sexta-feira, junho 14, 2019

LILI & MAIAKOVSKI, VALIE EXPORT, RAIMUNDO MAGALHÃES JÚNIOR, JACINEIDE TRAVASSOS & ANCHIETA DALI


LILI, MULHER AMADA - Simples como um mugido, sou sem um vintém no bolso, faminto às andanças, sem teto: minha casa é a rua futurista na hipérbole dos meus versos no frio da peste, faminto de amor. Sou a tempestade extravagante e me querem amordaçado, expulso sob as estridentes vaias dos incompreensíveis. Oh, Lili, minha formosa sensual dos olhos profundos e escuros, intensa indecentemente, foi pela mão de Elsa que cheguei a você, minha musa protagonista, amor da minha vida, toda minha lírica é sua: “o amor é vida. O amor é o coração de tudo”. A propósito disto: não vivi ainda o meu bocado de amor, é a mim que deve ressuscitar, ressuscita-me, Lilya, estou sempre a pique de murmurar alguma coisa, ideias na reserva, como um dinâmo de alta frequência giratória. Sou, antes e depois de tudo, eu mesmo, jamais passarei a vergonha de me acomodar, odeio o passado de escravos em cada um de nós, o enxame de mesquinharias. Sou sem partido, não tenho bens imóveis, jamais negociei nem explorei ninguém! Sou meu coração turbulento, apenas uma nuvem de calças: estou em chamas! E na luta da guerra pela paz: minha voz, a única humana, entre lamentos e gemidos erguida à luz do dia: despejo minha alma até o fim. Amo: o amor floresce, floresce e depois desfolha. Fui agraciado com o amor sem limites. Você é domadora e eu de júbilo, depositei o amor, atraído, arrebatado, pois que amo a flauta vertebrada: aquela diante de quem a montanha se perturba e treme, e me ordenou: ama-a! E canto à espera da lânguida lua nua, o derradeiro amor do mundo. Lílitchka! Em lugar de uma carta: você sentada no coração de aço, afora o seu amor por mim, não há mar, não há sol. Acaricio suas mãos e me expulsa, me insulta, o meu amor com você aonde for, seus passos na minha última ternura. Liliók minha, sou o cão, você a gata comigo na galeria Luibianski: sem você não há vida. Nós dois acorrentados ao filme com todas as calamidades da grande guerra. Tome o anel gravado com seu nome: amo, no meio da guerra civil. Você me salvou duas vezes do suicídio. Todos os meus poemas são seus. O barco do amor espatifou-se contra o cotidiano, querida Liliók, doce Liliók, maravilhosa Liliók! Não há mais como resistir, entrego a minha vida em suas mãos: hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras. Beijo, beijo e beijo. Todo seu, adeus. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Alexandre Magno, o maior conquistador do mundo antigo, soube que um dos seus soldados passara a usar o seu nome. E, mandando que ele viesse à sua presença, disse-lhe: “ – Queres então usar o meu nome? Pois usa-o. mas procura lembrar-te, durante as batalhas, de que te chamas Alexandre”. Sobre usurpações de nomes, há outra história que envolve a personalidade do guerreiro tártaro Timur Leng, também conhecido como Tamerlão. Tinha ele em grande apreço um filósofo e letrado persa, Ismail Kemal. E, ao invadir a Pérsia, dera ordem para que ele fosse poupado e levado à sua tenda. Tal recomendação acabou por se divulgar. E, para escapar ao tremendo massacre programado, vários persas resolveram adotar à última hora o nome de Ismail Kemal. Um dos capitães de Tamerlão já havia poupado a vida de dois deles, quando levaram à sua presença um terceiro. Indignado, ele disse: “Como?” outro Ismail Kemal? É muito abuso! Chega... Degolem já esse sujeito!” E assim teria perecido o verdadeiro Ismail Kemal,vítima dos usurpadores do seu nome. [...].
Trechos extraídos da obra Como você se chama? Estudo sócio-psicologico de prenomes e cognomes (Documentário, 1973), do saudoso jornalista, poeta, biógrafo e teatrólogo Raimundo Magalhães Júnior (1907-1981). Veja mais aqui e aqui.

