quinta-feira, agosto 31, 2023

LINDA KNAUSGARD, PATRICIA CHURCHLAND, ELEANOR HIBBERT & PERNAMBUCO POPULAR

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Molécula Azul (2020), A flor que gira (2019), Cósmico Samba (2011), A Hora do Meio-Dia: "ofuscante, tanta claridade oculta o mito e deseja a noite" (2002), O Bárbaro (s/d) e Disfarce (1999), da cantora, compositora, instrumentista, professora e escritora Luama Socio, que é formada em Letra pela UNESP, mestre em Teoria Literária e doutora em Filosofia pela USP, e editora da revista Katawixi.

 

VALER SEM UMA NEM DUAS, TODAS... - Daqui prali é quase nada: há sempre a sensação de que a colheita já passou do ponto. Mesmo assim aposto no imprevisível: ainda não achei a peça que falta no quebra-cabeça, olvidando da ampulheta no relógio que perdi. Sei de antemão: o que passou pegou atalho pro futuro – cada passante com a sua própria Caverna de Platão, coisa de quem estupora misturado no indevido. Estou pronto pro improviso, mas sei: há sempre o risco da queda. Ah, vou no tinindo, afinal quem não proseia, antes de chegar já se foi. Há quem vá no acordo ou não, e dessa passa pra outra, às vezes pra pior. Enquanto isso atento ao que disse Carolyn Janice Cherry: A ignorância matou o gato; a curiosidade foi enquadrada!... É perfeitamente normal escrever lixo - desde que você edite de maneira brilhante... Rio-me de quase tudo. E, apesar da manhã ensolarada, a correria dos que vão ou chegam parece mais a vida se acabando antes do tempo e pisoteando os que ficaram pelo caminho. Adivinho itinerário, ovelha desgarrada e o desassossego. Escapo de dementadores, afinal já me dizia Rebecca West: A conversa é uma ilusão. Há apenas monólogos que se cruzam... Você deve sempre acreditar que a vida é tão extraordinária quanto as músicas dizem. Confesso: ao meu redor tudo é tão inextricável quanto impreciso, enteléquia arruinada e o inevitável. Salutar ouvir Camilla Läckberg feito epitalâmio: Seria mais fácil não se importar, ir com a maré e se preocupar com um dia de cada vez... Nunca se deve considerar uma coisa como certa se for apenas quase certa... Porque se você não se permitir amar, você correrá o risco de perder tudo... A vida é sempre um mistério pendular, tempespaço entre dizeres e falácias. Mas digo: se a verdade for uma mulher nua e crua eu quero, senão prefiro uma mentira bem contada. Do contrário, lá vou eu como quem veio da Nebulosa do Anel para a galáxia do Sombreiro: um caminho para ir sozinho. E aos que perduram digo: até mais ver.

 

