sexta-feira, maio 26, 2023

YULEISY LEZCANO, MOHAMED MBOUGAR, FOROUGH FARROKHZAD, ARIANO SUASSUNA & LITERATURA DE CORDEL

 

 Imagem: Eu & outro eu, Acervo ArtLAM.

Ao som do premiado álbum Xaxados & perdidos (Independente, 2012), da pianista, atriz, cantora, regente e compositora Simone Rasslan.

 

SUTRAS & KOANS, VARIAÇÕES DE UM MESMO TEMA - Os meus passos singravam a margem do rio amanhecido. De repente duma janela a vitrola dionisíaca esgoelava o vetusto repenteado das Aventuras do Maluco Raul Bezela Seixas: Tá rebocado meu compadre \ como os donos do mundo piraram \ eles já são carrascos e vítimas \ do próprio mecanismo que criaram... Sabia de cor os versos das estrofes seguintes e eles trovejavam quilômetros percorridos pelas minhas pisadas. Já bem longe e absorto, ao estímulo virei pro outro lado e lá estava ela tal Shákti, a Devi. Olhei de novo e era Parvati. A cada piscada era outra: Lakshmi ou Sarasvati, todas a me surpreender. Quando não, uma neandertal assustadora ou mesmo Maria Magdalena a me ensinar do poço de salmoura no Mar Vermelho, a empatia gravitando de sua aura a citar Lao-Tsé: O depois segue o antes... E mais: trouxe a fantasia da Nebulosa da Roseta para me envolver com o DNA flutuante, mais um presente do Homo naledi trazido do sul-africano povo Nama, e a chuva perene do meu dia para me instruir acerca da quididade à sombra da Árvore de Bodhi. Recitou naquela manhã as Quatro Verdades Nobres, depois de explicar sobre a meta-solução e anti-sacadas, ao me levar pelo Parque dos Cervos, em Benares, para desfrute da alegria em tempos desumanos. Era como se me dissesse: Você não precisa morrer para conseguir o que quer. Lembrou dos estóicos: o impermanente e o transitório nos empreitam. Passava e muito do meio dia quando ela me iniciou na sua xenoglossia apontando para a estrela Betelgeuse, como se me desvelasse os Véus de Ísis, desvendasse palimpsestos cabalísticos e me explicasse o Manuscrito Voynich. Eu me alimentava dela anoitecida enquanto brincávamos à sujeição memento excadescere e às versificações OuLiPo, como se eu fosse Perec. Folguei madrugada adentro com um tanto de sutras & koans, afora um tanto de hexagramas de arte sem arte, que ela me deu pro satori: nenhuma escritura, só o espontâneo. Tudo esclarecido: tomo parte das coisas contidianas e sorrio do presente. Sabia: as palavras jamais comportarão a verdade última. Por isso, minhas perguntas prescindem de respostas: danço sem propósitos - a vida é uma festa! Dela, uma fruta madura e tudo está dito e nem preciso nada mais dizer. Nela sou, até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O folheto-de-cordel e alguns espetáculos populares como o "auto-de-guerreiros" ou o "cavalo-marinho" são fontes preciosas para os artistas que sonham se unir a uma linhagem mais apegada às raízes da cultura brasileira. É que, em seu conjunto, tudo aquilo forma um espaço cultural criado por nosso próprio povo e no qual, por isso mesmo, ele se expressa sem maiores imposições e deformações que lhe viessem de fora ou de cima...

Trecho extraído do artigo A literatura de cordel (Folha de São Paulo, 01/06/1999), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014). Veja mais aqui e aqui.

 

LITERATURA DE CORDEL – O professor Ulpiano Bezerra de Meneses, em um parecer que consta da Ata da 89ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, intitulado A literatura de cordel como patrimônio cultural (IPHAN, 2018/IEB, 2019), expressou que: [...] O cordel é um mundo de extraordinária fluidez e extensibilidade, que não pode ser apreendido por nenhum campo disciplinar autônomo: antropologia, história, literatura, linguística, comunicação, artes visuais, psicologia, economia, geografia, pedagogia, etc. etc. [...] Quando se fala de cordel, uma das sensações mais correntes é a de sua força como meio de comunicação. [...] O cordel é testemunha de que o cotidiano é fonte inesgotável de estética [...] É nesses termos que reconheço a “Literatura de cordel”, entendida como arte da palavra poética (principalmente como um extraordinário tradutor de mundos outros), e por ter deixado há mais de um século em continuidade marcas de vária e relevante natureza nas comunidades envolvidas e na vida nacional em geral, e por atuar no presente e prometer futuro, tendo preenchido todos os requisitos para ser admitida, pelo registro, como patrimônio cultural brasileiro [...]. Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

 