A POESIA DE JACINEIDE TRAVASSOS
o vento sopra a tarde para o sol / pólen de rosa e violeta sideradas / mar em mármore azul e véus de nuvem / talhar do vento para uma bailarina nas águas / em dança de peixes sem asas / sonha a bailarina coisas pássaras / — porque sonho de pássaro nas águas? / — é culpa do mar ser espelho? / em sua noite de casa / traz a bailarina sapatilha e sal / rastro de mar por dentro / cobre de branco o chão onde passa / branco de pombos e de asas / vestígio de um poema antigo / da espuma quando se deita na praia / o telhado é quatro águas / é negro em sua noite de casa / dança a lua em véus de ágata / sombra e borrão de cal / o telhado da casa é quatro águas / sonha a bailarina coisas pássaras / — como pousar / bailarina nascida das águas / se peixe se vento se asas?
Poema Estudo do vento para uma bailarina, da poeta Jacineide Travassos, autora do Livro dos Ventos (poesia, 2009). Ela é professora universitária, coordenadora das pós-graduações em Literatura Brasileira e Arte e Linguística e Ensino da Universidade Salgado de Oliveira, atuando também como professora do Ensino Médio na Escola Parque e edita o blog A odisseia de Penélope.
&
A NAÇÃO AVACALHADA DE ANCHIETA DALI
Tanta gente iludida com a fama / tanto brega espalhado pelo ar / besteirol, fuleragem, cri-car / muita gente bebendo fel e lama / empresários comendo nessa trama / tá no rádio e na televisão / escrotice, pornô e podridão / tem mané deslizando no quiabo / outros mamam nos ovos do diavo / crocodilo, gambá e charlatão.
Poema Fama (orgia), extraído da obra Nação avacalhada (Oxente, 2019), do poeta, músico e compositor Anchieta Dali. Veja mais aqui.

A ARTE DE VALIE EXPORT
Se as mulheres abandonarem os maridos e os filhos e a sociedade o tolerar tanto legal como socialmente, como no caso dos homens; se as mulheres conseguirem isso, desenvolverão uma criatividade igualmente fértil. Sempre e em toda parte.
A arte da artista austríaca Valie Export (Waltraud Lehner , também Höllinger), que realiza instalações em vídeo, performances corporais, cinema expandido, animações por computador, fotografia, esculturas e publicações sobre artes contemporâneas. Veja mais aqui e aqui.

A OBRA DE MAIAKOVSKI
Doravante, eu o sei e qualquer um o sabe. O coração tem domicílio no peito. Comigo a anatomia enlouqueceu. - Sou todo coração. Em todas as partes pulsa.
Imagem: da escritora musa e protagonista da vanguarda russa, Lilya Brik (1891-1978), musa e amante do poeta.
A obra do poeta, dramaturgo e teórico russo Vladimir Maiakovski (1893-1930) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
 

quinta-feira, junho 13, 2019

FERNANDO PESSOA, ARIANO SUASSUNA, ROGER GARAUDY, DOROTHEA LANGE & OPHLEIA ÚNICO AMOR!


OPHELIA, ÚNICO AMOR – Ah, Ophelia, geminiana Lisboa, minha criancinha que descobri datilógrafa da Baixa lisboeta, a Lídia de Reis e a vida passa à beira do rio, a Daise do soneto já antigo de Álvaro, a quem tudo é tão puro e doce e o seu sorriso na hora absurda do Cancioneiro, está comigo na floresta do alheiamento. A foto do seu sobrinho era, na verdade, para você. Era você que eu queria encontrar. E envio outra, autografada: “em flagrante delitro”, como as palavras de pórtico: criar é preciso, viver não é necessário. Ainda não é finda a vida, como na prece a alma é vil. Você é aquela que durmo como um cão corrido no caminho para todo o resto do Universo, quero ser sempre como a passagem das horas. Amo como o amor ama, porque todos os dias, quero que diga qualquer coisa para eu acordar de novo, pastor amoroso das ficções do interlúdio de Caieiro. Ah, musa da Lisbon Revisited, não quero nada, tenho o direito de ser doido de pedra, quero ser sozinho no céu azul da minha infância e vivo a sonhar irrequieto com o coração longínquo – meu coração é um balde despejado! -, serei sempre o que não nasceu para isso. (Se eu me casasse com a filha da minha lavadeira, ou com a boca bonita da filha do caseiro, talvez fosse feliz). Mas não, amanhã direi as palavras, ou depois de amanhã, minha alma partiu-se como um vaso vazio no desejo físico de se encontrar ali outra vez, meu amor. Grandes são os desertos e tudo é deserto, quem me dera ouvir de alguém a voz humana. Há um poeta em mim que Deus me disse na análise e autopsicografia. Você não devia ter ouvido o que dizia Álvaro, meu algoz, só o meu amor devia ser levado a sério. Da primeira vez o amor passou, meu destino pertencia a uma outra Lei de Mestres que não permitiam nem perdoavam. Nasci para ser sozinho, não mereço a sua companhia. Recebi todas as suas cartas, leio e releio, perturbado e dividido, Álvaro nos persegue. O que há em mim de pecaminoso e nocivo, nada mais que o meu estúpido amor por você, a única amada. Foi preciso quase uma década para reencontrá-la e ouvi-la ao telefone, sempre temi não fazê-la feliz, essa dor me corroi. Nunca diga que sou poeta, se muito faço versos, apenas. Tenho que escrever, é só o que faço. Acordo de noite e escrevo, a minha vida, a minha obra, mesmo que nada valha, se é que vale alguma coisa, sou eu: o maior alienado, morador onde Deus é servido conceder-me, em companhia da minha solidão com insetos e a escuridão. Existo e não me suicido antes do assunto, sei apenas escrever asneiras. Sei que todas as minhas cartas de amor são ridículas, todas as palavras esdrúxulas com sentimentos esdrúxulos. Mas saiba, de coração, únicamada, sou seu Nininho. Nininhoninhozinho, sempre e muito seu, jinhos, jinhos e mais jinhos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] o homem crê cada vez menos que a felicidade se identifica com a força e a possessão. [...] Seus sonhos ou seus projetos de felicidade estão cada vez mais ligados a uma arte de viver novas relações com a natureza, com os outros homens, com o futuro e a transcendência. Novas relações com a natureza que não sejam mais relações de conquistadores mas de namorados. [...] Novas relações com os outros homens que não sejam nem o individualismo da selva nem o golilha totalitário, mas relações de comunidade e de amor. Esta necessidade fraternal traduz-se pela constituição de múltiplas comunidades de base. [...] A felicidade é, antes de tudo, o amor. [...] Novas relações com o porvir e o transcendente, relações que já não seriam as da simples extrapolação quantitativa, tecnologia, meios, à maneira da “futurologia” positivista, mas invenção do futuro. A transcendência não é apenas ultrapassagem e ruptura, mas descoberta de possíveis novos, que procuro e crio por meio próprio esforço, ao mesmo tempo que a acolho como um dom. [...] A felicidade é esta criação, a participação na criação continuada de um homem sempre mais um, de um mundo sempre mais humano.
Trechos de A felicidade, extraído da obra Palavra de homem (Difel, 1975), do filósofo francês Roger Garaudy (1913-2012). Veja mais aqui e aqui.

