TRÍPTICO DQP – Um
escrito escrito para mim e mais ninguém... - Ao
som do Recital Almeida Prado (2018),
do Duo formado por Helenice Audi e Constança Almeida Prado Moreno. – Encontros de agora com o sorriso entre sílabas e vírgulas
e espanto, sabe-se lá, que tempo é este, não sei, aliás, sou o próprio verbo
que me constitui e me desconstrói, para me perder ou me reencontrar solto, como
se estivesse envolvido na trama de The
Dance of Reality (2013) e findasse na Endless Poetry (2016), do cineasta poeta chileno Alejandro
Jodorowsky, que insiste ao pé do
meu ouvido: Nós não somos. Nós
estamos sendo. Pare de querer ser rocha. Aceite ser rio. Para se definir: conceda a si mesmo todas as
possibilidades de ser, mude caminhos quantas vezes achar necessário... Assim
faço e me restabeleço diante da plenitude do
frívolo, quanta fragilidade, tal é a decadência: não há modéstia capaz de
ocultar a ignorância, a vulgaridade e a grosseria – tudo vai muito mal,
convalescença que não tem sequer previsão de alta, quanto mais
verossimilhanças, delírios, peripécias repugnantes. Há tantos que matam a
memória, destroem livros e fotografias apenas dos momentos de agora,
dinamitando a lembrança antiga e tantos sentimentos resistentes. Como podem,
nenhum segredo doloroso à tona e a recusa de ter nascido na culpa dos outros e
de quem os pariu, ajuste de contas na lente do esquecimento sem o mínimo
arrependimento, ora bolas. Nem se queira saber, afinal a chave de ouro está nas
mãos dos asquerosos desconhecidos que sequer atinam o que se deu dez minutos
atrás e fabricam os meus desencontros de ontem. Mesmo assim, refaço-me a todo
instante, inconsútil. Não pode ser de outro jeito, não há nenhuma celebração ou
triunfo, nem pude ver ou ler, só soube perder nas comarcas do mundo, onde
cruzava com quem só sabia ganhar e nunca perder firmando os dentes na garganta
alheia. Já tive dias contados, reencontros amanhã, depois da fábula derrotada e
do cárcere das intrigas, mananciais de desgraças. Sou-me o
que me resta, o que sobrou ora de um tosco irritadiço, às vezes, ou doutra, uma
brisa amena erradia. E se aquela rua, se for mesmo rua, sou eu que vou sem
querer e sem mais ter o que dizer e resiste ao inespecífico e o que é a cidade
senão rugidos de desejos que canto ou digo
e me perco de um desencontro até reencontrar o que sou e refaço-me a todo
instante reiteradamente. Só assim.
Verba volant, scripta manent... - Imagem:
A bela adormecida do artista Daaniel Araujo. – De
tanto me refazer perco a conta e é plena noite, o que já é um bom começo,
motivo algum para pregar os olhos: o mundo parece mudo a esta hora. Só o testemunho
do que poderia ser denominado de as Feridas
emocionais (1988), do dramaturgo britânico Nicholas Writght, naquela casa desconhecida que presencio
estrangeiro todos os momentos conturbados e tão delicados: uma mãe perdeu o
filho e recebe a visita da filha, dita predileta, na eclosão dos conflitos
entre a competição, o silêncio e os traumas. Não sei como cheguei aqui nesta
cena, ao meu lado na plateia, a verdadeira mãe é Melanie Klein que me diz secretamente: Quem come do fruto do conhecimento, é sempre
expulso de algum paraíso. Esse estado de solidão interna, eu acredito, resulta
do anseio onipresente de um estado interno perfeito inatingível. E senti na
pele a sua solidão e me revirei como se quisesse sair do labirinto cotidiano
onde de nada emerge o aprazível, só situações aversivas. Tanto é que, na poltrona
ao lado, a Nise da Silveira me sorriu: As coisas não são ultrapassadas tão
facilmente, são transformadas. Para navegar contra a corrente são necessárias
condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão. Não sou
muito do passado. Sou do futuro. Quem olha demais para trás, fica. E não
fiquei quieto, ambas me viram um tanto atônito, a ponto de dizer-lhes que foi
por isso mesmo que me arrisquei a vida toda como se qualquer risco fosse
adivinhar a sorte desvendada – estranha sorte das meras coincidências no móbile
dos afetos. Era hora de voltar pra minha vida.
Um dia, o abismo da dor... - Imagem: Rumba, do artista cubano radicado no
Recife, David
Alfonso. - O retorno é sempre difícil, às vezes nem percebo. Sempre
foi por pouco, ter escapado não me deixou a
mínima ideia do que fiz para merecer isto. Ninguém escapa. Além do mais, ninguém
se lembra mesmo do que fez, passa batido. Não é tampouco, coexistir com o
precário: abandonado, destituído. Paga-se o pato, mesmo. À própria sorte diante
do iminente, inconciliável momento. Esse o meu abismo e nele a poeta belga Benedicte Houart: Já penélope não sou / nem ulisses regressa / mudo
de nome noite / a noite ao sabor da saliva / dos meus amantes / de dia troco
lençóis / coso bainhas / descanso os olhos / dantes tecia para / enganar a
corte que / me servia de prisão / agora chamo-me eu / não tenho estado civil e
/ na cela que me tem cativa / tornei-me finalmente livre. Ela alumia
a vida desastrada, desnudada e linda, a circular ao léu até reencontrar-me
receptivo aos seus afetos, enquanto me dizia pensar em construir a própria estátua, escolhendo-me por
escultor e eu jamais tive tal habilidade. E sorria diante da minha negativa,
não sabia mesmo, e a mim me obrigava a tal. Construí-lhe versos para efígie, encantou-se;
mas me queria mãos na massa para tê-la e dos meus versos, um a um remontados e
aos ajeitos, ergueu-se imponente e lá estava ela admirada com a minha criação,
a mostrar para todo mundo. Sim era ela, fruto do meu suor e paixão. Ela se
deliciava para que todos vissem, só declinando de uma exposição gigantesca por
conta do embate entre outros dois dos seus antigos amantes. Vi-a contida com
certo desapontamento, a recitar trechos de Not
I, de Samuel Beckett. Menina solta altiva traquina viva, envolvi-a nos
meus braços para ouvi-la com um de seus poemas: no dia de todos os mortos quero um homem / bem vivo na minha cama / pois
os mortos são muitos e / dos vivos basta um / se não chegar / dá deus outro / parecido
com os demais onde é preciso / cada vivo desalinhar. E ficamos
lábios abraços e inquietações, como se
brincássemos o jogo dos sete erros com todos os prazos vencidos pela barbárie
de todos os tempos humanos e interdições das vidas demolidas, o coração sitiado
indefinidamente. Sorrimos juntos de tudo porque este tempo se perdeu e para quê
a pressa, ela mais reluzente que nunca, como se me dissesse adeus e saiu porta
afora depois de múltiplos gozos mútuos. Não me senti sozinho mesmo com ninguém
por perto e perseguido por meus próprios rastros que quisera talvez apagados, o
peso da recordação. Tivesse ido ruas soltas céu aberto sem saber o que foi ou o
que seria, para quê, tédio demais, melhor o prazer do vivido e reviver. Sim, viver
agora e nada mais. Até mais ver.
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