sexta-feira, junho 02, 2023

JUANA PAVÓN, SARAMAGO & ALTERIDADE, MLODINOW, JACQUARD, PAULO FREIRE & ARTE NA ESCOLA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Primeiras Impressões (2018), Em expansão (Balxtream, 2019) e Carol Panesi e Eleva Big Band (2021), da premiada violinista, arranjadora e multi-instrumentista Carol Panesi.

 

QUEM ANDA SABE QUE LEVITAR É MELHOR - Hora em dia, tolhido invariavelmente pelos afazeres muitos e diuturnos, peso da faina nas pálpebras nada sonolentas, altivas. Quando não, fôlego de leseira besta, rio de mim mesmo pelos feneceres e vicejares. Nem sempre relógio no ponto, não me esqueço: sorrir é melhor que prantear a morte da bezerra ou derrocadas zis pelos tombos treinados no chão abissal da minha terra. Relevo e folgo, voo meu fandango feito Marco Polo pelas invisíveis de Calvino: Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá. Topadas e escorregões me fizeram gato escaldado e, mesmo desequilibrado, sou por desconstruir moldes, dicotomias, estereótipos. Ou melhor: o desmonte para remontar, nem sempre de ponta a cabeça, o que dá pra rearrumar. Nunca fui logocêntrico e persigo meu caminho escapando da influenza aviária e doutras moléstias de plantão; quem dera, a Rua de mão única de Benjamim: livros e prostitutas pela nebulosa Halteres. Aluamentos fortuitos, nada demais. Há quem faça por aí o meu retrato falado que não diz nada, que coisa! Excogito funambolicamente: tanta coisa eu não sei, nem poderia, entre a sofisticação e a sacanagem, à tripa-forra. Vezoutra salvo pela surpresa: topo com a Darja Tuschinski no Olho do Furacão, em Bali. U-hu! Ora, também sou filho de Deus, né? Ela me faz o Sinal Wow!, franqueando seus dotes corporais para me assegurar que o que comumente vejo ninguém vê. E é? E vamos nós pelo efeito Unruh. (A culpa é dela de me apaixonar assim à toa). Inadvertidamente, pra meu desgosto temporário, sempre aparece um feito o Rei Lear de Shakespeare, só para me enquadrar na cena 2 do primeiro ato: Admirável escapatória do homem feemeiro essa de colocar suas veleidades lúbricas sob a responsabilidade de uma estrela... Eu, não. Sai pra lá! O que sei é que nunca sobrei sem pagar o pato, mesmo que eu nunca tenha sequer visto por perto um só que seja pra remédio. Botei tudo na conta do passado, valendo-me do Fernando Pessoa: Não sei quantas almas tenho. \ Cada momento mudei. \ Continuamente, me estranho. \ Nunca me vi nem achei... Bato a roupa, tiro a poeira. E quando desperto estou na mesma feito quem foi jogado de casa pra fora. Pelo sim ou não e vice-versa, levo nos peitos e me faço de leso acimabaixo, afinal sei que destino fiz e até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM

[...] Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência ou tecnologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar, não é possível. [...] Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua...e do outro lado, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. [...]. Como professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho. [...].

Trecho extraído da obra Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticas educativas (Paz e Terra, 1996), do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

