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segunda-feira, novembro 30, 2015

JUNO, SCRIABIN, QUEVEDO, ARQUITAS, GLENN, CLEVANE, ZANETHA & MUITO MAIS!

DE BARATAS, TEIAS & FARPAS – Dá licença! Já não basta o modo desdenhoso com que os governantes, autoridades e políticos tratam a gente neste país, pra gente amanhecer no dia internacional da ressaca com o coração redondamente enganado como nuvem por Juno! Ora, ora, quando se trata alguém como uma barata asquerosa espragatada com um bocado de certeiras pisadas pra não restar a menor dúvida de que o inseto malquisto ainda resista e, ainda por cima, providenciar o bota-fora com uma vassourada pro lixo do oitão da vida, quem não tem um mínimo de amor próprio, deixa passar em branco e na maior cara de pau com o mais anêmico dos risos amarelos; mas quem ainda tem um restinho de nada de sangue correndo na veia, ora, ora, além de se emputecer, manda tudo pro beleléu e haja o que houver pra mãe do guarda acordar atônita no meio da noite. Oxe, não tem retrato que se aguente pendurado na parede, cai no despencado de se estraçalhar qual farelo no piso de anteontem. Por tiquinho que seja ninguém merece ser tratado que nem a bosta do cavalo do bandido, nem ficar quarando pendurado numa cerca de arame farpado, nem como um repugnante enganchando numa enfieira de urtiga. Barco furado é barco afundado. Não adianta aparecer na fita feito um parvo com a sensação de que arrumou tarde os mijados e que já devia ter botado a trocha nas costas! Que não se tenha valência de um tostão furado, mas daí ser recepcionado como um ouropel metido a quilates nenhum, é mudar de figura. Sou da paz! Mas, por via de dúvidas, como dizia o Acácio do Eça: - Al rivedere! E vamos aprumar a conversa aqui.


Imagem: Female nude study, do artista plástico britânico Charles Knight (1901-1990)


Curtindo o álbum The Early Scriabin (Hyperion, 2001), do compositor e pianista russo Alexander Scriabin (1872-1915), na interpretação do pianista estadunidense Stephen Coombs.

MÚSICA & MATEMÁTICA - O filósofo grego Arquitas de Tarento (cerca 400-365aC), foi discípulo de Filolau e amigo de Platão, filosoficamente afiliado ao pitagorismo. Por suas excelentes qualidades de homem de Estado, foi eleito sete vezes consecutivas governador de Tarento. Atribuem-se muitas obras perdidas sobre mecânica e geometria, sendo considerado o iniciador da mecânica científica. Restam apenas fragmentos de sua Harmonia e das Diatribes ou Conversa, referentes a problemas de matemática e música. Sobre a injustiça, ele expõe que: [...] Deve-se, ou aprendendo de outro, ou por investigação própria, tornar-se conhecedor do que não se conhece. O que é aprendido, pois, vem de um outro e por auxilio alheio; o que é investigado vem da própria pessoa e por auxilio próprio; encontrar sem procurar é difícil e raro, mas, procurando, é acessível e fácil; se não se tem conhecimento é impossível procurar. O raciocínio, quando encontrado, faz cessar a discórdia e aumenta a concórdia; pois excesso de recursos não há, quando ele surge, e igualdade existe; pois com ele nos reconciliamos com nossas obrigações. Por sua causa então os pobres recebem dos poderosos, os ricos dão aos necessitados, crendo ambos que terão através disso a igualdade. Se há regra e empecilho dos injustos, detém os que sabem raciocinar antes de cometerem injustiça, persuadindo-os de que não poderão ocultar-se, quando vêm contra ele; aos que não sabem raciocinar, nisso mostra que cometem injustiça, e os impede de cometê-la. Sobre a música, ele expressa: [...] A música tem três médias, uma é a aritmética, a segunda é a geométrica e a terceira é a contraposta que chamam de harmônica. A aritmética, quando três termos apresentam a mesma diferença proporcionalmente. O primeiro excede o segundo tanto quanto o segundo excede o terceiro. E nessa proporção acontece que é menor a razão dos termos maiores e maior a dos menores. A geométrica, quando o primeiro está para o segundo tal qual o segundo para o terceiro. Dessas proporções os maiores termos têm a mesma razão que os menores; a contraposta, que chamamos harmônica, quando (os termos) são assim: o primeiro excede o segundo por tanto de si mesmo quanto o termo médio excede o terceiro. Acontece que, nesta proporção, é maior a razão dos números maiores, e menor a dos menores. [...]. Veja aqui e aqui.