ESTUDOS: CORDEL NA ESCOLA – Ao longo dos últimos quarenta anos tenho estudado, pesquisado e defendido a adoção da Literatura de Cordel como ferramenta pedagógica fundamental para ampliação dos recursos contribuintes ao processo de ensino-aprendizagem. Entre as pesquisas me deparei com diversos estudos, entre eles o artigo Literatura de cordel e suas contribuições para o ensino (Tropos, dez/2017), resultantes das pesquisas realizadas por Maria das Dores Melo de Souza, Célia Mª Barbosa de Moraes Lima e Gisela Maria de Lima Braga Penha, no qual expressaram: [...] Promover a leitura na escola é uma necessidade inadiável, pois é um instrumento de conhecimento que pode contribuir com o amadurecimento do leitor a fim de interagir socialmente com mais competência. [...] o cordel pode ser visto como uma porta de entrada para textos mais complexos, não só do ponto de vista temático, mas estrutural. [...] O trabalho com a literatura de cordel indica um caminho que pode proporcionar ao aluno uma experiência muito proveitosa, considerando a riqueza da poesia presente nos escritos cordelistas. Traçar estratégias que potencializem a proficiência leitora do alunado, aproximando-os das raízes de nosso povo. [...] resgatar não só o trabalho adequado com o texto literário, mas também uma característica fundamental que se perdeu ao longo do processo de escolarização da literatura: o conhecimento do homem e do mundo, seu poder de refletir acerca do que nos torna humanos, de nós, seres humanos. [...]. Também o estudo Literatura de cordel: Um recurso pedagógico (Fasete, 2018), da mestranda Luana Rafaela dos Santos de Souza que, por sua vez, assinala que: [...] a literatura de cordel deve ocupar espaço nas escolas, por contribuir para a formação de sujeitos que refletem sobre o seu papel no mundo e na construção de uma sociedade mais crítica e humana. [...] As experiências culturais de grandes obras artísticas como o cordel – seu valor não está apenas nisto – estão praticamente esquecidas e a escola pode ser um espaço de divulgação destas experiências. Assim sendo, a escola deve proporcionar as experiências de trabalho com a Literatura de Cordel, mostrando o que nelas há de vivo, de efervescente, como ela vem sobrevivendo e adaptando-se aos novos contextos socioculturais. Como elas têm resistido em meio ao rolo compressor da cultura de massa. Nesse sentido, a importância literatura de cordel nos oferece diferentes formas de aprendizagem e ensinamentos, trazendo para a escola toda a riqueza da experiência de diferentes formas de compreender e interpretar o real, a vida e a condição humana. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

“A POESIA É A ALMA DO PENSAMENTO”.

Imagem: Acervo ArtLAM.

INDIFERENÇA - As estrelas não me olham, \ o homem por acaso pensa que \ já não vale a consciência \ nas estepes do esquecimento, \ anjo das pétalas caídas.

AMOR DE MÃE - Sinto-me um ponto de terra \ agora que uma flor \ segue seu longo caminho \ de pupilas adormecidas. \ Dentro de mim, a vida, \ dos oceanos profundos \ está me chamando, \ chamando \ de todos os cantos do meu corpo, \ em todas as páginas que falam \ do nascimento. Eu sinto isso, \ eu sinto isso. \ e quero responder \ «vem, filho do amor, \ filho inesperado, \ punhado de ouro fundido, \ mostrar-te-ei o caminho \ que escuta o rumor das asas, \ ensinar-te-ei o mistério do voo \ neste céu que desce até ti. \ Eu vou te contar sobre o tempo que corre \ esperando para te ver, \ para beijar sua alma pura, \ com amor maternal e ternura.

Poemas da premiada poeta, bióloga e enfermeira cubana Yuleisy Cruz Lezcano, autora de obras poéticas Tristano e Isotta. La storia si ripete (2018) e Demamah: il signore del deserto (2019), entre outros títulos publicados.

 

DEPOIMENTO - Toda a minha existência é um verso sombrio... Estou pensando que... de repente eu poderia abrir minhas asas, voar para fora desta prisão silenciosa, rir na cara do meu carcereiro e, junto com você, começar a viver de novo... Pensamento da poeta e cineasta iraniana Forough Farrokhzad (1934-1967). Veja mais aqui.

 

A MEMÓRIA SECRETA DOS HOMENS – [...] De um escritor e da sua obra podemos pelo menos saber isto: ambos caminham juntos no mais perfeito labirinto que se possa imaginar, uma longa estrada circular, onde o seu destino se confunde com a sua origem: solidão [...] Tornar-se adulto é sempre uma infidelidade que fazemos aos nossos tenros anos. Mas aí reside toda a beleza da infância: ela existe para ser traída, e essa traição é o nascimento da saudade, o único sentimento que permite, um dia talvez, no fim da vida, reencontrar a pureza da juventude. [...] Só assim, dissemos, dois jovens escritores, que se tornaram amigos e estavam prestes a lançar-se ao desconhecido, poderiam despedir-se devidamente. [...] Era a época em que as meninas flertavam com quadras, memorizadas ou compostas. [...] Um dos personagens explicou que para seduzir mulheres, muitas vezes mais espertas do que elas, os homens se beneficiariam em ser insignificantes em vez de se esgotarem, ridicularizando-se por quererem ser brilhantes a todo custo. [...] Ela publicou dois romances eróticos: L'ogive Sainte, título tirado de uma frase de Le Con d'Irène, e Journal d'une pygophile, que li com uma mão e amei com toda a minha alma. Beatrice é uma católica devota. Uma vez ela me disse que sua posição sexual favorita era o anjo cubista, e que um dia tentaríamos. Toda a minha pesquisa sobre esta posição não levou a nada. Existe de fato uma escultura de Dali que leva esse título, mas sua postura é sexualmente implausível. Talvez Béatrice o tenha inventado? O anjo cubista é um blefe? Mistério. [...] Há tantos supostos escritores que se revelam melhores comentando a literatura do que escrevendo de fato, tantos poetas que escondem a pobreza de sua criação atrás de glosas literárias eruditas, referências, citações agudas, erudição vazia... [...]. Trechos extraídos da obra La Plus Secrète Mémoire des hommes (Philippe Rey, 2021), do escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr.

