EXÓRDIO - Abri a porteira do mundo em 1960,
numa provinciazinha da Mata Sul pernambucana, sob o signo de mercúrio, uma fome
desgraçada e com o berro pelos ares acordando todo mundo. Na hora do rebento os
meus parentes e presentes já sentenciaram: - Esse menino quer aparecer! Pelo
choro demasiado, minha mãe desconfiou logo que eu seria, então, um daqueles
cantores de brega e, por cima, desafinado. Meu pai, mais reticente, estava lá
na biblioteca entretido com seus livros, fez de desentendido e cochichou pra
si: - Esse vai ser mais um pra azucrinar o mundo. E foi, na batata! Mais tarde
mudaram o verbo: - Esse menino gosta mesmo de aparecer! Verdade: logo cedo
publiquei umas baboseiras infantis no suplemento "Júnior", do Diário
de Pernambuco. Iapois, tá. Mas foi ali naquela vida besta de interior que
aprendi a chupar cana, dar o dedo e plantar bananeira. Isso sem contar com os
aperreios tantos que provocados pelas travessuras muitas. E se não fosse a
maravilhosa professora do primário, eu nunca me meteria a querer ser poeta. A
culpa é dela. Nesse tempo vivia Lobato, Batman, gibis, Defoe, figurinhas e
arteirices. Meus pais, parentes, aderentes e achegados sempre tiveram paciência
comigo. Mais taludo e quase precoce homem-feito, já me perguntava pra que droga
que servia guerra, religião, pobreza, usura, preconceito e enrolação. Pra quê
mesmo, hem? Aí, com certeza, parece que já havia sinais que auto-enlouquecia,
como diz um amigo meu. Leituras? Foi por causa de Hermilo e de Ascenso que
viajei Graciliano, Érico, Osman Lins e Machado de Assis. Estava adolescente
dando murro em ponta de faca, remando contra a maré, aos trancos e barrancos,
doido de pedra e sem um pingo de juízo, como de resto fora toda a minha
insignificante existência. Futebol? Claro: rubronegro do Sport Recife &
flamenguista de Fio, Rodinelli, Zico e dos de hoje – ave! Ao mesmo tempo a
cabeça no som de Gonzaga, Capiba, Vivaldi, Gismonti, Yes, Chico e Hermeto. Sem
contar com os olhos pregados em Rosa, Pessoa, Drummond, Joyce, Borges e Clarice.
Doidice pura. Terminado o colegial, escolhi o curso de Letras na faculdadezinha
da minha cidade. Daí arribei pra Recife onde me deram uma corda da gota para
publicar meus garranchos e rabiscos produzidos na adolescência. Publiquei. E
como a turma atiça o cara pra brigar ou escrever, optei escrever e, depois, ver
se vale à pena brigar. Foi aí que inventei de conhecer as leis para aprender a
brigar por meus direitos. Torceram tanto para que fosse douto jurisconsulto que
afundei na leitura e descobri que os homens fazem da justiça uma instituição
bastante injusta. Saí mais torto do que quando entrei. Pudera, avalie. Nesse
meio termo, num sei por que cargas d'água me puseram numa emissora para redigir
notícias e escrever uma crônica diária. Eu sei que foi para tapar buraco, o
redator havia se desligado e não dispunham de gente que escrevesse. Pronto,
fiquei todo ancho e peguei o vício que até hoje não consigo largar: falar que
só o homem da cobra e escrever que só escrivão de polícia. Repare só. Aí
trupicando nos meus solecismos eu vou inventando uma sintaxe para enganar os
bestas mais bestas que eu. Mas escrever, mesmo para um charlatão, num é fácil
não. E como não sou mestre, a coisa nasce meio atrapalhada. É cada troca de
tapa com o vernáculo, tabefe vai e vem com as palavras, puxavanques nas
orações, arenga com despropósitos gramaticais, até que elas ganham (ou eu tapio
que venci) e sai o texto. Atabalhoado ou não, sai. Isso quando não ocorre uma
briga de foice das brabas com o papel em branco, nossa! O papel, um Mike Tyson;
eu, um pelanco de gente metido às pregas. Uso das minhas artimanhas, tá! É como
Davi e Golias, sabe? Só que enquanto ele fica imóvel, dou minhas cutucadas. Pois
é, enquanto não me coibirem de dizer leseiras ao léu, vou assim. Vamos nessa?