O SANTO E A PORCA
[...] (Afastam-se todos. A cena deve dar ideia da solidão de Euricão, solidão que vai crescendo até o fim). EUDORO: Mas espere... EURICÃO: Afaste-se! Saia de junto de mim! EUDORO: Eurico, você guardou esse dinheiro muito tempo, não foi? EURICÃO: Guardei, toda a minha vida! Quase toda a minha vida! Desde que minha mulher me deixou! Agora, posso falar nisso, pois tudo perdeu a importância diante da porca! EUDORO: Eurico, o dinheiro não é tudo neste mundo. Você tem sua filha, tem a todos nós que agora somos sua família. Deixe de depositar toda a sua vida nesse dinheiro! Não dê importância ao que não vale nada! Porque... EURICÃO: Por que o quê? Que é que você quer dizer? Diga, termine! EUDORO: Será melhor dizer mesmo, Eurico! EURICÃO: Dizer o quê? Diga logo, é melhor do que me esconder alguma coisa grave. Que é? EUDORO: Esse dinheiro está todo recolhido, Eurico! Tudo o que você tem aí não vale nem um tostão! [...].
Trecho do terceiro ato da peça teatral O santo e a porca (Nova Fronteira, 2017), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A ARTE DE DOROTHEA LANGE
Não é por acaso que o fotógrafo se torna um fotógrafo mais do que o domador de leões se torna um domador de leões. A câmera é um instrumento que ensina as pessoas a ver sem uma câmera. Deve-se realmente usar a câmera como se amanhã você ficasse cego. Viver uma vida visual é um empreendimento enorme, praticamente inatingível. Eu apenas toquei, apenas toquei. Embora haja talvez uma província em que a fotografia possa nos dizer nada mais do que vemos com nossos próprios olhos, há outra em que nos prova quão pouco nossos olhos nos permitem ver.
A arte da fotógrafa estadunidense Dorothea Lange (1895-1965). Veja mais aqui e aqui.

A OBRA DE FERNANDO PESSOA
A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
A obra do poeta e filósofo português Fernando Pessoa (1888-1935) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.


quarta-feira, junho 12, 2019

MURILO MENDES, MANABO SHIMOKAWA, HISTORIA DAS MULHERES & CARTA DE JUNHO


CARTA DE JUNHO - Tudo se pode dizer e é muito cedo, eu sei, escolhi na encruzilhada e às duras penas fiz o que pude para seguir a esperança e enfrentar outras possíveis opções perdidas depois de choros e risos, a renunciar o que passará como antes passou e agora, a dor coagulada dos recomeços. Tudo passa. Não há como dizer outra coisa na banalidade dos que pensam que o instante é eterno e que hoje será para sempre, tudo tão provisório onde vivo tal e qual a hebetude do presente inumano, o fracasso do ocidente e a derrocada da humanidade na glória dos vencedores. Tudo passará. Quanto custa perdas e ganhos no semblante exposto ao abandono e aos gestos repetidos confinados à angustiante hipocrisia, pouco ou quase nada sabe, porque acreditei pulando num pé só pelos infernos. Foi preciso dar fé de tantos dilúvios, não foram poucos os naufrágios e o céu caiu um tanto de vezes com furiosas borrascas para o desastre do dia, quando pervertido pela nódoa do exílio de um mundo com a frase tentadora da infâmia e louros, vi o que pegou carona na correnteza, a vida no relógio para decadência e malogro. Mas não, sou dessas nascentes manhãs: o passado é o poema do presente inventando amanhãs. Só preciso refazer a mim e a vida, a metamorfose e a surpresa, não há tempo a perder, eu já vou. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] A história das mulheres teve o seu inicio no movimento feminista da década de 1960, a partir das manifestações inflamadas das mulheres que lutavam por seus direitos de igualdade no mercado de trabalho, na vida sexual, na sociedade. [...] Atualmente, a história das mulheres tem cedido espaço, com frequência, aos estudos de Gênero, os quais surgiram como proposta de se estudar um conjunto de categorias que apresentam conexões com os diferentes papeis sociais que, no entanto, são convencionais e arbitrários, variando de uma cultura à outra. O estudo gênero, diferente da história das mulheres, engloba tanto o masculino quanto o feminino, como estes se relacionam, o que se tornou norma e o que é imposto, e como esse conjunto todo varia de uma cultura para outra. Lembrando que, além de ser o Gênero um elemento constitutivo de relações sociais, é uma forma primeira de significar relações de poder. [...].
Trechos de As rainhas de Amarna, extraídos da obra Nefertiti: sacerdotisa, deusa e faraó (Madras, 2012), da historiadora Anna Cristina Ferreira de Souza. Veja mais aqui e aqui.

