quinta-feira, junho 15, 2023

ALFONSINA STORNI, GALEANO, RUBEM ALVES, CRIATIVIDADE & ALDRAVIAS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da Sinfonietta (1951), da canção coral Salve a juventude (1950), dos 12 prelúdios para piano (1953), do Quarteto de cordas (1945), das Suites para orquestra nº 1 e 2 (1948-1950), dos Poemas Sinfônicos nº 1 – Luzes das estepes (1958) e nº 2 – A façanha do herói (1959), da compositora russa Galina Ustvolskaya (1919-2006). Veja mais aqui.

 

DAS VÉSPERAS DE QUASE – Estradas muitas por onde fui, quase nenhum aceno e esquinas outras trastejando solidões. Escapei de emboscadas inauditas e de quantos nosofóbicos saponizados – ah, eles eram tantos e vinham do paleolítico e iam outros do neolítico no meio da barbárie de agora, todos oriundos ou destinatários de Rungholt e ao som das risadas dos sinos nas costas do Mar de Wadden. Deles a sensação de chuva descarregando coisas do nunca visto, o tempo cobrava recompensas extraviadas. Entre um e outro, eis Brian Jacques elucubrando no passeio: As lágrimas são apenas água e as flores, as árvores e as frutas não podem crescer sem água. Mas deve haver luz solar também. Um coração ferido vai sarar com o tempo, e quando isso acontecer, a memória e o amor daqueles que perdemos ficam selados no nosso interior para nos confortar. De mim o poema resistia na tormenta como se fosse uma carta a um possível morador doutra galáxia, tudo porque estrelas nasciam no chão e eram almas ressurretas. Era como se atravessasse o sertão no meio do mar, como a mata era do rio e o mundo findava no litoral e nunca mais precisasse de morrer todos os dias. Saíam dos escondidos pelo temporal do agreste com a expectativa do que vinha me dizer Dorothy Sayers sorridente: A grande vantagem de dizer a verdade é que ninguém acredita nela... Fatos são como vacas. Se você olhar na cara deles por tempo suficiente, eles geralmente fogem... E com ela fiquei contente por poder ser um mentiroso em Stonehenge e dali juntos escapulimos dos indesejáveis e pegamos carona no asteroide para um passeio numa evaporação cósmica, ou melhor: no meio de uma superposição quântica, sei lá. Ao retornar fui saudado efusivamente pelas filhas de seu Rube que me presentearam esferas de Klerksdorp. Não me contive, parecia menino solto aos brinquedos. Só me dei conta ao ser tocado por Joyce Carol Oates: Todos nós temos inúmeras identidades que mudam de acordo com as circunstâncias... Acho que a arte é a comemoração da vida em sua variedade... Ah, sim, quase nem ouvi direito por causa de velhas vozes dos de mais pra lá ou pra cá, esquecia o que foi dito ou lido, e fiquei como quem perdeu o caminho e não precisava mais ir para lugar nenhum nem voltar, inventando inspiração numa ráfaga da surpresa escatológica porque já superamos todos os limites permitidos para nossa sobrevivência fracassada. Guardei tudo na memória e fiquei só, voo adiante no amanhecer.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

[...] Não é de hoje que a escola é chata. Ela sempre foi assim e isso acontece porque as coisas são impostas às crianças. A prova de que uma criança gosta de ir à escola é se, na hora do recreio, ela está conversando com os amigos sobre as coisas que a professora ensinou. E não se vê isso. Então fica evidente que elas gostam da escola por causa da sociabilidade, dos amiguinhos, por causa do recreio. Mas elas não estão interessadas naquilo que se ensina na escola. Você acha que um adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos (grupo de duas letras usadas para representar um único fonema)? Não tem interesse nenhum. Existe outra expressão terrível: grade curricular. Já brinquei que deve ter sido cunhada por um carcereiro. A criança está vivenciando problemas que não têm nada a ver com os assuntos das aulas. Mas os professores apenas se justificam, dizendo que o programa afirma que é aquilo que se deve ensinar e acabou. Eu diria que na escola tradicional não se leva em consideração o desejo de aprender da criança. Elas expressam isso através dos questionamentos que fazem. [...].

Trecho extraído do artigo Aprender para quê? (Revista Época, 344, 2004), do psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves (1933-2014). Veja mais aqui e aqui.

 

ARTE & CRIATIVIDADE NA EDUCAÇÃO – Durante muitas décadas realizei inúmeras pesquisas a respeito deste tema e, entre estas, encontrei um encaminhamento interessante a respeito: [...] Orientamos os nossos trabalhos assumindo que a Criatividade indica princípios fundamentais para aqueles que pretendem ser criativos em suas práticas artísticas e educativas, tanto para artistas quanto para professores. Compreendemos que a educação assume dois importantes papéis, o de dar acesso ao saber já produzido e de potencializar a ação criadora dos estudantes para que eles, ao longo de sua formação, aprendam a fazer escolhas, definir metas e criar projetos para suas vidas pessoal e profissional. [...]. Trecho extraído da obra Criatividade, educação e arte: potências e desafios (UFES Proex, 2021), da professora Stela Maris Sanmartin, organizadora do volume. A partir daí encontrei maior aprofundamento sobre a temática: [...] a criatividade não resulta de desdobramentos inatos e hereditários, nem tão pouco de relações puramente espontâneas com o meio social, mas apenas se desenvolve por meio da apropriação da cultura. Parece óbvio a afirmação de que não se cria algo novo a partir do nada [...] O papel da educação escolar consiste em produzir, sobre a base biofísica, a humanização dos seres humanos, tendo como referência as máximas conquistas do desenvolvimento já trilhado pelo gênero humano. Assim sendo, a educação escolar possibilita o pleno desenvolvimento da criatividade à medida que coloca os seres humanos em contato com as objetivações mais ricas já elaboradas pela humanidade. É preciso, portanto, subjetivarmos aquilo que fora objetivado pelas gerações precedentes. A formação da criatividade não se dá pelo ensino de saberes cotidianos, espontâneos e de senso comum, mas tão somente por meio da transmissão dos conteúdos clássicos, como é preconizado pela pedagogia histórico-crítica. Quanto mais o indivíduo se apropriar do patrimônio humano-genérico em suas máximas expressões, mais rico será o desenvolvimento do seu psiquismo, o que lhe garante os instrumentos necessários para ser plenamente criativo. Lutar contra a alienação, é possibilitar que as conquistas da humanidade, implementem-se na particularidade da vida dos sujeitos, de modo que os indivíduos estabeleçam uma relação mais consciente com o patrimônio humano-genérico. [...]. Trechos extraídos da obra A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico- crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski (UNESP, 2014), da professora Cláudia Saccomani.