UM POEMA: A VIDA NÃO VIVIDA

Imagem: Acervo ArtLAM

Um palco ao ar livre, madrugada, \ Todos os movimentos seguem o ritmo, uma coreografia fixa, os bailarinos dançam balé \ Um homem segura um relógio, no final tudo o que ouvimos é o tique-taque do relógio \ (uma transição dos movimentos coreografados da dançarina para o simples tique-taque do relógio) \ Eu pedi para uma nova era começar \ Aqui entre nós \ Relâmpagos (se mostra) \ Você pode escolher um conhecimento para levar com você \ Apenas um \ Você pode escolher como achar melhor, a liberdade é sua, mas se as limitações são o que você deseja eles estão disponíveis \ (Dê corda no relógio) \ O que vai morrer vira começo, deixe tudo \ Minhas memórias? Sim, eles também. \ Lembrar não será possível. \ Você morre. Todos nós morremos \ Bem desse jeito? Sim, de certa forma, de certa forma não \ Você não poderá escolher quando \ Mas isso vai acontecer \ O que você sabe sobre a nova era? \ Você tem experiência. \ O que você vê na sua frente. \ Não adianta ter medo. \ Bom, bom, isso mesmo \ Cumprimente o novo com confiança, seja justo \ Quem é você, aquele que vai nos explicar tudo? \ Nunca, sem tais pensamentos, mude a melodia e ouça o que é quase inaudível \ E ainda assim cresce \ Os mortos: cresce, cresce, cresce \ Levante-se quando eu falo com você \ Você é um homem violento? \ Eu tenho ideias, pensamentos. \ Qual, se posso perguntar? \ Como você governa sem violência? \ Tudo depende de você acreditar em mim, em cada palavra minha \ Não pense nem por um momento que vou te revelar algo sobre mim \ Os mortos: Sobre mim, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu \ O homem que falou de uma nova era anda com o relógio fora do palco \ Lá vão eles, todos tolos \ Eles não vão voltar, estamos sozinhos aqui, estamos livres, e ainda assim não \ Eu não entendo nada, agora diga o que você quer dizer \ A vida passou, não vai voltar \ Agora todos devem se curar \ Já estamos mortos? \ O murmúrio dos mortos está por trás dele, embaixo dele, murmure livremente \ Quantos, dois ou três, cinquenta, cem mil, setecentos mil e trinta? \ Vá em frente, apenas deite-se ali. \ Ele aponta para os mortos, seu murmúrio \ Seu sono será sem sonhos \ Eu amo meus sonhos \ Então fique aí, aí você poderá sonhar \ É tão fácil assim, mas algumas palavras, ele ri \ Tudo começa de novo. \ Isaque, Ismael, o sacrifício e o deserto \ O murmúrio dos mortos: Isaque, Ismael, o sacrifício \ Trovões, relâmpagos, em seu clarão vemos o balé dos dançarinos \ Todos observam enquanto dançam, cada um em sua mente, pensamentos, se pudéssemos ouvi-los \ Aplausos \ Apenas olhe Isaque e Ismael se abraçam e riem \ Isaac: Veja o balé. \ Eles estão dançando Ismael: Me encanta ver isso, me encanta \ Isaac: Então você está seguro, só os seguros podem se deliciar assistindo a dança \ Ismael: Talvez \ Eles riem \ O homem do relógio entra. \ O Homem: O tempo está passando. \ Não se esqueça. \ Isaac: Nos encontramos e já devemos nos separar \ Ismael: Assim está escrito \ Ismael dá um beijo de despedida em seu irmão, deve ir imediatamente \ Sentiremos falta um do outro? \ Através dos milênios \ Até a próxima. \ Isaque e Ismael caem nos braços um do outro \ Assista ao balé novamente \ O balé novamente em plena luz do dia \ Ismael: O que vê-los dançar faz com você? \ Isaac: Isso me faz doer \ Isaac: Verdadeiramente, estou sofrendo, estou sofrendo \ Ismael: Esse é o anseio pela vida não vivida \ Uma eternidade depois \ Bem cumprido \ Isaque \ Ismael \ Ouça isso, não poupe detalhes, eles sussurram um para o outro, \ a paisagem de seus pensamentos é projetada atrás deles. \ Um pássaro voa pela paisagem e cai diante de Isaque e Ismael. \ É a morte, o condor, o orgulhoso emissário da morte. \ É apenas um pássaro. \ Um pássaro você diz, se fosse uma pomba já estaríamos comemorando, mas o condor, com asas para carregá-lo do inferno e voltar \ Tão rápido em separar pensamentos, \ Ismael, meu irmão \ O que você está pensando? \ Os prados pelos quais passei quando criança. \ Pensamentos, esperança talvez tão simples quanto isso \ Sim, esperança e saudade \ Aqueles que vivem muito. \ Só eles? \ Sim. \ Só eles.

Poema da escritora sueca Linda Bostrom Knausgard.

 

RAINHA DESTE REINO - [...] Vale a pena lutar pela liberdade; vale a pena pagar um preço alto por isso, porque morrer pela liberdade é deixar esta vida em um tumulto de glória que destrói nossas fraquezas passadas e nos torna um com os heróis. [...]. Trecho extraído da obra Queen of This Realm (Fawcett, 1986), da escritora Jean Plaidy, pseudônimo da escritora britânica Eleanor Hibbert (1906-1993), autora de frases lapidares tais como: Como os amantes podem ser estúpidos! Mas se não fossem, não haveria história... Um país ganha mais com um ano de paz do que com dez anos de guerra... Veja mais aqui.

 

BRAINTRUST: O QUE A NEUROCIÊNCIA NOS DIZ SOBRE A MORALIDADE - [...] A ciência é o grande antídoto para o veneno do entusiasmo e da superstição. [...]. Trecho extraído da obra Braintrust: What Neuroscience Tells Us about Morality (Princeton University Press, 2012), da filósofa canadense Patricia Smith Churchland, que noutra de suas obras, Conscience: The Origins of Moral Intuition (W. W. Norton & Company, 2019) expressa que: [...] A certeza é inimiga do conhecimento. [...] Em geral, aqueles que se anunciam como tendo um julgamento moral superior ou um acesso único à verdade moral precisam ser olhados com desconfiança. Não é raro que haja grandes vantagens – em dinheiro, sexo, poder e auto-estima – em estabelecer-se como uma autoridade moral. O resto de nós pode ser facilmente explorado quando concordamos com essas afirmações oficiais. Muitos golpistas se proclamam gurus morais, dispostos a dizer ao resto de nós como nossa consciência deve se comportar. Eles podem parecer autoritários porque são especialmente carismáticos ou especialmente espirituais ou especialmente firmes em suas convicções. [...] É tentador acreditar que a nossa consciência pode ser aproveitada para transmitir verdades morais universais e que, enquanto prestarmos atenção à nossa consciência, a nossa escolha será de fato a escolha moralmente correta. O facto desconfortável que tem de ser levado em conta, no entanto, é este: as pessoas conscienciosas divergem frequentemente sobre o que a sua consciência lhes ordena fazer e, portanto, diferem nas suas [...] A convicção sincera não é, infelizmente, uma garantia de decência moral. [...] Posso ansiar pela certeza, mas tenho que viver fazendo o melhor que posso. [...] A própria ciência não julga valores morais. Quando todos os fatos disponíveis estiverem disponíveis, ainda poderemos enfrentar as perguntas “O que devemos fazer? [...] A certeza sobre a postura moral de alguém pode ser reconfortante, mas tende a nos alertar para os danos que estamos prestes a causar. [...] Viver em comunidade normalmente aumenta as chances de sobrevivência e prosperidade. Podemos compartilhar comida e nos aconchegar contra o frio; podemos nos organizar para atacar as presas ou para nos defendermos uns dos outros contra invasores. [...] Se a nossa sociabilidade motiva o cuidado com os outros, também é verdade que somos dados ao ódio. Nós, humanos, regularmente temos prazer em odiar aqueles que consideramos estranhos. Tendemos a achar o ódio energizante. [...] O primeiro e mais básico ponto evolutivo é que os principais alvos e beneficiários da sociabilidade são os descendentes. Por que? Porque os bebês mamíferos são imaturos ao nascer e certamente morrerão sem cuidados. As tartarugas bebés, depois de eclodirem dos ovos, imediatamente escavam para sair da areia, descem para a água e começam a procurar comida. Nenhum pai está por perto, nem é necessário [...] Por mais confuso que seja, o melhor conselho talvez seja permitir-se uma ampla experiência de vida e exposição à condição humana em toda a sua beleza e horror. Faça o seu melhor, mas mesmo assim você cometerá erros [...] Se eu fosse uma criatura solitária como uma salamandra, nada disso me incomodaria. Eu não teria conflitos morais, nem consciência social. Eu alimentaria, acasalaria e botaria meus ovos. Eu não me preocuparia com outras salamandras, nem mesmo com aquelas que eclodem dos meus próprios ovos. Eu cuidaria de minhas próprias necessidades e não me importaria nem um pouco com os outros. Mas sou um mamífero e, como outros mamíferos, tenho um cérebro social. Estou programado para me preocupar, especialmente com aqueles a quem estou apegado. [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

