sexta-feira, agosto 25, 2017

PAULO MENDES CAMPOS, DEBUSSY, JESSIER, ELISEU PEREIRA, MULHER RURAL, JANILSON SALES & CÍCERO SANTOS

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DE POEMAS & ÓPERAS – (Imagem Loja Maçônica Fraternidade Palmarense, do artista Cícero Santos). - Numa certa manhã de um dia qualquer, tinha lá eu por volta dos meus 12 ou 13 anos de idade, entretido curiosamente com a audição na vitrola, de um álbum duplo com a antiópera Pelléas et Mélisande, do compositor francês Claude Debussy (1962-1918), indicação do meu primo-guru Afonso Paulo Lins, quando percebi a presença de um certo senhor na sala da minha casa. Voltei pra ele e disse: - Sim? Ao que ele insinuou: - Isso é...?!? – Debussy. -, respondi-lhe. – Sim. Você gosta de Debussy? Sim, gosto da música dele – falei com certa empáfia peculiar aos da minha idade -, mas não conhecia esta obra, nem sabia que ele compunha óperas. Já tinha ouvido outras de outros autores, como Wagner, Mozart, Berlioz, Verdi, Bizet, mas essa não. Aí ele me disse: - Vou ali conversar com seu pai e volto já. Você gostaria de ouvir algumas óperas? Tenho algumas comigo e gostaria de dividir com você, pode ser? – Sim -, disse-lhe, voltando à audição. Meia hora, mais ou menos, depois, ele retornou: - Já conversei com seu pai e acertei com ele que lhe pegaria depois no cartório pra gente fazer umas audições, está certo? Respondi positivamente e me despedi dele com um aperto de mão. Nem sabia quem era, recorri ao meu pai: - É o professor Eliseu, advogado amigo meu, cantor lírico, poeta, professor do Senai e de outras escolas daqui. Sim, sim. Tempos depois folheando a antologia organizada pelo poeta Juareiz Correya, Poetas dos Palmares, de 1973, vi dois dos seus poemas e fiquei sabendo que ele escrevia e publicava no jornal local A Notícia. Uma manhã, dias depois, ele chegava ao cartório, falando com meu pai: - Rubinho, permita que eu leve seu filho para umas audições? Sim, claro, professor. Ele, então, me levou até o carro e me conduziu para a Fazenda Cachoeira Dantas, na vizinha cidade Água Preta, enquanto me falava a respeito de uma ópera que rolava no toca-fitas do veículo. Chegando ao local, chamou-me e adentramos na casa grande da fazenda, até uma sala em que um certo senhor de idade ouvia atentamente uma ópera que eu não conhecia. Silêncio absoluto, só a música reinava até o final. Foi aí que o professor me apresentou ao deputado Joaquim Coutinho, que me olhou com surpresa com as palavras que me davam como ouvinte de ópera. – Tão jovem! -, disse ele. E entabulou uma conversa até chegar a hora do almoço, quando nos reunimos à mesa com perguntas sobre os meus compositores preferidos, ao que falei que gostava de boa música, sim, nomes, Beethoven, Mozart, Haydn, Häendel, muitos. O inquérito prosseguiu e eu tive que falar de obras pianísticas, sinfonias, mas não só, apreciando bossa-nova, xote, armorial, baião, rock, jazz, enfim, desde tenra idade eu sempre tive o ouvido colado no rádio e apreciava música de todo tipo. – Eclético -, disse o deputado pro professor, enquanto solfejavam um pro outro alguns trechos de valsas, concertos, sinfonias, algumas até eu já tinha ouvido. Depois do almoço nos despedimos e o professor me levou de volta pro expediente no trabalho. Isso se repetiu uma vez por mês ou a cada chegada do deputado à fazenda, mandando me chamar pelo professor para novas audições. Foi com isso que estreitei amizade com o professor Eliseu, com quem, tive o prazer de aprimorar meu conhecimento musical, vez que ele era integrante do elenco do Teatro de Ópera de Pernambuco, bem como dos mais diversos assuntos comprovando a sua erudição. Lembro bem da notícia do seu falecimento em 1979, fato que muito lamentei e que me trouxe à memória os últimos 6 anos, entre os quais, os momentos dos nossos encontros mensais regados à música e literatura. Lembro-me bem, certa vez, quando ele sacou um volume de folhas e recitou-me vários de seus poemas, entre eles Gênesis e Pelagia. Gostava da sua companhia, da impostação da voz ao recitar, nos solfejos e cantos à capela de trechos belíssimos de óperas, das instruções na introdução da teoria musical e, sobretudo, das brincadeiras eruditas – muitas que eu nem entendia direito o que queria dizer -, mas que me levavam às gargalhadas com o seu jeitão afetado de enfatizar determinadas palavras com o rigor prosódico que ele sabia imprimir, abrindo os olhos para flagrar o meu espanto e riso no final. Soube, durante as vezes que retornava dos nossos encontros, que ele era envolvido com política, assunto que jamais rondou nossas conversas, sempre levadas pelos prazeres da música e poesia, tão somente. Saudades de sua alegre pessoa e do seu tom professoral dedicado de instruir e esclarecer dúvidas que porventura rondassem meu olhar intrigado sobre qualquer coisa no andamento musical ou num verso, ou mesmo numa afirmação filosófica que fizesse. Saudades do professor. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

PROJETO MUSEU DO HOMEM DO CAMPO

O Projeto Museu do Homem do Campo 2017, realiza exposição a partir de hoje na Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, Palmares – PE. O projeto foi classificado no prêmio Educador Nota 10 e divulgado na revista Nova Escola (247-Nov, 2014), realizando exposições desde o ano da sua criação em 2013, na cidade de Xexéu – PE, com o objetivo de desenvolver pesquisas sobre fontes histórias da área, organizado pelo professor, psicopedagogo e poeta Janilson Sales, autor do cordel O dia em que choveu na terra dos poetas e dos livros de poesia Famosos Pés e Viver Livre.