Rumbora. Vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! (Luiz Alberto Machado).
Veja mais aqui e aqui.
Imagem: a arte do pintor,
ilustrador e escultor estadunidense Howard
Rogers.
Curtindo o álbum In Tempus Praesens concerto for violin and orchestra (Bis, 2007),
da compositora russa Sofia Gubaidulina, performer de Vadim
Gluzman, conductor Jonathan Nott & Lucerne Symphony Orchestra. Veja mais
aqui e aqui.
EPÍGRAFE – Brevis
est institutio vitae honestae bearaeque, si credas, frase atribuída ao
orador e professor de retórica romano Marco
Fábio Quintiliano (35 – 100dC), que se traduz por: fácil é o caminho da
vida honesta e feliz, quando se crê. Veja mais aqui.
REVOLUÇÃO DE 1817 – No livro Cronologia pernambucana: subsídios para a história do agreste e do
sertão (CEHM/FIAM, 1983), do jornalista, historiador, pesquisador,
lexicógrafo e compositor Nelson Barbalho
(1918-1993), recolho o trecho que fala da Revolução Pernambucana de 1817: [...]
O barril cheio de explosivos, acolhendo
mil motivos, preparado em várias fontes unidas entre si sob a bandeira do
republicanismo liberal, estava pronto para ir pelos ares – e seu estopim foi a
agressão do preto pernambucano contra o branco português. As escaramuças que se
seguiram nas ruas do Recife, entre pernambucanos e portugueses, são o
consequente fogo a alimentar o pavio e apressar a explosão do barril
revolucionário. E assim, aos 6 de março de 1817, no informe de Pereira da Costa
(Anais, VII, 379), rebenta uma insurreição militar no quartel do Regimento de
Artilharia do Recife, fato que deu origem à precipitação do rompimento da
revolução emancipacionista, projetado para um pouco depois, pela páscoa. É com
a revolução pernambucana que se popularizam no Brasil os termos pátria e
patriota. [...] A palavra revolução,
que vinha do baixo latim com significado astronômico de revolução do tempo, ato
de retornar, de fazer a voltar, adquiriu o significado de mudança repentina e
violenta, no governo de um Estado, durante a Revolução Francesa, e com esse
emprego apareceu em 1817, tal como revolucionário, que também surgira na França
em 1794 [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.
PSICANÁLISE – O termo psicanálise, segundo Roudinesco
(1998) é oriundo de Psychoanalyse, termo criado por Sigmund Freud, em 1896, para
nomear um método particular de psicoterapia (ou tratamento pela fala)
proveniente do processo catártico (catarse*), de Josef Breuer e pautado na
exploração do inconsciente, com a ajuda da associação livre, por parte do
paciente, e da interpretação, por parte do psicanalista. Por extensão, dá-se o
nome de psicanálise: ao tratamento conduzido de acordo com esse método; à
disciplina fundada por Freud (e somente a ela), na medida em que abrange um
método terapêutico, uma organização clínica, uma técnica psicanalítica, um
sistema de pensamento e uma modalidade de transmissão do saber (análise
didática, supervisão) que se apoia na transferência e permite formar
praticantes do inconsciente; ao movimento psicanalítico, isto é, a uma escola
de pensamento que engloba todas as correntes do freudismo. No plano
clínico, ela é também a única a situar a transferência como fazendo parte dessa
mesma universalidade e a propor que ela seja analisada no próprio interior do
tratamento, como protótipo de qualquer relação de poder entre o terapeuta e o
paciente e, em caráter mais genérico, entre um mestre e um discípulo. Sob esse
aspecto, a psicanálise remete à tradição socrática e platônica da filosofia.
