terça-feira, janeiro 30, 2024

SUSAN GREENFIELD, GERTRUDE STEIN, MEG CABOT & MANUEL BANDEIRA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum É frevo, meu bem! (Aple Music, 2011), Esse é o meu carnaval (Tratore, 2007) e o DVD Pernambuco para o Mundo (Tratore, 2014), da cantora Nena Queiroga, considerada a Rainha do Carnaval pernambucano. Veja mais aqui.

 

RUBRICA DE CRONÓTOPO... – Se não tivesse o coração amando, eu não seria nada. Se não soubesse o dia o que seria a noite, não valeria a vida. Pensando bem, ainda há pouco era um menino da beira do rio e, já mal dobrara algumas poucas esquinas, nem via direito o tanto que passou. Era como se já fosse março e perdesse quantos dias e meses, se tudo o mais esqueci nas últimas três ou quatro décadas, quantos motivos teria senão a pilhéria pronta. Ontem mesmo pelas três da tarde ou sei lá se tanto, tivera um susto ao esbarrar com a Simone Weil: As soluções não são fáceis de conceber... Todos os pecados são tentativas de preencher vazios... Nem dois segundos sequer bastaram, quandei fé já passava das nove da noite e o cochilo. Foi então que pude ver os urubus como verdadeiros túmulos povoando o dia no meu momento crepuscular. Do outro lado, nada mais que esfaimados e furibundos na festa da minha febre noturna e quem morreu de espanto ninguém acreditava. É tão Brasil quanto imoral, que importa. Dizia-me Sarah Kane: Depois de ter percebido que a vida é muito cruel, a única resposta é viver com tanta humanidade, humor e liberdade que puder... Eles vão me amar por aquilo que me destrói... Não sei quantos milênios atravessei, se quadras percorri de A a Z e lá estava eu tão longe quanto o país das trinta e seis mil vontades, no cercado mágico de Maurois. Como quem não conseguia decorar O corvo e a raposa de La Fontaine, sabia lá se sonhos ou loucura, andava dez vezes mais. E parecia nem ter saído do lugar, como se arrastasse pelas areias que davam pro mar do Tempo Perdido, uma sujeira espessa com perfume de rosas. E, apesar disso, ali ainda não era março, mas foi onde apenas uma mulher não tinha nem nunca teve problema algum. Fui ver de perto e era a belíssima moira Aisa: Ô cabra andejo, para quieto! Ela, pra quem não sabe Átropos, inamovível, inflexiva, dizia ser uma das sobreviventes daquele voo 370 desaparecido da Malasya Air Line. Como podia? Nem atinava nada direito, azucrinava muito o cricrilar persistente de grilos machos, coisa mais chata! Então, virou-se pra mim informando ser ali o País do Presente de Poe – de Pym of Nantucket, na verdade - e esqueci quem era e o que fazer. Cá com meus botões: se não era o Triângulo das Bermudas, estava no meio do maior quebra-cabeça. Então me sussurrou Ada Negri: Não há momento que não pese sobre nós o poder de todos os tempos... Aí celebrei: abençoada seja pelos cotovelos no tumulto dos dias, terra de água acima, fogo de vento abaixo. Cada um a sua vida. Se sabia onde pisava, não poderia jamais esquecer das esquinas e pedras falsas. Tudo poderia acontecer. Então pisei devagar, os mortos agradeceram...’Ainda não era e deslembrei, assim mesmo, perdendo a raiz. Não precisava mais de ontem nem amanhã, vivia agora. Até mais ver.

 

QUATRO POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

UMA ROSA É UMA ROSA É UMA ROSA É UMA ROSA - Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa \ Encanto extremo. \ Botina extra. \ Encanto extremo. \ O mais doce sorvete. \ Páginas épocas página épocas página épocas.

ÍNFIMA VELHA ESTRELA - Ínfima velha estrela. \ Fluída sempre. \ Foste um triste percentual. \ Faz um dia de sol. \ Vigia ou água. \ Tão logo a lua ou um pesado velho assédio.

ENTRE - Entre um lugar e um uma bala de açúcar existe uma estreita trilha a pé que mostra mais subida que qualquer coisa, tão mais real que o significado de um chamado um travesseiro uma coisa completa como aquilo. Uma virgem uma completa virgem é julgada feita e assim entre curvas e esboços e estações reais e mais dos óculos e um perfeito arranjo sem precedente entre duas senhoras e leves resfriados não há bosque de cetim brilhando.

UMA SOMBRINHA DESFECHADA - Qual era a utilidade de não deixá-la lá onde ela ficaria pendurada qual era a utilidade se não havia chance de nunca tê-la visto aqui e mostrar que ela era bonita e certa a forma de mostra-la. A lição é ensinar que ela se mostra assim, que ela se mostra assim e que nada mais, que não há nada a mais, que não há mais que se fazer com ela e assim tanto quanto existe lá bastante motivo para se fazer uma troca.