A MULHER DOS CABELOS DE OURO
Era uma vez uma mulher lindíssima, mas muito estranha, de longos cabelos dourados, finos como fios de ouro. Ela era pobre e não tinha nem pai nem mãe. Morava sozinha no bosque e tecia num tear feito de galhos de nogueira- preta. Um brutamontes, que era filho do carvoeiro, tentou forçá-la a se casar com ele, e ela, numa tentativa para se livrar dele, lhe deu uma mecha de cabelos dourados. Ele, no entanto, não sabia ou não se importou em saber se o ouro que ela lhe dera tinha valor monetário ou espiritual. Assim, quando ele tentou trocar o cabelo por mercadorias no mercado, as pessoas zombaram dele e o consideraram louco. Furioso, ele voltou à noite à cabana da mulher, matou-a com suas próprias mãos e enterrou o corpo junto ao rio. Por muito tempo, ninguém notou a ausência dela. Ninguém perguntava por sua casa, nem por sua saúde. Na sua cova, porém, os cabelos dourados não paravam de crescer. A linda cabeleira abriu o solo negro para subir em curvas e espirais e foi crescendo cada vez mais, em arcos e volteios, crescendo até que sua cova se cobrisse de ondulantes juncos dourados. Uns pastores cortaram os juncos anelados para fazer flautas e, quando foram tocá-las, as flautinhas começaram a cantar sem parar: Aqui jaz a mulher dos cabelos dourados / assassinada e enterrada, / morta pelo filho do carvoeiro / porque tinha vontade de viver. E foi assim que o homem que havia tirado a vida da mulher dos cabelos dourados foi descoberto e levado à justiça para que quem vive nos bosques selvagens do mundo, como nós vivemos, pudesse mais uma vez estar em segurança.
Extraído da obra Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem (Rocco, 1994), da escritora e psicóloga Clarissa Pinkola Estés. Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE MANAHO SHIMOKAWA
Pela primeira vez dancei descalça e percebi que era assim. Eu fui atraída pelo fato da liberdade de expressão. No balé, você desempenha um papel. Você é talvez uma princesa, um rei, um palhaço... E a história é uma lei de ferro, escrita por Shakespeare, ou outra pessoa há séculos atrás. Mas na dança moderna, você dança a si mesmo. Você construiu a história da arte, não seguindo a história. Nós dançamos para espelhar a era em que vivemos agora. Em vez de um espartilho, estamos nus. Em vez de sapatos de dedo, estamos descalças. Eu continuo vivendo neste planeta pensando que (talvez) morra amanhã. Quem disse que a morte é algo para se ter medo? Eu estarei lá para abraçar e sorrir.
A arte da bailarina, modelo & artista performática japonesa Manabo Shimokawa. Veja mais aqui.

A OBRA DE MURILO MENDES
Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
A obra do poeta e prosador do Surrealismo brasileiro, Murilo Mendes (1901-1975) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.


