sexta-feira, julho 30, 2021

ATTILA JÓZSEF, DOSTOIEVSKI, LOUJAIN ALHATHLOUL, IZA COSTA & GENTIL PORTO FILHO

 

 

TRÍPTICO DQP – Más notícias do Fecamepa... - Ao som dos álbuns Mensageiro (2014) e O convertido (2013), do compositor, instrumentista, arranjador e violeiro Adelmo Arcoverde. – O Norte queima: aos cinquenta graus bafejam as águas quentes do império. O Sul congela e lá se vão estátuas que se dissolvem com o piscar de olhos ao primeiro raio solar. Estou de frente pro Leste e às minhas costoestes a mata é só carbono, não sei como será possível sobreviver, porque o meu país sucumbe à fraude Coisonária em plena festa do Fecamepa e a esperança é um pássaro extinto que, mesmo assim, teima em voar no meu coração entoando aquele verso escatológico do Jayme Griz. Quase me rendo ao desespero, não fosse a linda ativista saudita Loujain Alhathloul a me surpreender: Todos nós temos que perceber que criticar alguns fenômenos em nosso país não significa odiá-los, desejar o mal para eles, nem é uma tentativa de abalar seu equilíbrio, é o oposto total. Qualquer cidadão pode ficar chateado com alguns incidentes que ocorrem por aqui, mas isso é apenas um sinal direto do interesse na melhoria de seu próprio país e da esperança de vê-lo como um líder global. Continuo muito otimista quanto a um futuro brilhante para meu país e seus cidadãos. Eu vou vencer. Não imediatamente, mas definitivamente. Vê-la é o mesmo que ressuscitar num amanhecer ainda escuro. E não satisfeita, recitou-me Attila József: Quando nasci tinha uma faca na mão. / Dizem: é poesia. / Mas peguei na pena, melhor ainda que a faca. / Nasci para ser homem. / Alguém soluça uma felicidade apaixonada. / Dizem: é amor. / Chama-se ao teu seio, simplicidade das lágrimas! / Só contigo eu brinco. / Não recordo nada e também nada esqueço. / Dizem: como é possível? / O que deixo cair mantém-se sobre a terra. / Se o não encontro, tu o encontrarás. / A terra me aprisiona, o mar me dilacera. / Dizem: um dia morrerás. / Mas dizem-se tantas coisas a um homem / que nem sequer respondo. Assim, o seu beijo me tocou arrepiando a alma para, entre o verdadeiro e o escatológico, sonhar e fazer.

 


A solidão de Dostoievski – Imagem: arte da desenhista, pintora, professora e gravurista Iza Costa (1942-2021). – Não era eu, mas aquele a quem senti doer na pele o pai alcoólatra, a engenharia entediante, a enfermidade militar – precisava ser gente e deixara o exército para vê-lo assassinado. O único prêmio foi esbanjar a herança com a poesia de Puchkin, a prosa de Balzac, leituras de Fourier, e ouvir de Necrasov: Você sabe o que escreveu? Nem eu sabia, era só gente pobre, os mesmos dos contos d’O Dobro. Senti na pele a sua prisão por traição, condenado à morte. No local da execução, a sentença para ouvi-lo dizer: Não me restava mais que um minuto de vida! Ah, não! Mas, uma bandeira branca e a comutação da pena: trabalhos forçados na Sibéria - triturando pedras, carregando rochas, a epilepsia. As visões de quantos ali desencarnavam, outros enlouqueciam, as cicatrizes das lembranças. Havia Maria, sim, aquela que era Dimitrieva Isaieva, esperou por ela, a desilusão ao vê-la enviuvar: seria a chance de ser feliz, pensara, não era, um desgosto - era ela, o filho e o amante. Chegou a vez de Humilhados e ofendidos. Por remissão, o elogio de Tolstoi: Recordação da casa dos mortos. E o passeio do leão enjaulado pela tardia, com tantos episódios violentos e torturas íntimas no campo de batalha, os pesadelos patológicos e o intolerável sofrimento, o desespero pela salvação, a pobreza e o Livro de Jó, as almas aflitas, a revista censurada, o infortúnio e a perda de memória. Na solidão estava Polina abandonada e morta de fome. A salvação no jogo e lá se foi a esposa que não mais era, o irmão e a depressão: Vivo como um mendigo. Era a vez de O jogador e, depois, Crime e castigo. Não fosse a taquígrafa Ana, a que era Grigorieva Snitquin, jamais haveria a autobiografia lúgubre: Notas do inferno, cartas de além túmulo, o exílio dos credores. Precisava da terra, do seu chão para se salvar da doença sagrada e escrever a vida. O retorno e O idiota e, depois, Os possessos. Foi-se o primeiro filho, segurou como pode o segundo, o sentimento de culpa, os tormentos: base indispensável para O eterno marido e Os irmãos Karamazov. Parecia mais um fanático monge esfarrapado, e a hemorragia na vida lôbrega e desequilibrada: um extravagante contraditório, um intolerante com a indecência de dizer a verdade, as matérias da alma, as confissões, a incontinência verbal. Ouvi-lo dizer: Quanto mais gosto da humanidade em geral, menos aprecio as pessoas em particular, como indivíduos... Às vezes o homem prefere o sofrimento à paixão... A maior felicidade é quando a pessoa sabe por que é que é infeliz. Bem, com ele as inquietações: se Deus existe, não sei; só do amor entre todos! Um raio de Sol, a doença e a morte.

