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sábado, março 05, 2016

FANDANGO DO VAI QUASE NUM TORNA


FANDANGO DO VAI QUASE NUM TORNA

Luiz Alberto Machado

De gole em gole ali estavam aboletados não só o Divaniço, um empolado católico, todo entroncado, metido a besta, perturbador nato que quando se lavava numa pirocada saía dando tudo o que era seu e o que não era - só não dava o frosquete porque não era permitido pela religião dele, arrotava -, achegado a putas e petas nas horas vagas e a um conluio entre o trambique e a agiotagem.

Do lado dele o Gulu, óculos no pau da venta, olhos apertados, tomador de muitas e boas, doido por mulher perdida, douto de leituras várias nas horas de ócio, puxador compulsivo do tabaco que enodoava os dedos, beiços e pulmões encardidos, além de achegado a pitar de outras ervas daninhas perseguidas pelo opróbrio popular.

Na outra cabeça da mesa o Carneirinho, que era outro letrado, óculos à La John Lennon, mascando chicletes sempre, correto, avantajado, feições alouradas e destruidor de famas pelo peculiar escárnio, carregando uma hérnia que mais parecia uma lata de queijo do reino entre as pernas e uma perseguição medonha para descobrir os pais biológicos que o abandonara em tenra idade.

Também o Gonçalo, esse nem fede nem cheira, dominado pela mulher, cuidador dos filhos, só faltando dar o de mamar para eles, mangador e maria-vai-com-as-outras, possuidor do cacoete mais intrigante de todos: o de amolegar as intimidades e depois ficar cheirando os dedos - pantim desgraçado esse, reclamavam.

Outro da recada era o Mô Desentoado, esse desinfeliz tinha o poder de trucidar tímpanos com sua viola num acorde de sol e solfejando a melodia da toada em si bemol, cheio das pregas como que abafando num show, com sua mínima diferenciação entoada mais popularmente conhecida por desafinação braba, caçula predileto da mãe, num dava um prego numa cocada mas que pelo paparicado dos pais era o mais afortunado do grupo, o mais cheio de nove horas e pabulagens.

Também o Selenito, magricela astuto, mentiroso de dar dó, peiticando com tudo e acometido de uma rouquidão que dava a impressão de que se estivesse numa câmara de hélio comprimido, ou seja, imitando Pato Donald para insultar a pacutia dos outros.

Essa a trupe dos tomadores, todos bebericando descompromissadamente numa manguaça desenfreada desde das dez horas matutinas sem se dar conta da hostilidade das águas na vez dos afogamentos. Glup! Era água que passarinho não bebe entrando pelo nariz, pelos ouvidos, pelos buracos todos do corpo. Isso até umasoras! Era uma sede de não haver que saciasse. Vai beber assim no raio que o parta!

E como já se aproximavam os festejos natalinos, eles estavam, como sempre, numa confraternização antes da hora. Bastava um motivo, pronto, uma comemoração. Se não tivesse motivo algum, arranjavam na hora.

Como sempre adiantados que só disco de embreagem deslizando, jingle bell, jingle bell, acabou papel, não faz mal, não faz mal, limpe com meu pau. Ora, assimétricas toleimas duma congregação de proscritos. Os caras já bebiam por nada, avalie, e quando comemoravam era mais que boca aberta nas cataratas de Nova Iguaçu e não dando vencimento para sede tamanha. Num sei como as tripas do bucho aguentavam tanto.

A discussão começara logo cedo para ver quem pagaria a conta. O liseu estava brabo, se bem que nossos diletos pinguços não se encontravam desempregados, mas que por via de cachaçada diária, gastavam a mais da conta. E como gastavam. Num tinha mês que resistisse, quando o salário chegava num dava nem dez dias. Tavam mais liso que sabão em asfalto novo.

- A gente devia de receber por semana o salário de um mês! -, reclamou Mô Desentoado. -, logo quem dizia isso, o mais folgado de todos, ensaiando uma xêxada no dono do estabelecimento comercial.

A trupe bebarrona tinha lá seus locais prediletos, mas este mês estava com o saldo estourado nos fiados dos botequins, décimo terceiro parcelado, gratificações suspensas e só chegaram ali por convite do Zé Sapinho que inaugurara o bar há poucos dias e recepcionaria aqueles inveterados bebedores para avaliação de sua empreitada e de braços abertos prontos para a crucificação. Tum! E era quiquiqui, cacacá. E tome mais.

Zé Sapinho abrira a exceção ao conceder-lhes baterem o centro no primeiro prego - olhe só que risco de xêxo; prego não, grampo de linha férrea; xêxo, o quê? Um jorge no coitado do dono, de trocar pinto por fuga de papa-léguas. E: nunca mais!

Pois bem, lá estavam eles, pedindo tira-gosto aos tantos numa prova ao paladar de saborear seu tempero, de passoca injeitada às iguarias ineivadas. Isso sem contar com as bebidas várias a julgarem da procedência e originalidade da sua adega, de café com coca cola a champanhe importada. Mais música ambiente conforme o gosto deles que interrompiam tantos discos a outros mais receptivos em detrimento de outros noutras mesas, isso no xote, no frevo, no maracatu, lambadas, bossas, axés, baladas, cheganças, marujadas, cirandas, cornagens e mungangas. Quer dizer: deitavam e rolavam assanhados, esfuziantes e dono das ventas.

- Meu, quem vai bancar essa conta? -, interrogou Gulu.