A MULHER RURAL - A abordagem sobre a condição da mulher na sociedade envolve um vasto leque de questões e possibilidades. [...] a característica praticamente universal da desigualdade entre homens e mulheres, que se manifesta com maior ou menor intensidade segundo as condições históricas. [...] As circunstâncias que marcaram a organização das relações sociais, como a exclusão da mulher da linha de sucessão e de gestão do patrimônio da família, e as limitações impostas na área da educação, criaram condições para que as relações entre homens e mulheres fossem hierarquizadas. [...] A expansão do capitalismo no campo, particularmente na Zona da Mata, contribuiu para reduzir a agricultura familiar e as oportunidades de trabalho nesse âmbito. Em decorrência, cresce a luta pelo trabalho e se expandem as reivindicações pelos direitos sociais naquele meio, desde que o tipo de modernização adotado excluía pequenos produtores e estimulava a concentração fundiária. [...] Ao colocar-se no seio da luta pelo acesso à terra, a mulher adquire senso critico para rever princípios de vida que guiaram sua visão de mundo e dessa forma ameaçar a hegemonia da relação de gênero. [...] a luta movida para ocupar a terra tem profundo reflexo na questão de gênero. É possível introduzir mudanças nos espaços de dominação, começando pelos valores. A mulher (re)constrói a identidade de gênero no movimento de luta pelo acesso à terra. As mulheres do acampamento estão investindo na mudança de cultura e, através de sua história, estão construindo outra história de mulheres. Trechos extraídos da obra O protagonismo da mulher rural no contexto da dominação (Massangana, 2006), da pesquisadora Isaura Rufino Fischer. Veja mais aqui e aqui.

CORPO & CONSUMO -- O mundo começou sem o homem e provavelmente desaparecerá sem ele. Resultado de processos naturais, o homem é uma das manifestações do mundo. Faz parte, portanto, da natureza. Mas o homem não pode apreender o mundo tal qual ele é em sua objetividade: a percepção humana está limitada à sua humanidade, restringe-se às dimensões e ao alcance do olhar, do paladar, tato, olfato humanos... A percepção que o homem tem do mundo é irremediavelmente parcial: indissoluvelmente antropocêntrica, como é bovinocêntrica a apreensão do mundo por parte desses animais. [...] Cada cultura “modela” ou “fabrica” à sua maneira um corpo humano. Toda sociedade se preocupa em imprimir no corpo, fisicamente, determinadas transformações, mediante as quais o cultural se inscreve e se grava sobre o biológico. Arranhando, rasgando, perfurando, queimando a pele, opõem-se nos corpos cicatrizes-signos, que são formas artísticas ou indicadores rituais de posição social: mutilações do pavilhão auricular, corte ou distensão do lóbulo, perfuração do septo, dos lábios, das faces, decepamento das falanges, amputação das unhas, alongamento do pescoço, incrustações, apontamento dos dentes, extração dos mesmos, deformação cefálica, atrofiamento dos membros, musculação, obesidade ou magreza obrigatória, bronzeamento ou clareamento da pele, barbeamentos, cortes de cabelo, penteados, pinturas, tatuagens... Em suma, um sem-fim de práticas que se explicam por razões sempre sociais, de ordem ritual ou estética [...] Enfim, o meu corpo – sem que o possessivo contenha pleonasmo. Finalmente, todos com seus corpos: eis a utopia maior. Cada um com a sua originalidade, genuinidade, especialidade; cada um, então, com sua individualidade, com seus próprios limites, seu território à parte, que deve ser preservado. O direito de cada um começa onde termina o do outro: é por isso que, nas línguas das sociedades industrialmente desenvolvidas, devemos pedir desculpas ao interlocutor desconhecido, quando lhe dirigimos a palavra, quando tocamos involuntariamente em seu corpo ou em algo seu. É preciso não misturar e confundir as identidades individuais: no final do processo, não mais todos com seus corpos e suas sepulturas, mas com seus xampus, seus vestimentos, seus apartamentos, seus grilos, seus direitos, seus para-brisas, seus pneus, seus inconscientes, seus amores, seus tempos, seus, seus, seus... Enfim, o corpo meu, individual. Mas também o corpo banal, medíocre, corriqueiro, comum. O corpo “original”, da sociedade em que a originalidade, procurada por todos, banalizou-se. O corpo “extraordinário”, do mundo em que a excepcionalidade, buscada por cada um, se transformou em regra geral. O corpo “individual”, de um contexto em que a coisa mais comum e coletiva é exatamente o individualismo. [...] Trecho da obra Corpo e consumo: roteiro de estudos e pesquisas (PUC-Rio, 2012), de Everardo Rocha e José Carlos Rodrigues, destacando o pensamento do Dr. D. Hacket, acerca da saúde nos anos de 1925: [...] A saúde dos trabalhadores deve ser mantida e melhorada enquanto meio de produção... Frangos, cavalos de corrida, macacos de circo são alimentados, alojados, treinados e mantidos no mais alto nível de força física para assegurar um rendimento máximo em suas funções respectivas. O mesmo princípio se aplica aos seres humanos. Um aumento da produção só pode ser esperado dos trabalhadores se se atribuir uma grande atenção a seu ambiente físico e às suas necessidades.

CONTINHO – Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho, do sertão de Pernambuco. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um gordo vigário a cavalo: - Você aí, menino, para onde vai essa estrada? – Ela não vai não: nós é que vamos nela. – Engraçadinho duma figa! Como você se chama? – Eu não me chamo não, os outros é que me chamam de Zé. Conto extraído da obra Crônica (Ática, 2002), do escritor e jornalista Paulo Mendes Campos (1922-1991). Veja mais aqui.

GARANTO QUE FOI POR ELA QUE O MEU JUMENTO RINCHOU - Jumentinha viajada / de andar esquipador / melhor que égua baixeira / ou de andar andador / de trote baixo ou xotão / pelo rudado ou cardão / parece ruça na cor / é jumentinha donzela... / garanto que foi ela / que meu jumento rinchou! Poema extraído da obra Agruras da lata d’água (Bagaço, 2012), do poeta, compositor e intérprete Jessier Quirino, autor de excelentes livros como Paisagem do interior (1998), Além de Paisagem do Interior (1998), Prosa Morena (2001), Política de Pé de Muro (2002), Bandeira Nordestina (2006), Berro Novo (2010), Papel de Bodega (2013), além dos infantis Chapéu Mau e Lobinho Vermelho e Miudinha, entre outros CDs e DVDs, acompanhado dos filhos que são os músicos Vitor Quirino (no violão) e Matheus Quirino (percussão).