PERNAMBUCO POPULAR

O dom de comover lhe pertence, pois seu toque esbarra na emoção do outro...

Extraído da obra Pernambuco popular: um toque de mestre (Relicário Produções, 2005), de Raul Lody, fotografia de Fred Jordão e Roberta Guimarães, reunindo a obra de Ana das Carrancas, J. Borges, Mestre Salú, entre outros grandes mestres da arte popular de Pernambuco. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.



quinta-feira, agosto 24, 2023

BLANCA LUZ PULIDO, CASSANDRA CLARE, ELIZABETH GROSZ & REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som das obras Verblendungen (1984), Io (1987), ...à la Fumée (1990), Graal théâtre (1994), Orion (2002), Terra Memoria (2007), Lanterna mágica (2008), Circle Map (2012), Only The Sound Remains (2015) e Innocence (2018), da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023).

 

EITA, MANA, TENGO LENGOTENGO - Chuviscava na tarde mormaçada e o país parou porque era domingo na primeira semana de janeiro: horrores à vista numa roleta russa e nenhum semancol! Era 8 de janeiro e tudo muito triste há mais de uns cinco ou seis anos para um franzino à paisana, solfejando A morte do vaqueiro de Gonzaga & Nelson Barbalho – o nome esquecido de quem morreu sem deixar festas, quem não, quem nunca no pântano lúgubre dominical: o sangue humano era o alimento deles tão beligerantes. Quase nem ouvi quem dissera de Buchi Emecheta no meio da treta televisionada, um desaforo em cadeia nacional: O mundo inteiro parecia desigual, tão injusto. Algumas pessoas eram criadas com todas as coisas boas prontinhas à espera delas, outras apenas como enganos. Enganos de Deus... Pareciam mais desalmados oriundos da Planolândia, estúpidos desatinados. Não fosse dela o aceno com um trecho do Genji Monogatari de Murasaki Shikibu, jamais saberia: As coisas reais na escuridão não parecem mais reais do que os sonhos... O mundo não sabe disso; mas você, Outono, eu confesso: seu vento ao cair da noite penetra profundamente em meu coração... Não era outono e nem ainda escurecia. Só um tempo depois percebi que chegara de Earenger ornada pela chuva de quarks, bósons e habróns, no meio de múons que rondavam nas paragens. E se aproximava como quem descia do cometa Nishimura para nosso interlúdio idílico. Sua presença, ah ela, removia as sombras dos mortos de Estige e a barca de Caronte, o óbolo, o Cérbero e a terra da solidão subterrânea de Hades, os campos de Asfódelos, o profundo Tártaro e os Campos Elísios, tudo então revivido, não mais. Ali se parecia Perséfone escapulindo do sequestro e agitando a dopamina na minha festa Heitor dos Prazeres. Enigmática citou Bob Wilson: Se você vê o pôr do sol, isso tem que significar alguma coisa? Se você ouvir os pássaros cantando, tem que ter uma mensagem?... E me propôs jogar mancala no meio da quase noite estrelada. Sabia lá o que era e como. Diante da minha ignorância recitou-me Nazik Al-Malaika: Entenda-me se a noite for compreendida, entenda meus sentimentos. E toque-me, toque-me se as estrelas podem ser tocadas. Noitedias mais que a entendi ao tocá-la: mergulhei nos seus olhos e mais soube de viver sua efêmera estadia. Era a vida pregando das suas, ela se foi como se nem bem dissesse: Lá vai Luiz, coitado, o nosso sangue nos une. E isso eu não sabia. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

MULHER COM CHUVA: Uma xícara de café começa o dia. \ A lucidez e a paciência \ pendem de seu aroma espesso. \ Começo a sentir a matéria, \ A perceber a luz\ e a separar-me das sombras. \ Costume, rito: \ listar na imaginação \ tarefas planejadas, \ futuros imediatos. \ Olho \ pela janela aberta \ a chuva matutina que molha \ minhas ideias. \ Cores desbotadas \ instalam bandeiras tênues. \ Entre os parênteses \ que abre a chuva e o café \ gostaria de ficar para sempre: \ gota d’água \deslizando na janela.