- A gente deixa no prego, depois paga, num tem serviço de proteção ao crédito que me iniba! -, finalizou Divaniço, agora mais posudo que antes: - E se inventassem uma serasa para botequim, hem? A gente tava f-u-fu-d-i-di-d-o-do!


Lá pelas três da tarde já exigiam que Sapinho suspendesse o atendimento de outras mesas, ficando ao dispor exclusivo deles. E pela atenção meteram elogios aos condimentos apimentados das comidas servidas, ingeriram cachaça de todas as qualidades, música de todos os gostos e, depois, calaram o maestro agulha e deram de começar sua própria batucada. Esquindô-dô-dô! Os bombos se arrepiaram!

"Truléu, léu, léu,
truléu da Marieta,
que nós somos marinheiros
dessa Nau Catarineta...”

E navegaram no mar dos copos por todos os oceanos possíveis, remando a bombordo rumo a que lugar imaginário, alhures. Melados, buscavam dragões mitológicos nos seus delírios, refaziam roteiros de antigos navegantes em suas ousadias, de vento em popa, atravessando tormentas até alcançarem a placidez das águas no copo beiçado e lambido que esperava enxutinho por outra talagada de três dedos. Que latitude então bordejavam abandonando as costas insulares e continentais? Que longitude poderiam seguir uma hora seguindo a observação da Estrela Polar. Noutra, seguiam sempre pela esquerda da Ursa Maior. Por conveniência da perdição de todos, anuíram de seguir a constelação do navio dos argonautas. A direção da venta e pronto. Era cada curva do nego ficar zonzo só com a imperícia, imagine.

Mais para as tantas noite adentro encontraram uma garrafa e no interior dela uma carta de suicida. Choraram, lavaram a alma e a culpa. Arrepiaram-se. Divaniço de agora como oficial condecorado Capitão de Mar-e-Guerra da nau, aboiava o cardume que se lhe seguia, acompanhado de Gulú, com o violão, que se tornara o Comandante, Carneirinho, com uma gaita, o Cirurgião-mor, Mô Desentoado, segurando um chocalho ritmado era o Vassoura Zelador proibido de emitir qualquer pigarro ou som gutural - desafinava até na tosse; e Selenito, batucando em sua disritmia capenga, era o Ermitão. Os outros ou quem quisesse, seriam mouros e vassalos deles.

Começaram com ubá dum casco de pau cavado na maior tiranada. Daí foram se transformando até num transatlântico, tamanha a invencionice deles. E cruzaram com canoas, pranchas, garoupeiras, lanchas, alvarengas, pirogas, bacuçus, - eita, u-ru! - vaticanos, baleeiras, vigilengas, gambarras, galeotas, - segura o tombo, doido! - baligiras, veleiros, balsas, serradores, palhabotes, saveiros, - "quem te ensinou a nadar? Foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar!" - batelões, galés, botes, cruzadores, - "assassinaram o camarão!" - barcaças, caravelas, boieiras, escaleres, fragatas, - "o meu navio também flutua nos verdes mares de norte a sul!" -  pelotas, burrinhas, paquetes, cabritas, navios, canhoneiros, - "o mari é lindo, a noite é bela, desfralda a vela, remar, remar!" - fragatas, petroleiros, oceanográficos, clíperes, rebocadores, cargueiros, - "como pode o peixe vivo viver fora da água fria, como poderei viver sem a tua companhia!" - quebra-gelos, geleiras, igarités, caçoeiras, -  "nem que eu bebesse o mar encheria o que tenho de fundo..."-  oiates, perus, chatas, jangadas, igaras, gambarras, piperis, cochas, catraias, - "o barco virou, tornou a virar, foi por causa..." - faluas, cúteres, almadias, catamarãs, escunas...

- Para onde será que vai todo mundo?

- Todos vão, quando não, para o vai não volta!!

E era meio mundo de coisas aparecendo na hora como o quadrirreme de Dias de Siracusa, mais os minoanos de Creta, os fenícios que iam para a Cornuália atrás de estanho, os vikings para a Groenlândia, icebergs imensos ajudando no queimor da pinga, submarinos militares, as bujarronas no gurupé das jangadas dos pescadores, o incêndio do bergantim na fuga do pirata Lancaster, o Padre Roma iniciando uma revolução, mestre Joaquim dando fuga aos negros escravos na jangada Juriquiti, as galeras de Antígono e Demétrio, o tenente João das Botas defendendo a ilha de Itaparica e derrotando a esquadra portuguesa do general Madeira - vivaaaa! Era o barco de Ptolomeu VI, Chico da Matilde na Liberdade, o mestre Filó acenando, o mestre Jerônimo mangando, o Roche-fort, o galeão das Cruzadas com os santos fajutos de Cristo, o Couronne bretão, o Royal-Louis de Toulon, o Sans-Pareil, o Clipper, o Santa Maria de Colombo nas beiras do Mundo Novo, o Great-Republic e tome mais. Não parou por ai. Bordejaram mais. Encontraram a paz universal de Kublai Khan, os estudantes do Profissional List of Rio Grande do Sul Marine Molusk e os da Lista Preliminar dos moluscos marinhos de Alagoas, epidemias de escorbuto, um cruzeiro de usineiros que sonegaram impostos e se riam da leseira da população, o pirata Jean Ango, o Jacques Custeau em suas pesquisas ultramarinas, El-Rei Dom Sebastião encantado ouvindo o choro dos sacrificados que velavam a sua ressurreição, o mundo de Artur Conan Doyle, o naufrágio do Titanic, uma manifestação dos sem-terra agora jogados na água; eita! Era o ataque de corsários furiosos a um bem perto, mais o velho de Hemingway, os piratas Durguay-Trouin, Jean Bart, Francis Drake, John Wawkins e Henry Morgan, as canções de Dorival Caymmi, os deputados corruptos de todas as assembleias legislativas dando tiro pelo flagrante, o Aaron Manby, o Rhadamanthus, o Otto Mahn, o Uss Tritão, o Clermont, o Comet, o Sirlus, o Great-Western, o Britânica, o Mauritânia, o Lusitânia, o Olympic, o United States, o Queen Elizabeth, o France, o Cristóforo Colombo, o Leonardo da Vinci, o Bismark, o Enterprise, o Savannah, o Holland, o Nautilus, o Triton, o George Washington, o Batiscafo, o Hidrodeslizador Hovercraft, a importação do cedro do Líbano, os capitães da areia de Jorge Amado, as trocas de mercadorias com a biblos fenícia, a vinda da escória portuguesa para o Brasil, a nau dos vivos em petição de miséria clamando a Deus por uma salvação, a dos mortos que se safaram das broncas naturais da vida; e ainda pensavam que estavam no Sea Diver ou no Conshelf, homenageando São Pedro, invocando o santo José de Ribamar e São Sebastião para não naufragar.

