sexta-feira, maio 26, 2023

YULEISY LEZCANO, MOHAMED MBOUGAR, FOROUGH FARROKHZAD, ARIANO SUASSUNA & LITERATURA DE CORDEL

 

 Imagem: Eu & outro eu, Acervo ArtLAM.

Ao som do premiado álbum Xaxados & perdidos (Independente, 2012), da pianista, atriz, cantora, regente e compositora Simone Rasslan.

 

SUTRAS & KOANS, VARIAÇÕES DE UM MESMO TEMA - Os meus passos singravam a margem do rio amanhecido. De repente duma janela a vitrola dionisíaca esgoelava o vetusto repenteado das Aventuras do Maluco Raul Bezela Seixas: Tá rebocado meu compadre \ como os donos do mundo piraram \ eles já são carrascos e vítimas \ do próprio mecanismo que criaram... Sabia de cor os versos das estrofes seguintes e eles trovejavam quilômetros percorridos pelas minhas pisadas. Já bem longe e absorto, ao estímulo virei pro outro lado e lá estava ela tal Shákti, a Devi. Olhei de novo e era Parvati. A cada piscada era outra: Lakshmi ou Sarasvati, todas a me surpreender. Quando não, uma neandertal assustadora ou mesmo Maria Magdalena a me ensinar do poço de salmoura no Mar Vermelho, a empatia gravitando de sua aura a citar Lao-Tsé: O depois segue o antes... E mais: trouxe a fantasia da Nebulosa da Roseta para me envolver com o DNA flutuante, mais um presente do Homo naledi trazido do sul-africano povo Nama, e a chuva perene do meu dia para me instruir acerca da quididade à sombra da Árvore de Bodhi. Recitou naquela manhã as Quatro Verdades Nobres, depois de explicar sobre a meta-solução e anti-sacadas, ao me levar pelo Parque dos Cervos, em Benares, para desfrute da alegria em tempos desumanos. Era como se me dissesse: Você não precisa morrer para conseguir o que quer. Lembrou dos estóicos: o impermanente e o transitório nos empreitam. Passava e muito do meio dia quando ela me iniciou na sua xenoglossia apontando para a estrela Betelgeuse, como se me desvelasse os Véus de Ísis, desvendasse palimpsestos cabalísticos e me explicasse o Manuscrito Voynich. Eu me alimentava dela anoitecida enquanto brincávamos à sujeição memento excadescere e às versificações OuLiPo, como se eu fosse Perec. Folguei madrugada adentro com um tanto de sutras & koans, afora um tanto de hexagramas de arte sem arte, que ela me deu pro satori: nenhuma escritura, só o espontâneo. Tudo esclarecido: tomo parte das coisas contidianas e sorrio do presente. Sabia: as palavras jamais comportarão a verdade última. Por isso, minhas perguntas prescindem de respostas: danço sem propósitos - a vida é uma festa! Dela, uma fruta madura e tudo está dito e nem preciso nada mais dizer. Nela sou, até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O folheto-de-cordel e alguns espetáculos populares como o "auto-de-guerreiros" ou o "cavalo-marinho" são fontes preciosas para os artistas que sonham se unir a uma linhagem mais apegada às raízes da cultura brasileira. É que, em seu conjunto, tudo aquilo forma um espaço cultural criado por nosso próprio povo e no qual, por isso mesmo, ele se expressa sem maiores imposições e deformações que lhe viessem de fora ou de cima...

Trecho extraído do artigo A literatura de cordel (Folha de São Paulo, 01/06/1999), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014). Veja mais aqui e aqui.

 

LITERATURA DE CORDEL – O professor Ulpiano Bezerra de Meneses, em um parecer que consta da Ata da 89ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, intitulado A literatura de cordel como patrimônio cultural (IPHAN, 2018/IEB, 2019), expressou que: [...] O cordel é um mundo de extraordinária fluidez e extensibilidade, que não pode ser apreendido por nenhum campo disciplinar autônomo: antropologia, história, literatura, linguística, comunicação, artes visuais, psicologia, economia, geografia, pedagogia, etc. etc. [...] Quando se fala de cordel, uma das sensações mais correntes é a de sua força como meio de comunicação. [...] O cordel é testemunha de que o cotidiano é fonte inesgotável de estética [...] É nesses termos que reconheço a “Literatura de cordel”, entendida como arte da palavra poética (principalmente como um extraordinário tradutor de mundos outros), e por ter deixado há mais de um século em continuidade marcas de vária e relevante natureza nas comunidades envolvidas e na vida nacional em geral, e por atuar no presente e prometer futuro, tendo preenchido todos os requisitos para ser admitida, pelo registro, como patrimônio cultural brasileiro [...]. Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

 