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DOIS POEMAS DE ELISEU PEREIRA DE MELO
GÊNESIS
Crise de paroxismos de luz / ofuscando seres vivos e inermes / cegando brilhos eternos de estrelas candentes, / espargindo reflexos de prata fundente. / Tudo é luz que se liberta de prisões hélias; / tudo é luz que fecunda coisas e gentes; / tudo é luz que germina óvulos dormentes; tudo é luz que amplia células viventes. / Uma vez te vi no clarão ofuscante / e eras uma intenção sem brilho e cor. / Toquei de leve o teu seio. / E foste envolvida pelas luzes ; de todos os arco-íris das regiões conhecidas e ignotas / e mais um mundo foi criado.
PELAGIA
Quando te conheci foi diante do mar. / A água no vai e vem da maré vazante / beijou os nossos pés nus aprovando o nosso amor / e retirou-se para observar e suspirar conosco. / Uma gaivota solitária passou sobre nossas cabeças / e grasnou desaprovando o nosso idílio / - por inveja ou ciúme talvez - / compreendi que fora traído por amor. / Depois o mar voltou em revolta / pois lá já não estávamos; / restava somente a forma do teu corpo sobre a areia. / Em fúria apagou a lembrança da tua presença / e voltou ao seu leito para repousar, / enquanto minha alma absorvia todo o seu desespero.
Poemas extraídos da antologia Poetas de Palmares (Palmares, 1973), organizada por pelo poeta e editor Juareiz Correya. Veja mais aqui.

A ARTE DE CÍCERO SANTOS



quinta-feira, agosto 24, 2017

MARINA COLASANTI, ILIBAGIZA, ROSE MURARO, BONOMI, MESTIÇAGEM & CAMPESINATO, MEIO AMBIENTE, MAMULENGO DE HERMILO, RADIO CULTURA & PALMARES DE LUCIANO FRANÇA

A VIAGEM DA VIDA (Imagem: arte da gravdora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora Maria Bonomi Pra quem vem ou vai, mesmo caminho, tantas apreensões. Tal impressão digital, a íris do olho, somos tão iguais como as águas na corrente, quão diferentes como os dias uns aos outros. Passo adiante, viagens que já fiz. Quantas e tantas felicidades sonhadas, almejadas, qual a minha, muitas. A paisagem é só minha, pros outros não é nada; se chove ou ensolarado, sigo o que sinto, sorrio mesmo que me virem as costas ou me ignorem, sem ao menos acenarem, sequer, com suas situações extremamente difíceis, por vezes delicadas ou terríveis. São meus, apesar deles. Os guardo no apreço, mesmo que assim não seja pra mim. Não me esquivo nem quero escapar dos obstáculos; vivo, superá-los, sim, pra que outros venham e eu vença a mim mesmo. Apesar dos pesares, tenho esperança e isso me faz viver e justifica a minha existência. Ainda hoje não me conformo com a miséria nem infortúnios, quero ser feliz, sei o que mereço e me permito ir embora para poder chegar. Se me aceitam, uivo entre lobos pela floresta de erros, pelos vales de lágrimas, tal como eu muitos, senão todos, voltaram de mãos vazias, mas não reclamo tanto esforço por experiências cruéis, nem das cicatrizes que emergiram das tribulações. Mesmo que pareça tudo em vão, mesmo que não tenha nenhum sentido ou me veja entre saberes perdidos, renasço na capacidade do maravilhamento e estarei lá como sempre estive e estou no ato da presença, aqui e agora, porque penso e sou; do contrário, só existiria. Sempre haverá imagens nos pensamentos, só escolho e me abandono ao árduo trabalho que me dá o prazer de criar. Quando muito retorno às origens, pra raiz, a semente que fui e tornar a sê-la pra me conciliar com tudo e todas as coisas. De bom grado lavo as mãos para me sentir purificado, bebo a água límpida da fonte e respiro profunda e intensamente em paz. A vida é uma longa viagem, voo pra Shamballa vibrar em uníssono com os harmônicos cantos cósmicos sintonizados na minha freqüência e a estação divina me faz sentir a atração do amor. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

FALANDO SÉRIO COM MÁVIO AVES
Nesta terça, dia 29/08, a partir das 11hs, estarei Falando Sério com Mávio Alves, na Rádio Cultura dos Palmares, debatendo sobre o tema O Brasil pelo avesso na hora da crise!

SOBREVIVI PARA CONTAR - [...] Ouvi quando os assassinos chamaram meu nome. Estavam do outro lado da parede, menos de 2,5 centímetros de gesso e madeira nos separavam. Suas vozes eram frias, duras e decididas. - Ela está aqui... Sabemos que está aqui em algum lugar... Tratem de encontrá-la, encontrem Immaculée. Eram muitas as vozes, muitos os assassinos. Eu podia vê-los com os olhos da mente: meus antigos amigos e vizinhos, que sempre me haviam recebido com amor e bondade, andavam pela casa, munidos de lanças e facões, e chamavam meu nome. – Já matei 399 baratas – disse um deles. - Com Immaculée serão quatrocentas. Esse é um bom número para se matar. Encolhi-me, sem mexer um músculo sequer, em um canto de nosso minúsculo banheiro secreto. Assim como as outras sete mulheres que se escondiam comigo para proteger suas vidas, prendi a respiração para que os perseguidores não nos ouvissem. Suas vozes dilaceravam minha carne. Senti-me em fogo, como se estivesse deitada sobre um leito de carvões ardentes. Uma avassaladora onda de medo tomou conta de mim; milhares de agulhas invisíveis penetraram meu corpo. Eu nunca havia imaginado que o medo pudesse provocar tamanho sofrimento físico. Tentei engolir, mas minha garganta se fechou. Não havia saliva em minha boca, que parecia mais seca do que areia. Fechei os olhos, na tentativa de desaparecer, mas as vozes soavam cada vez mais alto. Eu sabia que eles não teriam piedade, e um único pensamento ecoava em minha mente: Se me pegarem, eles vão me matar. Se me pegarem, eles vão me matar. Se me pegarem, eles vão me matar. [...] Ela me levou até um galpão numa área restrita e abriu uma caixa de força de alta voltagem. - Há mais de 1.500 volts de eletricidade aqui – explicou. – Se os hútus extremistas invadirem a escola e não tivermos como escapar, podemos vir aqui, puxar essa alavanca e pôr as mãos lá dentro. Nós morreríamos imediatamente. É melhor ser eletrocutada do que torturada, estuprada e morta. Não vou permitir que selvagens se aproveitem do meu corpo antes de me matar. Não faça essa cara de surpresa... Já ouvi histórias demais de mulheres tútsis que foram estupradas e brutalizadas em tempo de guerra para não ter um plano de fuga. Concordei com a cabeça. Era estranho falar em acabar com nossas vidas aos 19 anos de idade apenas, mas essa parecia uma saída melhor do que a outra alternativa. Clementine e eu fizemos um pacto e juramos não dizer nada a ninguém, para que as autoridades escolares não ficassem sabendo e trancassem a caixa de força. Trecho da obra Sobrevivi para contar: o poder da fé me salvou de um massacre (Objetiva, 2008), da escritora e palestrante ruandesa Immaculée Ilibagiza, com o relato sobre o confinamento num banheiro minúsculo com mais sete mulheres famintas e aterrorizadas, sem condições mínimas de higiene, saúde e alimentação, lutando contra o desespero e ouvindo as vozes dos assassinos que queriam matá-la cruelmente durante o genocídio de Ruanda em 1994. Trata-se de depoimento de como ela conseguiu sobreviver emocionalmente ao massacre de sua família, cujos detalhes ela também revela em sua narrativa.

