LEON ELIACHAR –Era eu ainda adolescente com meu pouco mais de
quinze anos de idade, quando tive acesso ao O homem ao cubo, O homem ao zero, O
homem ao meio e, finalmente, O homem ao quadrado, todos do judeu egípcio de
nascimento e, como ele mesmo dizia, tão brasileiro como qualquer brasileiro,
Leon Eliachar (1922-1987). Confesso: lasquei-me de tanto rir. Esse jornalista
de humor da imprensa escrita e falada do Brasil trabalhou em diversos jornais e
revistas do país, quando vi pela primeira uma de suas crônicas jocosas no
Última Hora. Depois disso, queria ler tudo dele e sapequei as vistas segurando
o bucho das risadas, até o dia que completei vinte e sete anos – verdade, era
meu aniversário -, e soube na manchete de um jornal paulista do seu assassinato
no Rio de Janeiro, cometido por um fazendeiro paranaense vingando enciumado o
relacionamento dele vítima com a esposa do homicida. Isso não teve graça
nenhuma, a ponto de se perder no tempo e no meio das pilhas de livros
amontoados nas minhas estantes e pelos cantos do quarto que ouso chamar de
biblioteca dos monturos. Como o produto livro está caro pra dedéu, resolvi
viver de releituras (ainda bem que me restou esse luxo). E nos últimos dias,
tentando arrumar a zorra toda, dei de cara com o sempre risível e atualizadíssimo
O homem ao quadrado.
PRE...FAÇO
A gente nasce,
cresce um pouquinho, vai brincar de esconder com os meninos da rua, quebra
vidraça do vizinho, mamãe chega e põe a gente de castigo, não dá sobremesa
durante uma semana, papai suspende a matinal do cinema e se a gente facilita
ainda vai pra um colégio interno. Depois a gente cresce mais um pouquinho, já
está na escola aprendendo uma porção de coisas que a gente não sabia como era
nem por que era, mas acaba sabendo só como, já que o por que a gente nunca
aprende. Isso não se faz, aquilo é muito feio, veja o exemplo de fulano, que é
um homem direito e respeitável. Aí a gente resolve também ser um homem direito
e respeitável. E acaba sendo humorista. Foi assim que abri a porta de casa e
saí. Nunca mais voltei. Lá fora, me diziam uma coisa, eu via outra. Nada importava:
já não precisava das notas mensais para passar de ano. Agora os anos passariam
por mim. Eu só olhava. Este livro é o meu mundo e o seu mundo – mas como eu o
vejo. Você é até capaz de rir: ou de mim, ou do mundo.
A MULHER
EXEMPLAR
Antes de tudo,
linda. Esbelta. Elegante. Um olhar inteligente. Lábios frescos, bem vermelhos. Pele
rosada. Cabelos castanhos claros. Joias caríssimas. Não fumava. Não bebia. Não jogava.
Centenas de pessoas paravam para admirá-la. Era discutida. Na maioria das vezes
elogiada. Enaltecida. Permanecia impassível. Indiferente. Seus olhos azuis
pareciam brilhar de orgulho. Incapaz de dar um sorriso para quem quer que a
fitasse. Era um quadro.