Poemas da escritora e feminista estadunidense Gertrude Stein (1874-1946). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui,

 

ABANDONO - […] Na verdade, o termo “perdoar e esquecer” não faz sentido para mim. Perdoar nos permite parar de pensar em um problema, o que nem sempre é saudável. Mas se esquecermos, não aprendemos com nossos erros. E isso pode ser mortal [...]. Trecho da obra Abandon (Point, 2011), da escritora e roteirista estadunidense Meg Cabot, que na obra Ninth Key (Turtleback, 2004) expressa: […] Posso estar morto há cento e cinquenta anos, Susannah,... mas isso não significa que não sei como as pessoas dizem boa noite. E geralmente, quando as pessoas dizem boa noite, elas guardam a língua para si mesmas. [...]. E na obra Twilight (Avon, 2005) evidencia que: [...] O que é um mediador, você pergunta? Ah, uma pessoa que atua como elo de ligação entre os vivos e os mortos. Ei, espere um minuto... o que você está fazendo com essa camisa de força? [...], afora nos contemplar com frases lapidares: Escreva o tipo de história que você gostaria de ler. As pessoas lhe darão todo tipo de conselho sobre como escrever, mas se você não estiver escrevendo algo que goste, ninguém mais vai gostar. Você não é uma nota de cem dólares, nem todo mundo vai gostar de você. Se você ama alguma coisa, liberte-a. Se fosse para ser, ele voltará para você. Veja mais aqui e aqui.

 

A TECNOLOGIA É NOSSA ESCRAVA, NÃO NOSSA MESTRA - O ambiente digital está alterando nosso cérebro de forma inédita. O primeiro é o impacto das redes sociais na identidade e nos relacionamentos. O segundo é o impacto dos videogames na atenção, agressividade e dependência. E o terceiro é sobre o impacto dos programas de busca no modo como diferenciamos informação de conhecimento, como aprendemos de verdade. É claro que há muitos estudos que ainda precisam ser feitos, mas certamente há cada vez mais evidências sobre aspectos positivos e negativos. Agora, só porque vemos um aumento de QI em quem joga videogames não quer dizer que haja um aumento de criatividade ou capacidade de escrita. Também se sabe, por alguns estudos, e por exames de imagem, que os videogames aumentam áreas do cérebro que liberam dopamina. Também sabemos que, em casos extremos, nos quais as pessoas gastam até 10 horas por dia na frente da tela, existe uma forte correlação com anormalidades em exames cerebrais. Como costumamos dizer, uma andorinha só não faz verão. Então é importante fazer mais estudos. Isto não é definitivo, em se tratando de ciência nada é definitivo, por isso é importante começar a fazer pesquisa básica porque, até agora, está claro que coisas boas e coisas ruins estão acontecendo de um modo que não haviam acontecido em gerações passadas. É um desafio, mas o que temos que fazer é tentar pensar em maneiras, não tentar negar a tecnologia. Nós podemos, na nossa sociedade maravilhosa, com toda essa tecnologia, com todas as oportunidades que temos, dar aos nossos filhos um mundo tridimensional interessante para viver. A partir disso eu infiro que as pessoas estão construindo uma identidade no ciberespaço que em boa parte é formada pela visão das outras pessoas. Eu acho interessante essa tendência de que mesmo que você sinta-se muito importante, muito conectada, você se sente insegura, tenha baixa autoestima, sinta-se constantemente inadequada. Eu acho que precisamos olhar para as estatísticas em vez de apenas levar em conta as impressões pessoais ou os meios de comunicação. De acordo com as estatísticas, os chamados nativos digitais, gente que nasceu após 1990, apresentam níveis de uso alarmantes. Trechos extraídos da entrevista da revista Fronteiras (2018) concedida pela neurocientista britânica Susan Greenfield. Veja mais aqui.

 

LIBERTINAGEM & ESTRELA DA MANHÃ, DE MANUEL BANDEIRA

A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca. \ Eu tomo alegria!

Trecho do poema Não sei dançar, extraído da obra Libertinagem & Estrela da Manhã (Nova Fronteira, 2000), do poeta, tradutor, crítico literário e de arte, Manuel Bandeira (1886-1968). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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terça-feira, janeiro 23, 2024

ANA ROSSETTI, CIDA BENTO, LYNN PAINTER & HERMILO BORBA FILHO

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns The Complete Recordings (EMI, 2007 - 17 discos) & Various co-performers The Early Recordings (BBC, 2022), da violoncelista britânica Jacqueline du Pré (1845-1987). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