 

PELEJAS EM REDE: FAZ BEM LER...

Eu digo qual é o mote...

Extraído da obra Pelejas em rede: vamos ver quem pode mais (Zanzar, 2019), publicação resultante da tese de doutoramento da pesquisadora Alice Amorim, ilustrando a exposição literária Faz bem ler, do professor e poeta Janilson Sales. Veja mais aqui, aqui e aqui.



 


sexta-feira, maio 19, 2023

CLARICE LISPECTOR, MARYANNE WOLF, SOPHIE CALLE, TERESA HORTA, CAMILLE BERTAULT, VCA & LIVROTERAPIA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Alive (Sunnyside Records, 2016), Giant Steps (Okeh/Sony Music, 2018) e The Tiger (Okeh/Sony Music, 2020), da compositora e cantora francesa Camille Bertault.

 

CONTÍNIMO: MÃO AMIGA – O que sou apenas o voo baixinho e a vida adiante insólita e desenfreada. Persigo por caminhos com suas pegadas de australopitecos, enquanto meu coração em hasta pública de ninguém sai pela boca pelos menires da cidade nenhuma de Debord. Se não atino da hora logo me safo do escorregão, quanto escrúpulo pelos lugares triviais dos Dada. Se tudo é muito caricatural, levo minha bricolagem nas cassemblas: como se fossem assemblagens das psicogeografias que eu pelejo no meio das coisas emborcadas, pulando côncavas e centrífugas situações. Eu me demoro pras coisas porque presto muita atenção. Às vezes finjo que entendo, quando não. Já tive pressa, hoje não mais. Sei que um sobrenome é maldição e ainda dizem que o filme nacional é ruim e eu digo: porque somos nós. E prossigo escapando do que posso, do meu exclusivo Evento Tunguska, da erupção inusitada do meu vulcão Cracatoa e dos terremotos de Itacarambi, Taruacá e Porangatu da minha terra natal. Pra minha salvação de longe avisto e lá vai ela tal Nana de Viver a vida de Godard, a me fazer tão Leonardo em Vinci quanto dela poeta Ginevra de’ Benci, a posar amante Mona Vanna buliçosa na minha libido, só para que eu tome um par de ventos no meio das suas coxas e delas os eflúvios reencarnatórios. É pra já! Entre uma fungada e outra no cangote zelota, sou bordalengo que refaz a Jornada do herói de Campbell: A aventura do herói é a aventura de se estar vivo. E eu só quero viver e pronto. Não vou muito longe, ela cúmplice me chama atenção pro que está ocorrendo e eu não sei de nada. Quanto mais espreito o momento, mais tudo me foge entre os dedos. Ela se foi com todas as alvíssaras e eu só queria apenas uma mão amiga, nada mais.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

[...] A leitura muda nossas vidas, e nossas vidas mudam nossa leitura. [...] aprendemos tanto a semelhança quanto a singularidade de nossos próprios pensamentos - que somos indivíduos, mas não estamos sozinhos. [...] Existem poucos espelhos mais poderosos da incrível capacidade do cérebro humano de se reorganizar para aprender uma nova função intelectual do que o ato de ler. Subjacente à capacidade do cérebro de aprender a ler está sua capacidade multiforme de fazer novas conexões entre estruturas e circuitos originalmente dedicados a outros processos cerebrais mais básicos que tiveram uma existência mais longa na evolução humana, como a visão e a linguagem falada. [...] a gente vem ao mundo programado com a capacidade de mudar o que nos é dado pela natureza, para poder ir além dela. Desde o início, parece que estamos geneticamente preparados para avanços. [...] Aprender a ler começa na primeira vez que uma criança é segurada e lida uma história. A frequência com que isso acontece, ou deixa de acontecer, nos primeiros cinco anos da infância acaba sendo um dos melhores preditores de leitura posterior [...] Nunca nascemos para ler. O ser humano inventou a leitura há apenas alguns milhares de anos. E com essa invenção, reorganizamos a própria organização do nosso cérebro, que por sua vez ampliou as formas de pensar, o que alterou a evolução intelectual da nossa espécie.

Trechos extraídos da obra Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain (Harper Perennial, 2008), da professora estadunidense Maryanne Wolf. Veja mais aqui e aqui.

 

O LIVRO & A LEITURA – [...] Todo livro conta um segredo, mas não é qualquer gente que consegue decifrá-lo, não senhor. Os livros são tímidos e precisam confiar muito no leitor para revelar o segredo que guardam. O leitor tem que ser amigo dos livros, visitá-lo sempre, conversar com eles, até chegar o dia em que o livro, assim baixinho de repente, sussurre ligeiro o segredo de uma história que ele vai contar para sempre [...]. Trecho extraído da obra O livro (Casa da Palavra, 2001), de Alexandre Arbex Valadares.