terça-feira, junho 11, 2019

GERALDO CARNEIRO, OSWALD SPENGLER, ANTHONY DONALDSON, VOLAVÉRUNT & A SANTA DE ALAGOINHANDUBA


A SANTA DE ALAGOINHANDUBA! - Em Alagoinhanduba havia sempre o inusitado. Certa feita, um casal errante: a mãe com o bucho pela boca, o pai tímido maltrapilho. Fugiam não se sabe do quê, procuravam por um parente distante de décadas, famintos, desterrados. A agonia do parto se deu ali mesmo, numa esquina movimentada, muitos socorreram. Coincidências acontecem, coisas da vida: o parente sumido testemunhava tudo e nem sabia, só depois de muito choro e desespero. Compungido, os levou para sua casa, amparo emergencial. O tempo passa e a recém-nascida torna-se uma linda menina, encantada com o mundo, os seres e as coisas, cresce aos olhos de todos. Nem adolescente ainda, já parecia moça vistosa, chamava atenção seu jeito terno, suas carnes bem distribuídas, sua beleza hipnotizante. Moça de riso fácil, ternura acentuada, disposta sempre ao cuidado maternal com quem quer que fosse e precisasse. Não eram poucos os que dela requisitavam atenção, logo se viu encurralada, quarto trancado, estuprada pelo tio, sua primeira tragédia. Punida por ser dada, logo foi imediatamente encaminhada para o convento de freiras. Lá a sua primeira clausura. Por sua afetuosa emanação, tornou-se logo professora a encantar alunos, pais e comunidade. Dedicada às suas preces e afazeres, uma chama secreta emergia do seu ser, ardia, refulgia, vicejava. Em suas mãos o domínio do secreto. Ao passo que realizava com afinco suas atividades, não escapava das investigações alheias: corpulenta, era cortejada por carrancudos e aventureiros, cobiçada pelos homens endinheirados, cercada por reprovações, até ser abusada pelo pároco, a segunda condenação. Reclusa por sua sina, preferia cuidar dos pobres e enfermos, pois, a graça de quem tivesse o seu toque, logo era curado, quando não salvo das agruras da vida. Isso também era percebido por seus algozes e carrascos que a queriam exclusiva. Distanciada do mundo, manteve-se no seu recolhimento até um dia, quase enlouquecida pela incompreensão de todos, sair nua em via pública, recuperando a visão de cegos, o silêncio de mudos, curando aleijões e estigmas. Um alvoroço. Por conta disso, ganhou notoriedade a santa nua, e uma imagem única feita por artesão: uma pequena estátua de braços abertos, com sua formosura e bondade. Proibida, reprimida, aprisionada por atentado ao pudor público: seu corpo foi violado e ela abusada por muitos no cárcere. Reprovada, banida, excomungada por ser a tentação em pessoa, não se sabe como, ela conseguiu fugir do cativeiro para nunca mais ser vista, apenas de ouvir falar: vivia escondida não se sabe ao certo o paradeiro, a cuidar dos que se perdiam ou procuravam a solução para seus problemas, os que sofriam de sede ou fome, os que procuravam paz, os que morriam de emboscada, os cansados, insepultos e miseráveis, os acolhia até completo restabelecimento. Certo dia ouviu-se a noticia de que ela fora encontrada nua, seviciada, morta, esquartejada, numa sexta feira santa. A imagem dela, a única, sumiu ou foi roubada, ninguém sabe, era o desejo dos inimigos, o temor dos fanáticos. Anos se passaram, décadas mais tarde, encontraram a pequena escultura dela enterrada numa terra distante e foram anunciados vários milagres: quem a tocasse ficava feliz demais, curado de qualquer enfermidade, salvo das profundas do inferno, ou prosperava na vida. Uma romaria, todos os dias, em fila: a santa obra milagres até agora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Uma cultura morre, quando essa alma tiver realizado a soma das suas possibilidades,  sob a forma de povos, línguas, dogmas, artes, Estado, ciências, e em seguida retornar à espiritualidade primordial. [...] Natureza é a forma sob a qual o homem das culturas elevadas confere unidade e significado às impressões imediatas dos seus sentidos. História é a forma sob a qual a sua imaginação procura compreender a existência viva do Universo, com relação à sua própria vida, a fim de conferir a esta uma realidade mais profunda. […] Que ocorrerá, porém, quando toda uma cultura, quando a consciência que uma nação inteira tiver de si mesma, provierem de tal espírito não histórico? Como se lhe afigurarão a realidade, o mundo, a vida? [...].
Trechos extraídos da obra A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal (Zahar, 1964), do historiador e filósofo alemão Oswald Spengler (1880-1936). Veja mais aqui.

VOLAVÉRUNT
O premiado drama histórico Volavérunt (1999), dirigido pelo cineasta e roteirista espanhol Bigas Luna (1946-2013) e baseado na obra homônima do escritor uruguaio Antonio Larreta (1922-2015), contando a história da mulher mais rica e liberada de seu tempo, a duquesa de Alba, que oferece uma festa para inaugurar o seu novo palácio e que tem, entre os convidados, o pintor e gravador espanhol Francesco de Goya (1746-1828), quando na manhã seguinte ocorre um assassinato misterioso. Destaque para atuação da atriz espanhola Penélope Cruz Sanchez. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A ARTE DE ANTHONY DONALDSON
A arte do escultor e pintor britânico Anthony Donaldson, um dos criadores do movimento Pop Art. Veja mais aqui.