Gulu, mais espremido que nunca, pois já havia lido o Milhão, o livro de Marco Polo, cidadão de Veneza, chamado Milhão, onde são narradas as maravilhas do mundo, vinte e quatro anos pelo Oriente e questionava quando será que o homem fará domicílio nas águas porque a terra poluída e degradada não lhes dará razão alguma mais para moradia? Que os latifúndios avarentos expulsariam, que os poderosos excluiriam, que a fome e a desgraça afugentariam, que os impostos e o custo de vida desterrariam, que a impossibilidade de vida na crosta terrestre os transformaria em aquanautas incólumes das desigualdades do planeta terra que se transformaria para os pobres e desvalidos em água. Deu em nada. Escaparam todos os acontecimentos entre os dedos, fazendo os outros, ouvidos de mercador. E o La Jolla? Pulmões ou guelras? Para quem leva porrada assim mesmo, melhor tentar mergulhar, num é, não? Ou se afoga ou morre pisoteado. Qual? Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Ou nada ou nada.

Gulu ainda insistia com a voz engrolada, sem saber que raciocínio concatenar, falando do compasso da Navigare, a Carta Pisana, as tabelas de Amálfi, do quadrante, do astrolábio, do sextante, que giroscópio então? Que bússola?

- Eu não sou peixe pra viver na água! Mas que aqui em cima, na crosta terrestre, a coisa tá braba, tá! -, sentenciou o afônico Selenito.

- Já pensou a gente chegar o tanto de viver em menos de metro quadrado? -, Mô Desentoado contrapôs: - morreria tudo sufocado, num era não?

- Vocês estão com muita pacutia, isso sim! -, reclamou Divaniço.

- Eu que vou mergulhar gente! -, pulou na água Gonçalo. E mergulhou na fundura, no meio de vegetais marinhos e plânctons, buscando o búzio dourado das ilhas Fidji. Inútil, já tinha mais de mil atrás disso. Homem ao mar! Quase morre afogado num fosse a intervenção de todos.

Carneirinho puxou a rede, desmalhou peixes e eis que veio um molusco que Gulu já trazendo consigo um galão de álcool na busca de conchas, aprofundou seus conhecimentos de malacologista, ampliando seu rol de culturas inúteis como a de interpretar sonhos enigmáticos, decifrar charadas e trava-línguas, buscas cosmogônicas de registros acásicos, primórdios teocráticos e teológicos, o que determinava seu ateísmo voluntário por descrença que qualquer religião valha mais que uma bosta fedida.

- "Venho deitar uma loa, que andei té agora estudando!"

Selenito, fanhoso e debilitado pelo excesso de álcool ingerido, se segurava no mastro real da embarcação, fingindo traquete, com três ou quatro vergas, a bandeira do Brasil num dos dois mastaréus, tendo todos os estais, brandais, ovéns, o nome Nau Catarineta escrito na proa, orgulhoso de se ter a oportunidade de estar numa verdadeira La Nave Va.

- Que broa boa!

- "Não falo em broa, parvo, senão em loa que é louvor!" - frisou emputecido Gulu.

- Essa não é a Nau Catânia não, viu gente? -, zombou Carneirinho com uma só virada de copo, vira, vira, vira, vira, vira, vira, vira, vira, vira, virou!

- "Quando meu mestre me manda correr nau pela proa, vem-me logo na lembrança as mulheres que são boas!" -, fez munganga rouca Selenito.

Uma grande lamparina de folhas-de-flandres, a querosene e de morrão grosso à prova de vento, acesa nos mastros, iluminava os intrépidos navegadores que surrupiavam o vernáculo. Esqueceram que quando se estar no mar não se assobia, nem se canta, nem se conversa para não despertar a fúria do mar em ondas altas e espumantes. Só se reza, salvando-se de batalhas como a de Alcácer-Quibir. Quando vão a vento, vão à vela; quando para, vão de vara ou zunga. O certo é que fugiam das corredeiras e dos pés-de-vento. Por enquanto iam a barlavento, mas outra hora se mordiam e já seguiam à sota-vento. Depois à deriva. Bote goladas nisso. Tomavam ora direção a bombordo, mas já adernavam a estibordo. Foi aí que a carranca da proa deu três gemidos, sinal de maus presságios. Ficaram atentos.