 

LIVROTERAPIA OU BIBLIOTERAPIA – […] A biblioterapia, quando consegue atingir seu objetivo e causar a catarse, age como um procedimento terapêutico, no auxilio à eliminação de problemas patogênicos, através das lembranças de acontecimentos traumáticos. [...] O uso da literatura ficcional na biblioterapia obtém resultados significativos, pois os personagens ficcionais despertam a catarse no ouvinte/leitor que passa por uma situação parecida com a do personagem. Quando o leitor/ouvinte se identifica com as situações vivenciadas pelo personagem ficcional, as emoções que são despertadas neste provocam a catarse, isto é, a liberação das emoções através da identificação [...]. Trecho extraído do estudo A aplicação da biblioterapia através da hora do conto com crianças e adolescentes institucionalizados: pesquisa e ação no Lar da Criança Raio de Luz (FURG, 2011), de Francine Baumbach Mattos. Também é possível encontrar que: [...] A biblioterapia torna-se um importante instrumento de transformação social na medida em que alcança o indivíduo fragilizado, proporcionando a ele uma interação com a sociedade e aliviando suas dores, angústias e sofrimentos. [...]. Trecho do estudo Biblioterapia, a cura da alma pela leitura: um estudo acerca de sua aplicação, benefícios e atuação do bibliotecário (UFRJ, 2013), de Amanda Barbosa Nogueira da Silva. Com isso pode-se inferir que Biblioterapia é uma forma de terapia que faz o uso de textos, livros e atividades de leitura com uma função terapêutica, desenvolvida a partir de estudos do professor alemão Wolfgang Iser (1926-2007), do filósofo francês Marc-Alain Ouaknin e da professora da UFSC, Clarice Fortkamp Caldin, valendo ressaltar tratar-se de uma prática que tem sido muito usada para tratar várias situações clínicas, como traumas, situações de decorrência da vida como o luto ou divorcio; hospitalizações, ansiedade, bullying, desemprego, falta de perspectiva de vida, dependência química, entre outras. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

I - Todo o colo \ me faz lembrar \ as tuas pernas \ O côncavo macio \ das tuas coxas \ Onde ainda hoje \ eu poderia \ procurar o sono e o susto.

Educação sentimental - Põe devagar os dedos \ devagar... \ e sobe devagar \ até ao cimo \ o suco lento que sentes \ escorregar \ é o suor das grutas \ o seu vinho \ Contorna o poço \ aí tens de parar \ descer, talvez \ tomar outro caminho... \ Mas põe os dedos \ e sobe devagar... \ Não tenhas medo \ daquilo que te ensino.

Poemas da escritora e jornalista portuguesa Teresa Horta. Veja mais aqui.

 

AMOR – [...] Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. [...] A vida é horrível [...] Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver. [...] Trechos do conto Amor, extraído da obra Laços de Família (Rocco, 1998), da escritora e jornalista Clarice Lispector (1920-1977). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

DESLOCAMENTO - Eu não me importo com a verdade; Eu me preocupo com arte e estilo e escrevendo e ocupando a parede. Para mim, meu estilo de escrita está muito ligado ao fato de que é uma obra de arte na parede. Eu tive que encontrar uma maneira de escrever frases concisas e eficazes que as pessoas em pé ou entrando em uma sala podia ler. A arte é uma maneira de remover a distância. Os aspectos patológicos ou terapêuticos existem, mas apenas como catalisadores. Objetos sempre atendem à sua obsessão. Uma vez que você tenha uma obsessão, você pisa nele em todos os cantos. Eu viajei por sete anos, E quando voltei para casa, fiquei completamente perdido. Eu não sabia o que fazer com a minha vida, então decidi deixar as pessoas decidirem por mim. No mês, segui estranhos na rua. Para o prazer de seguir, não porque a festa me interessa. Eu os fotografei sem o conhecimento deles, tomei nota de seus movimentos e finalmente perdei a visão deles. No final de janeiro de 1980, escolhi um homem e segui-lo a Veneza. Foi assim que comecei. Isso é tudo. Eu tento toda vez que um projeto ter um final natural. Tanto quanto eu posso, tento seguir a história e dar-lhe o seu próprio fim. Pensamento da escritora, fotógrafa e artista conceitual Sophie Calle. Veja mais aqui.

 

VITRAL ALQUIMIA

A palavra quer viver \ sempre livre (em puro mênstruo de ser fruto divino) \ fora dos dicionários, presa dos sentidos claros \ dentro do poema, solta, alvo da metáfora \ do dessentido, da proliferação dos fins \ foge do vulgar, do óbvio e pleno, do comum substantivo...

Trecho do poema Destino da palavra poética, extraído da obra Vitral Alquimia (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 



sábado, maio 13, 2023

ADRIENNE RICH, LOCKHART, MACKINNON, OLGA SAVARY & GOROSTIZA

 

 (Imagem: Mandalírica, Acervo ArtLAM).

Ao som da ópera Yanan laylalar (1992), Dunya sevənlərindir (1998) e Requiem (2009), da compositora e artista popular do Azerbaijão e do Daguestão, Elza Ibrahimova (1938-2012).