MESTIÇAGEM & CAMPESINATO - [...] Uma das interpretações – de que uma nociva mestiçagem retardava o progresso do povo brasileiro, uma vez que o mestiço era tido como racial e fisicamente desequilibrado, - não resistiu aos estudos efetuados dentro e fora do Brasil, pouco a pouco foi sendo destruída. Os crimes terríveis cometidos pelos nazistas, indivíduos de “raça pura”, muito contribuíram para pôr em cheque preconceitos raciais que se voltavam não apenas contra o mulato e o mestiço, mas também contra negros, contra judeus e contra outras minorias étnicas. Assim, a explicação de que o meio rural brasileiro era atrasado e conservava costumes arcaicos porque povoado de mestiços, inaptos a uma evolução socioeconômica, não encontrou mais base de sustentação em teorias científicas. [...] O reconhecimento, descrição e explicação dos vários processos que compõem a dinâmica da sociedade rural brasileira parecem destinados a conhecer uma expansão mais lenta do que os trabalhos efetuados do ponto de vista da organização e da estrutura. Trecho extraído da obra O campesinato brasileiro: ensaios sobre civilização e grupos rústicos no Brasil (Vozes, 1973), da premiada socióloga, professoras e escritora Maria Isaura Pereira de Queiroz. Veja mais aqui, aqui e aqui.

MEIO AMBIENTE – [...] O desconhecimento dos efeitos resultantes do uso intensivo do carvão deu origem às primeiras ocorrências de doenças profissionais e à contaminação das regiões onde predominavam as atividades de mineração. Acidificação dos solos, emissões de particulados, degradação das condições de vida nos núcleos populacionais próximos das minas e usinas foram os primeiros efeitos dessa industrialização nascente, desordenada, que envolvia riscos ainda desconhecidos par a saúde humana e o meio ambiente. O relacionamento entre causas e efeitos da poluição ambiental era então precário. Embora os acidentes de trabalho fossem, nessa fase inicial da industrialização, muito freqüentes, os acidentes ambientais, como hoje são conhecidos, não eram tão evidentes. [...] Os acidentes urbanos exercem grande impacto sobre a sociedade não somente devido a sua proximidade e ingerência sobre a vida de cada cidadão, como também pelo temor de que possam se repetir. Para que essas tensões remanscentes possam ser eliminadas ou, pelo menos, reduzidas com o passar do tempo, algumas providências de largo espectro devem ser tomadas pela comunidade, encabeçadas pela administração municipal e pelas instituições locais voltadas à proteção ambiental e à manutenção da qualidade de vida. Essas providências devem incorporar a conscientização da população para os riscos de acidentes, a busca de participação pública em programas de prontidão, a formação de fundos especiais para fazer frente a emergências, o desenvolvimento de recursos humanos treinados para participar de equipes de emergência e, muito importante, o fortalecimento das instituições ligadas ao bem público e ao atendimento emergencial de acidentes. [...]. Trechos extraídos da obra Meio ambiente: acidentes, lições, soluções (Senac, 2003), de Cyro Eyer do Valle e Henrique Lage. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

MULHERES & SEXUALIDADE - A espécie humana levou dois bilhões de anos para atingir o primeiro bilhão de habitantes. Isto aconteceu por volta da metade do século XIX. Mas, de 1850 para 1980, este número se elevou para quatro bilhões. Portanto, em pouco mais de cem anos, a população do planeta quadriplicou. Esta curva exponencial do aumento de população deve-se ao avanço tecnológico, principalmente ao avanço da tecnologia médica, que baixou as taxas de mortalidade, sem ter tocado nas de natalidade. Este instantâneo apinhamento de seres humanos sobre a face da Terra está causando problemas da maior gravidade, seja para a sobrevivência da espécie, seja por motivos políticos, ideológicos e econômicos. O crescimento populacional aconteceu dentro de um sistema socioeconômico baseado na exploração de alguns seres humanos sobre outros: o capitalismo. É dentro deste conceito de exploração capitalista que o problema populacional torna-se, a nosso ver, o mais grave da época atual. [...] São os homens dominados também, quando dão aos atributos físicos da mulher maior valor erótico. Quanto mais excitante o físico, mais condições dá a sexualidade masculina, mais localizada no físico, de “funcionar” melhor. Em outras palavras, quanto maior o domínio do homem pelo homem, maior, também, o da mulher pelo homem. Mais impessoal, mais objetivada também a relação que vai do homem para a mulher, e maior ressentimento desta. Na Zona da Mata, por exemplo, em que a mulher já tem outro status, apesar da grande miséria, os homens falam mais em atributos pessoais (mesmo que sejam tradicionais) do que os operários e camponeses do Agreste, e as mulheres parecem ser mais donas de suas decisões. [...]. Ao invés de denegar o corpo que é hoje o apanágio da burguesia, é preciso tomar da burguesia o corpo e fazer dele um corpo de todos, um corpo liberto. Tomar o corpo como ele é, aqui e agora, com todos os seus desejos contraditórios, e começar a criar a partir do povo novos padrões de comportamento de corpo que nada tenham a ver com os da burguesia, e que lhes permita perceber que eles também são seres humanos inteiros e desmascarar, assim, todo o jogo da sociedade burguesa. Trechos extraídos da obra Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil (Vozes, 1983), da escritora e feminista Rose Marie Muraro (1930-2014). Veja mais aqui.

NO SILÊNCIO QUE O SOL QUEIMA - No meio do trigal, pernas abertas, abrigava pássaros. Era sempre assim. Com a chegada do verão sentia-se fértil, ensolarada de desejo, mãe da terra. E deitava-se entre as hastes rígidas, as espigas túrgidas, à espera. Logo, pardais vinham aninhar-se entre suas coxas, fazendo-a suspirar com a doce caricia das asas. Esmagava entre os lábios pétalas de papoulas, e gemia. Fremir de plumas, pequenos bicos, breves pios, delícias. E as línguas do sol sobre seus seios. Mas era só ao entardecer, quando o gavião em voo desenhava círculos de sombra sobre o ouro, lançando-se como pedra entre suas carnes para colher o mais tonto dos pardais, que as hastes estremeciam enfim, inclinando as espigas ao supremo grito. Conto extraído da obra Contos de amor rasgados (Rocco, 1986), da escritora e jornalista ítalo-brasileira Marina Colasanti. Veja mais aqui.