A ARTE – Décadas de estudos e pesquisas tenho dedicado à Arte, acrescentada pela leitura da obra Imaginação e criação na infância (Ática, 1930-2009), de Vigotski, na qual pude entender que: [...] só por esse caminho podemos compreender os valores cognitivo, moral e emocional da arte. É indubitável que estes podem existir, mas apenas como momento secundário, como certo efeito da obra de arte que não surge senão imediatamente após a plena realização da ação estética. O efeito moral da arte existe, sem dúvida, e se manifesta em certa elucidação interior do mundo psíquico, em certa superação dos conflitos íntimos e, consequentemente, na libertação de certas forças constrangidas e reprimidas, particularmente das forças do comportamento moral. [...]. Foi a partir disso que me deparei com o questionamento O que é Arte? (Brasiliense, 1995), de Jorge Colli: [...] A arte tem assim uma função que poderíamos chamar de conhecimento, de ‘aprendizagem’. Seu domínio é o do não-racional, do indizível, da sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do mundo da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma. Porque o objeto artístico traz em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia. Entre a complexidade do mundo e a complexidade da arte existe uma grande afinidade. [...]. Não menos surpreendente foi me deparar com o estudo Teoria e metodologia do ensino da arte (Unicentro, 2013), da professora Nájela Tavares Ujiiie, assinalando que: [...] A arte é representação do mundo cultural com significado, imaginação; é interpretação, é conhecimento do mundo; é expressão de sentimentos, da energia interna, da efusão que se expressa, que se manifesta, que se simboliza, é fruição. Ao mesmo tempo, é conhecimento elaborado historicamente, que traz consigo uma visão de mundo, um olhar crítico e sensível, implicado de contexto histórico, cultural, político, social e econômico de cada época. [...]. A partir de então passei a pesquisa as contribuições da arte para a educação. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

ARTE NA ESCOLA – As pesquisas sobre a temática das contribuições da parte para a educação me levaram a leituras de obras como A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos (IOCHPE, 1991), da educadora Ana Mae Barbosa: [...] Sabemos que a arte na escola não tem como objetivo formar artistas, como a matemática não tem como objetivo formar matemático, embora artistas, matemáticos e escritores devam ser igualmente bem-vindos numa sociedade desenvolvida. O que a arte na escola principalmente pretende é formar o conhecedor, fruidor, decodificador da obra de arte. [...]. Outras obras dela subsidiaram meus estudos, a exemplo de Inquietações e mudanças no Ensino da Arte (Cortez, 2007) e Arte-Educação: Leitura de Subsolo (Cortez, 2008), que me levaram inevitavelmente a refletir sobre [...] A formação do professor de Arte tem um caráter peculiar de lidar com as complexas questões da produção, da apreciação, da reflexão do próprio sujeito e das transposições de suas experiências com a Arte para a sala de aula com seus alunos [...]. Foi a partir dela que tive acesso à obra Gostar de Aprender Arte: sala de aula e formação de professores (Artmed, 2003), da professora Rosa Iavelberg, na qual pude apreciar que: [...] Aprender em arte implica desafios, pois a cultura e a subjetividade de cada aprendiz alimentam as produções e a marca individual é aspecto construtivo dos trabalhos. O aluno precisa sentir que as expectativas e as representações dos professores ao seu respeito são positivas, ou seja, seu desenvolvimento em arte requer confiança e representações favoráveis sobre o contexto da aprendizagem. [...]. Daí tive acesso à publicação Metodologia do ensino da arte (Cortez, 1999), das professoras Mariazinha Fusari e Heloisa Toledo Ferraz, das quais tive o aprendizado de que: [...] contribuir para a formação de cidadãos conhecedores da arte e para a melhoria da qualidade da educação escolar artística e estética, é preciso que organizemos nossas propostas de tal modo que a arte esteja presente nas aulas de arte e se mostre significativa na vida das crianças e jovens [...]. Estas leituras me levaram ao aprendizado de que em virtude das potencialidades integradoras das artes, estas oportunizam a todos o desenvolvimento de competências para a vida, sejam de natureza cognitiva como aprender a conhecer, sejam sociais aprendendo a conviver, sejam produtivas aprendendo a fazer ou mesmo pessoais aprendendo a ser, exatamente por se tratar de uma experiência estética viva favorecendo tanto a inter como a transdisciplinaridade numa ação transversal. Apreende-se que as artes passaram a ser utilizadas como metodologia nas mais diversas áreas do conhecimento, como meio apreender ou vivenciar uma diversidade de conteúdos, seja por meio de técnicas corporais, visuais, interpretativas, entre outras, seja por práticas oriundas do fazer teatral, poético, musical, visual ou coreográfico, promovendo sobretudo a formação do ser para a cidadania e a vida, por meio de habilidades criativas, relações emocionais, sociabilidade e manifestação potencial com o lúdico, o criativo e o prazeroso na integração física e psíquica de cada envolvido docente e discente. Então, viva a arte! Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

NÓS, ESSES SUJEITOS...

