quinta-feira, agosto 12, 2010

ERNST JANDL, PALÍNDROMOS DE FILLOY, BARRY LONG, CEES NOOTEBOOM, CARLOS EDUARDO NOVAES & SAÚDE NA BUNDA



SAÚDE NA BUNDA (Ou se aprende a lição direito, ou cabra só dá conta na marra!!!) - O nariz incomodava. Uma agonia medonha. Tudo que fosse de inesperado atingia-lhe as ventas: era quina, poste, qualquer virada um esbarrão. Qualquer espirro e lá vem os bofes querendo sair pelas fossas nasais. Um desconforto brabo. Meses assim, resolveu ter atendimento médico. No primeiro que encontrou, recebeu a informação que procurasse especialista. Qual? Um otorrinolaringologista. Vasculhou no plano de saúde, não havia. Procurou no plantão médico, só daqui a tantos meses. Chegou à seção médica da empresa, estava de férias. Aí partiu para uma clínica particular. Pagou 100 reais pela consulta e 1 hora depois o tal, aboletado no seu consultório, observou de longe, franziu o cenho e tascou na lata: - Não é comigo, procure de um alergologista. - Hum?!?! - Isso mesmo. Saiu dali à cata do tal mencionado, soletrando as letras para não esquecer. Alergo... eita, porra! Esqueceu. E agora? Outra rodada boa gastando o solado do sapato e da paciência, nada. Só para atinar na especialidade em tormento. Quando lembrava, tudo com dia de atendimento a perder de vista. Até que uma amiga achegada indicou uma tal médica batata. Nem pestanejou, estava na certeza de que esta daria jeito. Ah, de férias. Será o Benedito? Não desanimou e a primeira vaga para outro profissional, estava lá. Uma correria. O tal médico receitou umas coisas garranchadas numa papeleta e mandou tomar 3 vezes ao dia. Tichausis. Quando chegou à farmácia o atendente indagou se estava acometido de sarna. Não, não estava. Eita! - Está com alguma DST? - Não. - Está com algum problema no cérebro? - Não. Recebeu de chapa a informação: - Estes medicamentos são para sarna braba, claustrofobia e doido pirado! - Danou-se. Foi aí que inventou de parar de rodar e seguir o conselho da amiga. Passaram-se 30 dias e quando menos esperava deu de cara com a tal médica batata. Depois de um chá de cadeira de umas 2 horas, a médica examinou as faces do paciente, olhou, se intrigou, futucou, deu uma balançada no quengo para ver se caía alguma coisa e, como nada aconteceu, ela sentenciou: - Não sei como você ainda está vivo, meu filho! Seu caso é sério. O coração ficou às quedas. - Vou prescrever esse medicamento, mas quando tomar corra para um hospital prevenindo qualquer piora. Viu? Não deu nem tempo de falar. - Agora vá. E foi. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. O paciente saiu esperançoso com um misto entre alarmado e decidido. Que droga de nove que eu tenho, hem? Mas é só o nariz entupido, peso na testa, dores de ouvido e faces inchadas. Mais nada. Será grave? Será que vou morrer disso? Foi pensando assim que quase teve uma pilôra. Correu para a drogaria logo, oxente. Na farmácia comprou o previsto, perguntando qual a propriedade de cada medicamento. Ficou satisfeito e quase pedia para aplicarem a injeção ali mesmo. Mas não, se a doutora falou pra ir para uma emergência, melhor ir pra lá. E logo. Na fila do SUS teve um arrependimento: vai lá que só daqui 1 mês, a coisa empiora. Além do mais, poderia ser esquecido num local qualquer ou mesmo trocassem os remédios, que seria dele? Melhor não confiar nessas coisas públicas, pela desatenção podia até morrer do remédio. Cavoucou as idéias meio que perdido e deu de cara com a emergência do plano de saúde. Agora vai. Lá as atendentes estavam debatendo uma cena da novela das 8 e pelo calor do assunto ele ficou corando uns 40 minutos mais ou menos de espera. Para quem esperou até agora, nada demais, né? Contudo, foi atendido depois do debate acalorado e mandado que ficasse na sala de entrada que o médico logo atenderia rapidinho. Vá confiar. Bem mais de 1 hora depois, veio uma enfermeira e tirou-lhe a pressão. Estava 15 por 9. Eita! Meia hora depois outra enfermeira trouxe um comprimido obrigando-lhe a tomar. Ingeriu obediente, recostou-se e ficou naquela de repassar a vida enquanto aguardava o verdadeiro atendimento, pelo menos estava medicado. Foi nessa maçada que lembrou da infância, dos pais, dos tios, da primeira namorada, das dívidas, quando teve um baque no coração. Foi que se lembrou de que não havia quitado a conta da luz. Com certeza iria ser cortada. Que coisa?! Teve um desespero momentâneo que logo tratou de conter. Não