quarta-feira, outubro 21, 2020

LYDIA CHILD, PABLO DE ROCKA, ALICIA ALONSO, PRAGUER FRÓES & AS BAIANAS DO ARTESANATO PERNAMBUCANO


  

TRÍPTICO DQC: QUARTA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – A festa acabou e não houve nenhum barulho na madrugada. A rua está pesunhada em honra de Pã, homenagem a Baco. A festa do povo passou. Neste dia eu te ofereço minha carne em holocausto, apesar da madrugada com o luar que azula a escuridão. As ruas são do pretérito caboclinho do Rabeca, o reluzente estandarte da Virgem Guadalupe e  a extinção de Tupác Amaru até sua descendência em quarto grau. Tudo apaixonadamente vivo, tudo delirantemente sentido, tudo escandalosamente passado a limpo em mim. Contaminados estão os cultores do pecado original, do hedonismo ou do Rigveda. Hoje o morto carrega o vivo e ontem de noite correu bicho em Matriz de Camaragibe. Anteontem o bufo inspirou Zé da Justa pra afinar a orquestra e a Fubana dos artistas, varrida de sonhos, impetrava um calor nas reentrâncias das senhoras e das mocinhas. A folia fez-se noite, fez-se dia. Permita Deus este mês não seja só carnaval. Dentro de mim passou a folia do planeta com seus trogloditas modernos e o assoalho repleto de excrementos, a casa vazia e o reino dos fantasmas. Vozes cantarolam: saia do sereno, saia do sereno, saia do sereno que esta frieza faz mal. De mim, o silêncio e o meu sacrifício de Odin: apenas água para beber e braços solidários. Tudo cinzas. Não fiz abstinência da carne, nem interdição dos sentidos. A minha impulsividade e o suntuoso e o inexprimível: um dia tão grande no desvario do frevo. Não quero penitência, estou debilitado pelo incenso inebriante de mulher, aquela que dorme oculta no deleite do meu travesseiro. Tudo viverá enquanto meu verso existir: o bar, a noite, o cigarro e a solidão. O poeta morreu terça-feira e eu sigo inquieto. O amor assim que deveria ser: a vida!

 


ELA O LUGAR & AS MULHERES DE BABILARY & PLANOLÂNDIA - Imagem: arte do ilustrador e designer Lucas Martins. - O meu quarto no meio da chuva de meteoros Orionids, na verdade uma poeira deixada pelo cometa Halley e sob a ameaça de um asteroide em rota de colisão com a Terra, o desgoverno do Fecamepa e tudo pronto ali para desabar na minha cabeça enquanto o mundo em tempos de isolamento pandêmico e eu à toa com os olhos vidrados nela, linda e nua a rir de tudo. Aliás, não mais pandemia, corrija-se: de sindemia que, segundo o médico, professor e antropólogo estadunidense Merrill Singer, ocorre quando “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças.Para escaldado como eu, desgraça pouca é bobagem: uma bronca nunca vem sozinha, outras se escondem por trás para detonar um efeito em cadeia e aí salve-se quem precavido ou se fode todo mundo duma vez só. Ao lado dela, afagos e beijos, dois sujeitos surgem do nada. Um deles, o abade historiador, tradutor e jornalista francês, Pierre François Guyot Desfontaines, autor dos dois volumes da Le nouveay Gulliver ou Voyage de Jean Gulliver, Fils Fu Capitaine Gulliver (1730 - Nabu Press, 2012), a narrar em Babilary, que significa lá na língua deles à glória das mulheres, elas eram: além de guerreiras e piratas, são também músicas e poetas, não levam muito a sério o casamento porque têm o direito de se divorciar, o que é proibido aos homens. Um tribunal literário, composto de sete mulheres, julga todas as peças de teatro e a rainha recompensa os melhores autores; os ruins são punidos com a proibição de escrever. Ah, verdadeira ginocracia. O outro, Edwin Abbott Abbott, falava de Planolândia: As mulheres de Planolândia são dignas de nota, pois, além de serem pontudas (pelo menos em duas extremidades), possuem o poder de se tornar invisíveis e, portanto, não se deve brincar com elas. É bom tomar cuidado porque o encontro com uma delas pode causar a destruição absoluta e imediata. Ao mesmo tempo, são totalmente desprovidas de cérebro e não têm reflexos, juízo nem prudência, e dificilmente alguma memória. Ela riu, mas não dispensou um esconjuro: coisa de machista, misógino. E entredentes sussurrou Francisca Praguer Fróes: A inferioridade da mulher não é fisiológica, nem psicológica; ela é social. Sua escravidão sexual determina sua dependência econômica. Rimos juntos e ela me beijou profunda e ardentemente. Ah, ela sempre divinamente inteira em sua entrega. Agora sinto sua falta como aquela de O sorriso por trás da máscara da Quarentena de Maurizio Ruzzi: Que ela o tinha infectado, não tinha dúvida, só não sabia com o quê. Assim seja.

 


ELA, A DANÇA SEDUTORA - Imagem: a arte da bailarina e coreógrafa cubana Alicia Alonso (1920-2019) - Era ela de volta sensualmente provocante enquanto eu perdido pelas onze dimensões da Teoria de Tudo – a M das supercordas -, rendido por seu rebolado frenético para esfregar-se no meu sexo espalmado e uma das mãos a rondar o ar para pegá-lo com apertos carinhosamente ternos, um dos pés ao alto com as firulas dos passos para pisá-lo deliciosamente tentadora, os lábios apertando-se aos lambidos bicuda-bocuda para beijá-lo galante e eu em estado de graça à cata dos seus encantos transbordantes. Achegou-se mansamente insaciável e sussurrou frase da escritora estadunidense Lydia Child (1802-1880): A cura para todos os males e injustiças, cuidados, tristezas e crimes da humanidade, tudo está na palavra AMOR. É a vitalidade divina que produz e restaura a vida. E nos beijamos pelos lençóis das nuvens e gozamos mutuamente a cachoeira dos nossos suores e nos redimimos da queimadura das esperas e quereres mais urgentes. Restou-me agora cantá-la como Pablo de Rocka: Canto sem querer, necessariamente, irremediavelmente, fatalmente, em eventos aleatórios, como quem come, bebe ou anda e só porque; / Eu morreria se não cantasse, morreria se não cantasse ... / Edifico canções como as grandes cidades estrangeiras ... / Quero ser ao mesmo tempo sombra e luz, raiz, folha e fruto, / e condensar imensamente toda a vida em um minuto. Assim o amor, a vida plena. Até mais ver.

 

AS BAIANAS DE PERNAMBUCO

Baiana / se você quizé / eu faço um chalé / mode você mora / Parmares / que é terra da lua / que tem uma rua / de prata e me dá.

Originária de Pernambuco, nessa dança se apresentam mulheres trajadas com vestes tradicionais de baianas, que dançam e fazem evoluções ao som de instrumentos de percussão. É considerada uma adaptação rural dos maracatus pernambucanos, mesclada com músicas que fazem lembrar o canto dos negros nas senzalas e a coreografia por eles criada nos terreiros da Casa Grande. Quentes e voluptuosos são os movimentos e os ritmos que acompanham a dança. Extraído da obra Danças Folclóricas (Esperança, 1986) do jornalista e professor Américo Pellegrini Filho. Imagem: artesanato pernambucano. Veja mais aqui & aqui.