 

CRIATIVIDADE & ARTE – Foi, então, que embarquei no trinômio Educação-Criatividade-Arte ao me deparar com o seguinte:  [...] A criatividade que permeia a Arte e o seu ensino apresenta-se como um conceito importante na constituição humana. [...] Dessa maneira, entende-se que o processo criativo não acontece de forma linear e contínua, mas de maneira dialética e dinâmica. Igualmente, a criatividade não pode ser vista como inata, associada a uma ideia de dom e, sim, como fruto de diversos fatores, dentre eles o acesso aos materiais necessários para a criação, juntamente com a importância da vontade do aluno em desenvolver suas próprias ideias, oriundas de experiências anteriores. [...] a prática educativa deve sair do engessamento de um único foco de trabalho, incentivando os educandos a pensarem sobre novas possibilidades de aprender perante o conteúdo didático apresentado. Por meio da estimulação dos processos criativos dos próprios professores, com a implementação da formação continuada, o docente é levado a uma experiência aplicada desejando trabalhar a criatividade e as potencialidades no contexto escolar. [...] estimulando o uso da criatividade na realização das atividades cotidianas, trazendo a experiência dos alunos para dentro do processo criativo, ofertando e construindo uma prática ligada a aspectos singulares da subjetividade humana, garantindo ao aluno o acesso às mais variadas análises e evitando que ocorra uma limitação e um empobrecimento da experiência educacional. [...]. Trechos extraídos do artigo Arte e criatividade: um olhar sobre a importância das aulas de Arte nos anos finais do Ensino Fundamental (Revista Educação Pública, julho de 2022), do professor e pesquisador Willian Júnio do Carmo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

ALMA NUA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Eu sou uma alma nua nestes versos, \ Alma nua que angustiada e sozinha \ Deixa suas pétalas espalhadas. \ Alma que pode ser uma papoula, \ Que pode ser um lírio, uma violeta, \ Um penhasco, uma selva e uma onda. \ Alma que como o vento vagueia inquieta \ E ruge quando está sobre os mares, \ E dorme docemente numa fenda. \ Alma que adora em seus altares, \ Deuses que não descem para cegá-la; \ Alma que não conhece cercas. \ Alma fácil de dominar \ Com apenas um coração para partir \ Para em seu sangue quente para regá-lo. \ Alma que quando é primavera \ diz ao inverno que se atrasa: volta, \ deixa cair a tua neve no prado. \ Alma que quando neva se desfaz \ Em dores, clamando pelas rosas \ Com que a primavera nos envolve. \ Alma que às vezes solta borboletas \ Em campo aberto, sem marcar distância, \ E lhes fala libidinosamente das coisas. \ Alma que há de morrer de um perfume, \ De um suspiro, de um verso em que se implora, \ Sem perder, se possível, a elegância. \ Alma que nada sabe e tudo nega \ E negando o bem, o bem propicia \ Porque se nega quanto mais vem, \ Alma que costuma existir como delícia \ Toca as almas, despreza a pegada, \ E sente uma carícia na mão. \ Alma que está sempre insatisfeita com ela, \ Como os ventos ela vagueia, corre e gira; \ Alma que sangra e delira incessantemente \ Por ser a nave que parte da estrela.

Poema da poeta suíça Alfonsina Storni (1892-1938). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

OUTROS DITOSAquele que mata um homem, mata uma criatura que raciocina, e que é a imagem de Deus; aquele que destrói um bom livro mata a própria razão, mata a imagem de Deus, por assim dizer. Muitos homens não passam de um fardo para a terra; mas um bom livro é o sangue vital, precioso de um espírito de mestre, embalsamado e guardado propositadamente como um tesouro para uma vida além da vida... Pensamento do poeta, polemista e intelectual inglês John Milton (1608-1674). Veja mais aqui.

 

DOS ABRAÇOS – [...] Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! [...]. Trecho extraído da obra O livro dos abraços (L&PM, 2005), do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

ALDRAVIAS

[…] A alma surge primeiro. O poeta vem depois, juntando os pedaços e dando sentido ao que foi sentido, agora de forma metafórica, artística. [...].

Trecho de Aldravia e catarse, do poeta e professor Admmauro Gommes, extraído da publicação As aldravias dos Palmares: produção de textos poéticos de professores e estudantes (Rascunhos/Semed-Palmares, 2023). Veja mais aqui, aqui e aqui.