VISITAÇÃO: Bato na porta da estrofe, \ três golpes discretos, \ suaves, \ tem alguém aí? \ Saem com força \ sílabas agitadas \ que não querem \ organizar-se em versos \ e, rebeldes, negam \ qualquer parentesco distante \ com metáforas ou anáforas ou \ nenhum outro truque retórico, \ dizem; \ e me informam \ que pensam em sair \ para passear ao ar livre. \ Sair da minha cabeça, \ é o que estão procurando \ vagar soltas pela página \ e viver \ à sua vontade. \ E como estou sozinho \ uma figura imaginada por elas \ obedeço e escrevo \ o que ditam \ para que não se esqueçam de mim \ e me façam \ desaparecer.

Poema da escritora, professora e tradutora mexicana Blanca Luz Pulido, autora dos livros Raíz de sombras (Fondo de Cultura Económica, 1988), Reino del sueño (Aldus, 1996); Los días (Colibrí /Secretaría de Cultura de Puebla, 2003), Pájaros (Lunarena, Puebla, 2005); Materia habitada (Casa de Poesía, 2007); La tentación del mar (UAM/La Cabra, 2012), Cerca, lejos (Textofilia, 2013) e Poderes del cuchillo (Parentalia/FES Acatlán, 2016).

 

CIDADE DOS OSSOS - […] Você já se apaixonou pela pessoa errada? Jace disse: "Infelizmente, Senhora do Refúgio, meu único amor verdadeiro continua sendo eu mesmo." ..."Pelo menos," ela disse, "você não precisa se preocupar com a rejeição, Jace Wayland." "Não necessariamente. Eu me recuso ocasionalmente, apenas para mantê-lo interessante [...] Essa é a parte em que você começa a arrancar tiras da sua camisa para curar minhas feridas?" "Se você queria que eu arrancasse minhas roupas, você deveria apenas ter perguntado. [...] O sarcasmo é o último refúgio do imaginativamente falido [...] O menino nunca mais chorou e nunca esqueceu o que aprendeu: que amar é destruir e que ser amado é ser destruído. [...]. Trechos extraídos da obra City of Bones (Margaret K. McElderry, 2007), da escritora estadunidense Cassandra Clare, pseudônimo de Judith Rumelt, autora de frases tais como: Sempre devemos ter cuidado com livros e com o que está dentro deles, pois as palavras têm o poder de nos transformar. Nós vivemos e respiramos palavras.

 

CAOS, TERRITÓRIO, ARTE: DELEUZE E O ENQUADRAMENTO DA TERRA - [...] A arte propriamente dita, em outras palavras, surge quando a sensação pode se desprender e ganhar autonomia de seu criador e de seu observador, quando algo do caos do qual é extraído pode respirar e ter vida própria. [...]. Trecho extraído da obra Chaos, Territory, Art: Deleuze and the Framing of the Earth (Columbia University Press, 2020), da filósofa Australiana e professa Elizabeth Grosz, expressando que: O corpo deve ser considerado como um local de inscrições, produção ou constituição social, política, cultural e geográfica. O corpo não se opõe à cultura, um resistente retrocesso a um passado natural; é em si um produto cultural, o produto cultural.

 

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

Deixamos Pernambuco com a firme convicção de que pelo menos esta parte do Brasil nunca mais se submeterá ao jugo de Portugal.

Pensamento da pintora, escritora e historiadora britânica Maria Graham (Maria Dundas Graham Callcott – 1785-1842), extraído da obra ABCdário da Revolução Republicana de 1817 (CEPE, 2017), organizada por Maria de Betânia Corrêa de Araújo, design gráfico de Raul Kawamura, pesquisa de Marcus de Carvalho, Mateus Samico e Sandro Vasconcelos. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 



quinta-feira, agosto 17, 2023

ANNIE ERNAUX, CORAL BRACHO, DARÍO SZTAJNSZRAJBER & CLÁUSULAS DA NEBLINA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Orange (Nonesuch Records, 2019), Narrow Sea (Nonesuch Records, 2021), Let the Soil Play Its Simple Part (Nonesuch Records, 2021), The Wheel (Alpha Classics, 2022) e Evergreen (Nonesuch Records, 2022), da premiada compositora, violinista e cantora estadunidense Caroline Shaw.