 


Seiscentos&sessenta&seis... – Só sei da vida e quando fui em Floresta pela primeira vez, nem era ainda o Eixo Leste da transposição do Velho Chico, vi na cabeça o navio e o dedo do poeta na única nuvem dos meus avós maternos que já se foram para nunca mais. Dez ou cinco anos atrás, nem lembro direito quando fui de novo e passeei pela margem direita do Pajeú, comendo tomate e melancia, ouvindo os lamentos dos praieiros que fugiam do meu rio no meio do sul da mata. Daquela nuvem eles riam porque eu estava noutra tarde da Pracinha do Diário e ali, o então profeta, começou a me dizer de pedra e de trivialidades por cima e por baixo doutras arestas e era como se eu para lá retornasse seiscentas e sessenta e seis milhões de vezes e soubesse da vidarte na caleidoscopia aplicada e o barulho da queda que vinha de lá do farol de Olinda e ficou como se dois olhos não lembrassem. Seiscentas e outras tantas vezes, meus avós no coração. Com isso tudo, então, segui a teia do Eclesiástico (Autor, 2021), o poemevangelho de Gentil Porto Filho: ... velozes de dia, lentos à noite / recordes de velocidade / recordes de luxúria / recordes de cochilo e insônia / vivendo para bater recordes / conforme as oportunidades / desrespeitando ciclos e estações / sem coordenadas xyt / casas de praia no campo / jangadas e cavalos a postos / horas e dias que passam / uma hora de dois dias / um dia de duas horas / ontem mesmo durou duas horas / hoje, dois dias / se eu fosse sincero, diria uma vida inteira etc... na última linha só me restava saudar o poeta e celebrá-lo desde o Livro Fechado, desdantes! A vida, apesar de tudo, o que nos cabe. Até mais ver.

 

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quinta-feira, julho 22, 2021

OSKAR GRAF, ERNA LENDVAI-DIRCKSEN, BRUNO PAES MANSO, BOSCO BRASIL & LUIS MENDONÇA

 

 

