianças / que perscrutam a sombra
/ Nenhum homem / deve domar / a besta do domingo / seu carrilhão / no céu
violeta... Ela ao meu lado ainda sorri e isso é bom, voo olhaberto.
Recinfância... – Imagem: Praia de Boa Viagem –
Recife – PE, da artista plástica Cristiane Gomes. - Escancaradestrada
e eu sem rumo nem nada. Entre desenganos e talhos, sobraram reminiscências
doces da infância: a doce esperança de quem viveu e não tinha mais que escapar
das reprimendas, menino solto pelas brechas dos combongós, buracos da
fechadura, espelhinho no bolso para segredo embaixo das saias, as olhadas por
cima do muro, a fuga dos flagras: os pés na areia, sargaço no olfato e o
desfile das beldades pras ondas de Boa Viagem. E crescia com as badaladas no
ouvido para que tomasse jeito de gente e vencesse na vida, quando eu nem sabia
como ou o que era isso, só superava a mim mesmo. Dizia à vida: não se avexe,
não sei dançar, passos lentos na paisagem. Já sentia ali o peso de milênios em
que errava à toa, não havia nenhum gênio da lâmpada por guia nem mesmo espreitado
o diabo na garrafa por revertério, andanças muitas e nunca achei paradeiro. O Recife
sempre foi inteiro no meu coração, como se tivesse escrito na carne os versos
de Risomar Fasanaro: aprendi com o
rio / o tempo transforma / pedras em seixos... e o sorriso dela iluminou as
minhas trevas para recitar baixinho: o
que mais fica na gente / é a sensação das coisas / inacabadas... E bateu
forte, meu coração aos pulos reencontrava a esperança de persistir vidafora
céu&mar, coisa para viver e amar. Até mais ver.
O principal objetivo da educação real não é fornecer fatos, mas guiar os
alunos para as verdades que lhes permitirão assumir a responsabilidade por suas
vidas.
Pensamento
do escritor e professor estadunidense John Taylor Gatto (1935-2018).
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