- Governa o leme, homem! -, gritou Selenito. Desouviam. O proeiro e o bico de proa se agarravam aos cabos de espeques para melhor equilíbrio no mar. E cantaram assim mesmo, molhados até a última encarnação.

- "Marinheiros somos, marujos do mar, nós que de longe viemos para vos vir festejar!"

Eis que um estranho folgado, daqueles arregueiros que invadem a cachaçada dos outros, simpatizando dos três tempos e sapateado, adentrou na nau deles no maior arrego. Estavam tão embevecidos com seus acordes que nem tavam nem aí praquele que se dava já por Gageiro no meio da troça.

- O rei mouro quer nos foder a alma! -, berrou o Gageiro.

- Êêêêêêêê! Tirar o tiruléu! -, todos em coro!

- Ê boi do cu cagado! -, sentenciou Divaniço Capitão.

- Tiruléu, léu, léu!

- "Aqui viemos Deus Menino, vosso festejo formar; uma cruel, longa história nós viemos relatar."-, relatou o Capitão: - "rema quem rema, bravo marinheiro! Quem não rema não ganha dinheiro!"

- Rema pra mim, rema pra tu, quem não rema direito, vai tomar no cu!

- "Estamos prontos para pelejar e navegar convosco sobre as ondas do mar!" -, fecharam todos.

E tomaram cada qual o seu lugar com trejeitos e rapapás nos enfrexates laterais. O gageiro inquieto nas enxárcias, depois na verga do velacho, ou no mastro do traquete ou no mastro da mezena, um bicho arisco e estradeiro. Veio então a fome. De tudo já comeram, acabaram todos os mantimentos. Verdadeira inanição assolada. Foi quando tiveram a ilustre ideia dos antropófagos. Pelo jeito iam comer uns aos outros. Aplacando os canibais, o Gageiro botou ordem na casa. Botaram no jogo da porrinha quem seria a vítima sacrificada para saciá-los. Era a sorte, quem fosse que fosse. O Gageiro comandava a organização da pugna. E vieram chamas, palpites nos palitinhos. Vieram todos de lona, revogaram tudo e olhe que o blefe foi dos altos. De novo. O Mô Desentoado foi o primeiro a ficar de fora. O Gulú estava esperto, adivinhou o palpite certo, eximindo-se. Carneirinho foi na medida, escapuliu. Gonçalo, numa cagada, ficou na lateral. Selenito escapou fedendo. Divaniço, o comandante, era o desafortunado. Então, como último pedido, solicitou ao Gageiro que subisse no mastro a ver se avistava salvação. Os outros já com língua lambendo os beiços esperavam imolá-lo vivinho.

-  Avisto terras de Espanha, areias de Portugal! -, cantou o Gageiro!

- Gageiro, pela minha salvação, dou-te a filha que tenho, todas as moedas do bolso e quantas quiseres mais!

- Não quero nada, quero a tua alma!

- Vôte?!?

- Quero a tua alma, apenas.

- É o tinhoso, gente!

- Sou regatão, negocio vidas nas águas.

Todos estremeceram. Ficaram assustados, cada qual encostado nas bordas do navio. Era um fedor de enxofre da porra!

- Não adianta, é você que eu quero!

- Não vou vender minha alma ao diabo, nunca! -, e benzeu-se ininterruptamente.

- Seu destino está traçado, vou levá-lo por bem ou por mal!

- Eu sou jovem ainda, não mereço agora morrer!

- É agora ou nunca!

- Se tenho opção, prefiro nunca!

Divaniço sem saída pulou dentro do mar e eis que um anjo salvou-lhe a vida. O sangreiro velho espirrava na sua cara. Ele notou nas mãos que seu rosto estava enxaguado. Rárárárárá! - riam-se todos.

- Outro tombo desses, tu perde a vida desgraçado. Como é que o cara fica bêbo de dar um cochilo no copo de quase morrer afogado? © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

 A arte do pintor do Modernismo brasileiro Cícero Dias (1907-2003). Veja mais aqui e aqui.

Veja mais: Primeira Reunião, Cicero Dias, Heitor Villa-Lobos, Turíbio Santos, Patativa do Assaré, Pier Paolo Pasolini, Rubem Braga, José Geraldo Batista, Bárbara Sukowa & Magrethe von Trotta aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Veja aqui e aqui.