FISIONOMIA E ESPIRITO DO MAMULENGO - O boneco tem uma vida. É uma transferência na infância e uma fixação na idade madura. A boneca de pano pode ser tudo: desde a filha à mãe, desde a comadre à irmã, amiga ou inimiga. O boneco é um ser misterioso, feito, às vezes, à nossa imagem e semelhança, mas de qualquer modo um entre à parte em torno do qual podemos construir um mundo. É também um ser arbitrário e poético. Isto o simples boneco mudo, manejável de acordo com as nossas forças. O boneco visto no espetáculo transforma-se de ser passivo, dependente, obediente às nossas mãos, numa criatura de vida própria e atuante, porque, em nossa condição de espectadores, colocamo-nos em face do inesperado. Toda arte é uma surpresa. [...]. Trecho extraído da obra Fisionomia e espírito do mamulengo (Brasiliana, 1966), do escritor, dramaturgo e advogado Hermilo Borba Filho (1917-1976). Veja mais aqui, aqui e aqui.

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MINHA PALMARES
Nesta terra de cultura e de grandeza,
Onde o belo é sempre belo a cada dia,
Onde o sonho é mais que encanto e magia,
Onde a vila tem mais vigor e leveza,
Não me sinto só poeta, sou alterza,
Sou palmarense: alma,sangue e raça;
Aqui tudo é verso, é poesia,
Tem sempre um poeta em cada praça.
O açúcar dos teus verdoengos canaviais
Seduz muito mais que adocica.
Quem de outras plagas vem, aqui fica,
Quem bebe de tua água, quer mais,
Quem se vê desesperado encontra a paz
Ao banhar-se em teus rios Una e Pirangy;
Rejuvenesce quanto mais o tempo passa,
E apenas tu, Palmares, tens em cada praça
Um poeta declamando versos p’ra ti.
Serás sempre decantada em lindas canções
Porque deste à luz muitos bons cantores
E graça à pena dos teus escritores
Tua história marcará nossas recordações;
Teus pintores nos dão novas emoções
Com as belas paisagens do teu universo.
Aqui o bem prevalesce se o mal ameaça
É comum avistar-se em qualquer praça
Uma musa e um poeta rabiscando um verso.
Poema do poeta, advogado e serventuário de Justiça, Luciano França, extraído da antologia Poetas de Palmares (FCCHBFD, 2002), autor dos livros Retalhos poéticos (2006), Escritura pública: seu valor jurídico-social no cotidiano (2012), Renascendo em poesia (2014) e Academia Palmarense de Letras: a perseguição de um sonho (Bagaço, 2016). Veja mais aqui.


quarta-feira, agosto 23, 2017

A MULHER & BOM PASTOR, JEAN DE LÉRY, BARDAWIL, GALBRAITH, DESIGUALDADE, PICA-PAU & ARRELIQUE DE OZI

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ARRELIQUE - Arrelique é coisa de menino, dona Judith, de menino levado da breca que sai bandoleiro todo assanhado de braço em braço, manhoso, faceiro, fogoso reinão, como quem vai ali volta já, só pra levar tição pra quem vem buscar fogo – tição apagado é agouro no trajeto, valha-me! Ô dona Judith, esse menino é danado mesmo! Inda bem que tem partes do bem, vixe! E livre da gente as coisas mandadas rente afiadas que nem peixeira amolada no toitiço da bronca lá nela, xô pra lá, pendura as figas no sino saimão pra volta no pescoço não deixar levar forquilha nem cair de coisa sinistra! Deus nos abençoe, amém! Olha lá, dona Judith, a pancada do mar lá longe atrás da mata, não sou de ficar no meio do caminho nem deixo nada pra amanhã, pago quando voltar da feira! Cadê seu menino, dona Judith? Ah, tai, né? Vamos ouvir o Ozi, esse cantor dos cantados que a gente gosta de cantar, ele canta arrelique, coisa que é do bem e que é bom de dançar. Isso é que é rastapé! Arrelique é relíquia, dona Judith, daquelas que dá vontade de cair na função dos pregões mnemônicos, como é que é, o que tem na bisaca, arrevira o caçuá, adivinha só, cheio das nove horas, vixe que coisa! Vale o refrão: quem é de dentro, dentro; quem é de fora, fora; Bão balalão, segura o pencó! Vixe, que deram nó & viva São João! Assim vai gastar o solado até esfolar os cambitos! Ozi, seu menino, afine mais um tantinho que as coisas tão abrindo agora, inda vem gente de longe, chega já, de Catende e Roçadinho! Vem gente de Pirangi e de Serro Azul, vem gente de Ribigudo e até de Paul, e de Japaranduba e Riacho dos Cachorros, de Cucaú e doutros morros, de Rio Formoso e de Barreiros, de Maraial e das bandas dos cruzeiros e de outros arraiais. É gente até de um olho só, é gente como a praga! Segure o toque, o trupé! Depois me diga como é que é, viu? Hoje a gente naufraga na beira do rio, se salva só no pencó, só quem vê, só quem viu! Vamos brincar no terreiro, vambora! E que hora já é? Oxe, é cedo, inda tem tempo, dê fé! Aprume a loa, coisa de estruir com vadiagem à-toa, brejeiro, coisa boa, todo mundo é pariceiro na trincheira no meio das ladainhas, da garoa, chuva fininha, pé no chão e cabeça no vento, dê meia volta, tome tento, cuidado, coice de jumento, fique assuntado, feito cabra isqueiro de chifre que não nega serviço, acha o que deu sumiço, moral de bigode no pagamento! Amanhã não tem mais, fica o sentimento! Hoje é noite de sonho, viva SantAntonho! Arriba que é festa, a noite é dela que sou guardião de moça donzela e, desculpe da má palavra, sou poeta da lavra que cuida de mulher que perdeu seus três vinténs, a que não é de ninguém e que dou abrigo, não bula comigo que sou valente que nem patrulha! Comigo é cisco ou fagulha, não tem geringonça! Chamo até na responsa, venha quem vier! Que é que isso, menino, qual é? Parece mais uma onça, ora! S’ajeite, seu Ozi, cante mais e direito, bote quente aí, balanço de eito! Chega de beberes e perambulagens, basta de nhem nhem nhem, camaradagens e gente de carinha n’água! O negócio tá bom, mas pode melhorar! Ajeita os teréns e as folgagens, magote de frouxo! Tenha modos de gente, danado, já vem cheio de gás, todo afoito rapaz, vai levar é acocho! S’assunte, segura aí, isso é festa de família, peraí, bata com o pé na boca que a mão não chega, seu fí duma égua! Quem não sabe lamber, não sabe vencer! Caranguejo no atá, quer brincar! Ou vamos arrochar no dancê, ou puxa no xote a dançar! Vamos louvar os que foram de pés juntos, os que não vão pra frente nem pra trás e os aluados que a folhinha não marca! Vamos organizar a coisa de novo: quem é de dentro, fica; quem é de fora, simbora! Olé, dona Judith, olá, seu Ozi, bata sua viola com calma e conte a história, a noite bate na alma, a saudade dói na memória, a madrugada se indo e é quase dia lá fora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