 

DEPOIS DE AMANHÃ NINGUÉM SABE... – Eita! O tempo parou de repente ou o relógio deu um cochilo de perder a hora, só sendo! E me vi naquela de qual refúgio para nenhuma apocatástase. O que sei é que vige por aí muito medo, criaturas abissais e o espaço não se mede porque ressoa o bafo de uma noite interminável em pleno meio dia. Desde quando? Ora, faz tempo! A esperança voa ensolarada, enquanto ao redor o susto prevalece no que sente e percebe: o curso das coisas, a memória de fatos dispersos. Só sei que nesse meio perdi Mnemósyne na última volta, um piscar de olhos e não mais a promessa e tantas juras dela Sheherazade jamais arredar desdadolescência ao Pulo do amante. Ledo engano: o fogo devorou a lenha, a água engoliu o chão, o vento levou as cinzas daquele que se foi e não era outro senão quem viveu e morreu sem deixar sequer lembranças – e quem vivo precisa se tornar mais feliz por ter escapado, pelo menos. Nem precisou um passo adiante e onde fui parar: chuvas por legado para confissões vexatórias entre lúmpens e aldrabões em pleno antropoceno – ora, ora, quem diria, hem, Paul Crutzen? -, como se o desterro me desse a herança de mortos deserdados. E lá ia eu quase solastálgico - como insistia Glenn Albrech: O sentimento de perda diante de transformações... Sabia lá quem era quem diante de tanta impostura! Graças a não sei quem não sou imune aos equívocos, embora precavido. Mas o que é tão impróprio senão o tamanho da nossa hipocrisia - talvez os disfarces escondam a cabeça totêmica num rochedo alhures para guiar moribundos desorientados, agora tão mudos, quando não tartamudeantes com suas faces mortificadas na certidão de que a sabedoria agonizou e nada prosperará nem tão cedo. E se isso não viesse ao caso, a violência em cadeia trazia logo a impressão de Irvine Welsh: Estou cercado de pessoas que me são mais próximas, mas nunca me senti tão sozinho. Nunca, em toda a minha vida... Ninguém está feliz... Quem não com a sensação de um nó cego à ameaçadora aporofobia, não bastando a catadura à fealdade e meus versos toscos inúteis no meio do alarme da Rosi Braidotti: Plantas, animais e vegetais geneticamente modificados proliferam junto com vírus de computador, enquanto veículos aéreos e outros meios militares não tripulados nos apresentam novas maneiras de morrer... Danou-se tudo! Nem tão à toa quanto provável, o que era desatento fizera a surpresa com o que assegurava Edna Ferber: A vida não pode derrotar um escritor apaixonado pela escrita - pois a própria vida é o amor de um escritor até a morte... Pois é, mas... Depois de amanhã ninguém sabe, livrai-me pelo menos da contagiosa normose, por enquanto. Até mais ver.

 

OUÇO TEU CORPO

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ouço teu corpo com a avidez abreviada e tranquila

de quem se impregna (de quem emerge,

de quem se estende saturado, repleto de esperma) na umidade

cifrada (suave oráculo espesso; templo)

nos limos, barragens tíbias, deltas,

de sua origem, bebo

(tuas raízes abertas e penetráveis; em tuas costas

Lascivas – lama brilhante – pântanos)

Os desígnios musgosos, tuas densas seivas

(tolas de embriagados cipós) Cheiro

em tuas bordas profundas, expectantes, as brasas,

em tuas selvas gordurosas,

as vertentes. Ouço (teu sêmen táctil) os mananciais, as larvas;  

(capela fértil) Toco

em teus lamaceiros vivos, em teus lodos: os rastros

em tua forja envolvente; os indícios

(Abro para tuas coxas ungidas; transpiradas; partilhadas de luz)

Ouço em teus lodaçais azedos, em tua margem: as apalpadelas, os presságios

– siglas imersas; blastos –. Em teus átrios:

as marcas vítreas, as libações (glebas fecundas), os fervedouros.

Poema da poeta e tradutora mexicana Coral Bracho. Veja mais aqui.

 

ACONTECENDO – [...] Talvez o verdadeiro propósito da minha vida seja que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, ou seja, algo inteligível e universal, fazendo com que minha existência se funda na vida e na cabeça de outras pessoas... [...]. Trecho extraído da obra Happening (Seven Stories Press, 2019), da premiada escritora francesa Annie Ernaux. Veja mais aqui.

 

PARA QUE SERVE A FILOSOFIA? – [...] Você não pode vencer no amor. Se houver triunfo, não há amor, mas egoísmo. E você também não pode concordar no amor. Se houver um acordo, não há amor, mas negócios. [...] Quando tudo o que é sólido se desfaz no ar, a reação imediata, quase física, é ir em busca de algo sólido. [...] Talvez toda filosofia não seja mais do que uma fuga permanente, onde, toda vez que alcançamos algum tipo de conforto, algum alarme soa e o corpo retoma as retiradas. [...]. Trechos extraídos da obra Filosofia en 11 frases (Paidos, 2014), do filósofo e escritor argentino Darío Sztajnszrajber, que em sua obra ¿Para qué sirve la filosofía? (FisicalBook, 2000), expressa que: [...] O espanto e o óbvio estão intimamente ligados, pois ao desconfiarmos do óbvio circundante, tudo então nos aparece com uma intensidade diferente. [...] Diante de eventos disruptivos, os seres humanos tendem a tentar ajustar a ruptura de forma que as bases mais gerais do significado atual não entrem em colapso. [...] A cidade inteira é construída sobre um sistema de esgoto que torna nosso lixo invisível. Aquilo que também somos, embora o escondamos o tempo todo [...]. Ele é autor de frases lapidares tais como: Filosofia não faz perguntas para encontrar respostas, mas sim para questionar as já estabelecidas... Não apenas somos o que narramos, mas somos narrados pelos outros... O movimento de gênero é encorajador para quem acredita que a abertura é o caminho para política da imaginação...