quarta-feira, julho 15, 2015

DERRIDA, LORCA, WALTER BENJAMIN, CICERO DIAS, LIA ROBATO, GRETA, REMBRANDT, PAULO MOURA & BRINCARTE DO NITOLINO


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? ANIVERSÁRIO DE ANINHA – Vez em quando eu me pego cantando “[...] se lembra do futuro que a gente combinou, eu era tão criança e ainda sou...” (Maninha, do Chico Buarque). Essa canção me leva a repassar deliciosamente a fagueira infância com todas as brincadeiras, presepadas e singelezas que só essa fase da vida proporciona. E quando se é cinquentão com o alcance da adulteza tardiamente é que essas rememorações se tornam muito mais pronunciadas no afeto e emoção. Logo eu que fui menino a vida toda, só saindo dessa condição com a crueza do cotidiano ao longo dos últimos anos, contudo sem nunca perder a ternura e o encanto com a vida que só a infância sabe e pode preservar num sujeito, avalie. Ainda hoje me vejo buliçoso no quintal com todas as arteirices de um peralta além de todas as contas, remexendo em tudo desde o jardim florido de todas as rosas, a varanda de todas as recepções calorosas da amizade, na sala de estar virando meu palco pelos corredores e quartos, a inquietude buliçosa se esgueirando pela cozinha com todos os cheiros de comidas e guloseimas, para desembocar no quintal que se transformava no reino das traquinagens. Lembro e muito bem da minha irmã na garupa do velocípede pras minhas travessuras de guia na maior risadagem que se prolongou até o ginásio no bagageiro da bicicleta, aprontando das muitas e eu levado da breca. Lembro e como me lembro de fazer na porta do armário o nosso balancê, dele virar sobre a gente quebrando todos os pratos e utensílios; das amarrações ao pé da mesa inventando brincar nas privações e molecagens; o chamego com as madrinhas, tias e primas no nosso convívio; de fazer da cama pula-pula, de fugir da tabica de maínha pelas trelas, de viver muito e intensamente todo aquele momento guardado no tempo da memória. E me pego no mote do meu poema: Mãe, me deste a benção para Deus me seguir. E eu, louvado, a ti dedico o amor infinito das estrelas. Hoje sigo errante com o sentimento esconjurado. Longe do teu seio nada tem mais vigor. Por isso eu te dedico minha canção perene, a minha desatinada canção de amor perdida nos desencontros do meu país. Sou da tua carne o fruto, o teu sacrifício, a tua dor mulher. Foi no teu seio que encontrei amparo. Foi no teu seio que fui feliz. Foi no teu seio que aprendi a justiça. E nele vivi a sede eterna e o ter na repartição da coragem no chão. Sou a vez do teu ventre na queda do rio incólume. Sou ainda aquela criança com os olhos de amanhã roçando tua pele e descobrindo a vida na tua dedicação. Sou ainda aquela criança espevitada correndo peralta pelas névoas da lembrança no meio do mormaço da tarde. Sou ainda aquela criança que não sabe a distância entre o sim o não nos cacos de sonho. Sou aquela criança que sonhava a paixão pela professora dedicada e prestimosa fazendo um barulho que lateja no meu sexo, peito e cabeça. Sou aqueles olhos vermelhos com todos os sustos da roda gigante pelas labaredas do medo. Sou aquele menino arriado com as dores de fígado dentro da noite com vômitos surpreendentes na sala de aula. Sou a teimosia infantil no insulto da vó empunhando chicote que marcaram bolhas estigmatizadas no termo das coisas. Nada mais sou que aquele do namoro inocente com a tia, das aventuras amarradas no pano do pescoço, da barulhada imitando todas as máquinas dos motores ensurdecedores. Foi preciso a vida de 30 anos para sentir o desterro de Água Preta, a violenta decepção dos anos, o fumo logo cedo e as aprontações no Ginásio Municipal. Foi preciso a vida de mais de 30 anos para rever as noites insones com vô em Badalejo, a solidão eterna dos canaviais que expeliam a fumaça e eu tossia mais que tuberculoso. Foi preciso a vida de mais de 30 anos para saber que Batman era o sonho dos desenhos na televisão com a revolucionária Aninha mandando ver nas arengas e a passiva Anginha olhando tudo e aplaudindo com seu jeito tatibitati e o mimo exagerado por Geórgia abrindo a festa com tantas outras formas de não se saber dizer o que fazer. Foi preciso mais que 30 anos para entender que o dia não era um só nas coleções de gibi, no medo do coração de Jesus, na adoração fanática pelo pai, na fuga pro mundo ainda precoce pé na bunda e tataritaritatá! Foi preciso a vida de mais de 30 anos para que revisse a correria na bolinha jogada no campo de barro pelo bairro adolescente, no esgoelar desafinado na cantoria imaculada, no namoro escondido, no casório antecipado, na colhida de Carma quando a fuga era a saída para o sorriso e nas safadezas de Pai Lula ensinando que a vida não é só uma reza boba no cantinho do quarto. Foi preciso mais que 30 anos para saber da reprovação na escola, no ginásio e no colégio doendo nos corredores da faculdade por causa da pressa louca de conhecer o amanhã logo amanhã de manhã. Foi preciso mais que 30 anos para que tudo sinalizasse nos desejos que chegaram muito cedo com as moças e mulheres que rodeavam meu dengo e mimavam minhas vontades. Hoje sigo errante com todos os mitos daquela manhã religiosa comigo, o cérebro azeitado e a cabeça nas nuvens, a ternura fria de todos, a minha embriagues sempre exaltada, o exílio voluntário, a separação, a lâmina cortando a carne, o adulto órfão, o tempo e mais nada. Hoje sigo errante e ainda brotam desejos nas ilusões montadas pelas quimeras que desabam na certeza incontida de vencer o mundo em alta velocidade e já. Hoje sigo errante na penúria e luxo disfarçados. Entre o riso na cara lavada e o choro guardado no peito. Porque quando me vires abatumado pelos recantos de toda geografia deste país, é que estou vigilante eterno do meio onde vivo e da natureza de nossa vida. Quando me vires gritando pelas esquinas é que sustento o choro no peito de milhares de filhos deserdados e amaldiçoados de sempre. Quando me vires marchando nas ruas é que estou cantando o meu canto no futuro. Quando me vires varando de noite é porque não encontrei amparo no dia. Quando me vires chorar é que ainda não fui feliz. Quando me vires rompendo divisas é porque continuo a semear o melhor de ti, lutando incansavelmente pelos caminhos duros do amanhã. Hoje, na distância, só posso dizer Feliz Aniversário, Aninha, e veja mais aqui, aqui e aqui.

Imagem: Menina na janela, do pintor e gravador holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669). Veja mais aqui.

Curtindo o álbum Alento (Biscoito Fino, 2010), do músico, compositor e arranjador Paulo Moura (1932-2010), com o grupo Teatro do Som. Veja mais aqui e aqui.

BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia de reprise do programa Brincarte do Nitolino para as crianças de todas as idades e com uma programação especial  no blog do Projeto MCLAM. O programa conta com a apresentação da simpática apresentadora Ísis Corrêa Naves recitando poesias, comunicando e contando história, em dois horários: às 10hs e às 15hs, reprisando o que foi ao ar no último domingo com muita emoção, festa e entretenimento. Além disso, no blog do projeto Bricarte você pode conferir muitas coisas como as atividades desenvolvidas por Nitolino, quadrinhos, histórias e contações, lendas, poesias, pinturas  e outras dicas e informações sobre Educação Infantil, Psicologia Infantil, Direito das Crianças e Adolescentes, Literatura Infantil, Música Infantil e Teatro Infantil. Acompanhe o programa e confira no blog as últimas novidades. Confira aqui e aqui.

A ESCRITURA E A DIFERENÇA – O livro A escritura e diferença (Perspectiva, 1985), do filósofo franco-magrebino Jacques Derrida (1930-2004), criador da filosofia da Desconstrução – uma metafísica da presença -, aborda temas como a força e significação, Edmond Jabès e a questão do livro, elipse, gênese e estrutura, fenomenologia, a palavra soprada, o teatro da crueldade e o fechamento da representação Freud e a cena da escritura, estrutura, signo e jogo no discurso das ciências humanas, entre outros assuntos. Da obra destaco os trechos: [...] A escritura desloca-se numa linha quebrada entre a palavra perdida e a palavra prometida. A diferença entre a palavra e a escritura, é a falta, a cólera de Deus que sai de si, a imediatidade perdida e o trabalho fora do jardim. ‘O jardim é palavra, o deserto escritura. Em cada grão de areia, um sinal surpreende. [...] Toda saída do livro faz-se no livro. Não há dúvida de que o fim da escritura se situa para lá da escritura: A escritura que acaba em si mesma não passa de uma manifestação de desprezo. [...] Assim entendida, o regresso ao livro é de essência elítica. Algo invisível falta na gramática desta repetição. Como esta falta é invisível e indeterminável, como redobra e consagra perfeitamente o livro, repassa por todos os pontos do seu circuito, nada se modificou. E, contudo todo o sentido é alterado por esta faixa. [...] O futuro não é um presente futuro, ontem não é um presente passado. O além do fechamento do livro não deve ser esperado nem encontrado. Está lá, mas além, na repetição, mas evitando-a. Está lá como a sombra do livro, o terceiro entre as duas mãos que seguram o livro, a diferencia no agora da escritura, a distância entre o livro e o livro, essa outra mão. [...] A minha obra, o meu rasto, o excremento que me rouba do meu bem depois de eu ter sido roubado por ocasião do meu nascimento, deve portanto ser recusado. Mas recusá-lo não é aqui rejeitá-lo, é retê-lo. Para me guardar, para guardar o meu corpo e a minha palavra, é necessário que eu retenha a obra em mim, que me confunda com ela para que entre mim e ela o Ladrão não tenha a menor chance, que a impeça de cair longe de mim como escritura. Pois toda escritura é porcaria. [...]. Veja mais aqui e aqui.

O NARRADOR – O livro O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (Brasiliense, 1994), do filosofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), traz a reflexão do autor sobre o desaparecimento da figura do narrador na civilização, discorrendo sobre a importância da narrativa, sabedoria, informação e experiência, distinguindo o narrador que vem de longe (figura do marinheiro comerciante) e o narrador que vive sem sair de seu país, e conhece bem a tradição (figura do camponês sedentário), enquanto trata sobre o ofício do narrador e o trabalho manual. Da obra destaco o trecho: [...] A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica. Leskov começa A fraude com uma descrição de uma viagem de trem, na qual ouviu de um companheiro de viagem os episódios que vai narrar; ou pensa no enterro de Dostoievski, no qual travou conhecimento com a heroína de A propósito da Sonata de Kreuzer; ou evoca uma reunião num círculo de leitura, no qual soube dos fatos relatados em Homens interessantes. Assim, seus vestígios estão presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem as viveu, seja na qualidade de quem as relata. O próprio Leskov considerava essa arte artesanal – a narrativa – como um ofício manual. "A literatura", diz ele em uma carta, "não é para mim uma arte, mas um trabalho manual. "Não admira que ele tenha se sentido ligado ao trabalho manual e estranho à técnica industrial. Tolstoi, que tinha afinidades com essa atitude, alude de passagem a esse elemento central do talento narrativo de Leskov, quando diz que ele foi o primeiro "a apontar a insuficiência do progresso econômico... É estranho que Dostoievski seja tão lido... Em compensação, não compreendo porque não se lê Leskov. Ele é um escritor fiel à verdade". No malicioso e petulante A pulga de aço, intermediário entre a lenda e a farsa, Leskov exalta, nos ourives de Tula, o trabalho artesanal. Sua obra-prima, a pulga de aço, chega aos olhos de Pedro, o Grande e o convence de que os russos não precisam envergonhar-se dos ingleses. Talvez ninguém tenha descrito melhor que Paul Valéry a imagem espiritual desse mundo de artífices, do qual provém o narrador. Falando das coisas perfeitas que se encontram na natureza, pérolas imaculadas, vinhos encorpados e maduros, criaturas realmente completas, ele as descreve como "o produto precioso de uma longa cadeia de causas semelhantes entre si". O acúmulo dessas causas só teria limites temporais quando fosse atingida a perfeição. "Antigamente o homem imitava essa paciência", prossegue Valéry. "Iluminuras, marfins profundamente entalhados; pedras duras, perfeitamente polidas e claramente gravadas; lacas e pinturas obtidas pela superposição de uma quantidade de camadas finas e translúcidas... – todas essas produções de uma indústria tenaz e virtuosística cessaram, e já passou o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado."Com efeito, o homem conseguiu abreviar até a narrativa. Assistimos em nossos dias ao nascimento das hort story, que se emancipou da tradição oral e não mais permite essa lenta superposição de camadas finas e translúcidas, que representa a melhor imagem do processo pelo qual a narrativa perfeita vem à luz do dia, como coroamento das várias camadas constituídas pelas narrações sucessivas. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.  

