sexta-feira, maio 19, 2023

CLARICE LISPECTOR, MARYANNE WOLF, SOPHIE CALLE, TERESA HORTA, CAMILLE BERTAULT, VCA & LIVROTERAPIA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Alive (Sunnyside Records, 2016), Giant Steps (Okeh/Sony Music, 2018) e The Tiger (Okeh/Sony Music, 2020), da compositora e cantora francesa Camille Bertault.

 

CONTÍNIMO: MÃO AMIGA – O que sou apenas o voo baixinho e a vida adiante insólita e desenfreada. Persigo por caminhos com suas pegadas de australopitecos, enquanto meu coração em hasta pública de ninguém sai pela boca pelos menires da cidade nenhuma de Debord. Se não atino da hora logo me safo do escorregão, quanto escrúpulo pelos lugares triviais dos Dada. Se tudo é muito caricatural, levo minha bricolagem nas cassemblas: como se fossem assemblagens das psicogeografias que eu pelejo no meio das coisas emborcadas, pulando côncavas e centrífugas situações. Eu me demoro pras coisas porque presto muita atenção. Às vezes finjo que entendo, quando não. Já tive pressa, hoje não mais. Sei que um sobrenome é maldição e ainda dizem que o filme nacional é ruim e eu digo: porque somos nós. E prossigo escapando do que posso, do meu exclusivo Evento Tunguska, da erupção inusitada do meu vulcão Cracatoa e dos terremotos de Itacarambi, Taruacá e Porangatu da minha terra natal. Pra minha salvação de longe avisto e lá vai ela tal Nana de Viver a vida de Godard, a me fazer tão Leonardo em Vinci quanto dela poeta Ginevra de’ Benci, a posar amante Mona Vanna buliçosa na minha libido, só para que eu tome um par de ventos no meio das suas coxas e delas os eflúvios reencarnatórios. É pra já! Entre uma fungada e outra no cangote zelota, sou bordalengo que refaz a Jornada do herói de Campbell: A aventura do herói é a aventura de se estar vivo. E eu só quero viver e pronto. Não vou muito longe, ela cúmplice me chama atenção pro que está ocorrendo e eu não sei de nada. Quanto mais espreito o momento, mais tudo me foge entre os dedos. Ela se foi com todas as alvíssaras e eu só queria apenas uma mão amiga, nada mais.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

[...] A leitura muda nossas vidas, e nossas vidas mudam nossa leitura. [...] aprendemos tanto a semelhança quanto a singularidade de nossos próprios pensamentos - que somos indivíduos, mas não estamos sozinhos. [...] Existem poucos espelhos mais poderosos da incrível capacidade do cérebro humano de se reorganizar para aprender uma nova função intelectual do que o ato de ler. Subjacente à capacidade do cérebro de aprender a ler está sua capacidade multiforme de fazer novas conexões entre estruturas e circuitos originalmente dedicados a outros processos cerebrais mais básicos que tiveram uma existência mais longa na evolução humana, como a visão e a linguagem falada. [...] a gente vem ao mundo programado com a capacidade de mudar o que nos é dado pela natureza, para poder ir além dela. Desde o início, parece que estamos geneticamente preparados para avanços. [...] Aprender a ler começa na primeira vez que uma criança é segurada e lida uma história. A frequência com que isso acontece, ou deixa de acontecer, nos primeiros cinco anos da infância acaba sendo um dos melhores preditores de leitura posterior [...] Nunca nascemos para ler. O ser humano inventou a leitura há apenas alguns milhares de anos. E com essa invenção, reorganizamos a própria organização do nosso cérebro, que por sua vez ampliou as formas de pensar, o que alterou a evolução intelectual da nossa espécie.

Trechos extraídos da obra Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain (Harper Perennial, 2008), da professora estadunidense Maryanne Wolf. Veja mais aqui e aqui.

 

O LIVRO & A LEITURA – [...] Todo livro conta um segredo, mas não é qualquer gente que consegue decifrá-lo, não senhor. Os livros são tímidos e precisam confiar muito no leitor para revelar o segredo que guardam. O leitor tem que ser amigo dos livros, visitá-lo sempre, conversar com eles, até chegar o dia em que o livro, assim baixinho de repente, sussurre ligeiro o segredo de uma história que ele vai contar para sempre [...]. Trecho extraído da obra O livro (Casa da Palavra, 2001), de Alexandre Arbex Valadares.

