O LANCE DA MINISSAIA - Imagem: foto de Derinha Rocha. - Naquela manhã ela chegara com o sol na carne. Não fosse aquela minissaia, por certo, nada teria acontecido fora do normal. Mas aconteceu. Tudo por causa da irradiação sedutora que exalava daquela candura de gente naquele momento mais encantador no tope da poesia de sua própria emanação. De fato ela chegara, como de costume, para alegrar a vida dos que ali se enfurnavam por anos na labuta intragável. Eu mesmo, desde que ela fora admitida na repartição, que fui contemplado por uma motivação nunca dantes sentida, para, ali, estar arduamente todos os dias. Mas naquele dia ela passara da conta. Por certo, não fosse aquela minissaia o mundo jamais seria o mesmo e eu jamais teria ousado além da minha timidez. É certo também que não havia quem não lhe dedicasse atenção. Muito menos quem não lhe acenasse simpatia, não lhe quisesse com afeto e ternura. Isso porque ela sempre fora a figura encantadora que envolvia as pessoas com a magnitude de sua gentileza e carinho. Todos, sem exceção alguma, todos, inclusive os chatos de galocha, os superiores necrófilos, os misóginos enrustidos, todos adoravam aquele seu jeito doce de ser: uma lindeza fora do comum. Verdade. E naquele dia, realmente, ela passara da conta. Tudo por causa de uma minissaia. Se já se flagrava dela uma boniteza acima do usual e que perfumava o ambiente de trabalho, que coloria as horas mórbidas da rotina, incendiava os ânimos mais enterrados, iluminava a vontade de viver recôndita na carestia, tudo isso e ainda mais futucava paixões remotas em seres embrutecidos. Nossa, era demais mesmo. Réu confesso, eu posso dizer que já era um dos mais agudos sujeitos afeiçoados por tudo que ela representava de lindo, de sedutor, de apaixonante, de maravilhoso além do limite de todas espetacularidades concebidas. A tal ponto de sua mínima aproximação provocar o mais louco descontrole em mim. Nossa, cada vez que ela chegava ao meu lado, tudo revolucionava. E reitero que eu mesmo não me continha e logo procurava esconder a tesão que se insinuava no meu membro, deixando-me atordoado com tanta sedução ali imantando todo o meu desejo.Tanto é que se há uma palavra que possa legitimar toda singularidade da sua beleza, confesso que não há como se definir num único termo, pois o que há de fantástico, o que se der por extraordinário, o que se mensurar por insuperável, ali, naquela pessoa, reduzia-se ao simplesmente magnífico jeito de ser próximo da imortalidade cândida dos contemplados da magnitude dos deuses. Foi tanta sedução que não resisti cobiçar tudo além daquela blusinha de alça coladinha no tronco, delineando-lhe os apetitosos seios com ductos salientes acedendo a minha libido. Com o umbigo exposto no centro da estonteante plataforma corporal que dava na sugestão de uma mina púbica para lá de farta e coberta por uma minissaia que guardava apenas o necessário para insinuar a revelação mais esplendorosa de todas as missões iniciáticas. Ah, tudo estonteantemente muito devastador, desde os pés de uma delicadeza aconchegante, das pernas torneadas a convidar passos no mundo de todas as lonjuras, coxas de pele acetinada a dar com o limite na minissaia junto ao encontro delas para realçar-lhe toda sedução que começava no olhar querente incendiando todos, nos lábios de Angelina Jolie, no rosto angelical de Mônica Bellucci, ah quanta loucura prestes a explodir. Foi quando a tarde veio no meio da loucura e na impossibilidade de conter as amarras, recorri dela para me acompanhar nos afazeres externos, ao que fiquei feliz com sua aquiescência. - Que legal, estava precisando de uma carona para resolver umas coisinhas. E o melhor: vai dar certinho no seu itinerário! Nossa, que coincidência, havia algo de diabólico no ar para dar tão certo, ao passo que sempre dera tudo errado para minha banda. Pé na taboa, a oportunidade não se perdera. Ela entrou com jeito top model no assento dianteiro da kombi, ao meu lado, mostrando logo a pontinha de sua calcinha branca que insinuava toda gostosura protegida, enquanto eu me denunciava com o boticão de olho naquela deliciosíssima fonte sob mil e uma peripécia comendo no centro do meu cérebro enlouquecido com o cenário mais altissonante de todas as cenas luxuriosas que se possam existir. Evidentemente que ela percebera a minha fixação