TRÍPTICO DQP – Notícias do Fecamepa: Da peste ao caos... - Ao som da The Brazilian Suite KPM-1071 (1970), de Rogério Duprat. – Desabou? Quase! Eita. Porqueira! É lamentável ver o país devastado e o Fecamepa no balanço festivo da desgraça. No olho do furacão, Coisonário se debate entre bravatas e petas sobre o morticínio de mais de meio milhão de vidas. Como não sabe ler direito, desconhece o que seja lista tríplice (que porra é essa) e reconduz o PostAras quebrando todos os protocolos. Ou melhor, caga na entrada de melar até a saída para as gadociatas nazifascistas, maior meladeiro todo dia e o dia todo. Para deixar seu filme cada vez mais chocho e pior que fiapinho de nada, o General Vice é enxotado de Angola na tentativa de salvar a diabólica UnEdir, enquanto a Amazônia e o resto de vivoverde é queimado para gozo do agronegócio e grileiros desalmados que insistem em extinguir de vez os indígenas, valha-me a desfortuna da rotônica! Além do mais, cada um dos seus desconfiáveis e indigestos ministros e colaboradores cometem cipoadas as mais cabeludas, contam-se aos borbotões do filadpuGuedes, da Doidamares, da esquisitagricultura TetêCricri e os outros desmiolados sabifalidos, que não enxergam seu capitão se afrouxado com as calças arriadas e de quatro pro inescrupuloso Kid Centrão: serão todos enrabados sem dó pelo gigantesco falo melado de areia do algoz; isso ele, as debuputadas e outros prosélitos. Afora isso, vão todos de cara lisa, porque eles nunca viram O interrogatório de Peter Weiss ou sequer leram uma linha que seja do livro A República das Milícias - Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro (Todavia, 2020), do cientista político Bruno Paes Manso. Enquanto isso, vão todos entre pipocos escandalosos de generais, salafrários e estúpidos, a coisa desanda a deixar a gente quase a não ver navio nem nada, só as estatísticas pandêmicas e dos desplantes. Eta Brasilzim véio, arrevirado e de porteira escancarada!

 


A urdidura labiríntica do amor e desfecho... - Imagem: a arte da fotógrafa alemã Erna Lendvai-Dircksen (1883–1962) – Os meus nos olhos dela, livros e desejos ocultos. Assim, lá e cá, ela e eu, tímidos e cautelosos, o cenário nada auspicioso. Se o país derretia, assim nossos corações e nenhum de nós previa onde tudo ia dar. Propositadamente ela sacava Emma Lazarus: Dai-me vossos pobres fatigados, / As multidões que por só respirarem livres zelam, / Resíduos miseráveis dos caminhos fervilhados. / Mandai-os a mim, desabrigados, que a minha vela / Os guiará, calmos, através dos portões dourados! E fechava com a frase da poeta: Até que sejamos todos livres, nenhum de nós é livre. À provocação dela eu respondia com o escritor alemão Oskar Maria Graf (1894-1967): Não mereci esta desonra! Com relação a toda minha vida e toda minha obra, tenho o direito de exigir que meus livros sejam lançados à chama pura da fogueira e não venham parar nas mãos sangrentas e nos cérebros podres dos bandos assassinos marrons. Não sabíamos, mas era como se estivéssemos no enredo d’O acidente, do dramaturgo Bosco Brasil: dois humildes funcionários criadores de uma ideia de cada um e moldando a suas vidas baseados nisso, até a festa do meu aniversário e ela chega, ficamos encurralados: era a paixão latente, a descoberta do idílio, a revelação das verdadeiras identidades e a nossa tragédia. Não era apenas: ...uma peça de cena única, com narrativa fechada, que se passa em tempo real, como dizia o autor, éramos nós desolados entre livros e segredos: nosso mundo está envolvido pelas dores da humanidade e de tudo que nos circunda. Ela não resiste e se vai, esse desfecho me levou à solidão e outra era a cena, a do Ilustríssimo Filho da Mãe, da Leilah Assumpção, depondo inconsolável à mãe ausente imaginária, todo meu desconsolo e fracasso, dúvidas e ressentimentos.

 