NUVEM POR JUNO - Primeiro foi um conto Nuvem por Juno, do dramaturgo, escritor e jornalista Artur Azevedo (1855-1908). Depois o soneto do poeta parnasiano Raimundo Correia (1859-1911), aludindo à lenda de Íxion: A deusa amante e desejada é ela! / Todo o amor em meu seio arfa e redunda. / Abraço-a, e verga ao braço, que a circunda; / Beijo-a, e, corando, inda se faz mais bela. / Abraço a Juno, ou, louco, abraço aquela / Nuvem de ouro ilusória e vagabunda?! / Minha ventura, ó céus, é tão profunda, / Tão larga e tanta, que eu duvido dela! / Que lindos olhos! Que venusto e lindo / Gesto!.. Beijo-a de veras, ou suponho / Beijá-la, só, num sonho doce e infindo?... / Não! Durmo; e o despertar vai ser medonho! / Durmo; e sonho, de certo, assim dormindo! / Quem me assegura, que eu não sonho? Eu sonho! Também o polímata Gilberto Freyre (1900-1987) que foi sociólogo, antropólogo, historiador, jornalista, escritor e pintor, menciona o dito quando escreveu sobre a teoria da autonomia funcional, de Floyd H. Alpert: Teoria de todo o interesse para aquela Sociologia histórica sujeita a facilmente tornar a nuvem de Juno em assuntos de motivos universais de ação ou comportamento humano. Juno ou Juno Lucina, também conhecida como Hera na mitologia grega, era a esposa de Júpiter e rainha dos deuses. É representada pelo pavão, sua ave favorita. Íris era sua servente e mensageira. Juno e Júpiter tinham 2 filhos, Marte (Ares), deus da guerra e Vulcano (Hefesto), o artista celestial, que era coxo. Juno sentia-se tão aborrecida ao vê-lo que atirou-o para fora do céu. Outra versão diz que Júpiter o jogou para fora, por este ter participado de uma briga do rei do Olimpo com Juno, deixando-o coxo com a queda. Juno possuía muitas rivais, entre elas, a bela Calisto, que Juno, por inveja da imensa beleza que conquistara seu marido, transformou numa ursa. Calisto passou a viver sozinha com medo dos caçadores e das outras feras da floresta, esquecendo-se de que agora ela própria era uma. Um dia, Calisto reconheceu num caçador seu filho Arcas, já homem. Quis correr e abraçá-lo, mas Arcas já erguera sua lança para matá-la quando Júpiter, vendo a desgraça que estava por acontecer afastou-os e lançou-os ao céu transformando-os nas constelações de Ursa Maior e Ursa Menor. Juno, enfurecida por Júpiter ter dado tal privilégio a sua rival, sai à procura de Tétis e Oceanus, as antigas divindades do mar. Conta-lhes toda a injúria que Júpiter fizera a ela, e pede para que eles não deixem as constelações se esconderem em suas águas. Assim a Ursa Maior e a Ursa Menor movem-se em círculo no céu mas nunca descem por trás do oceano, como as outras estrelas. Outra de suas rivais foi Io, que Júpiter, ao sentir a presença de Juno, transforma em uma novilha. Juno, desconfiada, pede a novilha de presente. Júpiter não podia negar um presente tão insignificante a sua mulher, então, pesaroso, entrega a novilha a Juno que a coloca sob os cuidados de Argos Panoptes, um monstro de muitos olhos, e tendo tantos, nunca fechava mais que dois para dormir, vigiando Io dia e noite. Júpiter, perturbado pelo sofrimento da amante, pede a Mercúrio que mate Argos. Com músicas e histórias, Mercúrio consegue fazer com que Argos feche seus cem olhos e nisso corta sua cabeça fora. Juno entristecida recolhe seus olhos que haviam perdido toda a luz e coloca-os na cauda de seu pavão, onde permanecem até hoje. Enfurecida, Juno persegue Io (ninfa que Júpiter se apaixonou) por muitas partes da terra até que Júpiter intercede por ela prometendo não dar mais atenção a Io. Juno concorda devolvendo-lhe a aparência humana. O deus metamorfoseou-a em vaca para a proteger dos ciúmes de Hera (Juno na mitologia romana), a mulher de Jupiter (Zeus). Outro forte inimigo de Juno foi Hércules, filho de Júpiter com a mortal Alcmena. A este declarou guerra desde seu nascimento. Com uma tentativa frustrada de matá-lo quando era apenas um bebê, Juno o submete a Euristeus, que o envolve em muitas aventuras perigosas que ficaram conhecidas como "doze trabalhos". Foi a rainha do céu. Presidia a casamentos e nascimentos. É representada como uma respeitável matrona, conduzindo um cetro ou coroa. Um pavão chamado Argos está sempre ao seu lado. Em Roma seu festival era chamado Matronália. Muitas vezes é representada como uma figura maléfica, ciumenta e vingativa. Tomar a nuvem por Juno é cair num logro, formar uma falsa opinião. A expressão é baseada na lenda de Íxion, rei dos Lápitas, que é admitido no convívio de Júpiter e de sua esposa, a deusa Juno, por quem fica perdidamente apaixonado, ultrapassando os limites da conveniência. Juno denuncia ao marido a corte desrespeitosa de Íxion. E Júpiter, para pô-lo à prova, produz uma áurea nuvem, com a forma de Juno, e a coloca junto dele. O louco apaixonado corre a abraçá-la, mas o ciumento deus, com o seu poder divino, o precipita no inferno, onde as Euménides o amarram com serpentes a uma roda que nunca cessa de girar. Veja mais aqui.