no seu tufo desejoso como se ali residisse todo segredo da botija de seu corpo. E esse flagra surtiu efeito e ela parece que mais desleixava um jeito para lá de conivente com a minha volúpia, gesticulando mais que sempre, ajeitando o decote da blusa, apertando mais a minissaia já colada, minúscula e rente a tudo que houvesse de maravilhoso no mundo. Ah. E sorria um riso largo com tudo que eu inventasse dizer naquela hora para que eu me deliciasse com ela cada vez mais linda e acessível, combinação perfeita. Mãos bobas, lábios errantes cruzando o triz, perna roçando perna, tudo timidamente insinuando entregas de carícias aqui e ali, descompromissados dos afazeres, ela indo e vindo no turbilhão de ânsias, tudo se confundindo de vitalidade, luxúria e estertor. No meio desse bombardeamento, respiramos molhando o íntimo de nossos quereres enquanto uma cerveja apaziguava os queimores instantâneos na garganta, ao passo que nos revelava efusivos, largados, despojados e eu levitando no close da sua intimidade cada vez mais exposta para o meu regalo exploratório. Sei que nos aboletamos nalgum lugar em uma das mesas mais afastada dali e ficamos bebericando enquanto eu mergulhava no seu olhar e nadava nas ondas mais movediças dos maremotos mais ruidosos. Eu viajava no som da sua fala como que embalado pela ária mais etérea de encantamento humano. Eu bordejava pelas curvas do seu rosto e me despencava na geografia do seu corpo como o cosmonauta mais insone de todas as galáxias. Ao perceber todo meu encantamento, ela passou-me as mãos pelos olhos e me disse: - Acorda! Tomei um susto. Evidente que ela havia percebido que eu estava enfeitiçado. Não se fez de rogada, trouxe-me seu copo à boca, bebi e senti-lhe a primeira ponta do sabor. - Gostou? -, perguntou-me. - Adorei seu sabor. - Ah, é? Então ali os seus lábios enleavam a dança na rotação do meus sentidos que se seguravam na translação iridescente da sua nudez que suguei como quem apetece o mel de sua alma de abelha-mestra. E percorri seus seios à beça com a minha boca sedenta que baldeou sua imensidão despudoradamente com todas as carícias do meu ser rijo a transgredir sua saia e correndo o risco de alcançar o interior da calcinha que vai escondendo a diáfana gruta de veludo que me captava com bruscos movimentos de suas pernas errantes e quadris indomáveis a me lambuzar com a vontade gigantesca do seu prazer no que há de mais alvino e saboroso para o apetite nas encostas da caverna mais deliciosamente abocanhada para me fartar domador de feras na rota austral do encontro piaçabuçu de sua íntima rede potâmica, quando vou pistão lubrificado pelo carter da sua cambota, imergindo na sua câmara de combustão até o escape com toda força de tração para o apogeu de nossas almas incendiadas. Ali nos agarramos um ao outro com beliscões ousados, mordiscantes gestos, todos os puxavanques carinhosos de remexidos cambaleantes e agarramentos famintos a nos esfregar na sacada do prédio, a nos desnudar na penumbra do quarto e a nos curtir com a loucura do trânsito que é onda de mar onde surfamos traquinos até que vençamos a última instância do nosso gozo irrefreável a quedarmos vencidos um na premência do outro. O mundo rodou com a nossa querência. Era bom demais para ser desastroso. Não conseguia largar de mim nem dela naquela loucura de redemoinho delicioso. Éramos retirados dos escombros ainda enlevados por tudo e levados para observação médica. Nosso olhar se cruzou e ela, delirantemente, me sussurrou: - Não dá para perceber nada na vida além... - Não dá mesmo -, concordei. A kombi fora dada com perda total. Nós dois incólumes do acidente estávamos mais que levados pela luxúria da nossa entrega. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Nós, humanitários, como nosso nome sugere, acreditamos que o homem tem um dever ético para com o homem. Acreditamos que o valor de qualquer sistema é medido pela consideração dada a todos os seres humanos, não apenas a uma classe favorecida: e por esse padrão, nosso sistema atual é um fracasso miserável. Pensamento do escritor e crítico literário estadunidense Damon Knight (1922-2002).
ALGUÉM FALOU: A vida é um dia quente,
talvez a morte seja uma noite fria. A vida é uma baía rasa,
talvez a morte seja um mar límpido e profundo. Pensamento do
escritor filandês Mika Waltari (1908-1979).