 

MANDALÍRICA – Apenas um menino da beira do rio, eu sou até hoje porque escapei toda vida não só de pandemônios, como de falhas tectônicas e abalos sísmicos, sem distinguir de boas ou más companhias. De lá pelos badalos da crueza do genuinamente falso com as sirenes da degradação. O que cruzei no meio do caminho gente não era; afora pedras e ermos, tantos moluscos acéfalos, como se fossem sobreviventes pelas cataratas do VUE do The Falls de Greenaway: gritavam bizarrices, sonhavam morrendo afogados para voarem com suas biografias surreais, suas obsessões emergentes e suas aflições fantásticas, cobaias do horror pelos bucetódromos reluzentes e caleidoscópicos do caos. Eu vivi o Efeito Borboleta na maldita preação: perfuraram a Terra atrás de riqueza e era como penetrassem nas pudendas das jovens púberes à flor da pele, num estupro ambivalente e dessacralizado pelo triângulo amoroso com a alta voltagem autoindulgente: a catarse hedonista de parvos vilões. Nenhuma surpresa nisso. Só me assustava quando pareciam cães uivantes que escondiam seus excrementos por atrás das persianas ou embaixo do tapete, a vida na lata do lixo. De tantas me desvencilhei e de raspão, só me restava a Filosofia de Ascenso, viver entre Os ambulantes de Deus do Hermilo, sonhar com as mulheres de Darel, alcançar o renascer de Tunga, a remissão de La Greca e, ao me deparar com a Fubana do Berto, ah, não, um close de maio: Era ela Sekhmet: Epa! Havia algo de engraçado ao dobrar cada esquina, quantas possibilidades, Monterroso: quando acordou o dinossauro ainda estava lá. Poderia ter sido diferente. Não foi. Ela de soslaio, nuto afirmativo, hostil êmula, sabia: pronta para me estraçalhar. Disfarçou hospitalidade e brindou-me: Achegue-se. Um pé na frente e outro atrás, atentava às viradas de seus goles na tulipa enorme de cerveja. Enchia e virava duma vez, logo embriagou-se aos esconjuros. Chamava-me Kómos, aproximou-se resoluta: uma mão sobre meus ombros, alisou meus cabelos, sentou-se de frente em meu colo. Senti seu hálito e bufava compenetrada, mãos postas sobre meu tórax logo escorregaram e apalpou meu pênis pelo tecido da minha calça, a desatacá-la arreou o zíper, puxou meu membro fora e conferiu: Este é o peixe-regaleco. Hem? Enquanto amolegava com ambas as mãos entre o ventre e as coxas nuas, deitou a cabeça ao meu ombro e me contou que, ainda menina, seu pai morrera baleado no jogo da esquina, a mãe fora envenenada pela eutanásia duma vizinha fugitiva, órfã desde então como a tragédia infantil de Stokhausen, talqualzinha. Parecia humana demais para uma deusa e, aos goles apressados, chorou a me abraçar. Logo dormiu e não podia me mover nem havia como, uma longa espera. Procurei rendê-la com afetuosa carícia. Logo despertou exultante a dançar como se fosse Tlazoltéotl, a me puxar com seus passos e, de repente, me encurralar contra a parede. Rente e determinada: fez sexo comigo. Fui poupado, sim, ileso, mas levou meu sangue. Um aceno e eu exangue, a constatação: nela tudo era poesia. E outra: ali estava eu à beira do inferno. Ainda ouvi uma voz: Pronde tu vais, ô Nito? Pedi a bênção à mãe que já se foi e era o seu dia, fui e até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

(Imagem: Acervo ArtLAM).

Para que os valores espirituais e a tradição criativa continuem intactos, precisamos de artefatos concretos, do trabalho das mãos, de palavras escritas para ler, de imagens para olhar, de um diálogo com mulheres corajosas e imaginativas que vieram antes de nós. Nos falsos nomes de amor, maternidade, lei natural - falsos porque não foram definidos por nós a quem são aplicados - as mulheres no patriarcado foram impedidas de construir um mundo comum, exceto em enclaves ou por meio de mensagens codificadas. Hannah Arendt não chama isso de "trabalho de mulher". No entanto, é essa atividade de proteção do mundo, preservação do mundo, reparação do mundo - o milhão de pontos minúsculos, a fricção da escova, o pano de limpeza, o ferro na camisa, a fricção do pano contra si mesmo para exorcizar a mancha , a renovação da panela queimada, a lâmina da faca enferrujada, a tecelagem invisível de uma vida familiar desgastada e esfarrapada, a limpeza do solo e dos resíduos deixados por homens e crianças - que fomos incumbidas de fazer "por amor", não meramente não pago, mas não reconhecido pelos filósofos políticos. As mulheres não são descritas como “trabalhadoras” quando criamos as condições essenciais para o trabalho dos homens; supõe-se que agimos por amor, instinto ou devoção a alguma causa maior que o eu...