LAMENTAÇÕES SENTIMENTAIS - – Na Antologia Poética (Edaf, 2004), do escritor espanhol Francisco Quevedo (1580-1645), destaco os poemas traduzidos por Renato Suttana, o primeiro deles Lamentação amorosa e derradeiros sentimentos do amante: Não me aflige morrer, nem recusado / Tenho o fim do viver, ou pretendido / Alargar esta morte, que nascido / Com ela e a vida foi o meu cuidado. / Sinto ter de deixar desabitado / Corpo do amante espírito querido, / Deserto um coração sempre incendido, / Onde, reinando, o amor foi hospedado. / Meu ardor dá sinais de fogo eterno, / E de tão longa e sofredora história / Há de ser escritor meu pranto terno. / Lisi, está a me dizer ora a memória, / Que se tal glória eu a padeço inferno, / Que chame ao padecer tormentos glória. Também Persevera na exageração de seu afeto amoroso e no excesso de seu padecer: Da alma nos fundos claustros a ferida / Calou-se; mas consome árdua e febrenta / A vida, que nas veias me alimenta / A chama das medulas estendida. / Bebe, hidrópica, o ardor a minha vida, / Que ora cinza amorosa e macilenta, / Cadáver do formoso incêndio, ostenta / Em fumo e noite sua luz perdida. / À gente fujo, e horror suponho o dia; / Dilato em largas vozes negro pranto, / Que a surdo mar a minha pena envia. / Entre os suspiros vãos da voz do canto, / Na confusão minha alma se extravia, / Meu coração é reino só do espanto. O também poema Apreciando o autor a solidão e os seus estudos: Retirado na paz destes desertos,/ com poucos, porém doutos livros juntos, / vivo em conversação com os defuntos, / os mortos a escutar com olhos certos. / Se não sempre entendidos, sempre abertos, / emendam ou secundam meus assuntos, / e em musicais, calados contrapontos, / ao sonho de viver falam despertos. / Grandes almas, que a morte nos suprime, / das injúrias dos anos vingadora, / o alto saber liberta que se imprime. / Escapa em fuga irrevogável a hora, / mas aquela o melhor cálculo estime / que na lição e estudos nos melhora. E por fim Soneto: De minha pátria os muros eu mirava, / feitos outrora, e então desmoronados; / da carreira do tempo já cansados, / da qual sua bravura caducava. / Saí ao campo, e vi que o sol tragava / os arroios do gelo desatados; / e pelos montes a queixar-se os gados, / pois com sombras ao dia a luz furtava. / Entrei em casa, vi que, amarfanhada, / era os despojos de um antigo lar, / meu báculo mais curvo e menos forte; / vencida pela idade a minha espada, / e não encontrou coisa o meu olhar / que lembrança não fosse já da morte. Veja mais aqui e aqui.