CANÇÃO ANTIQÜE & OUTROS POEMAS – A poeta paranaense Greta Benitez é autora dos livros de poesias Rosas embutidas (1999), Café Expresso (2006) e Canção Antiqüe (2013), além de editar o blog Greta Benitez. Dela destaco inicialmente o poema Canção Antiqüe -Um elogio ao trema-: Em passeio por um bairro secreto da cidade, A Moça comprou escarpins de gelatina vermelha em uma butique chamada “Sorry”. Em uma delicatessen chamada “Paga lo que Deves”, achou um destilado de cor azul, o “Nick’s Lagoon”. Continuou a caminhada e, chegando na Alameda Lâminas, descobriu a loja especializada em objetos de charme chamada “Canção Antiqüe”. Lá, encontrou a poltrona usada por um escritor que não foi seu amante por um lamentável desencontro de épocas. Achou a almofada sinistra que uma menina bordava em fins de tarde de sol enviesado, enquanto tecia também planos macabros, após suas aulas de piano. Encontrou ainda um candelabro que fazia parte do acervo de um homem elegantíssimo supostamente apreciador de pratos preparados à base de carne humana. Havia também livros antigos pertencentes a uma senhora biliardária que voltou para a sua terra, o país Nona Sinfonia, tendo doado toda a sua biblioteca para este antiquário. A Moça foi abraçada por um desejo fatal de possuir um deles. E o escolhido foi este livro velho que – quem diria? – agora está em suas mãos. Também o poema Finíssima: A mulher gigante chega à cidade / no centro tropeça em prédios / quase cai / mas arruma a fivela da sandália / sentada sobre o Edifício Itália. / Com o tédio de sua beleza iluminada / logo pela manhã / enrola seu interminável cachecol / acende um cigarro no sol / e lixa as unhas no Copan. / Por seus passos a cidade estremece / quando anoitece / sem que ninguém veja / espia por trás da igreja /a noite acesa na Praça Roosvelt. / A cidade cuida dela / para que nada maltrate seu imenso coração / já que uma lágrima apenas / causaria uma inundação. Finíssima: champagne e ternura / um olhar que vai além. / Assim ela cuida da cidade também. O não menos destacável Visitas: Nesta madrugada recebi a visita da moça de olhos verdes com o livro, das duas meninas travessas, das freiras e padres e seus discípulos, os quais tinham sido beijados durante a cerimônia. Também teve a amiga antiga, que insistiu para que eu comesse o mocotó da festa religiosa (não comi), além das garotas das receitas à base de milho, da minha mãe, meu pai e seus amigos importantes, que conheciam a moça de olhos verdes. Também um rosto conhecido que vi no espelho e não era o meu. Foram todos muito bem-vindos. Veja mais aqui, aqui e aqui.

BODAS DE SANGUE – A peça teatral Bodas de sangue (1932), do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936), integra a trilogia formada por Yerma e A Casa de Bernarda Alba, explora a possibilidade do irreal em que a Lua e a Morte ganham vida no desenrolar da trama e no auxilio da luta ritualística entre o Noivo e o pretendente da sua noiva. Da obra destaco o Quadro II do 2º Ato: (Exterior da cueva da noiva. Cores branco - acinzentadas e azul - frias. Grandes figueiras–da-índia. Tons sombrios e prateados. Panorama de mesetas de cor pastel, todo endurecido, como paisagem de cerâmica popular.) CRIADA (arrumando copos e bandeja s em uma mesa) — Girava, girava a roda e a água passava. Porque é dia das bodas, que se afaste a ramagem e que a lua se estenda pela branca varanda. (Em voz alta) Ponha as toalhas! (Em voz patética) Cantavam, cantavam os noivos e a água passava. Porque é dia das bodas, resplandeça o orvalho e se encham de mel as amêndoas amargas. (Em voz alta) Prepare o vinho! (Em voz poética) Formosa, formosa desta terra, olha como a água passa. Porque são tuas bodas, guarda as roupas rendadas, e à sombra da asa do noivo nunca mais saias de casa. Porque o noivo é como um pombo, com o peito todo em brasa e o campo espera o rumor do seu sangue a ser derramado. Girava, girava a roda e a água passava. Porque são tuas bodas, deixa então que brilhe a água. MÃE (entrando) — Até que enfim! PAI — Somos os primeiros? CRIADA — Não. Há pouco chegou Leonardo com sua mulher. Correram como o diabo. A mulher estava morta de medo. Chegaram tão rápido como se tivessem vindo a cavalo PAI — Esse aí está procurando desgraça. Tem sangue ruim. MÃE — E que sangue podia ter? O mesmo da família toda. Vem do bisavô dele, que começou matando, e continua em toda essa ralé maldita, gentalha de faca pronta e de sorriso falso. PAI — Não ligue para ele. CRIADA — Como é que não vai ligar? MÃE — Isso me dói até na ponta das veias. Olho para cada um deles e só vejo a mão com que mataram o que era meu. Está me vendo assim? Não pareço louca? Louca, sim, por não ter gritado tudo o que meu peito precisa. Trago no peito um grito sempre de pé, que tenho de castigar e esconder entre os mantos. Mas levam os meus mortos, e tenho que calar. Depois, o povo critica. (Tira o manto.) PAI— Hoje não é dia de lembrar essas coisas. MÃE - Quando se fala nisso, tenho que desabafar. E hoje mais do que nunca. Porque hoje vou ficar só, na minha casa. PAI — Mas depois vai ter companhia. MÃE — Essa é a minha ilusão: os netos. (SENTAM-SE.) [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