A MULHER
CUSTA UM SIM DE ENTRADA E VARIOS QUERO MAIS A LONGO PRAZO
Quando um homem
pede a mão de uma mulher, raramente ele pode imaginar quanto vai lhe custar o
resto. Sim, porque a mulher só se acha realmente mulher quando mergulha numa
porção de substancias que, segundo ela, lhe dão o chamado toque final. Assim,
se colocássemos uma mulher num laboratório, para uma analise minuciosa,
separando todas as substancias, certo é que de mulher mesmo, pouco sobraria; o
excesso seria o relógio de pulso, pulseirinha, figuinha, figuinha maior,
figuinha pouco maior, figa propriamente dita, figa grande, figa enorme,
anelzinho de pedra falsa, anelzinho de pedra verdadeira (sem pedra), broche,
colar, meia transparente, cinta, sutiã, anágua, calcinha, sapato, batom; xampu,
grampos, cilion, creme facial, ruge, pó de arroz, perfume, piteira, água de
colonia, esmalte, luvas, caderninho de telefone, isqueiro, cigarros, lencinhos,
ligas e uma bolsa bem pequena – onde ela consegue meter tudo isso. Como se vê,
de mulher mesmo só restam 10%. Uma mulher completa, hoje em dia, custa uma
fortuna; uma mulher simples é mais barato, mas ninguém vai querer sair
desfilando por aí com apenas 10% de mulher – isso até dá a impressão de que
deixou o resto no prego. O grande erro do homem, portanto, é chamar de cara
metade o outro pedaço que ele escolhe para ser sua companheira: o certo mesmo é
cara dobro, porque daí em diante é que ele vai passar a gastar exatamente o
dobro do que gastava em solteiro. Mas infelizmente o homem não pensa assim,
pois o serviço de relações públicas da mulher é dos mais perfeitos do mundo. Ela
passa o dia inteiro convencendo o homem que, se ele casar com ela, reduzirá
pela metade todas as suas despesas. Onde come um, comem dois, diz ela – mas sempre
esquece de dizer que o prato dele será dividido com ela e ele passará a comer
apenas meio prato no almoço e prato no jantar. A habilidade da mulher chega a
tal ponto, que ela não se cansa de frisar que dará uma excelente dona de casa. Vai
daí, que o homem acredita mesmo, e na hora de assinar o contrato do até que a
morte nos separe, ela impõe clausula de comunhão de bens. Depois ao menor
pretexto, brigam e se separam e, geralmente, cabe à mulher receber uma casa –
justamente quando ela vem provar o que sempre disse: que daria uma excelente
dona de casa.
MULHER
QUE SE PREZA NÃO MENTE: INVENTA VERDADES
Enquanto o homem
inventa foguetes para ir à Lua, a mulher inventa macetes para viver na terra. Sua
capacidade inventiva a coloca entre os seres mais evoluídos do mundo, incluindo
nisso o próprio homem, ou melhor, alguns homens, ou mais precisamente: o seu
marido. Desde a maçã de Eva, até os tempos de hoje, que a mulher não dá tréguas
à sua mirabolante imaginação, criando, com a sua inesgotável fonte de
sagacidade, algumas das mais engenhosas invenções da humanidade, como o bolo, a
tia, o dentista, a irmãzinha menor, o telefone enguiçado, o extravio, a cabeça
lavada – e até mesmo o etc. O bolo foi inventado para as situações difíceis. Para
evitar o outro bolo, o posterior, cujas consequências ela não pode prever, usa
o primeiro. A tia foi inventada para casos de doença, onde a mulher vai
repousar. Mulher que passa o dia na casa da tia não é vista por ninguém, mas em
caso de desconfiança a tia é o mais perfeito álibi que se possa imaginar. O dentista,
que hoje evoluiu e tentou tomar o nome de odontologista, mas que não pegou,
porque a mulher que passa a tarde toda na rua nunca vai ao odontologista, mas
sim ao dentista, entre outras coisas, tem a vantagem de tratar dos seus dentes.
A irmãzinha menor serve de pretexto, não só para evitar certos abusos de certos
cavalheiros cuja companhia ela adora para levá-la ao cinema, como inclusive
para chegar cedo em casa, deixar a irmãzinha – e sair de novo com o abusado de
quem ela gosta. O telefone enguiçado não passa de um telefone bom que a mulher
põe fora do gancho e vai pra casa da vizinha receber os telefonemas que lhe
interessam – e só assim fica livre daquele noivo chato que lhe telefona
diariamente e não decide coisa nenhuma. No dia seguinte, ela toma a iniciativa
de reclamar do noivo. A falta de consideração, pois ela de cama, sem poder
levantar, e ele nem sequer um telefonema – e não adianta explicar coisa nenhuma
porque essa historia de dizer que o telefone estava ocupado é uma chapa muito
batida, pode perguntar pra vovó, que ficou ao meu lado a noite inteirinha e ninguém
nem pegou no telefone, e o noivo, completamente desmoralizado, encontra a saída
do então o seu telefone estava enguiçado – e isso ainda rende uma cestinha de
flores. O extravio é o invento mais genial dos últimos anos porque antes mesmo
do homem inventar o correio, já ela – a mulher – havia bolado o extravio. Só assim
ela pode ir à praia, ao cinema, à sorveteria, à costureira, à manicure, não lhe
sobrando o mínimo tempo para escrever uma cartinha ao namorado que está fora –
e por mais que o homem conheça a mulher, não resta dúvida que ele conhece muito
mais o correio. A importância do extravio na vida de uma mulher é tão grande
que as estatísticas acusam anualmente um grande índice de juventude extraviada.