UM UISQUE PARA O REI SAUL – A atriz e encenadora Renata Zhaneta começou a fazer teatro aos 14 anos em sua cidade natal. Na década de 1990 funda juntamente com outros artistas o Folias d'Arte, para encenar no teatro Ricardo III (2006), A Grande Imprecação diante dos Muros da Cidade e Macbeth (2007 – pelas quais ganhou o Prêmio APCA de Melhor Atriz) e Um uísque para o rei Saul, esta última contando a trajetória emocional de uma mulher em seus momentos-limites, quando se revê em situações fragmentárias, numa peça que concilia bem dados psicológicos com referências sociais. Por fim, no teatro ela protagonizou o espetáculo Dos escombros de Pagu. No cinema ela atuou em A Casa de Alice (2007) e  Sólo Dios Sabe (2006), além de atuar em novelas como Revelação (2008), Vende-se um véu de noiva (2009), Corações Feridos (2011) e Chiquititas (2014). Veja mais aqui.

FATAL ATTRACTION – O suspense Fatal Attraction (Atração fatal, 1987), dirigido pelo cineasta britânico Adrian Lyne, com música de Maurice Jarre e roteiro de James Dearden, conta a história de um advogado conceituado que se envolve, casualmente, com uma mulher sedutora, enquanto sua esposa está viajando. Mais tarde, ele achando que foi equívoco, considera o affair encerrado, mas ela não aceita ser ignorada, "nem hoje, nem amanhã, nem nunca... nem que isso signifique destruir a familia de Dan para ficar com ele". O filme causou grande polêmica ao retratar um homem adúltero perseguido por sua amante, que se revela uma psicopata assassina, com cenas que se tornaram antológicas, como a que ele faz sexo com ela sobre uma pia de cozinha e a do coelho morto enviado à esposa pela amante. O destaque do filme vai para a premiadíssima atriz estadunidense Glenn Close. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
As esculturas do artista inglês Richard Stainthorp.

DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à escritoramiga, psicóloga, ilustradora, conferencista e consultora Clevane Pessoa de Araújo Lopes. Veja aqui e aqui.


