TRÍPTICO DQC: BODAS DE SANGUE - Eu me disse sim, me disse assim, me disse
sim mais de mil vezes no meu sacrário que não se pode ultrajar. Noutra hora,
ainda os demônios da noite no tempo e todos os dias no pêndulo e as batidas do
meu coração, a repugnância pela maledicência e o meu cordão umbilical no ninho
das enfermidades da boceta de Pandora. Oh não! Estou pro que der e sucederá. E
tantas vezes fui ao encontro do amor, padecendo à custa de avassaladora paixão.
Tantas vezes desfalcado pelo amor, vento algum recusará que me faz falta e até
maltrata o bem-querer e o querer-bem. Tantas vezes fui ao encontro do amor e
por isso sete vezes perdoei para poder fugir duma prisão pelo sortilégio do
amor, setenta vezes ousei amar e busquei uma meizinha do estrume de Jauaraicica
para me curar de paixão profunda e proibida, setecentas vezes amei com um
pensamento vivo de que tudo transcende este universo absoluto, sete mil vezes
amarei para que exista a paz de Isaías em nosso estado e lugar. O amor me deu e
só o amor levará tudo na vontade de viver errante por todos os continentes, na
minha eterna gratidão à habitação dos vivos e dos mortos.
CONFIDÊNCIAS DE ARREPENDIMENTOS & INCERTEZAS - Imagens:
Série Assentamento (2013), da artista
visual, educadora, gravurista e curadora Rosana
Paulino. – A noite alongada nas horas. Ela rasga a clausura com sua
intempestiva invasão tagarela sobre os arrependimentos da Bronnie Ware: Vivo a vida como sou, nem sou escrava de trabalhar; sou
cristalina quanto aos meus sentimentos e feliz dentro do possível; não tenho
amigos, os perdi pelas muitas faces emotivas do tempo. Sim? Só tenho a mim, o
melhor que posso fazer. Além do mais, um país que elege um Coisonário com seus ministros bestas quadradas, não é digno nem de
estar no mapa, porque o povo que elege um traste desse presidente não é mais um
país nem nação nem nada: é o reino da excrescência humana. A morte está
instalada pelo incomunicável, irrespirável, se não medíocre, fútil. Ah, esse o Fecamepa, disse-lhe. Inquieta, fitou-me
com desdém e vociferou: Não preciso viver, não faço parte disso, sou ex-humana.
E desaforada saiu porta afora sem se despedir. Voltei às leituras, não
conseguia concatenar o que lia nem o que ela havia dito. Ah, fiz um esforço tremendo
para focar no que lia. Nada, dali um tempo ela atravessava o quarto com uma frase
em riste do cientista e inventor austríaco Nikola
Tesla (1856-1943): A maioria das
pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que está totalmente
alheia ao que está acontecendo em si. E manteve-se agitada, visivelmente
atordoada. Estendi-lhe a mão e preferiu ficar zanzando pelos quatro cantos,
agitando as mãos, estalando os dedos, mordendo os lábios, olhava para algum
lugar incerto sem parar quieta e imersa em seus pensamentos. Rente à porta ela
me encarou e mandou o recado com Paul Valéry: O problema do nosso tempo é
que o futuro não é o que costumava ser. O homem enfeita-se com a sua sorte.
Veio até mim, beijou-me as faces enquanto visualizava o espetáculo dos seus
seios solto no decote, lambeu-me os lábios com um ósculo carregado de luxúria e
saiu com um aceno amável de quem voltaria não se sabe quando: Volto já.
É NELA QUE TUDO GIRA – Imagem: da artista visual, professora, ilustradora
e designer de estampas afro-americana Loïs
Mailou Jones (1905-1998) - Sou sobrevivente na emboscada do desgoverno, a
solidão cada vez mais aguda e em voz alta não me ouvia. O chão se moveu e cada
parede uma porta tagarela até o teto obscurecido, a me dizer do que fiz e
deixei de fazer – uma tela de cinema em cada pálpebra. Olho pros lados e só
tenho brechas, frestras: um algoz desconhecido na maior pachorra sobrevoa meus
sonhos e por toda a minha andadura como quem põe em prática o justiçamento da
minha reputação. Cônscio de haver pago por tudo, voo aonde meus pés me levam
sem ter que dever nada, porque não me resta mais nada além do desemprego, do
desamor, dos desentendimentos, desgoverno e sindemia geral. Sozinho, não há
porquê vacilar ou sofrer: o sagrado só ocorre ao anoitecer, é quando dói mais
fundo e a palavra é alma. Longe o amanhecer. Sei, tudo é vivo de dia: muitas
coisas para prestar atenção. Só se esquece do que não mais vive. Velhas vozes
relembram e dá vida aos esquecidos para remoer remorsos e revides. Subitamente ela
surge do nada na voz da poeta britânica Adelaide
Anne Procter (1825-1864): Nunca é tarde
demais para ser aquilo que sempre se desejou ser. E me beija ardentemente
vestido esvoaçante e minhas mãos por sua pele nua, o meu sexo no seu, a vida
real. Aperta-me contra o seu corpo já seminu e manhosa recita Ezra Pound em meu ouvido: Faça forte os velhos sonhos para que nosso
mundo não perca a esperança. Sim, sim. Outro beijo e adia a dor, a solidão,
o perigo e o extermínio para depois. Agora sou eu que giro em tudo que é dela e
nela. Até mais ver.
A ARTE DE DELANO
Eu gosto mesmo é de pintar. A selvageria também tem sua expressividade. O desenho é fundamental.
A arte
do pintor, desenhista e gravador, Delano - Flanklin Delano de França e Silva (1945-2010), foi ilustrador do Jornal da Tarde, participou
de diversas mostras coletivas pelo Brasil afora, integrou o Ateliê + 10, em
Olinda, e participou da criação da Oficina Guaianases de Gravura. Veja mais
aqui & aqui.