 

CLÁUSULAS POÉTICAS DA NEBLINA

Ao mouco amor de uma causa perdida, \ Ao tombadilho labutante do meu coração, \ Ao náufrago horizonte inerte, \ Aos trechos das minhas derrotas...

Versos do poema As naus do nada, extraído da obra Cláusulas poéticas da neblina (CriaArte, 2023), do poeta, professor e radialistamigo, Tony Antunes. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.



sexta-feira, agosto 11, 2023

LOUISE WARREN, OYINKAN BRAITHWAITE, ELIZABETH ANSCOMBE, RÁFAGAS & DIATRIBE

 

 Imagem: Acervo ArtLAM (Panô).

Ao som dos álbuns Echolocation (ZED, CS 1987), A Delay is Better (CD ST, 2004), A Secret Code (Neuma Records, 2021), a Suite from Carbon Song Cycle com orquestra de cordas (Roulette Intermedium, 2022) e Attention (with Del Sol String Quartet), no teatro Kanbar Forum do Museu Exploratorium, em San Francisco, CA (2016), da compositora, performer e artista de mídia estadunidense Pamela Z.

 

REVERBERAÇÃO ONÍRICA (Ou o outro lado do espelho, molduras dissolvidas - poemeto prosado) - Na primeira carta de agosto eu lavava a alma na chuva sem ter onde cair morto, quase me arrependia por não abrir mão da minha teimosia inglória: desistiram de mim muito antes e nem dava conta. Salvava-me Miriam Leiva Garrido: Escrever é um processo de exorcizar, manifestar, chorar e somarmos. A palavra está em tudo... com tanta escuridão a palavra é a luz... E me danava no ritual da dor madrugada adentro: o ladrar dos cães, a promessa de tudo um dia daria certo, a carência e nada, o de antes quase sempre no depois, perverso sisifismo. Talvez exercício preparativos para a morte: os segredos que esqueci entre túmulos, quando a lâmina aguda do tempo era a fuligem talhando o crepúsculo para noite assombrosa. Ouvia Paulo Mendes Campos: Os mortos que fui governam o homem que sou. Sim e na segunda carta de agosto já seguia a paz do Sol vivo. E se eu tivesse de contar o que vi, muita hestória sem graça, quando não equivocada por dissimulações e espalhafatos, ridículos marmorizados na monotonia, pelo menos a salvo das arengas por cacarecos, quantas polegadas de ódio e cinismo. O melhor surgia com Cecilia VicuñaA vida é divina porque se divide e se multiplica a si mesma... Ser vivo é ser parte da divindade... Bastava um sorriso, tudo reflorava: não mais que isto desde longe e a vida podia ser leve. Para quem não tivera tréguas quisera sair com meu coração patético pela trepidação das horas, porque me dizia o ecopoeta chileno Andrés Espinosa Zuckel: Mira a tu alrededor... Olhava em volta e um gesto caía trazendo mãos distantes para que o coração inventasse descobertas a navegar à deriva inesperada. Simplesmente acontecia. E uma bela mulher voava nua sobre a praça dos meus sonhos. Não era tudo e nem ousava dizer o seu nome entreouvido sob afetos e suspeições. E lá vinha ela entre as perseidas, um meteoroide e Ouadan - o Olho do Saara. Trazia uma chuva de estrelas cadentes feito mulheres interplanetárias seminuas com suas coxas convidativas de pernas sinuosas entreabertas. Neste exato momento uma saudade não sei do que bulia no peito e o contágio denunciava minha vulnerabilidade. Chegou-me como um verso de Ernesto Cardenal: Voltarei com um pouco de lama no sapato e uma palavra de alegria para te dizer... E não era o Ano Novo, apenas os últimos dias da primeira quinzena de agosto, quando arrancava o meu sonho emparedado no amanhecer. Até mais ver.

 

COMO UM PÁSSARO

Imagem: Acervo ArtLAM.

Como um pássaro, conhecido apenas por mim intrincada,

pequena ossatura conteúdo a ser levado pelo vento

 e escrever através do céu uma narrativa ininterrupta

 de aqui para lá e nada mais complicado

do que um arrepio de água sob uma asa

e nada que eu não possa deixar abaixo.

Poema da poeta canadense Louise Warren.