Imagem: Acervo ArtLAM

Um, dois, cem, milhares \ assim nós mulheres vamos aqui \ onde tínhamos que passar a noite para sempre. \ Não importa o lugar ou o sobrenome, \ já definimos nossa situação \ há muito tempo. \ Aceitamos nosso papel legítimo, \ independentemente do status. \ Somos os privilegiados \ e os não privilegiados \ Somos: \ a funcionária pública porque trabalha \ a trabalhadora para trabalhadora \ a mãe para mãe \ a estéril para estéril \ a senhora para senhora \ a prostituta para prostituta. \ Fazemos manobras com o tempo \ ligadas a essa inércia \ que chamamos de vida \ porque sendo mulheres \ temos que aceitar \ porque são leis para mulheres \ feitas por homens, \ o que mais importa? \ Nós os temos magros e gordos, \ alguns por beberem a água da massa, \ outros por beberem leite e cereais. \ O Dia das Mães \ deixa alguns com frio, \ outros com calor, \ o Dia da Mulher \ faz alguns rirem, \ outros satisfação. \ Somos os poetas acadêmicos \ e as poetisas da rua. \ Somos os que vendem rosas \ numa elegante floricultura \ e os que oferecem cravos \ num canto de um banco. \ Nós, que somos anónimos \ de madrugada \ e nós-outras bolhas de fome, \ somos aqueles - a quem nos vendem \ e ao qual estamos protegidos \ até os oitenta anos de idade. \ Somos a esposa ignorada \ em uma boate \ e a criada seduzida. \ Somos todos nós, \ cada um na sua, \ assim foi distribuído \ sem nos fazer escolher. \ Somos os amargos \ e indiferentes, \ os antissociais \ e muito sociais, \ os que alimentam nossos filhos \ com colher de prata, \ e os tragicamente miseráveis \ que entregam nossos filhos \ a engordadores e traficantes de crianças. \ Nós que sempre ficamos calados \ e esperamos, \ aqueles que têm motivos \ para gritar \ e não esperam nada. \ Nós somos os saudáveis \ porque temos um gato em casa \ e nós somos os doentes \ por causa de uma existência solitária. \ Há muitos de nós que bebem champanhe \ e muitos de nós que bebem guaro, \ os primeiros ancorados na cama \ com lençóis de seda \ e os segundos \ numa calçada húmida escondida. \ Somos feministas associadas \ e lésbicas reprimidas, \ muitas de nós frequentamos o Catecumenato \ e outras levantamos os olhos \ para ver Deus. \ É assim que todos nós vamos, \ esses assuntos \ somos todos mulheres indestrutíveis \ nada nos detém \ não importa se somos advogados \ se somos verdureiros\ médicos, professores, sapatão, artistas de teatro \ camponês, esposas pintoras, amantes de primeira ou última-dama. \ Um útero nos une a todos igualmente. Somos nós que motivamos todos os sentimentos, ternura, delicadeza... \ amor mesmo que haja em cada um de nós um gato furioso ou um gato submisso. \ Nós é que estamos parados no tempo e batemos... batemos... batemos! \ Somos rio, mar, selva, sol, lua e pulmão. \ Somos pátria! - Sempre achei que Honduras tem nome de mulher.

Poema da poeta e atriz hondurenha Juana Pavón (1945- 2019). Veja mais aqui.

