terça-feira, janeiro 09, 2024

FLORENCIA ABADI, DORIS DÖRRIE, ISABEL SALAS DOMÍNGUEZ & A TRILOGIA DE VILMAR

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da ópera Afət, Poema de Z. Ziyadoglu: hino "Petroleiros" para solista e orquestra, Canções e romances para poemas e Gecələr bulaq başi , além dos filmes Nəğməkar torpaq (1981), Bağişla (1983), Qayıdış (1992), Yalçın (2004) e Sən yadima düşəndə (2013), da compositora azerbaijana Elza Ibrahimova. Veja mais aqui.

 

ANÔNIMO, VIDA TORTA & MALOGRO... – Manhã olhabro, agoronde gritalmas quandoutros às disjunções, natureza pujante, desgraça iminente. É duro ter de encarar este mundo. Dobrar a primeira esquina é o que resta; intrépido quase, irrequieto talvez, esquecer certas coisas não é fácil, tem de ser. Mesmo na radiância dos ideais com a impetuosidade do Etna, entre o esquecimento e a morte: verdadeiro sangue vivo entre o fugaz e o permanente. Qual nada. O que sobra, noves fora deu zero. Não fosse Elena Ferrante: Toda relação intensa entre seres humanos é cheia de armadilhas e, caso se queira que dure, é preciso aprender a desviar-se delas... O que seria de mim, nem me vitimizo, cara e coração: sou lá de me arrear pelos cantos. Outragora, pertali apareceram dançantes caruás de Conceição das Crioulas às hipálages, ataraxias e atavios, de quase me levar à polução apodítica porque a dor do amor apertava-me o coração - como se eu fosse Caliban em busca de um par de seios robustos ao abrigo, porque jaziam longe os sonhos mais excitados. A gente sabe: o que é bom dura nadinha, não adianta pernadas a três por tanto. Ainda bem Abbas Kiorastami: Eu me sinto como uma árvore. Uma árvore não se sente obrigada a começar a fazer algo pela terra de onde ela vem. Uma árvore só precisa dar frutos, folhas e flores. Não parece grata à terra... Assim sou Anteu do meu chão. Quão miserável quandoutros amargamores na salescura. Ainda há gente, muita gente, que não resiste à oferta de um molho de cédulas, afã patrimonial, suntuosidade. E estes ocupam cargos lá pras alturas nas três esferas do poder e ademais até quem nem sabe. Fiz minha opção Bukowski: Descubra o que ama e deixe-se matar por isso. Você tem de morrer algumas vezes antes que você possa realmente viver... Assim vai o sonho, foi-se o dia, a mão ao peito, a boca íntima, amareluz, pálidolhar. Longe versamanhã, olhos de velacesa na escuridão. Um só instante para o insulto e a repulsa. Breve grito para mudez das grandes palavras. Pela portaberta eis quem chega, a brisa na franja a roubar-lhe pestanas dos fogolhos, lábios reluzentes, enquanto dócil portescancarada afagando meu prepúcio vigoroso a porfiar blandícias errabundas, à espera da ejeção da massa coronal. Aí sou o Sol. Ela pagava o preço e não me devia nada. Venhaqui! Exprobrou porque queria saldar pecados como quem fareja focinho escondido a remoer moinhos às cuspidas saltitantes e a cambalear derruída. Nem saí de perto, acho que enlouqueceu. Deixei que fizesse, tirei partido por mim nessa hora. Ela e os regalos, nada melhor. Manuscravia-me nela em choque pela noite pecaminosa e eu em xeque, ela retardatária a revolver minhas entranhas com seus ombros caídos a semear ademanes por seus grãos no inframundo sem fim. Também sou vivo e merecemos. O que da vida torta, só anônimo & malogro. Agora não, tiramos proveito de tudo que der. Até mais ver.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Eu abro minha boca em glória abençoada para você \ Abra a boca acumulada \ nu o verso sábio \ verso inchado que preenche meu verbo de saída \ lambido verbo que molha a sua garganta \ fruta melodiosa \ Queridos minhos que sobem a boca pelos dedos \ Quando você os caminha através da flor quente \ banhando-os em brethbine \ Dedos entregues entre as dobras \ Mel sustentado nas pontas \ Os meis que abrem a boca \ bocas saciadas com mel \ Eu abro minha boca com alegria encantada com você \ Estou procurando a mordida forte \ Eu abro o sexo em sua boca \ Acomodar o verbo servido \ Eu posso em sua boca minha mordida incitada.

Poema da psicóloga e poeta venezuelana Isabel Salas Domínguez.