adiantava nada, ou se tratava agora, ou nunca mais ia parar de espirrar de forma tão dolorosa. Tinha que se curar, não agüentava mais o peso de 1 tonelada sobre os olhos, de deixar-lhe as bochechas inchadas como quem queria estourar, de ficar com os antros nasais vulneráveis a insetos e catingas. Nada. Resolveu mesmo esperar e esperar e esperar... Lá pras tantas chamaram para o consultório do clinico geral. Animou-se. Quando chegou lá, o médico olhou o prontuário, fitou, conferiu, recontou, batucou na mesa e disse: - Agora estou com problemas sérios de outros pacientes. O seu caso pode esperar. Volte para a sala de espera e aguarde. E saiu o médico. Ele ficou imobilizado com a informação. Não teve outra, voltou-se para a cadeira desconfortável e ficou procurando na idéia algo para se entreter. Pensou em tudo. Se tivesse acertado na loteria, não estava nessa. Se tivesse acertado na vida, ao invés de paciente, seria médico. Se não fosse tão burro, sua vida poderia ser outra. Que coisa?! Deprimiu-se. Gostou de constatar que a vida estava maltratando sua existência. Por um instante se viu masoquista: bem empregado. Quem mandou errar tanto na vida? Por que não atinara para as coisas certas? Tudo na vida deu errado. Não desanimou e começar a viajar pelos pensamentos quando deu que o seu casamento estava numa peínha de nada, um desastre. Os filhos, tudo maluvidos do queixo empinado. O mundo não entendia nada do que ele queria, desejava ou agia. Tudo errado, ora bolas. Pra que servia mesmo a sua passagem na terra? Pra pagar todos os patos, disse consigo. Acordou dessa viagem, sacudiu a cabeça para espantar os maus pensamentos e olhou de lado: uma idosa chorava com dor no peito, uma criança se esgoelava com a canela torada no meio, um cidadão com as mãos aos olhos gemendo, uma grávida choramingando que o menino ia nascer ali mesmo, um vendedor persuadindo um outro que reclamava de dor de dentes, uma fila interminável de gente acometido por um infinito universo de enfermidades. Gente muito doente essa, pensou. E disse pra si: - Eu que sou são, ora bolas. Parece que todos os doentes estavam ali atrapalhando o seu atendimento. Nada. Era uma peça que o destino lhe pregava, reconheceu. Só podia ser. Tinha que aguardar tudo com resignação. Não podia fazer nada, a menos que se matasse e acabasse com a dor de sua vida de uma só vez. Aí estaria livre para tudo. Uma enfermeira aparece do nada e verifica sua pressão. Está 12 por 8. Ótimo. Ela saiu e em seguida o médico bate no seu ombro e o encaminha para uma enfermaria dali onde outras 3 enfermas estavam à beira da morte. Pensou consigo: - Cheguei no inferno! Deitou-se na maca e ouviu do médico: - Olhe, vamos aplicar a injeção prescrita por seu médico. Você vai ficar mais ou menos 1 hora em observação para ver as reações. Como ela é muito forte, pode causar alguns sintomas indesejáveis. Você não pode fazer nada, só torcer para ficar bom, certo? - Certo. O médico saiu e 1 hora depois a enfermeira veio aplicar a injeção. - No músculo? - Não, na bunda. - Hum?!?! Não teve dúvidas: arreou as calças e expôs o glúteo para todo mundo ver. Ali humilhado esperou a espetada. Tome! A agulha foi até suas anteriores encarnações. Bateu tão forte de urrar de dor. Ih, errou! Lascou-me o furico! Foi aí que deu uma ventania nas idéias, tonteou e caiu inconsciente. Quando acordou: - Onde estou? Quem é você? - Pronto, acordou, já pode ir pra casa. Animou-se e quando se sentou sentiu que algo estava destrambelhado. Botou a mão e percebeu que o quiba estava aos frangalhos. Pensou consigo mesmo: - Vixe, arrebentaram as pregas do meu cu. Pior: uma banda da bunda estava maior que a outra. Desproporcional e pior que a Mulher Melancia. - Agora que tô lascado mesmo! -, reclamou sozinho. Desceu com caretas da maca e caminhou com dificuldade. Andar passou a ficar difícil. Nem se tocou que estava curado das ventas, mas foi difícil entender que ficou internado por 8 dias esquecido de tudo e fora de si. Afinal, a vida era outra. Respirava normal. Ficou ancho e também meio chateado porque sua saúde agora estava na bunda. Foi salvo, finalmente. Avalie. Com isso seguiu em frente e esperou novo revés da vida. Moral da história: quando o cara toma no frosquete, logo aprende ou desaprende: acendendo a florescente logo se sabe que o caminho que vai não volta; o que volta é o fim do mundo. Danou-se!!!! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.