 

MINHA IRMÃ, A SERIAL KILLER - [...] Os pais e parentes mais amorosos cometem assassinatos com sorrisos no rosto. Eles nos forçam a destruir a pessoa que realmente somos: um tipo sutil de assassinato. [...] É porque ela é bonita, sabe. Isso é tudo. Eles realmente não se importam com o resto. Ela recebe um passe na vida. [...] Eu sei que não devo seguir orientações de vida de alguém sem uma bússola moral [...] Leva muito mais tempo para se livrar de um corpo do que de uma alma, especialmente se você não quiser deixar nenhuma evidência de crime. [...] Existe algo mais bonito do que um homem com a voz de um oceano? [...] “Ela não chora por mim,” ele diz, sua voz endurecendo. “Ela chora por sua juventude perdida, suas oportunidades perdidas e suas opções limitadas. Ela não chora por mim, ela chora por si mesma. [...] O amor não é uma erva daninha, não pode crescer onde quer... [...]. Trechos extraídos da obra My Sister, the Serial Killer (Doubleday, 2018), da escritora nigeriana Oyinkan Braithwaite.

 

VIDA HUMANA: FÉ EM TERREIRO DURO - [...] Aqueles que tentam abrir espaço para o sexo como mero prazer casual pagam o preço: tornam-se superficiais. De qualquer forma, a conversa que reflete e elogia essa atitude é sempre superficial. Eles desonram seus próprios corpos; segurando barato o que está naturalmente conectado com a origem da vida humana. [...]. Trecho extraído da obra Faith in a Hard Ground: Essays on Religion, Philosophy and Ethics (Imprint Academic, 2008), da filósofa inglesa Elizabeth Anscombe (1919-2001), influente na filosofia da mente e pioneira na teoria da ação contemporânea, além de autora de obras como Human Life, Action and Ethics: Essays (Imprint Academic, 2005).

 

RÁFAGAS ET ESCÂNCARAS: DIATRIBE

Minha poesia é qualquer coisa, menos edificante...

Trecho extraído da obra Ráfagas et escâncaras: diatribe - poesia desconfigurativa (CriaArte, 2023), do poeta e crítico literário Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui, aqui e aqui.


 


quinta-feira, agosto 03, 2023

AMBER TAMBLYN. HOWARD ZINN, ALMUDENA GRANDES & SEMANA TUNGA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Summertime (1981), Abolerado Blues (1983), Na Trilha do Cinema (1997), Uma Canção Pelo Ar... (2003), Angenor (2008), A Dama Indigna (2011), Soledade (2015) e Um Copo de Veneno (2020), da cantora e atriz Cida Moreira. Veja mais aqui.

 

REINO DAS PEDRAS NA LENDA DOS SONHOS – Onde estive quase nem sei ou nem me lembro. Uma ou outra paisagem por redenção - sobrava sucumbente, retornos persecutórios. Perdi-me mais de mil vezes, tão costumeira errância: o horizonte sugeria zis caminhos, era o que eu tinha para ir e voltar, recomeço entre perdições, quantos trajetos ainda por perseguir. Por onde fui estouvado desapareci: tortuosas vias do que se quisera não ter por destino. Mas, era. E foi por um fio: escapei de trapaças por escoadouros lodosos, por muitas passei: vagos instantes vivenciados, tatuados na pele, estigmas antes indeléveis agora não mais – salvo por um quase pequeno testamento: rio de lágrimas esquecidas pelo fogo nas veias, cabeça aos ventos. O que não tivera foi de muito e além, minguantes precisões que sumiam ao primeiro sorriso – e isso bastava para me levar no sonho dos voos de Santos Dumont: Quantas vezes as coisas me foram provadas impossíveis! Agora estou acostumado, espero. Mas, naquela época, isso me incomodava. Ainda assim, perseverei... Sabia: O Sol nasce para todos! A mim, apenas, invenção de asa. Sozinho tantas vezes, outras não muitas davam momentos em que me via envolvido, quem dera de novo e sempre, pelas mãos na dança de Angel Vianna. Era o prêmio na minha solidão e ela Ann Brashares: Hoje é o amanhã com o qual nos preocupamos ontem... Sabe qual é o segredo? É tão simples. Nós nos amamos. Somos legais um com o outro. Você sabe o quão raro isso é?... E mais aquiescia com o efêmero batom dos lábios dela felatriz nos meus, lambiam minha boca e eu vivia a sua vida: o Brasil era meu falo na sua vulva. E se nada mais restasse, bem queria, o coração pulsava poupando pesadelos no ermo da noite, atravessando a lenda dos sonhos no reino das pedras. Era o bastante, apesar de pouco: nela todas as formas viviam e dali o presente ensolarado era a maior dádiva ou dúvida, um triz valia a pena. E como: aprendi a valia do segundo. Até mais ver.

 

EPÍLOGO

Imagem: Acervo ArtLAM.