A festa popular do teatro... – Era preciso resistir e tomar outra direção. Assim fiz e me deparei com a ilustre arte do ator, dramaturgo, professor e diretor Luis Mendonça (1931-1995), o mesmo que iniciou lá pelos anos 1951 suas atividades teatrais com o Teatro do Estudante Secundário do Recife e que atuou no teatro, cinema e televisão. O maravilhoso da ideia dele era a defesa do teatro para o povo e com o povo, a exemplo da iniciativa com sua mãe, dona Sebastiana Mendonça, a Paixão de Jesus de Nova Jerusalém. A arte, para ele, era a salvação das pessoas. Tanto que em depoimento sobre a experiência do Teatro de Cultura Popular de Pernambuco, reproduzido na Arte em revista, ano 2 n. 3, 1964, dissera: Quase toda a cidade do Recife era servida por Centros e Praças de Cultura, além de 8 Centros Educativos Operários com teatros aparelhados e construídos desde os idos do Estado Novo... A festa... não houve. Foi o maior 1º de abril dos que lutavam no Teatro de Cultura Popular. Era porque ele integrava o MCP, ao lado de Paulo Freire, Hermilo, Abelardo e Ariano, que foi assaltado pelo golpe de 1964, o exílio no Rio de Janeiro. Aí montou Viva o cordão encarnado, de Luiz Marinho, tornando-se a partir de então, arte-educador, ao mesmo tempo em que colocava em cena figuras como Wilker, Tânia Alves e Elke Maravilha, encenando Vital Santos, Osman Lins e Brecht, entre outros. Noutro momento, ele depôs: Os teatros, principalmente os municipais, com toda a sua ostentação, são verdadeiros espantalhos para o público. É difícil levar o povo ao teatro; tem que se levar o teatro ao povo. Além disso, na rua ou no campo, o público é desconfiado. É preciso que organizações de classe ou bairro o levem ou lhe recomendem. Mas, se o teatro for bem feito, o público fica grato e o aplaude. E chegou o espetáculo Auréola, com elenco formado por jovens oriundos da Varginha, interpretando a cena de anjos que desciam à Terra para coroar uma santa, mas que decidem coroar o busto de um traficante morto a tiros, um Robin Hood tupiniquim. Já havia evidenciado que: O importante é assinalar que é preciso partir suas circunstâncias, descer até ele para fazê-lo subir, gradativamente, até a assimilação do que lhe quisermos dar. E dar como teatro, como diversão, como espetáculo; do contrário, engajado ou não, mesmo que fale de coisas que lhe digam respeito, ele não o aceita. Foi com essa garra que dirigiu vários grupos, entre os quais o Teatro de Cultura Popular de Pernambuco, cuja importante experiência transmitiu em depoimento veiculado na Revista da Civilização Brasileira: Teatro e Realidade Brasileira. O que me fez ainda mais feliz foi saber que a sua trajetória instigante foi reunida na obra Luiz Mendonça: teatro é festa para o povo (FCCR, 2005), de Luis e Carlos Reis. Até mais ver.

 

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quarta-feira, julho 21, 2021

MICHAEL CONNELLY, NATALIA OSIPOVA, AMANDA VIEIRA, JORGE GARCIA, A DONZELA & A BAILARIA MORTAL

 

 