O QUE MAIS TERIA POR FAZER AQUI... – Quanto mais eu teria a fazer pela vida se um revólver decidia as questões, a usura falava mais alto, e gente de mesmo quase ou nada valia, bastando um peteleco ou traque qualquer e nenhum pé de gente pra remédio. Assim eu me via agarrando a névoa num tabuleiro circular sem fim e lá pras tantas um aviso implacável: cada um por si e dane-se quem mais houver! Quem me escutaria agora se me restava apenas alguns versos do Poema à duração de Peter Handke: ... a mísera sensação do regresso ao país natal \ após as viagens à descoberta do mundo, \ aquelas miríades de mortes antecipadas \ de noite, antes do primeiro pipilar dos pássaros... Nada mais e me valia de Apenas um beijo, ou Pão & Rosas, só que ainda podia aprender de Kess que eu nada mais seria além de Daniel Blake, só porque Você não estava aqui, individualmente embrutecida pelos quaraquacás das suas gargalhadas mais ufanas e bufadas de saltar de lado e nada mais dissesse do muito que nunca foi dito. Lembrou-me agora Elvira Lindo: O que não é dito dói mais do que o que é dito... Apenas chiados estranhos, barulho de motores, aves em fuga, nonsense ao meu redor. Os passos e um pé atrás: o que esperar do amanhã se sou assaltado pelas indagações de David Baddiel: Essa é a questão do seu destino: como você vai saber quando ele chegar? Como você deve reconhecê-lo na vida aleatória?... Mar áspero na alta ideia de que não passarão, mesmo que queiram nos arrastar só para repetidamente demonstrar que não haverá futuro e quais guerras teríamos de vencer se estávamos todos perdidos, quando aliados tornados inimigos pela causa dos que não se veem como dos nossos, inimigos de nós mesmos e a baixa inevitável e devastadora pela escolha do alheio, quantos não ficaram pelo caminho. Porque a guerra não é senão a barbárie dos interesses e o meu povo alheio ao que se passava no mundo me dava a severa constatação: somos dizimados aos poucos e sempre. Até onde a memória alcança, como se tudo parecesse mesmo uma escatologia das brabas e a vida não valesse mesmo mais nada e nem tivesse antes acontecido nadica de coisa, um líquido e certo desvelo: perdemos a humanidade faz tempo!!! Quero apenas morrer em pé, jamais de joelhos! Até mais ver.

 

TRIUNFO DE ARTEMIS SOBRE VOLUPTA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Idade inimitável, pergunto ao teu espelho \ em qual dos meus inúmeros \ armários está a máscara da deusa \ que cobria de trevas as bolinhas de gude. \ Seu fervor, tal êxtase obsessivo, \ Ele a tornou bela e distante e a proclamou única. \ Porém, ele te maltratou tantas vezes! \ Sua língua era tão cruel quanto um chicote. \ Por trás das varandas ele olhou ansioso \ e nos olhos suplicantes negou \ se tinha certeza de seus desejos. \ Ele não lhe permitiu um único fio de sua túnica, \ nem mesmo que você vasculhasse seus colares. \ Não se podia, pelo buraco da fechadura, \ observar como ela se despia lentamente, \ fazendo crescer o corpo nu da banheira. \ Névoa cinzenta da videira. A mão recorrendo \ à esponja. E a espuma perfumada, rastejando \ por seu corpo, entra nele, \ instalando seu domínio invisível. \ Também não bebeste das fontes saborosas \ que inundavam os labirintos tenebrosos \ que uma virgindade maligna fechava. \ Nem as axilas sombrias, nem a concha frondosa \ da pélvis, nem os cabelos entrelaçados \ conheceram o toque gentil daqueles dedos \ que conheço tão bem. Mas o quanto você a ama! \ Você não a ouviu gritar quando o rugido \ de prazer tomou conta de você e \ transbordou tumultuosamente pela cúpula dividida. \ Mas a lembrança dela, precipitada, \ te assalta e você a procura em mim. Que \ idade terrível e inimitável. Sempre questionando seu espelho. \ Tento renascer, a antiga identidade \ que te fascinou, aquele corpo tão desconhecido, \ se tal metamorfose for possível. \ Você já sabe em que \ lugares precisos da minha pele o Eros se instala; \ os segredos, derramados pela colcha, \ pelas tuas bocas surpresas e habilidosas. \ Rendida, minhas pernas amarrarão firmemente suas pernas \ para que o ataque total \ à minha barriga penetre e queime nela. \ Agora sou costume, \ invadi a pátria das delícias rotineiras. \ Ao me possuir você perdeu minha beleza interior \ e seus desejos desapareceram. \ Mas se você me ajudar a procurar \ as túnicas esquecidas nos armários \ e resgatar a máscara auspiciosa,\ Se eu me tornar arrogante, poderei convencê-lo? \ A experiência é tão sagaz \ e seu mandato tão indestrutível \ que superei você em muito. \ Isso até destruiria você. E você me censura por isso. \ Idade inimitável, \ onde moravam os deuses e \ a admiração foi a única homenagem \ que espalhaste aos meus pés. \ Não me peça para voltar, \ porque a inocência é irrecuperável.

Poema da escritora espanhola Ana Rossetti.