EU VI O MUNDO NO RECIFE – O curta metragem Eu vi o mundo… ele começou no Recife (2003), é um documentário realizado e dirigido por Mário Carneiro, reconstituindo a memória do artista plástico Cícero Dias (1907-2003), envolvendo as circunstancias históricas e a motivação criadora que resultaram no famoso quadro, de sua autoria, Eu vi o mundo... ele começava no Recife, considerado o marco zero da moderna pintura brasileira. O documentário descreve com detalhes os elementos temáticos do painel, que media originalmente 15 metros de comprimento por 1,94 de altura. Durante sua exposição, vândalos cortaram três metros da tela, onde apareciam nus considerados escandalosos. Em longo depoimento, o artista, que faleceu logo após a conclusão do filme, dá informações que ajudam a compreender os aspectos simbólicos expressos na obra e fala sobre os episódios históricos que o acompanharam na sua criação. O documentário é belíssimo e tem a trilha sonora assinada por Hermeto Pascoal. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
A arte da coreógrafa, professor e pesquisadora de dança Lia Robato.


Veja mais sobre:
O dono da razão, A canção do exílio de Murilo Mendes, Identidade & etnia de Carlos Rodrigues Brandão, A socioantropologia de Maria Sérgio Michaliszyn, a pintura de Francisco Zúñiga & Mônica Alves Torres, a arte de Jules Pascin & a música de Ju Martins aqui.

E mais:
O culto da rosa: canção à flor, mulher amada, Totalidade & infinito de Emmanuel Lévinas, Mundo fantasmo de Bráulio Tavares, a música de Wojciech Kilar, A arte do teatro de Gordon Craig, Erotic Symphony de Jess Franco & Susan Hemingway, a pintura de Paul Delaroche, as gravuras de Paul-Émile Bécat & a poesia de Fernanda Guimarães aqui.
Poemas de Paul Verlaine & Denise Levertov, a pintura de Paul Delaroche, a fotografia de Patricia Hampl, a música de Marcoliva & a poesia de Lourdes Limeira aqui.
Alegoria da loucura, O livro do cortesão de Castiglione & Coríntios aqui.
Fecamepa, Gestalt-terapita de Friederich Perls, Contos e novelas de Jean de La Fontaine, a poesia de Laurindo Rabelo, Auto da alma de Gil Vicente, Crônica da cidade amada de Carlos Hugo Christensen, a música de Diversões Lúdicas, a pintura de Ignaz Epper, Brincarte do Nitolino & Cia Ópera na Mala aqui.
Espectro da fome de Josué de Castro, A ilíada de Homero, a música de Mercedes Sosa, Conversation Noturne de Martha Angerich, a pintura de Tamara de LempickaEliezer AugustoAna Botafogo & a poesia de Genesio Cavalcanti aqui.
Outra globalização de Milton Santos, À sombra das raparigas de Marcel Proust, As nuvens de música de Véronique Gens & Stark Naked Orchestra, Cleópatra & Elizabeth Taylor, a poesia de Clevane Pessoa de Araújo Lopes, a pintura de Camille Pissarro & Howard Chandler Christy aqui.
Primeiro de maio, o pensamento de Mahatma Gandhi, Kark Marx, Adam Smith, David Ricardo, O trabalho & os dias de Hesíodo, a pintura de Tarsila do Amaral, a música de Chico Buarque & Milton Nascimento aqui.
As drogas & as campanhas antidrogas, O pensamento de Milton Friedman, On the Road de Jack Kerouac, A droga é só um pretexto de Francis Curte, Bioética de Javier Gafo Fernández, a música do Yes, a pintura de Carlos Schwabe & Félicien Rops aqui.
A vida, a terra, o homem & a bioética, A condição humana de Hannah Arendt, Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa, Pau Brasil de Oswald de Andrade, a poesia de Patativa de Assaré, Dos confins do sertão de Elomar Figueira de Mello, Cronologia pernambucana de Nelson Barbalho, a arte de Fernand Khnopff, a pintura de Shere Crossman & Antonio Cláudio Massa aqui.
Que país é esse, Brasilsilsilsilsilsil, As coroas & máscaras de Eduardo Galeano, Não verás país nenhum de Ignácio de Loyola Brandão, Aos trancos & barrancos de Darcy Ribeiro, Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, a poesia de Castro Alves & Affonso Romano de Sant’Anna, Samba do crioulo doido de Sérgio Porto, Ary Barroso, Juca Chaves, Dias Gomes & Ferreira Gullar, Gonzaguinha & Ivan Lins, Chico Buarque & Ruy Guerra, Canto das Três Raças, Flávio Rangel & Millôr Fernandes, Maurício Tapajós & Aldir Blanc, Joyce & Fernando Brant, Renato Russo & Cláudia Alende aqui.
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