TRÍPTICO DQP – A donzela mágica... - Ao som Le Cygne – The SwanLe carnaval des animaux, de Camille Saint-Saëns, na interpretação de Han-Na Chang & Philharmonia Orchestra, conductor Leonard Slatkin & solo The Dying Swan da bailarina russa Natalia Osipova. - Lá estava ela jogada nas pedrarias da ilha do mar de Amadis de Gaula. Não sabia se ferida ou machucada ao pé do penhasco escarpado e árido da imensa altura de tocar as nuvens, acho. Estava desacordada e fiquei sem saber o que fazer. Toquei-lhe o pulso, ainda viva. Vi que tremiam suas pálpebras e lábios, um vago movimento na perna direita, um incerto tatear da mão esquerda tocou-me e afaguei seu braço e a deitei em meu peito alisando seus cabelos. Um sussurro dolorido e se ajeitou em mim, beijei-lhe os cabelos e ali fiquei cuidando dela não sei por quanto tempo. Abriu os olhos, expôs sua boca sedutora e beijou-me como se pedisse socorro. Correspondi ao beijo e a abriguei em meus braços a noite inteira até ao amanhecer. Ela tentou se recompor e despertou sem noção de nada, fitou-me seriamente e me contou que era a filha do mágico de Argos, Finetor, e se chamava Oriana. Versada em necromancia, vivia ali toda a sua vida e sua diversão era acompanhar a passagem de numerosos barcos que vinham ou iam para Irlanda ou Noruega e delas, por artes da magia, atrair os homens para roubar-lhes as cargas, aprisionar os cavaleiros a bordo, provocando-os a lutarem entre si até se matarem. Certa feita, entre os cavaleiros havia um oriundo de Creta, por quem ela apaixonou-se perdidamente. Deu-lhe tudo em troca do seu amor e ele fingiu amá-la, familiarizando-se c0m seus encantamentos até que, um dia, ele inclinou-se no alto do rochedo fingindo abraçá-la, jogou-a da varanda de sua esplêndida mansão. Ali estava. O que ele fez? Libertou todos os prisioneiros e levou consigo muitos tesouros dela, só não conseguindo levar nada da sala mais rica do castelo por causa do encantamento. Ouvi atento a tudo que contara e perguntei como poderia sair dali, respondeu-me que a paragem mais próxima estava a uns seis dias de viagem, a ilha da Torre Escarlate. Vi-a distante, sabia do que dissera o escritor estadunidense Michael Connelly: Eu vejo as pessoas de duas maneiras. Eles são pessoas olho-por-olho ou vira-a-cara. Não importava que guerra fosse travada, voltar para casa era outra batalha. Não há nada que você possa fazer sobre o passado, exceto mantê-lo lá. O que é importante não é o que você ouve dizer, mas o que você observa. E fiquei ali calado, fitando seus gestos e contemplações. Por fim, ofereceu-me por presente e gratidão tudo que houvesse na sala encantada do seu palácio, e me fez seguir o caminho de subida, livrando-me das serpentas e outras criaturas terríveis que hibernavam ao redor da porta da câmara, a qual possui painéis com letras de cor sanguínea, uma escrita misteriosa que contém o nome do cavaleiro destinado a entrar na sala depois de retirar a espada presa na maçaneta. Tudo me contou e agradeci, mas disse-lhe não me interessava riquezas, mas levá-la aos seus aposentos. Subimos o íngreme caminho e nos deparamos com a porta: lá estava inscrito o meu nome. Ela sorriu com um abraço afetuoso, eu tinha que voltar.

 


A bailarina mortal... - Ao retornar reencontrei o meu mundo e não seria fácil sobreviver. Pouco tempo depois ela reapareceu familiar com um verso da Conceição Evaristo: O que os livros escondem, / as palavras ditas libertam. / E não há quem ponha / um ponto-final na história… Estava mais deslumbrante que antes, lívida e estonteante. Não havia há como saber se era setembro de antanho ou fevereiro dagora, só que parecia tão atordoante como um mal que vinha de longe e com muitos nomes, a bordo de um navio e a dizer: salve-se quem puder. Sorria muito e encantadoramente. Logo quando a vi me veio a sensação de um verso de Fernando Pessoa: Ah, o horror de morrer! / E encontrar o mistério frente a frente / Sem poder evitá-lo, sem poder… Era como se ela me levasse por uma dança acasaladora, na qual perdia a memória e a identidade. Ao sobreviver o redemoinho de sua entrega, logo constatei que o Recife estava acometido de uma tanatomorbia e era ela dançando solta com todos os santos, uma espanholada sobre o salubre e a borracha, sem poupar mascarados no seu carnaval. Ela onde chegasse parava tudo a desnudar o precário em seu massacre. E ali José Miguel Wisnik denunciasse: Real é aquilo que não dá para não ver, mesmo que seja invisível, como um vírus. E era. Tudo muito confuso: mortes, noticiário, disputas e negacionismo faziam a festa da hecatombe no embuste da oferta de curas milagrosas: estávamos todos à sua mercê a ponto de não se saber se era o século passado ou o presente, não fosse a denúncia de Lilia Schwarcz e Heloisa Murgel Starling e quase ninguém ouvia encantado com o espetáculo. Ao ver-me assustado Lilia contou do espetáculo das raças com as barbas do imperador e o triste visionário Lima Barreto. Heloisa, por sua vez, segurou minhas mãos trêmulas e me falou dos senhores gerais, das lembranças do Brasil e dos impasses contemporâneos, dialogando com Lilia sobre a biografia do nosso chão. Eu entendia tudo e quase desentendia de nada, o que sabia é que era uma guerra, uma guerra igual a de ontem e confuso se a primeira, segunda ou sabe-se lá, todo dia aqui é uma guerra e que milhões de pessoas são ceifadas. E ela era a bailarina mortal, imensa, pandêmica. E tudo me levava a crer que se não fosse possível lembrar o que ocorreu durante os mais diversos períodos históricos, não havia outra coisa a fazer, repetir tudo seria a condenação.