 

MELHOR QUE OS FILMES - [...] Eu me apaixonei por provocar você na segunda série, quando descobri que poderia deixar suas bochechas rosadas com apenas uma palavra. Então eu me apaixonei por você [...] Você fica melhor quando você é você. [...] Às vezes ficamos tão presos à nossa ideia do que pensamos que queremos que perdemos a maravilha do que realmente poderíamos ter. [...] Ela é bonita, mas seu rosto não se transforma em luz do sol quando ela fala sobre música.” Ele apertou a mandíbula e disse: “Ela é engraçada, mas não é engraçada do tipo cuspir sua bebida de espanto”. Parecia que meu coração ia explodir quando seus olhos desceram para meus lábios sob o brilho da luz da rua. Ele aproximou seu rosto um pouco mais do meu, olhou nos meus olhos e murmurou: — E quando a vejo, não sinto que preciso falar com ela, bagunçar seu cabelo ou fazer alguma coisa, qualquer coisa, para conseguir. ela para lançar aquele olhar sobre mim [...] Eu fiz o que tinha que fazer. Tudo é justo no amor e no estacionamento. [...] Quando estou perto de você, sinto como se estivesse drogado. Não que eu use drogas. A menos que você use drogas, nesse caso, eu uso o tempo todo. Todos eles. [...] O amor é paciente, o amor é gentil, o amor significa perder lentamente a cabeça. [...] A música tornou tudo melhor. [...] Minha herança foi saber que o amor está sempre no ar, é sempre uma possibilidade e sempre vale a pena. [...]. Trechos extraídos da obra Better than the Movies (Simon & Schuster, 2021), da escritora estadunidense Lynn Painter.

 

PACTO DA BRANQUITUDE – [...] Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o “diferente” ameaçasse o “normal”, o “universal”. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele [...] É ao longo da história que se forja o “sistema meritocrático” em que um segmento branco da população vai acumulando mais recursos econômicos, políticos, sociais, de poder que vai colocar seus herdeiros em lugar de privilégio. [...] com frequência políticos e empresários não são punidos, embora existam legislação e ferramentas para puni-los, e os estudiosos destacam que uma das dificuldades está em enxergar esse perfil de pessoa como o de um criminoso. [...] A “vitimização” da branquitude e as diferentes manifestações dos grupos brancos que se sentem ameaçados e perdendo o que entendem ser “seus direitos” se revela nesse período [...]. Trechos extraídos da obra O pacto da branquitude (Companhia das Letras, 2022), da psicóloga e ativista Cida Bento, que no estudo Branqueamento e branquitude no Brasil - Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (Vozes, 2002), ela expressa que: [...] Diferentes estudiosos têm se preocupado com a maneira como os negros foram e vêm sendo atingidos pela ideologia do branqueamento no Brasil. A militância negra tem destacado persistentemente as dificuldades de identificação racial como um elemento que denuncia uma baixa autoestima e dificulta a organização negra contra a discriminação racial. Assim, compreender o branqueamento versus perda de identidade é fundamental para o avanço na luta por uma sociedade mais igualitária. Porém, esse estudo tem mais possibilidades de ser bem sucedido se abarcar a relação negro e branco, herdeiros beneficiários ou herdeiros expropriados de um mesmo processo histórico, participes de um mesmo cotidiano onde os direitos de uns são violados permanentemente pelo outro. A insustentabilidade ética e moral dessa realidade cresce incessantemente, em particular nos últimos 20 anos, tempo em que o Movimento Negro tem colocado sob fogo cruzado a violação de direitos do povo negro e tem explicitado a verdadeira cara desse país. Esse movimento gera condições não só para a recriação das identidades e, consequentemente, o deslocamento das fronteiras, mas possibilita um encontro do país consigo próprio, com sua história, com seu povo, com sua identidade. [...]. Na sua atuação ela ainda expressa que: Fala-se muito na herança da escravidão e nos seus impactos negativos para as populações negras, mas quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas. Os negros são vistos como invasores do que os brancos consideram seu espaço privativo, seu território. Os negros estão fora de lugar quando ocupam espaços considerados de prestígio, poder e mando. Quando se colocam em posição de igualdade, são percebidos como concorrentes. Privilégio branco é entendido como um estado passivo, uma estrutura de facilidades que os brancos têm, queiram eles ou não. Ou seja, a herança está presente na vida de todos os brancos, sejam eles pobres ou antirracistas. Há um lugar simbólico e concreto de privilégio construído socialmente para o grupo branco.

 

MARGEM DAS LEMBRANÇAS DE HERMILO

[...] Eu dera uma volta pelos caminhos do mundo e voltava ao mesmo lugar, limitado ao mesmo horizonte, dentro da mesma rotina, era como se nada houvesse acontecido, não se pode reconstituir a dor [...]

Trecho extraído da obra Margem das lembranças (Mercado Aberto, 1993),

do advogado, escritor, crítico literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-2017). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

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terça-feira, janeiro 16, 2024

VALÉRIA CAMPOS, KATJA PETROWSKAJA, KARINA VERGARA & AVALOVARA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da Mélopées africaines, para Ondes Martenot, piano e flauta (1945), Grains de cendre, para soprano e orquestra de câmara (1946) e Traité de rythme, de couleur, et d’ornithologie (1949), da pianista e compositora francesa Yvonne Loriod (1924-2010). Veja mais aqui.