DITOS & DESDITOSOs sentimentos, mesmo os melhores, se voltam para a negatividade - decepção, raiva, descontentamento, ressentimento, ciúme, culpa, etc. Um bom sentimento começa a ser elevado, emocionante, como tomar uma droga, álcool ou fazer sexo. Mas o que sobe deve diminuir e os sentimentos não são exceção. Assim, em algumas horas ou dias o lado negativo começa e você talvez se pergunte por que se sente mal-humorado, deprimido, suicida ou simplesmente infeliz. Pensamento do escritor australiano Barry Long (1926-2003).

ALGUÉM FALOU: Eu tinha voltado para casa nas asas de cinco gins. As conversas consistem na maior parte das coisas que não se diz.  Minhas lágrimas são provocadas apenas por kitsch. Sentiremos o rascunho soprando através das fendas na estrutura da causalidade. Pensamento do escritor e tradutor neerlandês Cees Nooteboom (pseudônimo de Cornelis Johannes Jacobus Maria).

PALÍNDROMOSA mamá Roma le aviva el amor a papá y a papá Roma le aviva el amor a mamá. Abajo me mojaba. Abusón, acá no suba. ¿Acaso hubo búhos acá? Palíndromos do escritor, advogado, jornalista e desenhista argentino Juan Filloy (1894-1894).

CÂNDIDO URBANO URUBU - [...] A partir desse dia, Cândido deu início ao seu projeto. Todas as noites, depois que a família se recolhia, Cândido pulava a janela e saía para um terreno baldio, junto ao cais, onde desenvolvia o seu trabalho até o dia clarear, ou ficar menos escuro, porque, com o excesso da poluição, o dia nunca clareara. Trabalhou durante muitos dias. E trabalhou correndo contra o tempo. Sua maior preocupação era terminar o seu projeto antes da cidade terminar. Até que, na noite da véspera do Natal, Cândido libertou-se da correntinha de ouro, dos óculos escuros, da peruca, passou na antena onde seus pais viviam, aconselhou-os a sair da cidade, correu ao Jardim Zoológico, soltou todos os animais, e, juntos, foram para o terreno baldio. Cândido reuniu-os em torno do seu projeto, tirou a lona que o cobria, e apareceu uma arca. Os bichos entraram. Cândido suspendeu a âncora e zarpou rapidamente. [...]. Trecho extraído da obra A história de Cândido Urbano Urubu (Nordica, 1975), do advogado, cronista, romancista e dramaturgo Carlos Eduardo Novaes. Veja mais aqui & aqui.

DOIS POEMAS - A SATISFAÇÃO EM MIM: satisfação em mim / se esvai. em quem? / aqueles cuja mão não beijo? / aqueles por cujo cu não subo? / aquelas cuja xota não chupo? / que não fodo? / a cujo cumprimento não respondo? / a cujas cartas não respondo? / cujo convite recuso? / a quem não sirvo de poeta cômico? / com quem não vou a manifestações? / com quem não faço oposição? / a quem não dou nenhum texto? / a quem não dou o meu nome? / que não ergo ao corcel dos poetas? / a quem não sirvo de protagonista? / a quem digo: seus textos são uma merda? / a quem digo: tirem as mãos da literatura? / a quem digo: vocês me enojam? / a quem digo: vão cagar? / a satisfação em mim / pode desaparecer em todos / em mim tem de permanecer O HOMEM CHORA: menino não chora! / só depois de homem / quando olha em volta / e a companheira que ainda / o ama, para encorajá-lo / diz: isto é tua obra! / o homem chora. Poemas do escritor e tradutor austríaco Ernst Jandl (1925-2000).



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