TARI, TARI, TARI, TA-TÁ!
Joaninha a filha mais nova
De Gregório cabra danado
Que quando fica zangado
Leva 1, 2, 3, pra cova,
Eu quis tirar essa prova
Lhe chamei pra namorar
Ela disse vou aceitar
Mais tenho quase certeza
Que meu pai vai te matar
Fiz uma festa daquela
Embriaguei o pai dela
Me agarrei com a dozela
E tari, tari, tari, ta-tá!
No engenho Catatal
Morava lá três donzelas
Que para perdição delas
Conheceram o Pica-Pau
Foi tempo de carnaval
Por isso fomos pular
Passamos o dia a brincar
As três donzelas e eu
Mas quando anoiteceu
Tari, tari, tari, ta-tá!
Poema extraído do livro Feito d’versos (Outras Palavras, 1995), do poeta popular José Maria Sales Pica-Pau, autor dos livros Sussurros da Mata (Bagaço, 1986), Num rio de poesias (Universitária (1987), entre outros. Veja mais aqui e aqui.

LONGÍNQUA VIAGEM À TERRA DO BRASIL – Como alguns cosmógrafos e historiadores do nosso tempo já escreveram acerca das dimensões, formosura e fertilidade desta quarta parte do mundo, chamada América ou terra do Brasil, bem como a respeito das ilhas e terras adjacentes, inteiramente desconhecidas dos antigos, e das várias navegações que para aí se fizeram nestes primeiros oitenta anos decorridos desde o seu descobrimento, não me deterei nessas generalidades; minha intenção e meu objetivo serão apenas contar o que pratiquei, vi, ouvi e observei, quer no mar, na ida e na volta, quer entre os selvagens americanos com os quais convivi durante mais ou menos um ano. E a fim de que tudo se torne bem compreensível a todos, a começar pelo motivo que nos levou a empreender tão penosa e longínqua viagem, direi em poucas palavras como se originou ela. [...] livre já agora de tantos perigos, posso dizer como essa santa mulher que foi mãe de Samuel, que é o Eterno quem faz viver e morrer, descer à tumba e surgir dela. Isso me parece tão claro quanto o homem viver aqui na terra apenas o dia de hoje. Aliás, se coubesse dentro desta narrativa, diria ainda que Deus, na sua infinita bondade, me salvou de muitas outras angustias. [...]. Trechos extraídos da obra Viagem à terra do Brasil (Itatiaia, 2007), do escritor e missionário francês Jean de Léry (1536-1613). Veja mais aqui.

A ERA DA INCERTEZA - [...] A verdade da qual os homens procuram fugir ali é a de que o nosso pequeno planeta não pode sobreviver a uma permuta de bombardeios nucleares; que um conflito armado para apoiar as paixões nacionalistas ou divergências ideológicas é soturnamente definitivo [...] Ainda não chegamos a enfrentar essa realidade. Se nos perguntarem se queremos que a vida continue para os nossos filhos e netos, respondemos que sim. Quando nos perguntam a respeito de uma guerra nuclear, que é a maior ameaça pairando sobre essa vida, normalmente afugentamos esse pensamento de nossa mente. [...] Ninguém deve aceitar placidamente a evasiva fácil de que a decisão não cabe a nós. [...] Numa era em que tanta coisa é incerta, existe uma grande certeza: essa verdade, devemos enfrentar. Trechos extraídos da obra A era da incerteza (Pioneira, 1982), do filosofo, economista liberal e escritor estadunidense John Kenneth Galbraith (1908-2006).

RECONSTRUINDO A VIDA DE VOLTA PRA CASA - [...] Ao receber as mulheres que cumpriram sua pena, a sociedade ainda encara como pessoas perigosas, potencialmente capazes de cometerem os mesmos delitos. Muitas vezes é essa situação de desconfiança e intolerância que faz com que as mulheres retornem ao mundo do crime, por falta de credibilidade e oportunidade. [...] É preciso que ocorra uma mudança de pensamento em relação às pessoas condenadas nesse país. Ao cumprirem suas penas e obrigações, estando livres (ou deveriam estar), de qualquer julgamento social. Elas já não devem mais nada à sociedade. Desta forma, possuem o direito de serem respeitadas como qualquer outro cidadão. O Estado deve garantir que sua inserção na sociedade seja estruturada nos pilares dos valores que regem o sistema capitalista: o trabalho como principal deles, deve ser garantido a fim de se garantia a manutenção de sua sobrevivência, e assim evitar que os egressos caiam novamente no mundo do crime. A saúde e a assistência também são condições básicas que devem ser garantidos [...]. Trecho do estudo A mulher encarcerada, de Ítala Rodrigues e Vanessa Belmiro, extraído da obra O Bom Pastor: as histórias e os afetos (Instituto Brasileiro Pró-Cidadania, 2012), organizado por Karina Vasconcelos. Veja mais aqui e aqui.

A VIOLÊNCIA DA DESIGUALDADE - A humanidade está cheia de desigualdades. São desigualdades entre homens e mulheres, desigualdades entre brancos, negros, amarelos e avermelhados. Desigualdades entre camponeses e empresários, entre pobres e ricos, entre pessoas jovens e idosas. Desigualdades entre homossexuais e heterossexuais. As desigualdades estão por toda parte: nos países, nas nações e nas comunidades. Elas aparecem nos contos de fada, nos livros científicos, nas discussões políticas das associações de bairros e dos governos. – Mas de onde vêm as desigualdades? Da natureza ou da sociedade? As desigualdades entre as pessoas contam uma história muito antiga e variada. Elas se formam no processo de organização das sociedades, isto é, nas relações entre os seres humanos. Portanto, as desigualdades não vêm da natureza, mas, sim, da cultura. Elas são tão comuns quanto tristes! Hoje todas as desigualdades, ou cada uma delas, especificamente, são identificadas como a principal fonte de violência. A maioria das sociedades quer se livrar das desigualdades. Enfrentá-las, em qualquer lugar onde apareçam, é tarefa de todos os brasileiros e brasileiras [...]. Trecho extraído da obra Mulheres construindo a igualdade – Caderno Etnicorracial (Secretaria da Mulher de Pernambuco, 2011), organizado por Celma Tavares, Cristina Maria Buarque, Fernanda Meira, Lady Selma Albernaz, Raiza Cavalcanti, Rosangela Souza e Rosário Silva. Veja mais aqui.