 

PROSA DE NÃO SEI QUANTOS VERSOS - O que mais esperar além de nada noves fora ermo: contemplar a demolição da vida sob nuvens prematuras nas trevas de janeiro e coração suspenso, olhar remoto nas pálpebras aflitivas, ecoantrovões, noitoutra. O meu corpo escuta o peso de duplipensares no mise-en-scène, canto de sereias. Escapei por pouco, quem será o próximo. Claudia Noguera Penso dá o tom: Sinto, como Ícaro, a inutilidade das minhas asas, quando elas se abrem e te encontro confortável queimando nelas... Era eu quase presencial na tragédia de Ingeborg Bachmann, a saudade na militância da radiodifusão e tragadas de cigarros. Dera de acontecer o não previsto, como se eu tivesse que vazar os olhos para suportar as cenas dolorosas: se fui longe demais nada fizera. Pela milésima vez estremecido gesto trançado no peito com o que me dissera Nancy Kress: Você deve aprender a ser três pessoas ao mesmo tempo: escritor, personagem e leitor... Trindade minha engasgada por sonhos atravessados de assoladoras imagens irreconhecíveis, pesadelos acelerados e recorrentes, só pra saber desregulando o que sou no meio do cáustico banimento e vagos passos no lodo escorregadio e a se prolongar por luzes apagadas. Adejo e não ouço, meu corpo todo asa a se dilacerar saltando o dia como eterno rasgo. Tão perto estava Edwidge Danticat: Crie perigosamente, para pessoas que leem perigosamente…. Escrever, sabendo em parte que, por mais triviais que suas palavras possam parecer, algum dia, em algum lugar, alguém poderá arriscar a vida para lê-las... Como se quase o poeta matou a poesia diante da tragicomédia fora do padrão. Tudo de novo, outra vez. E isso não tem a menor graça! A coisa vai só pra quem tem boca na botija, quem sabe leva na maciota e Ellen Wood foi além do esperado: Seus próprios sentimentos excitados o ampliaram em comprimento, largura e altura - transformaram um pequeno morro em uma montanha... Seguir mesmo que tudo só vá pra trás. Não adianta se acovardar diante da lógica da violência. De tempos em sempre, a vida dá o créu! Vou por mim: ser humano abissal. Desfaço a jornada do herói e descontruo o conto de fadas. Quase ainda anteontem tudo era tome tento e pegue o beco, pingo nos iis e dou fé. Hoje não mais: cada um por si e quem quiser que mande outra. Se Deus fez, a gente desacerta. Tenho dito! Até mais ver.

 

MULHER IMENSA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Num lugar na periferia da cidade, \ uma mulher chora. \ Um homem a abandonou \ quando ela acabara de dar à luz. \ Ela tem mais dois pequeninos para alimentar. \ Você tem que pagar o aluguel. \ Os valentões no trabalho afiam suas presas. \ O garotão arranhou o joelho. \ A casa não tem banheiro. \ Eu a ouço e declaro o mal do mundo. \ Ela me contradiz e me dá um meio sorriso. \ Eu olho para ela com espanto, \ Que segredo permite manter a esperança? \ Ela responde, desgrenhado, maquiagem borrada, rosto cansado … \ enxuga as lágrimas com as costas da mão \ e convoca, em voz alta, \ quatro versos da letra de Pizarnik. \ É assim que uma mulher ensina uma lição de vida. \ Ele abraça versos generosos e renasce, tremendo e poderoso.

Poema da indígena poeta mexicana Patricia Karina Vergara Sánchez, autora de obras como Indómita Versa (Ginecosofia , 2021) e Sem heterossexualidade obrigatória não há capitalismo (Riseup, 2018), no qual expressa: [...] Enquanto se continue concebendo que lavar a louça ou a vida erótico-afetiva sejam assuntos que correspondem a uma pessoa, a um casal ou à intimidade do que ocorre dentro de uma casa e se continue invisibilizando sua dimensão política e suas implicações estruturais, será difícil desmontar a reprodução capitalista. Uma atitude revolucionária, então, é desheterossexualizar nossas concepções de realidade e de sentido da vida [...]. Ela também edita o blog: Esta boca mía - Advertencia: poesía lesbofeminista.

 

UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA - [...] Todos nós fazemos parte de um grande épico, apenas um pequeno segmento dele, inadvertidamente destacado. [...] Heróis soviéticos musculosos - um marinheiro, um guerrilheiro e uma mulher ucraniana - triunfaram sobre as trevas do passado. As palavras “heroísmo”, “coragem”, “pátria”, “coragem” ricochetearam em mim como bolas de pingue-pongue [...] Então houve uma ficus - ou não é uma ficus, mas uma ficção, uma ficção, uma ficção? Minha ficção é gerada por ficus - ou vice-versa? E se eu nunca souber se a figueira que salvou a vida do meu pai realmente existiu? Ligo para meu pai e ele me consola. “Mesmo que ele não existisse, esses truques de memória às vezes nos dizem mais do que os registros de inventário mais detalhados.” Às vezes é apenas um grão de ficção poética que torna uma memória verdadeiramente autêntica. [...] Como um deus onisciente, observo essa cena da janela da casa em frente. Provavelmente é assim que os romances são escritos. Ou contos de fadas. Sento-me alto e olho para longe. Às vezes, reunindo coragem, chego mais perto e fico atrás do policial, escutando a conversa. Mas por que você está de costas para mim? Não importa o quanto eu ande ao seu redor, só vejo suas costas. Por mais que eu tente distinguir seus rostos, o rosto da minha avó e daquele oficial, por mais que eu me estique, por mais que eu force todos os músculos da minha memória, da minha imaginação, da minha intuição, nada funciona. Não vejo seus rostos, não entendo, e os livros de história silenciam. [...] Meus pais falavam sobre o que a história oficial silenciava, falavam constantemente sobre seus pontos dolorosos, como se estivessem mentindo - para eles era uma questão de honra, decência ou talvez até um código para encontrar “os seus”, seus próprios espécie . Às vezes parecia-me que com estas histórias (e conversas intermináveis sobre literatura) estavam a conquistar o espaço da sua independência, a Primavera de Praga, a Hungria de 1956, as repressões, o Solidariedade, o Afeganistão e, claro, este buraco negro de Kiev, Babi Yar , eram seus “conjuntos de cromossomos”. Eles consideravam esse conhecimento - essa atitude diante da dor do outro - um fiador da consciência e até da liberdade pessoal. Mas o problema de qualquer história sobre tais acontecimentos é como preservar a memória histórica, como falar sobre a violência contra as pessoas sem multiplicar esta violência, sem repetir - como no caso de Babi Yar - não apenas aquela morte, mas também a desonra daquela morte em sua história. Como falar sobre violência sem usar violência contra os outros. [...] Meu livro surgiu da interseção entre impotência e raiva. E a questão não está no patriotismo, mas na memória de um lugar, na necessidade interna de descrever em que espaço crescemos ou nos encontramos, ainda que no gênero de caminhada. [...] É impossível contar completamente sobre desastres em que morrem milhões de pessoas inocentes. [...] Quando uma cadeia de acidentes forma um texto, ela se torna destino. [...]. Trechos extraídos da obra Maybe Esther: A Family Story (Harper, 2018), da escritora e jornalista ucraniana Katja Petrowskaja.

 

ARQUI-VIOLÊNCIA – [...] As abundantes meditações sobre a violência na filosofia ocidental, incluindo a filosofia contemporânea aqui, mostraram uma tendência a concentrar-se principalmente na esfera política em sua totalidade. Sem tentar uma análise histórica do fenômeno da violência, é interessante enfatizar o campo de estudo que tradicionalmente tem sido incluído como um tópico: política, direito e ética. Filosofia prática, em suma. [...] Ele está localizado no contexto da ampla relação que a violência tem com a linguagem e o discurso em todo o filosofia ocidental. [...] A linguagem sempre fez com que o sonho da presença se perdesse. do outro, uma presença incapaz de aparecer de outra forma que não seja a sua própria desaparecimento. Nesse sentido, não só a metafísica – ou a ontologia – é violenta. Todo o resto aparecendo diante de mim, mesmo que seja na forma de uma presença epifânica ou escatológica. [...]. Trechos extraídos do estudo Arqui-violência: gênese da violência de gênese na filosofia de Derrida (Trans/Form/Ação, Out./Dez., 2019), da filósofa chilena Valéria Campos Salvaterra, que se apresenta como: Sou humana como você. Ao longo da vida tive erros e acertos, fracassos e vitórias. Portadora de depressão grave, há dois anos fiz uma escolha: viver, amar e perdoar. Hoje sou grata por tudo que passei, compreendi os verdadeiros valores. Tenho amor a Deus, a mim e ao meu semelhante... Ela é autora de obras como: Violência e fenomenologia. Derrida, entre Husserl e Lévinas (Metais pesados, 2017), Transações perigosas. Economias da violência em Jacques Derrida (Pólvora, 2018) e Comece com terror. Ensaios sobre filosofia e violência (Prometeu, 2020).

 

 

AVALOVARA

[...] Estou no quanto do meu pai, quando o leque se abre dentro de mim. Não se abre aos poucos, com a lentidão do mundo vegetal. Abre-se de um golpe, são asas, os braços da criatura-em-mim abertos continuam, as mãos quase tocando meu ombros, mas agora a revestem duas asas, estas asas revestem-na, cobrem a sua nudez, uma espécie de manto, umerais, tectrizes e álulas são de um roxo-brilhante, as rêmiges douradas, principalmente nas extremidades, enquanto as penas entre as zonas dourada e roxa se alternam, umas cor de sangue, outras azuis [...].

Trecho extraído da obra Avalovara (Companhia das Letras, 1995), do escritor e dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


 


terça-feira, janeiro 09, 2024

FLORENCIA ABADI, DORIS DÖRRIE, ISABEL SALAS DOMÍNGUEZ & A TRILOGIA DE VILMAR

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da ópera Afət, Poema de Z. Ziyadoglu: hino "Petroleiros" para solista e orquestra, Canções e romances para poemas e Gecələr bulaq başi , além dos filmes Nəğməkar torpaq (1981), Bağişla (1983), Qayıdış (1992), Yalçın (2004) e Sən yadima düşəndə (2013), da compositora azerbaijana Elza Ibrahimova. Veja mais aqui.

