DIAS QUE NÃO SEI
– São mais de ontens nesse tempo de
hoje, muitos anteontens seculares e nenhum amanhã possível. Não há como
visualizar um túnel sequer para buscar a luz nesse breu vigente. Não me valho
dos estandartes ameaçadores, mas há de convir, a cena é imprópria. O que se vê
são bocas canhoneiras degoladas com suas ventas dilatadas, expondo sangue na saliva,
armados de ódio e facas até os dentes nas cabeças de granadas, e delas ouvem-se
os estrondos por dedos fuzilantes para inúteis como eu ou qualquer um. Pelo que
se vê, os daqui vivem apenas dos boatos que chegam aos pelotões contaminando as
ouças e a terra, nenhum gemido de arrependimento, enquanto os noturnos e
solitários remorsos corroem o tino nas bandeiras hostis que drapejam: os
algozes pensam que ficarão para sempre, e impunes, incólumes, e se gabam apenas
das vozes ébrias de cívicos comensais, fieis aos cargos e cetros, donos da
razão e fogo nas faces para gritos de terror no país que é só do azul ou cor de
rosa, onde ou se é a favor ou do contra. Coisas que vão de lá para cá e
vice-versa, porque o meu país é grande, tão gigantesco quanto inútil para quem
dele vive – serve apenas a poucos, muito pouco, entretanto -, tão sujeito aos
salteadores, tão vulnerável aos imprestáveis carregados de pólvora, nenhum
valhacouto aqui. Há quem esteja feliz com tudo isso, não duvido. Em todo canto
estão fechados os olhos das janelas, portas apagadas, muros insensíveis, como
se emurchercesse a humanidade: mais bicho selvagem que gente com seus
desmatados sorrisos de festas urgentes e efêmeras, olhares quais queimadas
devastadoras com a arma escondida por trás da bandeira branca. Parece mais que todos
viraram coveiros nas valetas dos instantes e fingem piedade na horagá, presos
pelos testículos. Por isso, só importa o louro da vitória quando, na verdade, todos
estão derrotados no meio de uma verdadeira festa de matanças invisíveis. Ainda
se ouve: Caros senhores! E relincham em festas de gala, a se esbaterem famulentos
na vulgaridade, como um punhado de lombrigas a se lambuzarem no repasto,
cheirando vidas e sortes e nisso quantos esmagados pela cortesia dos falsos com
as pálpebras fechadas da razão. Cada qual sua caverna e seu umbigo, senão. Sei
e não se salva quase alma alguma entre os que se consolam com o embuste e o
engodo para gozo dos fanfarrões: ouvem apenas o que dizem os alto-falantes dos
carros de som barulhentos, assistem hipnotizados aos anúncios imperdíveis da
tevê e acreditam piamente nos noticiários, sequer dão conta de quanto insulto
nos capítulos novelescos desse inferno e tudo bem, apesar do dia ensolarado
tudo é muito turvo e quase desespero pelas ofensas, venenos, estupidez tumultuada
- catingas de inexistentes Américas mundializadas sobre cadáveres dançantes e
desmiolados por pancadas e bumbos: tudo fede a luxo e lixo, quanta muleta para
verter a última gota de sangue. Ninguém sabe. Estou pronto para ser enterrado
vivo, acorrentado à minha cidade, pisoteado e insepulto. Morrerei de fome ou de
passado, cabeça pendurada no esquecimento, ao lado dos que respiram ou não,
tanto faz, não há vergonha para quem morre. O amor verdadeiro não cabe no céu,
onde vigora o bom comportamento e a mentira. Não há suborno para a alma,
dinheiro é ouro de tolo. Esses os dias que não sei, horas que são lâminas e
retalham a carne, ainda é possível chorar pelo país, por enquanto; e o mundo,
quem sabe. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Várias ideias
foram propostas nas duas últimas décadas, algumas delas extremamente inspiradas
e belas. Entretanto, elas devem aguardar sua confirmação através de
experimentos antes de serem aceitas pela comunidade científica. [...] Um dos aspectos agridoces da pesquisa
científica é que a Natureza não revela seus segredos muito facilmente. [...] Algo mais é necessário, e várias ideias têm
sido propostas para lidar com esses problemas de nossas teorias atuais. As
ideias mais promissoras tentam combinar relatividade e mecânica quântica de uma
forma ou outra. [...] Bem, perto da singularidade cosmológica,
a própria geometria do Universo deve ser tratada através da mecânica quântica;
com isso, os conceitos de tempo e espaço também se tornam nebulosos. [...].
Trechos extraídos da obra A dança
do universo: dos mitos de criação ao Big Bang (Companhia das Letras,
1997), do físico, astrônomo e escritor brasileiro Marcelo Gleiser. Veja
mais aqui e aqui.
A ARTE
DE PRISCILA ROXXO
A arte
da grafiteira, artista visual, militante feminista e ativista Priscila Roxxo. Veja mais aqui.
A POESIA DE AGLAÉ GIL
SUA CHUVA: Tenho sede / de
água de chuva / de lágrima sua / com todo o sal / que puder haver. / Me dê para beber / a água santa / da terra nua / e
eu, / profana, / mato a sede / com o que choveu / de você, / em mim.
Poema da
poeta e fotógrafa Aglaé Gil que é
autora do livro Memórias de uma fruta
madura (2015), é formada em Letras/Português e atua como revisora de
textos. Veja mais aqui.
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A ARTE DE LUCIANA ROCIO MALLON
A FLOR FUNCIONÁRIA TRABALHARÁ MAIS TEMPO PARA SE APOSENTAR: Era uma fez
uma flor chamada Gazânia / Que é esforçada, guerreira e nada ordinária / Como
ela sempre trabalhou oito horas por dia / Com sua alma batalhadora e espontânea
/ Esta flor recebeu o apelido de funcionária / Porém esta fama pode ser
momentânea / Seu marido é o delicado e forte cravo / Que um dia já foi um
sofrido escravo / Hoje os dois moram num jardim particular / Cada um tem uma
nobre parte no doce lar / O problema é que com a reforma da aposentadoria / Agora
a flor funcionária terá que trabalhar durante anos / Por isto ela ficará aberta
mais de oito horas por dia / Para realizar todos os seus sonhos e planos / Agora
talvez ela receba o apelido de escrava / Não por ser mulher de um escravo cravo
/ Ela trabalha no jardim e também em casa / Deixando seu marido todo confuso e
parvo.
Poema da
escritora Luciana do Rocio Mallon, que
é autora do livro Lendas Curitibanas
(2019), formada em Letras e atua como focalizadora do curso de Danças das Divas
de Cinema e Novelas, realçando a ligação entre Dança e Poesia. Veja mais aqui.
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