 

PARA ONDE VAMOS A PARTIR DAQUI – [...] Ah, diz ela gravemente, quando uma campainha toca ou um telefone toca, simplesmente aproveitamos a oportunidade para desligar e abandonar todos os nossos planos e emoções - todos os nossos pensamentos sobre outras pessoas e sobre nós mesmos. Abandonar todas as nossas percepções humanas? Eu pergunto indignado. Nesse caso, o que resta para nós? Não, diz ela balançando a cabeça, refiro-me apenas à nossa concepção do mundo. Gosto da maneira como ela pronuncia a palavra “concepção” com seu sotaque holandês, como se estivesse quente e ela pudesse queimar os lábios. Eu gostaria de poder falar uma língua estrangeira tão fluentemente quanto você, digo a ela. Por favor, diga ‘concepção’ novamente. Explique-me isso. Qual é a diferença entre minhas percepções e minhas concepções? Resolutamente, ela vai até um café sob alguns plátanos cujas folhas lançam sombras decorativas nas toalhas brancas. Ela se senta e me olha com ceticismo, como se avaliasse se sou inteligente o suficiente para merecer uma resposta. Na maioria das vezes, diz ela, formamos uma opinião sobre as coisas sem realmente percebê-las. Ela aponta para uma senhora idosa andando pela praça carregada de sacos plásticos. Por exemplo, ela continua, eu olho para aquela mulher e penso: Como ela tem as pernas arqueadas e aquela saia! Uma cor medonha e curta demais para ela. Ninguém deveria usar saias curtas nessa idade. Minhas pernas ainda são boas o suficiente para saias curtas? Eu costumava ter uma saia azul. Onde está, eu me pergunto? Eu gostaria de estar usando aquela saia azul. Onde está, eu me pergunto? Eu gostaria de estar usando aquela saia azul agora. Mas se eu fosse como aquela mulher ali... Ela apoia a cabeça nas mãos e me olha com brilho nos olhos. Eu ri. Na verdade, não “percebi” a mulher, diz ela, apenas pensei nas saias, nas pernas e no processo de envelhecimento. Sou prisioneiro das minhas próprias ideias – em outras palavras, das minhas concepções. Veja o que quero dizer? Eu digo que sim, mas diria sim para uma série de coisas quando ela me olha desse jeito. Uma garçonete da idade de Franka anota nosso pedido. Ela está usando um suéter branco de crochê sobre os seios enormes e um avental branco bem amarrado em volta da barriguinha proeminente. Suas sandálias com sola plataforma, que lembram cascos, dão-lhe uma aparência desajeitada de potro. Agora é a sua vez, diz Antje. Adolescente francês, eu digo. Provavelmente foi intimidada para deixar de fazer um aprendizado e trabalhar no café dos pais. Sonha em ser esteticista. Não, protesta Antje, isso não serve. Você tem que dizer o que realmente está passando pela sua cabeça. Eu hesito. Vamos, quinta-feira. Eu suspiro. Por favor, ela diz. OK, mas não assumo nenhuma responsabilidade pelos meus pensamentos. Negócio! Mamãezinha sexy, eu digo. Peitos lindos, provavelmente fáceis de transar, não recusariam alguns francos por um suéter novo. Ela certamente se sentiria bem e gritaria Maintenant, viens! Aquela música da Jane Birkin, não ouço há anos. Eu me pergunto o que Jane Birkin está fazendo atualmente. Ela costumava ser a mulher dos meus sonhos. Mesmo assim, tenho certeza de que aquela garota não gosta de homens alemães e, além disso, eu poderia facilmente ser o pai dela, tenho uma filha da idade dela. Eu me pergunto o que minha filha está fazendo neste momento... Eu seco. Ufa, eu digo. Desculpe, essa era minha cabeça, não eu. Antje acena com a cabeça satisfeita. Ela se inclina para trás e suas tranças ficam penduradas nas costas da cadeira. Nada nos atormenta mais do que a cabeça, diz ela, fechando os olhos. Você tem que reconhecer que os budistas têm o dom de se desligar. É simplesmente maravilhoso. [...]. Trecho extraído da obra Where Do We Go From Here? (Bloomsbury, 2002), da escritora e cineasta alemã Doris Dörrie. Veja mais aqui.

 

O SACRIFICIO DE NARCISO – [...] Longe do amor próprio Narciso continua o destino do amante Aminias [...] Embora dói admitir, o desejo e o amor dependem não apenas de mecanismos diferentes, mas opostos [...] A crueldade, embora seja perturbadora admiti-la, está intrinsecamente ligada à vida [...] Quando termina a guerra do desejo começa a paz do amor [...] a confiança amorosa interrompe o impulso curioso e possessivo do desejo e deixa a alteridade ser […] o desejo e o amor trabalham com lógicas opostas [...]. Trechos extraídos da obra El sacrificio de Narciso (Punto de Vista, 2020), da filósofa e escritora argentina Florencia Abadi, que noutra obra, O Nascimento do Desejo (Pólvora, 2023), expressa: [...] Não desejamos o que queremos, o que nos é conveniente, ou o que nos dá bem-estar ou felicidade. O desejo se impõe fora da vontade e nos deixa na dolorosa situação de nos defendermos dele inutilmente [...]. Dela a frase: O narcisista acredita que não atingir o ideal é uma humilhação.

 

TRILOGIA PALMARES DE VILMAR

A viagem do afeto de partir e voltar é a linguagem rememora...

Trecho do poema Bagagens, extraído da obra Ruína e alfabeto: poemas acima da decadência (CriaArte, 2023), do poeta e professor Vilmar Carvalho, autor das obras Tirinetes e Espelhos: poemas da cidade pequena e Casa Imemorial: poemas da casa imemorial, todos recém lançados. Veja mais aqui, aqui e aqui.