 

ANÔNIMO, VIDA TORTA & MALOGRO... – Manhã olhabro, agoronde gritalmas quandoutros às disjunções, natureza pujante, desgraça iminente. É duro ter de encarar este mundo. Dobrar a primeira esquina é o que resta; intrépido quase, irrequieto talvez, esquecer certas coisas não é fácil, tem de ser. Mesmo na radiância dos ideais com a impetuosidade do Etna, entre o esquecimento e a morte: verdadeiro sangue vivo entre o fugaz e o permanente. Qual nada. O que sobra, noves fora deu zero. Não fosse Elena Ferrante: Toda relação intensa entre seres humanos é cheia de armadilhas e, caso se queira que dure, é preciso aprender a desviar-se delas... O que seria de mim, nem me vitimizo, cara e coração: sou lá de me arrear pelos cantos. Outragora, pertali apareceram dançantes caruás de Conceição das Crioulas às hipálages, ataraxias e atavios, de quase me levar à polução apodítica porque a dor do amor apertava-me o coração - como se eu fosse Caliban em busca de um par de seios robustos ao abrigo, porque jaziam longe os sonhos mais excitados. A gente sabe: o que é bom dura nadinha, não adianta pernadas a três por tanto. Ainda bem Abbas Kiorastami: Eu me sinto como uma árvore. Uma árvore não se sente obrigada a começar a fazer algo pela terra de onde ela vem. Uma árvore só precisa dar frutos, folhas e flores. Não parece grata à terra... Assim sou Anteu do meu chão. Quão miserável quandoutros amargamores na salescura. Ainda há gente, muita gente, que não resiste à oferta de um molho de cédulas, afã patrimonial, suntuosidade. E estes ocupam cargos lá pras alturas nas três esferas do poder e ademais até quem nem sabe. Fiz minha opção Bukowski: Descubra o que ama e deixe-se matar por isso. Você tem de morrer algumas vezes antes que você possa realmente viver... Assim vai o sonho, foi-se o dia, a mão ao peito, a boca íntima, amareluz, pálidolhar. Longe versamanhã, olhos de velacesa na escuridão. Um só instante para o insulto e a repulsa. Breve grito para mudez das grandes palavras. Pela portaberta eis quem chega, a brisa na franja a roubar-lhe pestanas dos fogolhos, lábios reluzentes, enquanto dócil portescancarada afagando meu prepúcio vigoroso a porfiar blandícias errabundas, à espera da ejeção da massa coronal. Aí sou o Sol. Ela pagava o preço e não me devia nada. Venhaqui! Exprobrou porque queria saldar pecados como quem fareja focinho escondido a remoer moinhos às cuspidas saltitantes e a cambalear derruída. Nem saí de perto, acho que enlouqueceu. Deixei que fizesse, tirei partido por mim nessa hora. Ela e os regalos, nada melhor. Manuscravia-me nela em choque pela noite pecaminosa e eu em xeque, ela retardatária a revolver minhas entranhas com seus ombros caídos a semear ademanes por seus grãos no inframundo sem fim. Também sou vivo e merecemos. O que da vida torta, só anônimo & malogro. Agora não, tiramos proveito de tudo que der. Até mais ver.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Eu abro minha boca em glória abençoada para você \ Abra a boca acumulada \ nu o verso sábio \ verso inchado que preenche meu verbo de saída \ lambido verbo que molha a sua garganta \ fruta melodiosa \ Queridos minhos que sobem a boca pelos dedos \ Quando você os caminha através da flor quente \ banhando-os em brethbine \ Dedos entregues entre as dobras \ Mel sustentado nas pontas \ Os meis que abrem a boca \ bocas saciadas com mel \ Eu abro minha boca com alegria encantada com você \ Estou procurando a mordida forte \ Eu abro o sexo em sua boca \ Acomodar o verbo servido \ Eu posso em sua boca minha mordida incitada.

Poema da psicóloga e poeta venezuelana Isabel Salas Domínguez.

 