Trechos de Condições de trabalho: o mundo comum das mulheres, extraído da obra On Lies, Secrets and Silence: Selected Prose 1966-1978 (W. W. Norton & Company, 1995), da poeta, feminista e professora Adrienne Rich (1929-2012). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

PÓS-MODERNIDADE - [...] O pós-modernismo é uma teoria acadêmica, originada na academia com uma elite acadêmica, não no mundo das mulheres e homens, onde a teoria feminista está enraizada. [...] Portanto, a ideia de que não há nada essencial, no sentido de que não há universais humanos, é um dogma. Pergunte a quase todo mundo quem vai levar um tiro ao amanhecer. [...] O que o pós-modernismo nos dá, em vez disso, é uma defesa multicultural para a violência masculina - uma defesa para ela onde quer que esteja, o que na verdade é uma defesa bastante universal. [...]. Trechos extraídos de Postmodernism and Human Rights (2000) & Are Women Human?: and Other International Dialogues (2006), da jurista e ativista estadunidense, Catherine MacKinnon, que sobre pornografia assim se expressa: Na pornografia, a violência é o sexo. A desigualdade é sexo. A pornografia não funciona, sexualmente, sem hierarquia. Se não há desigualdade, sem estupro, sem domínio, sem força, não há excitação sexual. Veja mais aqui.

 

SOB O OLHAR DO MARTodos aqui sempre persistem em otimismo fácil até que o pior realmente aconteça... Pensamento do escritor japonês Shūgorō Yamamoto (pseudônimo de Satomu Shimizu – 1903-1967), autor da obra que inspirou o filme Umi wa miteita (2002), dirigido pelo cineasta Kei Kumai e roteirizado por Akira Kurosawa, contando a história de uma jovem gueixa, O-Shin, que vive em um prostíbu do século XIX, e esconde um samurai que procura refúgio que se apaixona por ela e espera livrá-la dos pecados de sua profissão, enfrentando o mar. Perdida em seus sonhos, ela apaixona-se por seus clientes revelando a sensibilidade feminina, carregando a ideia de que os seus clientes invadem seu corpo, sua alma permanece intacta e, como o oceano, é maior que seus invasores. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

À MARGEM DO MAR

(Imagem: Acervo ArtLAM)

Não é água nem areia \ a margem do mar. \ A água sonora \ de espuma simples, \ a água não pode \ formar a margem. \ E porque descansa \ em delicado lugar, \ não é água nem areia \ a margem do mar. \ As coisas discretas, \ amáveis, simples; \ as coisas se juntam \ como as margens. \ De tal modo os lábios, \ se querem beijar. \ Não é água nem areia \ a margem do mar. \ Eu só me vejo \ por coisa de morto; \ sozinho, desolado, \ como em um deserto. \ A mim venha o choro, \ pois devo penar. \ Não é água nem areia \ a margem do mar.

Poema do escritor mexicano José Gorostiza (1901-1973). Veja mais aqui.

 

O REI DOS LENÇÓISOlhar, olhava-o há anos. [...] Quando ela, observava, quieta, sem falar nada. Olhava só – e já era muito. Mirava aquele andar com movimento de água, várzea já desalagada mas ainda toda úmida, promessa de vastas águas represadas sempre a vir, prestes a explodir de novo. A qualquer hora, pretexto ou sortilégio. [...] Fica ela à espreita, esperando, lutadora que nem peixe das piracemas, nadando contra a corrente, a favor da vida, barro e peixe ávido, beira e profundezas de rio, igarapé, igapó, vazante e cheia de riacho, enchente, torvelinho, chuva torrencial. Logo ela, que nunca levou nada a sério, sempre levando a vida na brincadeira, querendo só brincar de casinha, olhando a vida como mentirinha de teatro, ela – que nada sabe – franqueará o caminho ao senhor da vida, quando ele quiser fazê-la rainha dos lençóis brancos e dos lençóis negros. Trechos do conto O rei dos lençóis (Continente Multicultural, 2005), da escritora Olga Savary (1933-2020), autora do poema Mar: Para ti queria estar sempre vestida de branco \ como convém a deuses \ tendo na boca o esperma de tua brava espuma. \ Violenta ou lentamente o mar no seu vai-e-vem pulsante \ ordena vagas me lamberem coxas, \ seu arremesso me cravando uma adaga roxa.... Veja mais aqui.

 

NÓS MENTIROSOS[...] Tudo não parece nada quando você ama alguém. Especialmente quando você é jovem. [...] Aqui estou congelado, quando mereço queimar. [...] O universo era bom porque ele estava nele. [...] Ele olhou para você como se você fosse o planeta mais brilhante da galáxia. [...] As coisas estão confusas no mundo, só isso. [...] Eu preferiria um milhão de vezes viver e arriscar e ver tudo terminar mal do que ficar na caixa em que estive nos últimos dois anos. [...] Veja o mundo como ele é, não como você gostaria que fosse [...] Somos mentirosos. Somos lindos e privilegiados. Estamos rachados e quebrados. [...] Seja um pouco mais gentil do que o necessário. [...] Sempre faça o que você tem medo de fazer. [...] O silêncio é uma camada protetora sobre a dor. [...]. Trechos extraídos da obra We Were Liars (Delacorte, 2014), da escritora estadunidense E. Lockhart.