Por isso é que empregou o princípio iniciático da análise didática, exigindo
que se submeta à análise qualquer um que deseje tornar-se psicanalista. Freud
foi o iniciador de uma inversão do olhar médico que consistiu em levar em
conta, no discurso da ciência, as teorias elaboradas pelos próprios doentes a
respeito de seus sintomas e seu malestar. Mediante essa reviravolta, a
psicanálise esteve na origem dos grandes trabalhos históricos do século XX
sobre a loucura e a sexualidade. Foi num artigo de 1896, redigido em francês e
intitulado “A hereditariedade e a
etiologia das neuroses”, que Freud empregou pela primeira vez a palavra
psico-análise. Após muitas hesitações, cuja evolução pode-se acompanhar na
correspondência entre Freud e Carl Gustav Jung, a palavra psicanálise se
imporia em francês em 1919 (em lugar de psico-análise), ao lado de Psychoanalyse, já aceita no alemão em
1909 (em vez de Psychanalyse) e
de psychoanalysis, em inglês
(muitas vezes grafada como Psycho-analysis
ou Psycho-Analysis). Em
1910, em “As perspectivas futuras da terapia psicanalítica”, Freud delimitou um
enquadre “técnico” para a análise, afirmando que esta tinha por objetivo vencer
as resistências. Essa tese seria discutida muitas vezes, e os problemas da
técnica seriam objeto de diversos outros artigos, além de debates e cisões na
história do movimento psicanalítico, desde Sandor Ferenczi até Jacques Lacan.
Inspirando-se no modelo darwinista, Freud quis incluir a psicanálise entre as
ciências da natureza, ou, pelo menos, conferir-lhe um estatuto de ciência dita
“natural”. E por causa da dupla pertença da psicanálise (ao campo das ciências
da natureza e ao das artes da interpretação) que sua chamada refutação
“científica” produziu-se no campo da terapêutica. A história da psicanálise
mostra que as resistências erguidas contra ela, bem como seus conflitos
internos, sempre foram o sintoma de seu progresso atuante, de sua propensão a
fabricar dogmas e de sua capacidade de refutá-los.
Essa
postagem, portanto, é o pontapé inicial para uma série de outras postagens a
respeito da temática. Para tanto, segue abaixo uma bibliografia suplementar
para melhor conhecimento a respeito do tema. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
REFERÊNCIAS
ALBERTI, S.; FIGUEREDO, C. (Orgs.).
Psicanálise e saúde mental: uma aposta. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
2006.
ATKINSON, Richard; HILGARD, Ernest; ATKINSON,
Rita; BEM, Daryl; HOEKSENA, Susan. Introdução à Psicologia. São Paulo: Cengage,
2011.
BOCK, A.M et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da
psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001
DAVIDOFF,
Linda. Introdução à Psicologia. São Paulo: Pearson Makron Books, 2001.
ETCHEGOYEN, R.
Horacio. Fundamentos da técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FADIMAN, James;
ROBERT, Frag. Teorias da personalidade. São Paulo: Harbra, 2002.
GAZZANIGA, Michael; HEATHERTON, Todd. Ciência
psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005.
LAPLANCHE; Jonh; PONTALIS, J. B. Vocabulário
de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
MEZAN, Renato. Interfaces da psicanálise. Rio
de Janeiro: Companhia das Letras, 2002.
MORRIS, Charles; MAISTO, Alberto. Introdução
à psicologia. São Paulo: Pretence Hall, 2004.
MYERS, David. Psicologia. Rio de Janeiro:
LTC, 2006.
ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise.
Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
SCHULTZ, Duane; SCHULTZ, Sydney. Historia da
psicologia moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de
psicanálise. Porto Alegre: Artemd, 2008.