PARA ONDE VAMOS A PARTIR DAQUI – [...] Ah, diz ela gravemente, quando uma campainha toca ou um telefone toca, simplesmente aproveitamos a oportunidade para desligar e abandonar todos os nossos planos e emoções - todos os nossos pensamentos sobre outras pessoas e sobre nós mesmos. Abandonar todas as nossas percepções humanas? Eu pergunto indignado. Nesse caso, o que resta para nós? Não, diz ela balançando a cabeça, refiro-me apenas à nossa concepção do mundo. Gosto da maneira como ela pronuncia a palavra “concepção” com seu sotaque holandês, como se estivesse quente e ela pudesse queimar os lábios. Eu gostaria de poder falar uma língua estrangeira tão fluentemente quanto você, digo a ela. Por favor, diga ‘concepção’ novamente. Explique-me isso. Qual é a diferença entre minhas percepções e minhas concepções? Resolutamente, ela vai até um café sob alguns plátanos cujas folhas lançam sombras decorativas nas toalhas brancas. Ela se senta e me olha com ceticismo, como se avaliasse se sou inteligente o suficiente para merecer uma resposta. Na maioria das vezes, diz ela, formamos uma opinião sobre as coisas sem realmente percebê-las. Ela aponta para uma senhora idosa andando pela praça carregada de sacos plásticos. Por exemplo, ela continua, eu olho para aquela mulher e penso: Como ela tem as pernas arqueadas e aquela saia! Uma cor medonha e curta demais para ela. Ninguém deveria usar saias curtas nessa idade. Minhas pernas ainda são boas o suficiente para saias curtas? Eu costumava ter uma saia azul. Onde está, eu me pergunto? Eu gostaria de estar usando aquela saia azul. Onde está, eu me pergunto? Eu gostaria de estar usando aquela saia azul agora. Mas se eu fosse como aquela mulher ali... Ela apoia a cabeça nas mãos e me olha com brilho nos olhos. Eu ri. Na verdade, não “percebi” a mulher, diz ela, apenas pensei nas saias, nas pernas e no processo de envelhecimento. Sou prisioneiro das minhas próprias ideias – em outras palavras, das minhas concepções. Veja o que quero dizer? Eu digo que sim, mas diria sim para uma série de coisas quando ela me olha desse jeito. Uma garçonete da idade de Franka anota nosso pedido. Ela está usando um suéter branco de crochê sobre os seios enormes e um avental branco bem amarrado em volta da barriguinha proeminente. Suas sandálias com sola plataforma, que lembram cascos, dão-lhe uma aparência desajeitada de potro. Agora é a sua vez, diz Antje. Adolescente francês, eu digo. Provavelmente foi intimidada para deixar de fazer um aprendizado e trabalhar no café dos pais. Sonha em ser esteticista. Não, protesta Antje, isso não serve. Você tem que dizer o que realmente está passando pela sua cabeça. Eu hesito. Vamos, quinta-feira. Eu suspiro. Por favor, ela diz. OK, mas não assumo nenhuma responsabilidade pelos meus pensamentos. Negócio! Mamãezinha sexy, eu digo. Peitos lindos, provavelmente fáceis de transar, não recusariam alguns francos por um suéter novo. Ela certamente se sentiria bem e gritaria Maintenant, viens! Aquela música da Jane Birkin, não ouço há anos. Eu me pergunto o que Jane Birkin está fazendo atualmente. Ela costumava ser a mulher dos meus sonhos. Mesmo assim, tenho certeza de que aquela garota não gosta de homens alemães e, além disso, eu poderia facilmente ser o pai dela, tenho uma filha da idade dela. Eu me pergunto o que minha filha está fazendo neste momento... Eu seco. Ufa, eu digo. Desculpe, essa era minha cabeça, não eu. Antje acena com a cabeça satisfeita. Ela se inclina para trás e suas tranças ficam penduradas nas costas da cadeira. Nada nos atormenta mais do que a cabeça, diz ela, fechando os olhos. Você tem que reconhecer que os budistas têm o dom de se desligar. É simplesmente maravilhoso. [...]. Trecho extraído da obra Where Do We Go From Here? (Bloomsbury, 2002), da escritora e cineasta alemã Doris Dörrie. Veja mais aqui.

 

O SACRIFICIO DE NARCISO – [...] Longe do amor próprio Narciso continua o destino do amante Aminias [...] Embora dói admitir, o desejo e o amor dependem não apenas de mecanismos diferentes, mas opostos [...] A crueldade, embora seja perturbadora admiti-la, está intrinsecamente ligada à vida [...] Quando termina a guerra do desejo começa a paz do amor [...] a confiança amorosa interrompe o impulso curioso e possessivo do desejo e deixa a alteridade ser […] o desejo e o amor trabalham com lógicas opostas [...]. Trechos extraídos da obra El sacrificio de Narciso (Punto de Vista, 2020), da filósofa e escritora argentina Florencia Abadi, que noutra obra, O Nascimento do Desejo (Pólvora, 2023), expressa: [...] Não desejamos o que queremos, o que nos é conveniente, ou o que nos dá bem-estar ou felicidade. O desejo se impõe fora da vontade e nos deixa na dolorosa situação de nos defendermos dele inutilmente [...]. Dela a frase: O narcisista acredita que não atingir o ideal é uma humilhação.

 

TRILOGIA PALMARES DE VILMAR

A viagem do afeto de partir e voltar é a linguagem rememora...

Trecho do poema Bagagens, extraído da obra Ruína e alfabeto: poemas acima da decadência (CriaArte, 2023), do poeta e professor Vilmar Carvalho, autor das obras Tirinetes e Espelhos: poemas da cidade pequena e Casa Imemorial: poemas da casa imemorial, todos recém lançados. Veja mais aqui, aqui e aqui.