quinta-feira, setembro 17, 2015

LILITH, QUEVEDO, MENANDRO, MILEWSKI, GROSZ, CIDA LIMA, PSICOLOGIA CULTURAL & PAIXÃO LEGENDÁRIA.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? PAIXÃO LEGENDÁRIA – Os poemas do meu livro Paixão Legendária (Bagaço, 1991), compreende aqueles que foram criados no período compreendido entre 1985-1990, quando eu me encontrava dedicado ao curso de Direito, acompanhando atento o processo de redemocratização do país que culminou com a promulgação com a Constituição Federal de 1988 – a Carta Cidadã. Foi nesse período que integrando o conselho editorial da revista A Região e das Edições Bagaço, ocorreu a transição da apresentação do programa e zine HorAgá, na Rádio Cultura dos Palmares, em parceria com Gilberto Melo, para assumir o Departamento de Jornalismo e apresentação do programa Panorama na Rádio Quilombo dos Palmares. Foi o período que depois de realizar a adaptação e direção da peça João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho, com o Grupo Terra; de produzir o projeto do Circo Itinerante; de ter lançado as três edições da revista em quadrinhos Aventureiros do Una, em parceria com Rolandry Silvério; de presidir a Associação Teatral Palmarense (Atep) e publicado o zine InformAtep; e de ter realizado três temporadas com o meu show musical Por um novo dia, passava eu a lecionar Literatura e Filosofia no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e no Cepred, ambos de Palmares; Literatura e Lingua Portuguesa no Colegio Municipal Gomes de Barros, em Novo Lino, e em dois colégios de Joaquim Nabuco, assumindo a presidência do Conselho Diretor da Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, na qual, entre outras atividades, criei com o professor João da Silva, assumindo a coordenação geral da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Mata Sul; e assumi a Direção Regional do Sindicato dos Radialistas de Pernambuco. Esse período de engajamento resultou na publicação do livro dividido em duas partes. A primeira parte toda voltada a uma canção de amor a terra, à liberdade e ao ser humano, com poemas como A lágrima de Neruda, América (uma letra versão livre da canção de Simon & Garfunkel), Canto Verde, Carta à minha cidade, Mãe, Aos que sonham com um mundo melhor, Escritos na areia (dedicado ao poetamigo Wilmar Antonio Carvalho), Alma de Viola (dedicado ao parceiramigo Zé Ripe), A maldição de Narciso, Noturno (dedicado à querida professoramiga Jessiva Sabino de Oliveira), No mote do bentivi – o Manoel poeta, Gitano, entre outros poemas. Na segunda parte, poemas e canções dedicados à mulher, como Iangaí, Cantar salomônico, Elba, Convite, Meu sonho de Maria e letras de canções como Desejo, Armadilha, Cantilena, Fonte, Sanha, entre outras. Veja mais aqui e aqui

 Imagem: Seated Woman (Female Nude, 1939), do pintor e ilustrador alemão George Grosz (1893-1959).


Curtindo: Alma cigana, do Jerzy Milewski Swing Quartet, comandado pelo violinista polonês naturalizado brasileiro Jerzy Milewski.

PSICOLOGIA CULTURAL – No livro Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida (Artmed, 2012), do professor da Clark University e editor-chefe do periódico Culture & Psychology, Jaan Valsiner, destaco o trecho: [...] A psicologia cultural é essencialmente desenvolvimental: estuda a pessoa de qualquer faiza etária como sistema em desenvolvimento dentro de um contexto social desenvolvimental. Todo desenvolvimento é um processo redundantemente controlado: opera pela superabundância (mais do que de economia) na orientação e nos recursos para transformar a cultura pessoal, aqui e agora, em uma nova forma. A pessoa construtora de significado opera dentro de uma semiosfera preenchida por signos de complexidade, hibridização e extensão histórica variadas. Toda a construção de sentidos, no nível pessoal-cultural, acontece pela imersão corporal dentro do mundo social. De modo similar ao banho ritual no Ganges, nós mergulhamentos a nós mesmos, diariamente, no oceano invisível (embora funcional) de alguns signos que nos cerca em nossos mundos cotidianos. Além disso, reconstruímos nossos mundos cotidianos de modo que esses mundos nos guiam na direção de nossos próprios desejos. A vida é, sem dúvida, um palco, e nós somos atores neste palco, embora constantemente procuremos ser espectadores. Uma vez que tenhamos um êxito temporário quanto a nos tornarmos espectadores, somos tomados pelo desejo de ser, novamente, atores. Essa tensão do estar na fronteira entre o palco e a audiência nos leva a tentar redesenhá-los ambos, o que gera consequências para nosso próprio desenvolvimento. A psicologia cultural é a ciência da constante recriação de nós mesmos – e de nossa ciência. Isso a torna infinitamente fascinante e incrivelmente complicada. Mas é este, precisamente, o fascinio da nova compreensão que a psicologia cultural pode nos ajudar a criar. Veja mais aqui e aqui.