A CRIAÇÃO ARTÍSTICA - [...] Quem cria instaura o inusitado, desestabiliza o previamente organizado, em si e por si. Configura novos territórios, terra firme em meio a mar revolto, tempo breve de repasto, estabilidade provisória que possibilita alguma respiração, até que ocorra nova desterritorialização. Trecho de Por um estado de invenção, da coreógrafa e profissional do teatro e da dança contemporânea, Andréa Bardawil, extraído da obra Temas para a dança brasileira (Sesc, 2010), organizada por Sigrid Nora.

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ARTE & ENTREVISTA DE OZI DOS PALMARES
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terça-feira, agosto 22, 2017

GRAMSCI, MORIN, COMENIUS, HUIZINGA, REGINALDO OLIVEIRA, MANOCA LEÃO & POLÍTICAS EM DEBATE

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POLÍTICAS EM DEBATE - A semana que passou, posso dizer agora com convicção, foi pra lá de agradabilíssima, graças ao reencontro com o amigo Manoca Leão, ocorrido na Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto. Era terça ou quarta, sei lá, ele chegou lá, conversamos, rememoramos coisas e fatos, rimos à beça com as nossas presepadas juvenis e, depois de horas de parcialmente nos atualizarmos com as novidades de mais de trintanos perdidos nas quebradas, convidou-me para participar do seu programa Políticas em debate, na Rádio Farol, na vizinha cidade de Catende, Pernambuco. Por um momento me vi mais importante que tudo na vida! Como desaprendi dizer não, nunca soube mesmo, sei mesmo meu lugar e cônscio de que recebia ali um presente maior que o meu merecimento. Mas, destá. Tudo acertado, fiquei repassando às gaitadas todas as nossas estripulias colegiais: aprontamos, viu? E muito. Pois bem, no sábado, ele me apanhou na farmácia do poeta Genésio Cavalcanti que já não aguentava mais o expediente das minhas pacutias três vezes ao dia lá no batente a semana toda lá, e despachado por ele, no meio do caminho, eu e Manoca renovávamos o papo com outras tantas que havíamos esquecido no tempo, afora outras quantas passadas durante a minha ausência na terrinha. Chegando na emissora, programa no ar, bate papo agradável, desenterro de presepadas, barrunfos, experiências, ocorridos e blábláblá, falei, como sempre, mais que o homem da cobra, cantei, me emocionei, desafinei, trastejei, enfim, pra mim, tudo uma maravilha, não antes, evidentemente, eu pedir desculpas aos presentes no estúdio e aos ouvintes da emissora por meus arroubos emotivos. Findo o programa, o melhor ainda estava por vir. Eu todo coração e riso no quarador dum canto a outro beirando as orelhas. Fomos confraternizar ao sabor duma tapioca com café, na praça onde, há anos, eu me esbaldara com a Árvore da Vida. Os amigos todos daquele tempo rondando as ideias da cabeça, revivendo ali anos da segunda metade dos 1980, quando eu simpatizante catendense de sempre, cobria eventos da localidade para apresentar no noticiário da Quilombo FM, na qual eu desempenhava a função de chefe da redação, afora a de produtor e apresentador de programas e noticiários. Enquanto revivia esta época, Manoca - língua afiada de sempre, daquelas que possuem a capacidade de perder amizade, mas nunca a piada -, desfilou um rosário de arrepiados ocorridos, quando, à certa altura, virou-se pra mim e perguntou: - Se lembra de Nig? Quem? Vixe, lá vem coisa! E veio mesmo. Ora, quem não lembraria! Afinal o cara ainda está vivinho da silva. Trata-se de um sujeito de nossa remota amizade, que não gozava lá muito bem de sanidade nas catracas do quengo, achegado a uns desatinos próximos das loucuras mais estabanadas. Verdade seja dita, Nig sempre foi devorador de livros e da paciência alheia com suas estrambólicas ideias e extravagantes opiniões, provocador das mais inusitadas situações embaraçosas e risíveis, avalie. Ah, mas vamos ao fato. Um dia lá Nig mordeu-se com o cachorro do vizinho e preparou ardil vingativo: foi até um canil de respeito e adquiriu, depois de tantos arrodeios e ajustamentos, um vira-lata tido por arraceado com a besta-fera do último caderno! Coisa que ele mesmo examinou demoradamente antes da escolha acertada, depois de checar um a um entre tantos ferozes que ele mesmo fez questão de minuciosamente averiguar. Feliz da vida, foi pra casa ainda não muito satisfeito com o adquirido, condicionando ainda mais o cão com treinos e promoções de ruindades repisadas. Ao cabo de dias, reconferia o adestramento ao contrário, coisa que o fez findar com ronchas e mordidas até no retrato! Oxe, estava ele marcado de todo tipo de dentadas nas orelhas, dedos, bunda, pernas, braços, enfim, o bicho só faltou comê-lo todo. Depois de refeito disciplinadamente o treinamento maligno diário, concluiu: - Esse é dos bons, quero ver agora! Tratando, a partir de então, com maiores requintes de crueldade, verificava sob medidas científicas, três vezes ao dia, o nível da selvageria do guenzo: - Tá chegando no ponto! Quando se viu diante de uma fera indomável e faminta, sacudiu o enraivecido sobre o muro para liquidar o do vizinho e resolver a parada duma vez. Com ar sinistro entre dedos e mãos, ficou esperando: - Agora quero ver. Soou o gongo imaginário e a coisa deu no imprevisto. Ouviu latidos e roncos brabos, imaginava acirrado confronto, apostando, claro, com o desfecho favorável pra sua banda, evidentemente. Lá pras tantas foi conferir, tudo uma lástima: o do vizinho não só enrabou, tripudiou, lambeu os beiços, avacalhou e estraçalhou o seu prestígio, deixando o que era seu insepulto e provocando o dono que era ele mesmo pro repasto. Vem! Cuma? Vem! Eita! Como é mesmo? Pois é, desapontado, restou ao Nig a grande decepção: - Isso é lá cachorro que se apresente, porra! Vou cobrar perdas e danos do canil! E saiu mais arretado que nunca prum litígio dos brabos que nem o tempo esqueceu. Por essa e muitas outras, vou de Juarez Correya: - Melhor que Palmares, só Paris e de noite, porque de dia, a gente ganha de lambuja! Vamos aprumar a conversa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