 

O ANDAR DO BÊBADO – [...] O contorno de nossas vidas, como a chama de uma vela, é continuamente impulsionado em novas direções por uma variedade de eventos aleatórios que, junto com nossas respostas a eles, determinam nosso destino. Obviamente, pode ser um erro atribuir brilho em proporção à riqueza... A percepção requer imaginação porque os dados que as pessoas encontram em suas vidas nunca são completos e sempre equívocos. Pode parecer assustador pensar que o esforço e o acaso, tanto quanto o talento inato, são o que conta. Mas acho encorajador porque, embora nossa composição genética esteja fora de nosso controle, nosso grau de esforço depende de nós. E os efeitos do acaso também podem ser controlados na medida em que, ao nos comprometermos com tentativas repetidas, podemos aumentar nossas chances de sucesso. [...]. Trechos extraídos da obra The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives (Vintage, 2009), do físico e matemático Leonard Mlodinow. Veja mais aqui.

 

ALTERIDADE OU OUTRIDADE - [...] Com toda a certeza eu poderia existir sozinho, mas não poderia ter conhecimento disso. Minha capacidade para pensar e dizer "eu" não me foi fornecida pelo meu patrimônio genético; o que esse me deu era necessário, mas não suficiente. Só consegui dizer "eu", graças aos "tu" que ouvi. A pessoa que sou não é o resultado de um processo interno solitário; só pode construir-se encontrando-se no foco dos olhares dos outros. Não só essa pessoa é alimentada com todas as contribuições dos que me rodeiam, mas sua realidade essencial é constituída pelas trocas com eles; eu sou os vínculos que vou tecendo com os outros. Com essa definição, deixa de haver qualquer corte entre mim e os outros. [...] É justamente porque não é idêntico a mim que o outro participa de minha existência. Uma carga elétrica só é definível em presença de outra carga. É essa coexistência que é fonte de tensão; ela inicia uma dinâmica, a da comunicação. Comunicar é colocar em comum; e colocar em comum é o ato que nos constitui. Se alguém considera esse ato impossível, recusa qualquer projeto humano. [...] Evidentemente, ainda tem de ser superadas as dificuldades que transformam cada comunicação em uma façanha. Com toda a certeza, não é possível alcançar uma autenticidade que seja sinônimo de compreensão total. Os meios utilizados para comunicar não podem ser perfeitos. A cadeia: pensamento - frase dita para expressar esse pensamento - frase ouvida - pensamento reconstituído a partir dessa escuta - comporta várias possibilidades de erros ou imprecisões. [...]. Trechos extraídos da obra Filosofia para não filósofos (Elsevier, 2004), do cientista francês Albert Jacquard (1925-2013). Por esta temática poderia acrescentar o pensamento de Saramago: É necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós. E de Martin Luther King: Aprendamos a viver juntos como irmãos; caso contrário, vamos morrer como idiotas. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

BREVE HISTÓRIA DA ARTE EM PALMARES: DO CLUB LITTERARIO AO SÉCULO 21

[...] A cidade e seus engenhos estavam, por diante, conectados às distâncias do mundo moderno. O espaço e o tempo rompiam antigas memórias e linguagens [...] Daí, as primeiras máquinas conhecidas em Palmares – o trem, a tipografia e a usina – serem recepcionadas e enaltecidas pelos oradores do Club, inspirados no mito daquele ideal de liberdade, evocando poemas e crônicas contra a escravidão, a ignorância e o atraso que teimavam, segundo seus oradores, corromper a moral e a civilização. Uma situação apontada por muitos intelectuais, como o entulho provocado pelo anacronismo da Monarquia. [...].

Trechos extraídos da obra Letrados e ufanos: história do Club Litterario de Palmares – 1882-1910 (Bagaço, 2011), do professor e poeta Vilmar Antônio Carvalho. Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

 
Palestra nos dias 05/06, às 14h; 06/06, às 20h; e quarta, 07/06, às 14h, na Biblioteca Fenelon Barreto, realização: SEMED/Amigos da Biblioteca (ABI-Palmares). Veja mais aqui.