 

LIVROTERAPIA OU BIBLIOTERAPIA – […] A biblioterapia, quando consegue atingir seu objetivo e causar a catarse, age como um procedimento terapêutico, no auxilio à eliminação de problemas patogênicos, através das lembranças de acontecimentos traumáticos. [...] O uso da literatura ficcional na biblioterapia obtém resultados significativos, pois os personagens ficcionais despertam a catarse no ouvinte/leitor que passa por uma situação parecida com a do personagem. Quando o leitor/ouvinte se identifica com as situações vivenciadas pelo personagem ficcional, as emoções que são despertadas neste provocam a catarse, isto é, a liberação das emoções através da identificação [...]. Trecho extraído do estudo A aplicação da biblioterapia através da hora do conto com crianças e adolescentes institucionalizados: pesquisa e ação no Lar da Criança Raio de Luz (FURG, 2011), de Francine Baumbach Mattos. Também é possível encontrar que: [...] A biblioterapia torna-se um importante instrumento de transformação social na medida em que alcança o indivíduo fragilizado, proporcionando a ele uma interação com a sociedade e aliviando suas dores, angústias e sofrimentos. [...]. Trecho do estudo Biblioterapia, a cura da alma pela leitura: um estudo acerca de sua aplicação, benefícios e atuação do bibliotecário (UFRJ, 2013), de Amanda Barbosa Nogueira da Silva. Com isso pode-se inferir que Biblioterapia é uma forma de terapia que faz o uso de textos, livros e atividades de leitura com uma função terapêutica, desenvolvida a partir de estudos do professor alemão Wolfgang Iser (1926-2007), do filósofo francês Marc-Alain Ouaknin e da professora da UFSC, Clarice Fortkamp Caldin, valendo ressaltar tratar-se de uma prática que tem sido muito usada para tratar várias situações clínicas, como traumas, situações de decorrência da vida como o luto ou divorcio; hospitalizações, ansiedade, bullying, desemprego, falta de perspectiva de vida, dependência química, entre outras. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

I - Todo o colo \ me faz lembrar \ as tuas pernas \ O côncavo macio \ das tuas coxas \ Onde ainda hoje \ eu poderia \ procurar o sono e o susto.

Educação sentimental - Põe devagar os dedos \ devagar... \ e sobe devagar \ até ao cimo \ o suco lento que sentes \ escorregar \ é o suor das grutas \ o seu vinho \ Contorna o poço \ aí tens de parar \ descer, talvez \ tomar outro caminho... \ Mas põe os dedos \ e sobe devagar... \ Não tenhas medo \ daquilo que te ensino.

Poemas da escritora e jornalista portuguesa Teresa Horta. Veja mais aqui.

 

AMOR – [...] Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. [...] A vida é horrível [...] Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver. [...] Trechos do conto Amor, extraído da obra Laços de Família (Rocco, 1998), da escritora e jornalista Clarice Lispector (1920-1977). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

DESLOCAMENTO - Eu não me importo com a verdade; Eu me preocupo com arte e estilo e escrevendo e ocupando a parede. Para mim, meu estilo de escrita está muito ligado ao fato de que é uma obra de arte na parede. Eu tive que encontrar uma maneira de escrever frases concisas e eficazes que as pessoas em pé ou entrando em uma sala podia ler. A arte é uma maneira de remover a distância. Os aspectos patológicos ou terapêuticos existem, mas apenas como catalisadores. Objetos sempre atendem à sua obsessão. Uma vez que você tenha uma obsessão, você pisa nele em todos os cantos. Eu viajei por sete anos, E quando voltei para casa, fiquei completamente perdido. Eu não sabia o que fazer com a minha vida, então decidi deixar as pessoas decidirem por mim. No mês, segui estranhos na rua. Para o prazer de seguir, não porque a festa me interessa. Eu os fotografei sem o conhecimento deles, tomei nota de seus movimentos e finalmente perdei a visão deles. No final de janeiro de 1980, escolhi um homem e segui-lo a Veneza. Foi assim que comecei. Isso é tudo. Eu tento toda vez que um projeto ter um final natural. Tanto quanto eu posso, tento seguir a história e dar-lhe o seu próprio fim. Pensamento da escritora, fotógrafa e artista conceitual Sophie Calle. Veja mais aqui.

 

VITRAL ALQUIMIA

A palavra quer viver \ sempre livre (em puro mênstruo de ser fruto divino) \ fora dos dicionários, presa dos sentidos claros \ dentro do poema, solta, alvo da metáfora \ do dessentido, da proliferação dos fins \ foge do vulgar, do óbvio e pleno, do comum substantivo...

Trecho do poema Destino da palavra poética, extraído da obra Vitral Alquimia (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.