Parei de escrever sobre os mortos \ e bebi ao escrever sobre os mortos \ para passear pelo bairro da minha infância. \ Tudo é para alugar. Ou à venda, por dez \ vezes o valor que vale. \ Palmeiras são plantadas em frente a um mural \ de palmeiras sob a Ocean Park Bridge. \ Na pintura, os cavalos de metal de um carrossel estão se soltando \ e correndo pela praia. Por que eu não saí \ minhas iniciais no cimento \ na frente do apartamento dos meus pais nos anos oitenta? \ Nikki teve a ideia certa em 1979. \ Passo por uma quadra de basquete, onde homens jogam \ sob as pontas fluorescentes do cigarro da noite. \ Eu poderia ter sido qualquer uma de suas esposas, \ em casa, enchendo diferentes quartos em diferentes casas \ com úteros esperançosos. Concordando com a cor da tinta \ amostras com suas mães em mente. \ Aposto que suas esposas deixam seus gatos saírem \ para caçar à noite como premonições de futuros filhos. \ Eles vão se preocupar, olhar pela janela da frente, \ rezar para que o privilégio não traga más notícias para casa, \ como a cabeça murcha de uma garota negra em mandíbulas nascentes. \ Sem falar na coruja que está aqui há anos. eu o ouço \ quando estou tentando escrever sobre as mortes que admirei. \ Eu o ouço quando o eu vestido não reconhece mais \ o nu. Ouço-o enquanto escrevo e cago e durmo \ onde dormem as sete guitarras da minha mãe. \ Eu o ouço na casa de meus pais, \ suas paredes cobertas com meus muitos rostos, \ vestígios de décadas de complacência. \ Meu bairro de infância é um santuário para o meu sucesso, \ e eu sou um carro com uma bomba dentro, pronto \ para parar na frente dele e parar \ de fingir.

Poema da premiada poeta estadunidense Amber Tamblyn, co-fundadora do movimento Time’s Up.

 

HISTÓRIA DE UM POVO – [...] A memória dos oprimidos é algo que não pode ser tirado, e para essas pessoas, com tais memórias, a revolta está sempre um centímetro abaixo da superfície. [...] O grito do pobre nem sempre é justo, mas se você não o ouvir, nunca saberá o que é a justiça. [...]. Trechos extraídos da obra A People's History of the United States (Harper Perennial. 2015), do historiador, cientista politico, ativista e dramaturgo estadunidense Howard Zinn (1922-2010), autor do texto: Ser esperança em tempos difíceis não é apenas um romantismo tolo. Baseia-se no fato de que a história humana é uma história não apenas de crueldade, mas também de compaixão, sacrifício, coragem, bondade. O que escolhemos enfatizar nesta história complexa determinará nossas vidas. Se vemos apenas o pior, isso destrói nossa capacidade de fazer algo. Se nos lembrarmos daqueles tempos e lugares - e são tantos - onde as pessoas se comportaram magnificamente, isso nos dá energia para agir e, pelo menos, a possibilidade de enviar esse pião de um mundo em uma direção diferente. E se agirmos, por menor que seja, não teremos que esperar por algum grande futuro utópico. O futuro é uma sucessão infinita de presentes, e viver agora como pensamos que os seres humanos devem viver, desafiando tudo o que há de ruim ao nosso redor, é em si uma vitória maravilhosa... O seu pensamento pode ser expresso nas frases: O problema não é a desobediência, o problema é a obediência... Não há bandeira grande o suficiente para cobrir a vergonha de matar pessoas inocentes.

 

AS IDADES DE LULU - [...] A autopiedade é uma droga muito pesada. [...] Feliz é um adjetivo complicado, extraordinário demais. Se for repetido, perde valor, em vez de ganhá-lo. [...] A beleza é um monstro, uma divindade sangrenta que deve ser apaziguada com sacrifícios constantes. [...] Não há queda mais dura do que a queda de um orgulhoso, nem um estupor semelhante ao que experimenta um orgulhoso ao cair. Tampouco existe, ou pelo menos desconheço, estímulo tão feroz quanto aquele que cerra os dentes de uma arrogância rancorosa. [...] Fiquei sentado de joelhos. Ele colocou os braços em volta de mim e me beijou. O mero contato de sua língua reverberou por todo o meu corpo. Minhas costas estremeceram. Ele é a razão da minha vida, pensei. Era um pensamento antigo, banal, formulado centenas de vezes em sua ausência, violentamente rejeitado nos últimos tempos, por ser pobre, mesquinho e patético. [...] Apenas um instante depois, todas as coisas começaram a oscilar ao meu redor. Pablo se apossou de mim, seu sexo passou a fazer parte do meu corpo, a parte mais importante, a única que eu era capaz de apreciar, entrando em mim, cada vez um pouco mais fundo, abrindo e fechando-me em torno dele ao mesmo tempo. mim, senti sua pressão contra a minha nuca, como se minhas entranhas estivessem se desfazendo em seu rastro... [...]. Trechos extraídos da obra Las edades de Lulu (Planeta, 2015), da escritora espanhola Almudena Grandes Hernández (1960-2021). Veja mais aqui e aqui.

 

TUNGANDO A VIDA

Eu acredito na vida!

Entre os dias 07 e 11 de agosto, na Biblioteca Fenelon Barreto, em Palmares – PE, acontecerá a SEMANA TUNGA, com exposições, instalações, instaurações, oficinas, palestras e pocket show, toda programação em homenagem ao artista Tunga - Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (1952-2016). Uma realização do Neia - Gabinete de Arte, Amigos da Biblioteca e Tatataritaritatá (TTTTT) – Apoio: Instituto Tunga (RJ), Usina de Arte & Semed-Palmares. Veja mais aqui, aqui e aqui.