A OBRA DE GERALDO CARNEIRO
De noite, na rua, em frente ao parque
A minha solidão é sua
Decerto sei que você vaga em qualquer parte
Sob essa vaga lua
De noite, na rua, em frente ao parque
A minha solidão é sua
Decerto sei que você vaga em qualquer parte
Sob essa vaga lua
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
De noite alguém decerto lhe ampara
Por onde hoje você anda
Mas sem olhar sua ciranda louca
Daquele jeito que lhe desmascara
De noite alguém decerto lhe ampara
Por onde hoje você anda
Mas sem olhar sua ciranda louca
Daquele jeito que lhe desmascara
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
Agora, bêbada, você estremece
Como se ainda não soubesse
Em frente à porta desse bar
Em que embarca sob essa vaga lua
E a luz da lua apura a nitidez da marca
Mais nua, mais clara, mais crua
Poema Mais Clara, Mais Crua do premiado poeta, letrista e roteirista mineiro radicado no Rio de Janeiro, Geraldo Carneiro, ocupante da cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras e parceiro musical de grandes nomes da música, tais como Egberto Gismonti, Astor Piazzola, Wagner Tiso, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Francis Hime, entre outros. O poema em referência foi musicado e recebeu o título de Palhaço (álbum Circense – ECM, 1980), por Egberto Gismonti. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.


segunda-feira, junho 10, 2019

PAGU, PATRICK MODIANO, JACQUELINE DU PRÉ, BRIGID BERLIN & A NOITE DO RECIFE


A NOITE DO RECIFE – O meu lugar pés no chão e o mundo escorre minhas mãos pela areia de Boa Viagem, a mansidão da plaga pretérita e lembro o tempo menino, era um só eu e o mar e o litoral, a moradia, sempre como a primeira vez ainda hoje, o cheiro do sargaço página inteira do meu diário que nem lembro ter escrito na areia da praia e grafado nalgum recôndito da memória e nas comissuras dos lábios, como nos versos que perdi na Praça da Paz de Afogados. Minhas pseudosílabas erravam ao pé da letra a me regalar por não ter palavra apurada nos mangues que não são vistos por trás das desgraças em que tudo é nada e não é e ai de quem perguntar onde fica qualquer coisa, porque agora a ameaça salta aos olhos na foto em close difuso, não era assim. Não se parece mais o meu rincão e me sinto deserdado e quem nasceu para isso e quem não, as bizarras acontecências me assaltam e seja lá o nome que se dê a quem agora não mais, só catinga das imundícies, fedores urinários, excreções amontoadas nos meus olhos arregalados, peso nas têmporas, olheiras, dilatações, mãos ao coração, cabelos aos ventos, sonhos apodrecidos, conciliábulos, endereços, pescarias, luzes e obscuridade, tudo para o naufrágio da paisagem com o mesmo impacto de antes no meu peito, ah, não mais. Sou capturado pelo nariz como sempre, o sangue no paladar, garganta seca com o fumaceiro irresponsável do lixo amontoado nas faces severas dos irmãos agora inimigos, quantas promessas sequer cumpridas, encontros amantes, litígios e desavenças. Ainda guardo o tempo que vivi Imbiribeira e quase morri, renasci na manhã de Pinheiros com fugas por Piedade e Candeias, passeios a desaguar pelo sumidouro das fêmeas de Olinda nos meus olhos acesos. Eu me via solto qual Capibaribe e parte do que sou Beberibe no Cais do Apolo para que eu fosse ubíquo vestido do Recife e a herança nas legendas diárias para fingir espectador de tudo ao redor e além do roteiro imprevisível e solitário, sem destino, anoitecia o momento indiferente, eu que não era o mesmo de antes e a lua intensa entre nuvens outonais que parecem primaveris ou estivais, nunca se sabe nas âncoras perdidas do que me fiz. Agora é tudo tão deserto, mesmo que pareça tão vitalizado pelas luzes, tudo isso me comove e vivo, falsos remorsos que não sei nem reconheço, o que fizeram com meu povo, a minha cidade quase erma na pracinha do Diário, tudo tão amedrontador, não era assim na minha ingenuidade, mudou e o pior no pálido horizonte, não era assim, o estremecimento dos temores, hesitações, comovente cenário, apreensão do perigo no ar: a noite é dos que atacam e matam a cidade arruinada. Não era assim, com as sombras nem parece, basta amanhecer e se denuncia a miséria, o instante é muito inseguro e eu me ilumino na escuridão do que sou Guararapes e vivo para que eu seja o Recife dos meus sonhos sequestrados. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Todos esses rostos contemplados uma última vez antes que a noite os engolisse... alguns não podiam nem imaginar que eu o abandonava. Outros me encaravam com olhos vazios. [...] Lembro-me também dessas curiosas pontadas no coração a cada vez que olhava o relógio: esperam há cinco, dez, vinte minutos. Denunciar é muito mais fácil. Nada mais do que alguns segundos, só o tempo de entregar nomes e endereços com precipitação na voz. Alcaguete. Tornar-me-ia assassino até, se eles quisessem. Em seguida, contemplaria seus óculos, chaveiros, lenços, gravas – pobres objetos que só têm importância para os seus donos e que me comovem ainda mais do que o rosto dos mortos. Antes de matá-los não tiraria os olhos de uma das partes mais humildes das pessoas: os sapatos. Engana-se quem crê que a excitação febril das mãos, as mímicas do rosto, o olhar, a entonação da voz, sejam as únicas coisas capazes de comover imediatamente. O patético, para mim, encontra-se nos sapatos. E quando sentir remorsos de tê-los matado, não pensarei nem no seu sorriso, nem nas suas qualidades morais, mas nos seus sapatos. [...].
Trechos extraídos da obra Ronda da noite (Rocco, 2014), do escritor francês Nobel de Literatura de 2014, Patrick Modiano.