A cabeça lavada é um pretexto pra mulher não sair e passar a noite jogando
biriba com as amigas. Mulher que lava a cabeça todo dia, não tenha dúvida: é
viciada em jogo.
A PARTE
MAIS CARA DA MULHER ESTÁ NA CARA: A LÁGRIMA
Quando a mulher
começa a chora, não há dinheiro que chegue para fazê-la parar. Não adianta
oferecer lenço, não adianta oferecer conselhos; o homem experiente sabe
perfeitamente que o talão de cheques é o único mataborrão capaz de sacar os
seus olhos, e mal acaba de assinar o nome, já a mulher está sorrindo. Mas o
pior não é isso; é que a mulher chora sob qualquer pretexto e, muitas vezes,
até sem pretexto – porque até a falta de pretexto é pretexto pra mulher chorar.
Conclui-se, portanto, que a mulher chorando é cheque ao portador, daí a
expressão de que mulher custa rios de dinheiro. Um homem pode perfeitamente dizer
que vive com a sua mulher há dezenas de litros... Quando se pergunta à mulher
por que motivo está chorando, nem ela mesmo sabe; mas se lhe perguntam o que
ela quer para parar de chorar, isso ela sabe. Difícil, se não impossível, é
descobrir a verdadeira razão das suas lágrimas; nem mesmo Freud se aventurou a
tanto, que ele não era bobo de cair no ridículo. De fato, o assunto é
demasiadamente complexo: mulher chora que está sozinha, chora quando está
acompanhada, chora quando namora, chora quando desmancha, chora quando fica
noiva, chora quando casa, chora quando tem filho – se é menino, chora porque
queria menina; se é menina, chora por que queria menino. Mulher não tem mais o
que inventar para chorar: tira fotografia e chora porque saiu feia; quando
folheia o álbum de recordações, chora com saudades do tempo em que era bonita. No
lar, então, nem se fala: se o marido não vem jantar, chora porque tem de jantar
sozinha; se o marido vem, chora porque tem de cozinhar. Se o marido quer sair,
chora porque quer ficar em casa; se o marido quer ficar em casa, chora porque
quer sair. Se o marido a leva ao teatro, chora porque queria ir ao cinema; se a
leva ao cinema, chora porque o filme é triste, e quando o filme é alegre, chora
porque queria que fosse um filme triste. Para o choro da mulher só há mesmo uma
solução: assim como já existe o Banco de Sangue, devia haver também o Banco de
Lágrimas: o marido faria o deposito em dinheiro e a mulher sacaria com
lágrimas. Era só chegar no balcão e abrir o berreiro.
EPITÁFIOS
Epitáfio de um caçador: foi o dia da caça.
Epitáfio de um coveiro: chegou a minha vez.
VIOLÊNCIA
Segurou a moça pelo
braço e fê-la deitar-se depois deu-lhe vários puxões no pescoço. Ela gritou. Ele
não teve a menor reação. Passou a dar-lhes tapas no rosto. Ela tentou
retirar-se, mas ele segurou-a violentamente e colocou-a de costas. Puxou-lhe as
pernas, os braços, e começou a dar-lhe socos nas costas. Depois de algum tempo,
disse apenas: - Agora pode ir. Era massagista.
COM QUAL
DAS DUAS?
Brigite e Caroline
eram vizinhas e muito amigas. Acontece que ambas conheceram Leon no mesmo dia e
ambas lhe deram o telefone para convidá-las a um passeio. Sabendo-se que as
duas eram bonitas e jovens, com qual das duas saiu Leon no dia seguinte?
Resposta: Com Brigite. Não discuta a lógica desta resposta, pois o Leon do
teste era eu.
CONSULTÓRIO
SENTIMENTAL: CARTAS
Ele tentou segurar
a minha mão e eu não deixei. Tentou de novo e eu não deixei. Tentou durante
dias, semanas, meses, e eu não deixei. Soube hoje que ele casou com a minha
melhor amiga. Que devo fazer? (Impaciente – Cachoeiro). Resposta: deixe ele segurar
sua mão, agora.