 

ARTEXPRESSÃO

A SEMED dos Palmares está ofertando por meio do Observatório de Linguagens – Centro de Formação Municipal Prof. Douglas Miranda Marques, Workshop ARTEXPRESSÃO -Trabalhando Arte para criatividade dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, com ênfase para os Gêneros Textuais da OLP. O evento divide-se em cinco momentos distintos, com encontros mensais, destinados a Professores de Linguagem do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental e EJA/Fundamental. Conforme informações a seguir: Inscrições: 03 a 15 de maio de 2023. 1º encontro: Data: 17/05/2023. Horário: 8h Duração: 4h aulas Informações: 81998978277 Daniel Antonio - Prof. Técnico OLP. Veja mais aqui e aqui.

 


domingo, maio 07, 2023

MARGE PIERCY, VIRGINIA WOOLF, GAUGUIN, TONI MORRISON, PALAHNIUK, WENDY BROWN & ASCENSO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Tous des Oiseaux (ECM, 2019), Concerto em Atenas (ao vivo – ECM, 2013) e Trojan Women (ECM, 2001), da compositora grega Eleni Karaindrou. Veja mais aqui.

 

KOAN ENTRE NOIT&DIAS Tem vexame não! Nestes tempos de frangofilia exacerbada, simulacros emulantes e teorias da conspiração, gestos e atitudes vão muito além de crimes e castigos, se quiserem! Quão verídica seja a emoção, coisas que não se dizem nem palavras algumas comportam entre o impreciso e o inadequado, transcendem intenções e linguagens. Ouvi Colette no meio da noite: Não chore, não junte os dedos em súplica, não se revolte: é preciso envelhecer... Era, na verdade, a ressurreta Catxerê que novamente invadia meus sentidos para me dá conta de que definira a minha face antes mesmo de eu nascer. Mostrava-me o quintal do brejo da Água Preta como prova cabal, lá onde eu menino a vi pela primeira vez como irmã entre as Marias de Órion e amigas das da Queiroz Rachel, quase as mesmas das cenas de Abranches, e recém-chegada das nuvens estelares. Dessa vez ela me falou que adorava a moda das crinolinas e as mortes um tanto glamurosas por afogamento ou incêndio – como a que ocorrera com a Frances do Longfellow e as irmãs de Oscar Wilde. Que coisa mais estranha, era. E jurou que um dia ainda usaria aquelas tournures para se sentir pavoneada, ao me explicar que cobra não se enrosca em pavão, o que para ela premiaria os olhos de Argos, a comer venenos para sobreviver imune, enquanto mudava de pele a cada estação. Aí coibiria o tráfico das penas pro carnaval do Sambódromo, afora perseguir os responsáveis impunes dos estupros e a coerção fanática religiosa aos abortos: coisas mais sem cabimento. Um tanto pensativa ruminou quem guardaria a sua dor, se já foi Zenóbia vencida pela fome e decapitada pela rebelião de Palmira. E como nada concluído nem anonimamente publicado, expressou-se Cornel West: Nunca esqueça que a justiça é como o amor se parece em público... Você não pode liderar o povo se não o ama. Você não pode salvar o povo se não servir ao povo... Se nada entendia, logo me alertou que já foi também a Creuza raptada pelo amor no Mysterioso Alado de Melchiades e que fora eu mesmo quem isso fizera a ela. Como? Disso nada sabia, nem pudera. Se as estranhices de sua deposição eram insinuantes, sua nudez era para lá de aprazíveis na minha vitalidade. Outras vidas dela tivera e a mim ternamente debulhou para se achegar ao meu peito tão vulnerável quanto cúmplice. Insinuou meus fracassos e me permitiu sonhar em seu corpo cósmico. Entroutras cenas me fez sentir Angelopoulos diante do Hino à Liberdade: O que pode o poeta fazer diante da morte?... Um dia apenas e a eternidade, era nela apenas o que me restara. Até mais ver.
 
DITOS & DESDITOS:
Imagem: Acervo ArtLAM.
[...] a vida é árdua, os fatos inflexíveis, e que a passagem para essa terra fabulosa onde nossas esperanças mais brilhantes se extinguem e nossas frágeis críticas malogram na escuridão exige, acima de tudo... coragem, lealdade e perseverança [...].
Trecho extraído da obra Rumo ao farol (Globo, 2003), da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941). Veja mais aqui, aqui e aqui.
 
AMADA – [...] Libertar-se era uma coisa, reivindicar a posse desse eu liberto era outra. [...] O amor é ou não é. Amor fino não é amor de jeito nenhum. [...] Ela é uma amiga da minha mente. Ela me pega, cara. Os pedaços que eu sou, ela os junta e os devolve para mim na ordem certa [...] Conversas doces e malucas cheias de meias frases, devaneios e mal-entendidos mais emocionantes do que o entendimento jamais poderia ser. [...] As definições pertencem aos definidores, não aos definidos. [...]. Trechos extraídos da obra Beloved (Vintage, 2004), da escritora estadunidense e ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 1993, Toni Morrison, autora da pérola: Se há um livro que você quer ler, mas ainda não foi escrito, então você deve escrevê-lo. Esta obra foi transformada em filme Bem-amada (1998), dirigido por Jonathan Demme, protagonizado, proposto e produzido pela jornalista, atriz, psicóloga e editora estadunidense Oprah Winfrey, que a respeito do projeto expressou: “E toda manhã, depois de meditar, eu chamava os nomes desses escravos, um por um. E dizia: estou fazendo isto por você, para que vocês tenham voz. Vocês nunca tiveram voz, por isso eu lhe estou emprestando a minha. E eu sentia que eles estavam comigo o tempo todo”. A história se passa depois da Guerra Civil Americana (1861-1865) e é inspirada na história de Margaret Garner, que escapou da escravidão em 1856. Conta a história de Sethe e sua filha Denver depois de sua fuga. Sua casa em Cincinnati é assombrada por um fantasma, que eles acreditam ser de uma das filhas de Sethe, morta quando era um bebê. Paul D, um ex-escravo da mesma plantação que Sethe era escrava, chega na casa e passa a viver com as duas mulheres e acabando com as assombrações. Mas uma mulher misteriosa chamada Beloved aparece na porta da casa, iniciando uma série de mudanças na vida dos três e fazendo-os confrontar seus passados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
 