A MÚSICA DE JACQUELINE DU PRÉ
Precisamos dar um ao outro o espaço para crescer, para sermos nós mesmos, para exercitar nossa diversidade. Precisamos dar um ao outro espaço para que possamos dar e receber coisas tão belas quanto ideias, abertura, dignidade, alegria, cura e inclusão.
A música da violoncelista britânica Jacqueline Du Pré (1945-1987), vítima de esclerose múltipla que a impediu, aos 28 anos de idade, de atuar nos palcos. A sua história foi transformada em filme, Hilary e Jackie (1998), dirigido por Anando Tucker, contando a sua vida e a rivalidade com a sua irmã flautista Hilary, até perder a sensibilidade dos dedos em 1971 e encerrando a carreira depois do último concerto, em 1973. Suas derradeiras imagens foram ocultadas, estava ela transfigurada, atrelada a uma cadeira de rodas e falecendo aos 42 anos de idade. Veja mais aqui.

A ARTE DE BRIGID BELIN
Minha mãe queria que eu fosse uma socialite magra e respeitável. Em vez disso, me tornei uma desordeira com excesso de peso.
A arte da fotógrafa e artista visual estadunidense Brigid Berlin, também apelidada de Brigid Polk e que se tornou estrela das obras de Andy Warhol, entre eles Chelsea Girls (1966) e Ciao! Manghattan (1972), Pecker (1998), entre outas. Sobre ela foi realizado o documentário Torta no céu: a Brigid Berlin Story (2000), no qual ela conta sua história de vida.

A OBRA DE PAGU
Tenho várias cicatrizes, mas estou viva. Abram a janela. Desabotoem minha blusa. Eu quero respira.
A obra da escritora, diretora de teatro, desenhista, jornalista, militante comunista e musa do Modernismo brasileiro, Patrícia Galvão, ou simplesmente Pagu (1910-1962) aqui, aqui & aqui.


sexta-feira, junho 07, 2019

PAULO LEMINSKI, DAVA SOBEL, CAROLEE SCHNEEMANN, RITA ISADORA PESSOA, EDUARDO DIÓGENES & DOS GOLES DA SAUDADE


DOS GOLES DA SAUDADE – A cidade quase toda ali: a gente e a falação, uma mesa na porta e o Sol do meio dia no chambaril, mão de vaca e carne de sol. Tagarelice com uma quartinha, duas, três, muito goles, vira, virou. Tudo, diga-se de passagem, sempre quase e quase. A gente sequer previa dos catadores de material reciclável, mandava ver na conversa mole, saudades de muito, lembranças quase sem valia. Leia-se: quase. Joab mais parecia imperador, falava grosso na sua roliça compleição: passado e hoje quase um só. Arnaldo, o verdadeiro, falava manso das coisas de ontens e tantas, quase. Valter que era menino, hoje homem feito graúdo, destilava conversas de outrens e nenhuns que foram, passaram, quase deslembrados, moravam só na memória esquecida disso e daquilo, quase mais. Será que foi, nada, a verdade seria outra, qual, nem se sabia direito, mas se dizia e pei e pou e tá, a de cada um, na afoiteza da testemunha ocular. Coisas até de antes a gente ter nascido, professores de cepa, gente empiorada, coisas de cruzetas e mangações. Nem parecia que se havia subido o morro, nem cansado pelas rodas do carro. Qual santo do bairro, muito menos soubera. Dona Lourdes gentil mais mandava. A mesa quase rodava, apesar de quadrada como nós que nem sabíamos direito entender o passado para um futuro piormente almejado em círculos embicados: tudo gira e a vida é uma só. Ou quase. Contamos histórias e estórias, nenhuma sindicância, muitas referências para o que nem sabíamos que se passou e quase presentes. Quantos morreram assim do nada e vivos na conversa, tão vivos, chega dava o que pensar da existência: quem pintava o cabelo e negava (como o próprio Joab, às escondidas – que o diga Iolita, só ela sabe o segredo que nem é mais de agora); de gente que matou e morreu pelo golpe de antanho, hoje filme revisto; do que foi feito e não tinha quase nenhuma importância, só porque estávamos lá é que ficou como a saudade da mais pura verdade; de Bagaço e ideais, de trens que nunca passaram, de petas que batiam o pé, dos conluios dos outros e a gente primava de falar a mais serena ousadia, ou quase. A vida gira e como gira girou. Quem não foi tosco lá pelos idos tão longínquos, podia dizer de quem era ou não era, coisa de aferir no relógio da paisagem: isso é o Brasil de Palmares todo, ou quase. Houvesse mais outras saideiras, o dia era pouco para décadas e continentes. Bastavam goladas para maiores fôlegos e tome trupé. Dissemos um do outro, de coisas de antanho, quantas peripécias, salvaram-se todos, até os ausentes, ou quase. O que ficou: para deixar nossos mortos em paz, a gente precisa fazer o que tem que ser feito. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Hoje, as linhas de latitude e longitude governam com mais autoridade do que eu poderia ter imaginado há mais de quarenta anos, porque essas linhas permanecem fixas à medida que o mundo vai modificando sua configuração por debaixo delas – com continentes flutuando à deriva através dos oceanos cada vez mais largos e fronteiras nacionais repetidamente refeitas ao saber da guerra ou da paz.
[...] As linhas que representam a latitude, as paralelas, permanecem paralelas umas às outras envolvendo o globo como cintos, do Equador aos pólos, numa série de anéis concêntricos. Os meridianos da longitude se posicionam de forma inversa: eles enlaçam o globo do Pólo Norte ao Pólo Sul, formando grandes círculos de tamanhos idênticos, todos convergindo para os mesmos pontos nas extremidades da Terra. As linhas da latitude e longitude começaram a entrecruzar a nossa visão do mundo já na Antiguidade. [...] À medida que o mundo gira, qualquer linha traçada de pólo a pólo pode servir tão bem quanto qualquer outra como ponto de referência. A localização do meridiano primo é uma decisão puramente politica. [...] O paralelo de zero grau de latitude é fixado pelas leis da natureza, enquanto o meridiano de zero grau de longitude se modifica com as areias do tempo. [...]
Trechos extraídos da obra Longitude: A verdadeira história de um gênio solitário que resolveu o maio problema científico do século XVIII (Ediouro, 1996), da escritora estadunidense Dava Sobel, contando a história verídica de John Harisson e de como ele levou anos para conver o almirantado britânico a usar os relógios para determinação da longitude a bordo de um navio.