Sou jovem, dezoito
anos, loura, bonita, meiga, carinhosa, vencia duas competições de plástica,
tenho curso superior, sou elegante mas ninguém
me dá bola... (Beija-Flor – Copacabana). Resposta: Passe aqui.
COMO
EDUCAR SEU FILHO: SEU FILHO NÃO QUER IR À ESCOLA?
Não se preocupe,
isso é normal. Lembre-se de que você também, quando criança, não queria ir à
escola; seus pais o acabaram mandando à força. De que adiantou isso? Você não
vive se queixando do alto custo de vida? Você não se sente um deslocado entre tantos
analfabetos? Se com você não deu certo o estudo por que não tentar a completa ignorância
do seu filho? Se o estudo não pode garantir um bom futuro para ele, ao menos
deixo-o aproveitar o presente matando passarinhos e caçando borboletas. Você
estudou para ter um futuro, pois não esqueça que seu filho de hoje é o seu
futuro de ontem.
LIÇÕES
DE ESTILO
Não discuta mais de um soco na cara.
Biquini é um pedaço de pano cercado de mulher por
todos os lados.
Descruze as pernas, menina, que você não está no
escritório.
Há dois tipos de esposa: a que arruma a casa e a que
se arruma.
Você se julga o melhor dos maridos? Então explique:
por que sua mulher lhe apontando, como exemplo, os maridos das outras?
A ultima vez que viu o amigo, ele estava examinado o
cano, e o amigo, o gatilho.
Senhora advertida pelo guarda, depois de avançar o
sinal: - Vi o sinal, sim senhor, o que não vi foi o guarda.
Camelô é esse sujeito que passa a metade do dia
explicando aos curiosos como funciona o seu balangandã e a outra metade à
policia como funciona o seu negócio.
Confissão é a limpeza que fazem na nossa consciência
tendo o cuidado de deixar sempre um pequeno saldo.
Democracia é esse sistema de governo em que todos
concordam em discordar um do outro.
Discussão é isso que começa quando duas mulheres chegam
a um acordo e uma terceira está ouvindo.
Mulher é um amontoado de palavras numa embalagem de
carne e osso.
Promissória é um intervalo entre uma assinatura e um
milhão de desculpas.
Secretária é a moça que arruma a vida do patrão e desarruma
a da patroa.
Sexo é a coisa que antes de Freud era indecência,
depois, psicanálise.
Striptease é uma mulher vestida de olhos.
Zarolho é o sujeito que tira uma pequena pra dançar
e saem duas.
Bebeu durante duas garrafas de uísque e uma
radiopatrulha.
Casou depois de 856 não e um sim.
Foi datilógrafa durante seis patrões e um casamento.
Usou o automóvel apenas dois quilômetros e um poste.
Beijaram-se
durante quatro discos e um enguiço na vitrola.
Entrevistou
47 índios e um antropófago.
Amor
é isso que começa a acabar num lugar no momento exato em que acaba de começar
em outro.
A Justiça
anda tão devagar que quando o sujeito é julgado por um crime já cometeu mais
quatro.
Com
a primeira folha de parreira surgiu o primeiro problema da moda feminina: onde
colocá-la?
As
estatísticas não falham: para cada homem solteiro há sempre uma mulher casada.
De
bomba em bomba o mundo vai construindo a sua paz.
Foi
paraquedista durante 392 saltos e um paraquedas novo.
NOTA NA PRIMEIRA EDIÇÃO
Este livro é apenas uma pequena parte;
tenho material para pelo menos mais dez livros. Depende de você para que os
outros dez sejam publicados – é uma responsabilidade que lhe passo. Durma bem.
NOTA NESTA EDIÇÃO
Dos dez livros prometidos, já publiquei
três: O homem ao cubo, A mulher em flagrante e O homem ao zero. Você já pode
dormir um pouco melhor. Enquanto termino O homem ao mundo, O homem em tecnicolor,
Como ser feliz no casamento mesmo depois de caso e Minhas memórias antes que
esqueça – quem não dorme sou eu.
FONTE:
ELIACHAR, Leon. O homem ao quadrado.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
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