GAUGUIN: [...] Queres saber quem sou; minhas obras não são suficientes para ti. Inclusive no momento em que escrevo, só estou revelando o que quero revelar. E que acontece se às vezes me vês assim, nu? Não há problema; é o homem interior o que queres ver. Além disso, eu mesmo não me vejo sempre muito claramente. [...]. Texto escrito pelo pintor do pós-impressionismo francês Paul Gauguin (1848-1903), extraído da obra Gauguin: gênios da arte (Girassol, 2007), de Silvia Muñoz de Imbert e coordenado por Jan-Ramón Triadó Tur. Veja mais aqui.
 
THE LOW ROAD
Imagem: Acervo ArtLAM.
O que eles podem fazer com você?  
O que eles quiserem...  
Eles podem armar para você, prendê-lo,  
podem quebrar seus dedos,  
queimar seu cérebro com eletricidade,  
borrá-lo com drogas até que você  
não consiga andar, não consiga se lembrar.  
eles podem tirar seus filhos,  
cercar seu amante;  
eles podem fazer qualquer coisa que você não pode impedi-los de fazer.  
Como você pode detê-los?  
Sozinho você pode lutar, você pode recusar.  
Você pode se vingar de qualquer maneira,  
mas eles passam por cima de você.
 Mas duas pessoas lutando costas contra costas  
podem cortar uma multidão  
uma fogueira dançante de cobra
pode romper um cordão de isolamento,
cupins podem derrubar uma mansão
Duas pessoas podem manter a sanidade uma da outra
pode dar apoio, convicção,
amor, massagem, esperança, sexo.
Três pessoas são uma delegação
uma célula, uma cunha.
Com quatro você pode jogar
e começar um coletivo.
Com seis você pode alugar uma casa inteira,
comer torta no jantar sem segundos
e fazer sua própria música.
Treze formam um círculo,
cem preenchem um corredor.
Mil têm solidariedade
e boletim próprio;
dez mil comunidades
e seus próprios papéis;
cem mil, uma rede de comunidades;
um milhão de nosso próprio mundo.
Vai um de cada vez.
Começa quando você se preocupa em agir.
Começa quando você faz de novo
depois que eles dizem não.
Começa quando você diz nós
e sabe quem você quer dizer;
e cada dia você significa mais um.
Poema da escritora e ativista social estadunidense Marge Piercy. Veja mais aqui.
 
ESTADOS DE LESÃO - [...] Esse esforço para estabelecer o racismo, o sexismo e a homofobia como moralmente hediondos na lei, também lança a lei em particular e o estado em geral como árbitros neutros de danos, em vez de investidos do poder de ferir. Assim, o esforço para "proibir" a injúria social legitima poderosamente a lei e o Estado como protetores apropriados contra injúrias e lança os indivíduos lesados como necessitando de tal proteção por tais protetores. [...]. Trecho extraído da obra States of Injury: Power and Freedom in Late Modernity (Princeton University Press, 1995), da professora e pesquisadora estadunidense Wendy L. Brown, autora da pérola: Esteja alguém lidando com o estado, a máfia, pais, cafetões, policiais ou maridos, o alto preço da proteção institucionalizada é sempre uma medida de dependência e concordância em cumprir as regras do protetor... Veja mais aqui.
 
DIARIO – [...] É tão difícil esquecer a dor, mas é ainda mais difícil lembrar a doçura. Não temos nenhuma cicatriz para mostrar a felicidade. Aprendemos tão pouco com a paz. [...]. Trecho extraído do Diary (Anchor, 2004) do escritor estadunidense Chuck Palahniuk. Veja mais aqui e aqui.
 
UNA-SE, O RIO É SEU... ASCENSO FERREIRA.
Sentes que a minha vida é um rio caudaloso, \ tomado do delírio das enchentes, \ correndo alucinado para o mar! \ E te assombras, com medo dos abismos, \ onde as águas nos seus loucos paroxismos \ te possam arrastar... \ No entanto, sobre a flor dessas águas tempestuosas, \ leve com as espumas vaporosas, \ hás de sempre boiar... \ Sentindo a sensação deliciosa \ de que as águas arrogantes, tumultuosas, \ estão cantando para te ninar.
Nana, Nanana, poema do poeta Ascenso Ferreira (1895-1965). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.