A POESIA DE RITA ISADORA PESSOA
UMA MULHER SORTEADA POR UM ALGORITMO (PRÓLOGO):  uma mulher como eu ou você / [uma mulher que come dorme chora / nas horas certas / uma mulher com um roteiro entre as penas / que escreve, paga contas e eventualmente cozinha / uma mulher como eu ou você] / uma mulher sob a influência / de graves números / de softwares / do mal do século 21 / uma mulher que não é um robô / que se recusa a ser escrita / em linguagem java ou html / uma mulher como eu ou você]
UMA MULHER QUE CULTIVA UM GESTO DE DESAPARIÇÃO [epílogo]: [uma mulher que escapa ao movimento político / de sua geração e se justifica em primeira pessoa] / se insisto no mesmo gesto que / anula o meu, o teu, o nosso suposto “lugar de fala” / se afirmo silenciosamente um desejo velado / de invisibilidade / como têm os objetos que permanecem dentro de / malas ou recipientes por mais tempo do que o / necessário / é porque / reconheço a visibilidade das coisas / que devem permanecer visíveis / mas ainda assim / transgrido na parte que me toca com suavidade / na mesma parte que me roça o trato epidérmico de meu / discurso / me submeto / como um corpo celeste intermitente que emite luz em pulsos / à inevitabilidade trágica deste pêndulo: / ora existo, ora desapareço
Poemas extraídos da obra Mulher sob a influência de um algoritmo (CEPE, 2018), da premiada poeta Rita Isadora Pessoa, que é graduada em psicologia e fez mestrado em Teoria Psicanalítica (UFRJ) e doutorado em Literatura Comparada (UFF).
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A POESIA DE EDUARDO DIÓGENES
DO SEMPRE: escrever - / beatitude / olhar sem conter / a palavra / intrínseca / entre o visto / e o vivido / sem gramáticas.
INICIAÇÃO: como aprendi a mentir / a vida me fez cometer / tudo em poema.
Á MARGEM DO CANAL: à margem do canal / desfilam casas / enraizadas na lama / (se ao que se pode / chamar qualquer teto) / antes de qualquer vogal / ou geografia / entre macilentas e suja terra / nos caixotes / candidatos a banheiros / à margem do canal.
INTERLÚDIO: uma rajada de sol fere a saudade / a tarde é um cruzamento / para o coração incerto / algumas vidas nos alcançam / em cores simples.
Poemas extraídos da obra A barlavento (7 Letras, 2000), do poeta Eduardo Diógenes.

A ARTE DE CAROLEE SCHNEEMANN
A mulher era a preocupação constante da imaginação masculina, mas quando eu a quis examinar por completo em mim mesma e retratar as partes verdadeiras, fui acusada de romper limites estéticos essenciais. Eu sou pintora e morrerei como pintora. Tudo o que tenho feito ao longo da minha carreira foi trazer os princípios visuais para fora da tela.
A arte da artista experimental visual estadunidense Carolee Schneemann (1939-2019), que desenvolve trabalhos multimídia sobre o corpo, narrativa, sexualidade e gênero. Veja mais aqui, aqui & aqui.

A OBRA DE PAULO LEMINSKI
Haja hoje para tanto ontem.
A obra do escritor, critico literário, tradutor e professor Paulo Leminski (1944-1989) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.