______. Fundamentos psicanalíticos: teoria,
técnica, clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
______. Manual de técnica psicanalítica.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
TODO DIA É DIA DA MULHER: SANDRA SALGADO (Foto: Acervo LAM) - A poeta e
funcionária pública Sandra Magalhães
Salgado reúne seus poemas sob a denominação de Voos Poéticos. Entre eles
destaco A metade inteira de mim: A inquietude me toma / como a dizer que / o mundo
não para / sou só um pedaço de mim / a outra metade vagueia / Nem sei o que
procuro de mim / Além dessa outra metade / e procuro em ti o que me quero / tu
és quase inteiro, cheio de si / E eu procuro uma metade / inteira, que saiba
ser / para o outro / o que quero ser para ti / Esse querer ser ao outro / não
existe n´algum lugar / mas em mim, / acho que isso é amor. Veja
mais dela aqui, aqui e aqui.
Veja mais Ah, esses lábios, Molière, Eduardo Souto, Tácito, Washington Irving, Sandra Fayad, Luciah Lopez, Gladys Nelson Smith, Clara Sverner, Carl Franklin, Renée Zellweger & Bill Ward aqui.
BERTOLDO, BERTOLDINO E
CACASSENO – O dramaturgo
veneziano Carlo Goldoni (1707-1793),
é autor do drama cômico musicado que envolve os personagens Bertoldo,
Bertoldino e Cacasseno, cuja estreia se deu durante o carnaval do ano de 1749,
figuras cômicas populares da literatura escrita e oral italiana. Bertoldo é um
vbelho astuto e malicioso, sentencioso e mordaz. Bertoldinho é estupido e
desastrado, ao passo que Cacasseno, que também é entendido como um cagajuizo ou
cagasentenças, simplório e asneirento. A saga do primeiro começou quando, no
início do século XVII, Giulio Cesare Croce publicou o livro Astuzie sottilissime
di Bertoldo, uma compilação de anedotas e sentenças que logo se tornou popularíssima.
Ou seja, Bertoldo, tipo rustico, era reabilitado depois de ter o homem do campo
sido alvo de sátiras cruéis durante séculos. E, por isso, o livro se tornou popularíssimo
entre as gentes simples, dos vilarejos e aldeias. Alguns dos mais célebres
poetas italianos daquele século dedicaram versos tanto a Bertoldo como a
Bertoldino e Cacasseno, formando-se, assim, um longo poema de aventuras. Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
VIVE L’AMOUR – O filme Vive L'Amour (1994), dirigido por Tsai Ming-liang, conta a
história de uma corretora de imóveis que tenta matar pernilongos com dificuldade num
dos apartamentos que pretende vender, tratando da dissolução de formações
sociais mais antigas como a família, o clã, as relações de troca, sexo e
afetividade. Nesse filme os personagens estão condenados e descobrir por conta
própria qualquer sentido de existência para além do trabalho, e nenhum momento
dá-se certeza de que esse sentido sequer permaneça a existir na Taipei
modernizada ao redor. Assim, ao invés de descobrir o amor prometido no título
irônico do filme, a heroína só pode se reencontrar fora dos arranha-céus com fantasmas,
numa praça destruída que se assemelha a seu espírito igualmente devastado. O
destaque vai para as atrizes Yang Kuei-mei
e Lu Yi-Ching. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da sempre belíssima e
saudosa atriz canadense Alberta Watson
(1955-2015).
Veja mais Ah, esses lábios, Molière, Eduardo Souto, Tácito, Washington Irving, Sandra Fayad, Luciah Lopez, Gladys Nelson Smith, Clara Sverner, Carl Franklin, Renée Zellweger & Bill Ward aqui.
E mais também Gilberto Mendes, Sandra Scarr, Paul
Feyerabend, Brian de Palma, Chaim
Soutine & Penelope
Ann Miller aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
A leitora Tataritaritatá na expressão
artística da pintora russa Zinaida
Serebriakova (1884-1967).
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá
TODO
DIA É DIA DA MULHER