MEDITAÇÃO REDUZ CRIMINALIDADE EM WASHINGTON
Em Washington, nos Estados Unidos, em 1993, um grupo de 4 mil meditadores reuniu-se, alcançando uma queda de 25% nos índices de criminalidade. O evento foi acompanhado pelo físico quântico John Hagelin, presidente da Universidade Central Maharishi, em Fairfield (Estado de Iowa), em parceria com a polícia de Washington, o FBI e 24 cientistas sociais e criminologistas ligados a instituições como as universidades Temple, do Texas e de Maryland. Conforme registrado pelo New York Times, Journal of Conflict Resolution da Universidade Yale & World Peace Group, entre outros veículos de comunicação, já existem inúmeras experiências que utilizam as técnicas de meditação com resultados na queda de índices da criminalidade e outras formas de conflito.

SOMOS TODOS CIDADÃOS DO MESMO MUNDO - [...] Somos todos cidadãos do mesmo mundo; temos todos o mesmo sangue. Odiar pessoas pelo fato de terem nascido em outro país, por falarem uma língua diferente ou ainda porque pensam diferente de nós sobre um determinado assunto é uma grave loucura. Desistam, eu lhes imploro, pois todos somos igualmente humanos [...] Tenhamos um único objetivo em vista: o bem-estar da humanidade – e abandonemos todo o egoísmo relativo a língua, nacionalidade ou religião. [...]. Palavras educador, cientista e escritor checo Comenius - Jan Amos Komenský (1592-1670). Veja mais aqui.

HOMO LUDENS - [...] a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento lúdico, porque a civilização implica a limitação e o domínio de si próprio, a capacidade de não tomar suas próprias tendências pelo fim último da humanidade, compreendendo que se está encerrado dentro de certos limites aceites. De certo modo, a civilização sempre será um jogo governado por certas regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito esportivo, a capacidade de fair play. O fair play é simplesmente a boa fé expressa em termos lúdicos. Para ser uma vigorosa força criadora de cultura, é necessário que este elemento lúdico seja puro, que ele não consista na confusão e no esquecimento das normas prescritas pela razão, pela humanidade ou pela fé. É preciso que ele não seja uma máscara, servindo para esconder objetivos políticos por trás da ilusão de formas lúdicas autênticas. A propaganda é incompatível com o verdadeiro jogo, que tem seu fim em si mesmo, e só numa feliz inspiração encontra seu espírito próprio. [...]. Trechos extraídos da obra Homo ludens (Perspectiva, 2000), do professor e historiador neerlandês Johan Huizinga (1872-1945). Veja mais aqui & aqui.

DE FILOSOFIA & CULTURA - [...] criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer, transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio filosófico”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais. [...] pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo modo de pensar e agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homem-massa ou homens-coletivos [...] Quando a concepção do mundo não é critica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de histórias passadas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano, mundialmente unificado. Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. [...] o início da elaboração crítica é a consciência do que somos realmente [...] como um produto do processo histórico até hoje desenvolvido. [...] a partir da linguagem de cada um é possível julgar a maior ou menor complexidade da sua concepção de mundo. Quem fala somente o dialeto e compreende a língua nacional em graus diversos participa necessariamente de uma intuição do mundo mais ou menos restrita ou provinciana, fossilizada, anacrônica em relação às grandes correntes de pensamento que dominam a história mundial. Seus interesses são restritos, mais ou menos corporativos ou economicistas, não universais. Uma grande cultura pode traduzir-se na língua de outra grande cultura, isto é, uma grande língua nacional historicamente rica e complexa pode traduzir qualquer outra grande cultura, ou seja, ser uma expressão mundial. Mas, com um dialeto, não é possível fazer a mesma coisa. Trechos extraídos da obra Concepção dialética da história (Civilização Brasileira, 1978), do filósofo, cientista político e comunista italiano, Antonio Gramsci (1891-1937). Veja mais aqui, aqui e aqui.

SABERES GLOBAIS E LOCAIS - [...] nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e ideias, as quais não têm estrutura para acolher o novo [...] a incerteza, que mata o conhecimento simplista, é o desintoxicante do conhecimento complexo [...] - Trechos da obra Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar (Garamond, 2000), do antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A VIDA E A LONGEVIDADE ENTRE A SABEDORIA E A MEDIOCRIDADE- [...] Os malefícios são maiores quando o telespectador é criança e adolescente. Certo dia, esteve no meu consultório uma senhora idosa que estava com cento e cinco anos de idade – continuou o Dr. Amaury Mendes - o meu desejo era saber os motivos da longevidade daquela simpática senhora. Nasceu na zona rural do agreste. Desde cedo trabalhou na agricultura, nunca aprendeu a ler e, disse que nunca teve saúde. Lembra bem, quando criança, ouvia a sua mãe dizer que ela não se criaria, por conta das doenças que lhes afligiam. Passou boa parte da vida fumando cachimbo e sempre estava em hospital, para tratamento das doenças que sempre eclodiam. A sua alimentação não teve nada de especial que pudesse levar a uma boa saúde. Eu fiquei inquieto em saber que uma mulher que não primava tanto em ser saudável alcançou aquela idade. Mas existiam outros fatores que mereceram atenção. O que fez diferença em sua vida era que não desejava mal a ninguém, não guardava rancor, era muito religiosa e rezava três vezes ao dia, se tornando benzedeira. Rezava pedindo pela saúde das pessoas, incluindo as que lhe faziam algum tipo de injustiça. Ou seja, sempre estava conectada ao sagrado e praticando o bem, e abominava o mal. A lei universal de causa e efeito é infalível. Todo aquele que dedicar cotidianamente um pequeno espaço de tempo, um minuto ao menos, a desejar sincera e profundamente pensamentos de bondade para as pessoas, atrairá certamente para si a benéfica corrente espiritual formada por todos os pensamentos de idêntica natureza. [...]. Trecho extraído da obra Sabedoria ou mediocridade? Diálogos no reino encantado das águias (Bagaço, 2013), do filósofo e historiador Reginaldo Oliveira.

POLÍTICAS EM DEBATE
Fotos da edição deste sábado, 19/08, do programa Políticas em Debate, na rádio Farol FM, Catende – PE, comandado por Manoca Leão. Veja mais aqui.

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PAZ NA TERRA
Arte do artista plástico colombiano Nicomedes Gómez (1903-1983).
 

ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite , que possui mestrado em...