O PARDAL RECONHECIDO – Nas Narrativas de Uji Shui (Cultrix, 1962), que compreende uma coletania de estórias populares do Japão, destaco o conto tradicional O pardal reconhecido, traduzido por Albertino Pinheiro Júnior: Em tempos que lá vão, num dia ensolarado do princípio da primavera, uma velha mulher, de sessenta e poucos anos, estava sentada em frente de sua casa e catava piolhos. No pátio, um pardal saltitava. Algumas crianças que brincavam por ali começaram a atirar pedras no pássaro e uma delas, acertando, quebrou-lhe as costas. Enquanto este se estorcia no chão, esforçando-se debalde para erguer voo, um corvo que passava frechou em sua direção. – Oh! Que horror! O corvo vai pegá-lo -, gritou a velha. E correndo para perto do pardal, erguendo-o. depois, bafejou-o com seu hálito quente, soprando-o, e deu-lhe de comer. [...] Todas as manhãs, quando ia esquadrinhar o quintal, via por lá pardais saltitando perto da porta dos fundos, debicando quanto grão de arroz houvesse espirrado por ali. Então, pegava em pedras e atirava-as nos pardais com a esperança de acertar algum. Como atirasse muitas pedras sobre numerosas aves, naturalmente acabou por atingir um, ferindo-o de modo que ele não pôde mais voar. Muito satisfeita da vida, acercou-se do passarinho e, depois de certificar-se de que suas costas estavam devidamente quebradas, apanhou-o, deu-lhe de comer e administrou-lhe remédios com imenso cuidado. Depois refletiu: - Se a mulher da casa ao lado obteve tanto em paga de haver tomado conta de um único pardal, quão mais rica eu não poderia ser se tivesse vários! Seria superior a ela e meus filhos haveriam de elogiar-me. [...]. Passados vários meses, quando calculou que as abóboras estivessem no ponto desejado, dirigiu-se à despensa levando uns vasilhames para recolher o arroz que fosse despejado. Impava de contente e a sua boca de velha desdentada expandia-se em um riso que ia de uma orelha a outra, enquanto vertia numa tigela o conteúdo de uma das aboboras. Mas o que desta saiu, em vez de arroz, foram vespões, abelhas, centopeias, escorpiões, serpentes, e mais criaturas desse jaez que, caindo sobre ela, ferretoaram-na nos olhos, no nariz, e no corpo todo. Contudo, no momento, a mulher velha bnão sentiu dor nenhuma. Pensou que fossem apenas grãos de arroz que esborrifavam da tigela e lhe batiam no rosto. – Espere um pouco, meus pardaizinhos! Vou dar um bocadinho para todos -, disse. Os inúmeros insetos venenosos que surgiam das sete ou oito aboboras picaram e morderam os seus filhos também, e a própria velha foi picada até morrer. Parecia que os pardais, que a odiavam por ela lhes ter quebrado as costas, haviam persuadido todos os insetos a se ocultarem dentro das aboboras e os auxiliarem em sua vingança. O pardal da casa ao lado ficara reconhecido à velha que cuidara dele e o restituira à saúde, quando suas costas estavam quebradas e ele se via em perigo iminente de ser arrebatado por um corvo. Não devemos ter inveja dos outros. Veja mais aqui e aqui.