AS RÃS
– [...] Coro: Atiça, com o
agitar das mãos, as tochas ardentes, Íaco, ó Íaco, astro fulgurante da festa
nocturna. Do seu brilho todo o prado resplandece. Já treme o joelho dos velhos.
Ei-los que sacodem para longe as tristezas e o fardo pesado dos seus muitos
anos, por milagre da festa sagrada. E tu, empunhando o facho reluzente, avança
e conduz para o prado, florido e viçoso, ó bem-aventurado, a juventude que
forma o coro. Corifeu (que
avança e faz ao público esta proclamação)Silêncio! Afaste-se para dar lugar aos nossos
coros todo aquele que é estranho a esta linguagem; que não é puro de espírito;
que nunca assistiu nem celebrou as festas das Musas divinas; que se não iniciou
nos ritos báquicos do Cratino taurófago; que se entusiasma com patetices sem tom
nem som, totalmente a despropósito; que, em vez de desmantelar as dissensões
internas e de ser conciliador com os concidadãos, pelo contrário instiga e
atiça os ânimos em nome de interesses pessoais; que, como magistrado de uma
cidade fustigada pelo temporal, se deixa subornar; ou entrega, à traição, uma
fortaleza ou a armada; que exporta de Egina mercadorias proibidas – que nem um
Torício, esse desgraçado cobrador dos 5% - e abastece Epidauro de correias,
velames e pez; ou que incentiva a que se financie a armada inimiga; que
emporcalha as imagens de Hécate, quando entoa os cantos cíclicos; que, quando está
no poder, rói no salário dos poetas, por ter sido posto a ridículo nas festas
nacionais de Dioniso. A gente dessa laia, eu digo e redigo e volto a dizer,
pela terceira vez se preciso for, que se afaste dos coros de iniciados. (Ao Coro) E vocês, animem-me
esse canto e as nossas vigílias, como convém a um festejo como este. Coro: Que
todos avancem, com determinação, pelos recessos floridos dos prados, em passo
cadenciado, a mandar piadas, graçolas, dichotes. Tivemos um almoço à tripa
forra. Vamos, toca a andar. Trata de exaltar, com um belo canto, a Salvadora, que
promete eterna proteção a esta terra. Quer o Torício o queira quer não. [...].
Trechos da peça teatral As rãs (70, 1950), do dramaturgo e
representante da comédia grega Aristófanes
(447-385aC). Veja mais aqui e aqui.
DO CANCIONEIRO GERAL – Olhando sua beleza / Eu ganhei minhas querelhas, / porque eu nunca bolvido / contra você minha vontade. / E seguindo tamanha loucura / o cuidado sempre me supera, / isso pela sua beleza / Deus ou a minha sorte / meu mal não remediado. / Sem pensamento bivo sim / o que devo estar perdido para você, / de acordo com o que foi distribuído / para você meu tormento grave. / Mas esta confiança / esperando para ser vencido, / é para uma boa aventura, / porque pela morte é alcançado / fim do mal continuou. / Entam menos você me ouviu, / quando eu te dei mais vozes. / para o qual eu nunca saí / do mal que você me deu. / Eu seguro a vida tão forte / com a angústia dos meus males, / Eu não sei como me comportar / os danos que pela minha sorte / faça minhas feridas mortais. / Ter mais merecido / menos alívio eu senti / que coisa ruim eu me vi / para sua causa venha. / Eu nunca posso decolar / das minhas tristezas desiguais, / Eu nem consigo fugir / dos meus dias para passar / em minhas paixões. / Eu não me sinto assim para continuar / com medo do seu esquecimento, / nem tira meu sentido / amar seu inimigo. / E com esse amor / Ja forcei minhas quexas / e eu tenho que possuí-los, / o fim de ser capaz de fazer / meu bivir apaixonado. / Me dê seu coração partido / da morte percebida, / porque é sempre coletado / em meu desfavor. / Em tanto que eu vivo agora / de vida negligenciada, / não duvide que será para mim / morrendo, quando vernaa, / menos bom do que desejável. Trovas recolhidas do Cancioneiro geral (Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1990), do escritor, músico, desenhista e arquiteto português Garcia de Resende (1470-1536), que segue os modelos de compilações de poemas castelhanos realizados anteriormente, como o Cancioneiro de Baena de 1445 e o Cancioneiro Geral de Hernando del Castillo, publicado em 1511, que, ao contrário da época trovadoresca, quando a poesia era pensada para ser cantada e bailada, os poemas do Cancioneiro são autônomos, e o ritmo é conseguido pela sonoridade das palavras e pela organização em verso e estrofes.