ESTUDOS: CORDEL NA ESCOLA – Ao longo dos últimos quarenta anos tenho estudado, pesquisado e defendido a adoção da Literatura de Cordel como ferramenta pedagógica fundamental para ampliação dos recursos contribuintes ao processo de ensino-aprendizagem. Entre as pesquisas me deparei com diversos estudos, entre eles o artigo Literatura de cordel e suas contribuições para o ensino (Tropos, dez/2017), resultantes das pesquisas realizadas por Maria das Dores Melo de Souza, Célia Mª Barbosa de Moraes Lima e Gisela Maria de Lima Braga Penha, no qual expressaram: [...] Promover a leitura na escola é uma necessidade inadiável, pois é um instrumento de conhecimento que pode contribuir com o amadurecimento do leitor a fim de interagir socialmente com mais competência. [...] o cordel pode ser visto como uma porta de entrada para textos mais complexos, não só do ponto de vista temático, mas estrutural. [...] O trabalho com a literatura de cordel indica um caminho que pode proporcionar ao aluno uma experiência muito proveitosa, considerando a riqueza da poesia presente nos escritos cordelistas. Traçar estratégias que potencializem a proficiência leitora do alunado, aproximando-os das raízes de nosso povo. [...] resgatar não só o trabalho adequado com o texto literário, mas também uma característica fundamental que se perdeu ao longo do processo de escolarização da literatura: o conhecimento do homem e do mundo, seu poder de refletir acerca do que nos torna humanos, de nós, seres humanos. [...]. Também o estudo Literatura de cordel: Um recurso pedagógico (Fasete, 2018), da mestranda Luana Rafaela dos Santos de Souza que, por sua vez, assinala que: [...] a literatura de cordel deve ocupar espaço nas escolas, por contribuir para a formação de sujeitos que refletem sobre o seu papel no mundo e na construção de uma sociedade mais crítica e humana. [...] As experiências culturais de grandes obras artísticas como o cordel – seu valor não está apenas nisto – estão praticamente esquecidas e a escola pode ser um espaço de divulgação destas experiências. Assim sendo, a escola deve proporcionar as experiências de trabalho com a Literatura de Cordel, mostrando o que nelas há de vivo, de efervescente, como ela vem sobrevivendo e adaptando-se aos novos contextos socioculturais. Como elas têm resistido em meio ao rolo compressor da cultura de massa. Nesse sentido, a importância literatura de cordel nos oferece diferentes formas de aprendizagem e ensinamentos, trazendo para a escola toda a riqueza da experiência de diferentes formas de compreender e interpretar o real, a vida e a condição humana. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

“A POESIA É A ALMA DO PENSAMENTO”.

Imagem: Acervo ArtLAM.

INDIFERENÇA - As estrelas não me olham, \ o homem por acaso pensa que \ já não vale a consciência \ nas estepes do esquecimento, \ anjo das pétalas caídas.

AMOR DE MÃE - Sinto-me um ponto de terra \ agora que uma flor \ segue seu longo caminho \ de pupilas adormecidas. \ Dentro de mim, a vida, \ dos oceanos profundos \ está me chamando, \ chamando \ de todos os cantos do meu corpo, \ em todas as páginas que falam \ do nascimento. Eu sinto isso, \ eu sinto isso. \ e quero responder \ «vem, filho do amor, \ filho inesperado, \ punhado de ouro fundido, \ mostrar-te-ei o caminho \ que escuta o rumor das asas, \ ensinar-te-ei o mistério do voo \ neste céu que desce até ti. \ Eu vou te contar sobre o tempo que corre \ esperando para te ver, \ para beijar sua alma pura, \ com amor maternal e ternura.

Poemas da premiada poeta, bióloga e enfermeira cubana Yuleisy Cruz Lezcano, autora de obras poéticas Tristano e Isotta. La storia si ripete (2018) e Demamah: il signore del deserto (2019), entre outros títulos publicados.

 

DEPOIMENTO - Toda a minha existência é um verso sombrio... Estou pensando que... de repente eu poderia abrir minhas asas, voar para fora desta prisão silenciosa, rir na cara do meu carcereiro e, junto com você, começar a viver de novo... Pensamento da poeta e cineasta iraniana Forough Farrokhzad (1934-1967). Veja mais aqui.

 

A MEMÓRIA SECRETA DOS HOMENS – [...] De um escritor e da sua obra podemos pelo menos saber isto: ambos caminham juntos no mais perfeito labirinto que se possa imaginar, uma longa estrada circular, onde o seu destino se confunde com a sua origem: solidão [...] Tornar-se adulto é sempre uma infidelidade que fazemos aos nossos tenros anos. Mas aí reside toda a beleza da infância: ela existe para ser traída, e essa traição é o nascimento da saudade, o único sentimento que permite, um dia talvez, no fim da vida, reencontrar a pureza da juventude. [...] Só assim, dissemos, dois jovens escritores, que se tornaram amigos e estavam prestes a lançar-se ao desconhecido, poderiam despedir-se devidamente. [...] Era a época em que as meninas flertavam com quadras, memorizadas ou compostas. [...] Um dos personagens explicou que para seduzir mulheres, muitas vezes mais espertas do que elas, os homens se beneficiariam em ser insignificantes em vez de se esgotarem, ridicularizando-se por quererem ser brilhantes a todo custo. [...] Ela publicou dois romances eróticos: L'ogive Sainte, título tirado de uma frase de Le Con d'Irène, e Journal d'une pygophile, que li com uma mão e amei com toda a minha alma. Beatrice é uma católica devota. Uma vez ela me disse que sua posição sexual favorita era o anjo cubista, e que um dia tentaríamos. Toda a minha pesquisa sobre esta posição não levou a nada. Existe de fato uma escultura de Dali que leva esse título, mas sua postura é sexualmente implausível. Talvez Béatrice o tenha inventado? O anjo cubista é um blefe? Mistério. [...] Há tantos supostos escritores que se revelam melhores comentando a literatura do que escrevendo de fato, tantos poetas que escondem a pobreza de sua criação atrás de glosas literárias eruditas, referências, citações agudas, erudição vazia... [...]. Trechos extraídos da obra La Plus Secrète Mémoire des hommes (Philippe Rey, 2021), do escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr.

 

PELEJAS EM REDE: FAZ BEM LER...

Eu digo qual é o mote...

Extraído da obra Pelejas em rede: vamos ver quem pode mais (Zanzar, 2019), publicação resultante da tese de doutoramento da pesquisadora Alice Amorim, ilustrando a exposição literária Faz bem ler, do professor e poeta Janilson Sales. Veja mais aqui, aqui e aqui.