LETRILHA SATÍRICA & DOIS SONETOS – Na Antologia Poética (Edaf, 2004), do escritor espanhol Francisco Quevedo (1580-1645), destaco os poemas traduzidos por Renato Suttana, o primeiro deles Letrilha Satírica: Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Ai mãe, ao ouro me atrelo: / Meu amante e meu amado; / Pois, de puro enamorado, / Anda sempre de amarelo; / Que, pois, ou gordo ou magrelo, / Faz tudo aquilo que quero, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Nasce nas Índias, honrado, / E de lá o mundo o acompanha, / E vem cá, morrer na Espanha, / Sendo em Gênova enterrado; / E, pois, quem o traz ao lado, / Não é feio, mas faceiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / É galante, é como um ouro, / E tem matizada a cor; / Pessoa de alto valor, / Tanto cristão quanto mouro, / Pois dá e toma o decoro, / E derruba um foro inteiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / São seus pais os principais, / E é de nobres descendente, / Porque nas veias do Oriente / Todos os sangues são reais; / E, pois, é quem faz iguais / O grão duque e o pegureiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Mas quem não se espanta e pela / De ver, glorioso e sem tacha, / Que em seu círculo se encaixa / Dona Blanca de Castela? / Porém, que ao baixo dá sela, / E o covarde faz guerreiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Seus escudos e armas nobres / São sempre tão principais / Que sem seus escudos reais / Só há escudos de armas pobres, / E, pois, que juntando cobres / Dá cobiça ao próprio ferro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Por contar tanto nos tratos / E dar tão sérios conselhos, / Até nas casas dos velhos / Gatos o guardam de gatos. / E, porque rompe recatos / E abranda o juiz mais severo, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / E tem tanta majestade / (Mesmo entre desgostos fartos), / Que, se o transformas em quartos, / Não depõe a autoridade: / Antes, pois dá qualidade / Ao mais grandioso e ao rasteiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Nunca vi damas ingratas / Aos seus gostos e afeições, / Que ante as caras dos dobrões / As suas fazem baratas; / E, porquanto faz bravatas / Com sua bolsa, matreiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. / Mais valem em qualquer terra / (Observa o quanto é sagaz!) / Os seus escudos na paz / Do que mil broquéis na guerra, / E que, se ao pobre ele enterra, / E faz próprio o forasteiro, / Poderoso cavaleiro / É Don Dinheiro. Também o soneto Amante agradecido com as lisonjas mentirosas de um sonho: Ai, Floralva, este sonho me ocorreu. – / Digo-o? Sim, pois foi sonho: eu te gozava. / E quem, senão o amante que sonhava, / Juntara tanto inferno a tanto céu? / Meu fogo à tua neve e ao gelo teu, / Como flechas opostas numa aljava, / Mesclava o amor, e honesto é que os mesclava, / Mais meu espanto, no desvelo seu. / E eu disse: “Queira amor, ou queira a sorte, / Que eu não durma jamais, se estou desperto, / Ou durma, e não desperte – não me importo” / Mas despertei do doce desconcerto, / E vi que estava vivo com a morte, / E vi que com a vida estava morto. Por fim, o soneto Prossegue e no mesmo estado de seus afetos: Meu senso ocupa amor e os meus sentidos: / Absorto estou em êxtase amoroso, / Não me concede trégua nem repouso / Esta civil peleja dos nascidos. / Espraiou-se o caudal dos meus gemidos / Pelo grande distrito, e doloroso / Do coração, em seu penar ditoso, / E afogou-me as lembranças em olvidos; / Ruínas sou todo, e todo padecer, / escândalo funesto dos amantes / que de lástima fazem seu prazer. / Os que hão de ser e os que já foram antes / Comparem sua saúde ao meu gemer / E invejem minha dor, se são constantes. Veja mais aqui.

O MISANTROPO – A peça O misantropo (ou O díscolo, 318aC), do grego Menandro (342-291aC), trata sobre um homem que vive sozinho com sua filha, abandonado pela esposa por causa da personalidade intratável dele. Um jovem rico se apaixona por sua filha e tenta casar-se com ela, recebendo oposição do pai. Mas depois de um acidente, o misantropo cede ao casamento. Da obra destaco o trecho inicial: (Cenário: A peça desenrola-se em File, povoado na encosta do monte Parnes, nos confins da Ática e da Beócia. O cenário representa, ao centro, a entrada de uma gruta dedicada a Pã, habitada por Ninfas; perto da entrada, uma estátua de Pã; de cada lado uma casa; à esquerda a de Cnêmon, à direita a de seu enteado Górgias) Primeiro Ato Prólogo PÃ - (saindo da gruta a ele dedicada) Imaginem que o lugar da cena é File, na Ática; a gruta das Ninfas, de onde estou saindo, é exatamente o santuário bem visível, pertencente aos filásios, gente capaz de fazer crescer plantas nos rochedos desta região. Na propriedade ali à minha direita mora Cnêmon, homem cheio de rancor para com todo o mundo e inimigo da sociedade. Digo sociedade? Ele já é um bocado velho; pois bem, durante toda a sua existência ele nunca iniciou conversa alguma, nunca dirigiu a palavra primeiro a ninguém, a não ser para me reverenciar (constrangido por nossa vizinhança) quando passa diante de mim, Pã; e ainda assim de má vontade, eu bem sei. Com um temperamento assim ele casou com uma viúva, cujo marido morrera, deixando-lhe um filho de tenra idade. Não se contentando com discutir com ela o dia todo, ele ainda consumia assim a maior parte da noite; viviam pessimamente. E tiveram uma filha; foi ainda pior. Como a desventura deles ultrapassasse tudo que se pode imaginar, e sua vida fosse apenas sofrimento e amargura, a mulher voltou para junto do filho nascido do primeiro casamento. Este possuía pequena propriedade, aqui nos arredores; é lá que ele hoje proporciona uma vida apertada à sua mãe, a si mesmo e a um único escravo, criado fiel deixado por seu pai. Esse rapaz já é um homenzinho e tem o espírito mais maduro que a idade. Nada como a experiência da vida para formar as pessoas. Quanto ao velhote, vive sozinho com a filha e uma velha criada, carregando lenha, cavando a terra com a enxada, para cima e para baixo o tempo todo e detestando todo o mundo, por atacado, a começar aqui por seus vizinhos e sua mulher até o pessoal de Colarges, lá embaixo. A moça tornou-se o que seria de esperar de sua educação: ignora tudo que é ruim. O zelo com que ela se dedica à sua devoção e às homenagens às Ninfas companheiras, levou-nos a pensar em fazer alguma coisa por ela. Um rapaz cujo pai, muito rico, cultiva nesta região terras que valem milhões mas vive na cidade, veio caçar por aqui com um companheiro; chegou a esta paragens por acaso e fiz com que ele começasse a perder a cabeça por ela. Aí estão as linhas gerais da ação. Os detalhes vocês verão, se quiserem. Mas é tempo de querer, pois parece que estou vendo aproximar-se o apaixonado com seu companheiro de caça; eles estão conversando sobre o assunto. (Pã torna a entrar no santuário) [...]. Veja mais aqui.

LILITH- A deusa Lilith faz parte da mitologia grega, hebraica, suméria, da Babilônia e da Mesopotâmia, associada aos ventos e tempestades e que se imaginava ser um portador de doenças, enfermidade e morte. Também aparece como um demônio noturno na crença tradicional judaica e islâmica como a primeira mulher do bíblico Adão, sendo acusada de ser a serpente que levou Eva a comer o fruto proibido. Há, também, o registro que ela foi a predecessora de Eva, no caso, sendo Lilith a primeira mulher de Adão e que não se tornou submissa dele. Registros dão conta de que seu nume surge no Alfabeto de Ben-Sira composto por volta do Século VII. Mais recentemente, esta história tem sido cada vez mais adotada sendo até discutida se é ou não contada na Bíblia, tornando-se em um ser que é cultuada dentro da alta magia desde então, como a deusa que rege a ponta da pirâmide. Inspirado nela, muitos artistas dedicaram seus talentos, como também virou filme, em 1964, sob a direção de Robert Rossen, em um drama que conta a história de um veterano de guerra da Coréia que trabalha em um sanatório de luxo, na terapia ocupacional de sua rica e esquizofrênica clientela, até o dia que ele começa a se apaixonar por uma paciente que está mentalmente presa em seu mundo particular. Veja mais aquiaqui.

QUEM TEM MEDO DE LOBO MAU – Havia algum tempo que eu não tinha notícias da minha amiga Cida, só reencontrada em eventos como a Bienal do Livro de Alagoas. Agora tenho notícias dela: lançará no próximo dia 26 de setembro, a partir das 19hs, no Memorial à República, em Maceió (AL), o livro Quem tem medo de lobo mau, da escritoramiga alagoana Cida Lima, que é autora de diversos livros recheados de ação, ficção, suspense, romance e toques de terror, além de ser a editora do portal Escritores Alagoanos. O evento terá entrada gratuita e parte da renda será destinada para o Lar Santo Antonio de Pádua. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Desenho do artista plástico e mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará, Fernando França.

 Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa SuperNova, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui.

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NOÉMIA DE SOUSA, PAMELA DES BARRES, URSULA KARVEN, SETÍGONO & MARCONDES BATISTA

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Sempre Libera (Deutsche Grammophon , 2004), Violetta - Arias and Duets from Verdi's La Tra...