 


A dança da cidade... Imagem: a bailarina Amanda Vieira, do Bolshoi Brasil na Companhia da Ópera de Dortmund: Sempre esperei o momento em que eu pudesse viver e me sustentar apenas da dança, e esse momento finalmente chegou! – Nem sabia direito, mas ela me salvou não sei como. Sei que a cidade era a mesma e era outro momento de carnaval perdido e todos mascarados, eu, ela, muitos. Os seus olhos apreensivos me levaram ao coreógrafo e bailarino Jorge Garcia, tão inquieto quanto nós, entre a Cisne Negro, o GRUA e o Balé de São Paulo, num performático improviso, a me contar de Marie van Goethem, e eu nem sabia se tratar da pequena em perpétua quarta posição do balé de Degas e do Little Dancer Aged Fourteen de Camille Laurens. Sim e... Se o pintor, como dissera: encerrei meu coração numa sapatilha de cetim cor-de-rosa, e a sua musa virou um fantasma sem história, para nós era mais que magia pura o que vivíamos na alma do Recife: a dor é que era nossa. Diferente da musa que desaparecera sem deixar nenhum rastro, para onde quer que eu vá, a cidade enche meu coração de esperança por todas as paragens distantes e perdidas. Até mais ver.

 

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terça-feira, julho 20, 2021

REICH, ALEKSANDR SOKUROV, SIBEL KEKILLI & NUCA DE TRACUNHAÉM

 

 

TRÍPTICO DQP – Quem dera o seio materno... - Ao som de Pace, pace mio dio, da ópera La forza del destino (1835 – Sony, 2004), de Giuseppe Verdi, na interpretação da soprano italiana Anna Caterina Antonacci,. – Do outro lado do rio a paisagem idílica da mata enevoada, entre o visível e invisível, a tarde suave e transparente na dissonância da vida, o tempo escorria na existência e eu não sabia, memento mori. O braço da ama-seca me levava pela beirada e das águas os peixes seguiam nossos passos: era a infância envolvida numa camada de algodão, não poderia jamais ser um conto de fadas, nem de heróis. Tudo se parecia com as pinturas de Caspar David Friedrich. A saudade da mãe presente estava em todos os momentos, sobretudo no momento de folganças entre madrinhas, tias e achegadas. Ela distante, como sempre. E eu me via hoje na sua ausência eterna, como nas cenas de Mother and Son (Mat i syn - 1997), de Aleksandr Sokurov. Em mim o véu dissolvia a bolha em que tudo fracassou ou foi abortado no meio das ruínas que a turbulência adolescente jamais conseguira perceber, só na nebulosa dos horrores recônditos, o sigilo ameaçador e o desamparo da promessa não cumprida. O reencontro com o improvável útero em perigo nas andanças da eterna primavera e o interstício para a queda outonal que viria depois, antes de renascer e na hora errada, era a nossa história de amor com profundos laços emocionais, a pietá reversa, e nunca nos vimos reclinados sobre o silêncio de nossas distâncias, ela sempre exausta. Nunca penteei seus cabelos, nem alimentei sua fome, muito menos a cobri com um casaco nem a tomei em meus braços, eu que fui dependente de toda sua dedicação, mas nunca ouvi falar de amor, porque estávamos isolados por um céu de chumbo. Foi por isso que nunca voltei para casa depois da minha longa caminhada e só me restou o choro e a sentimento de falta. Eu ouvia sua voz no vazio de nosso encontro silencioso como se me recitasse um verso de Erik Axel Karlfeldt: ...tudo está esperando aqui, guardado a salvo por ti, ano após ano, Lindas canções aos milhares; Onde você esteve, onde, onde? Nem eu sabia onde estive nem para onde vou, sei que voo...

 


Contra a parede – Desamparado de sempre, seguia. Quase nem vi quando ela surgiu como se fosse a suicida Sibel do drama Gegen die Wand (2004), escrito e dirigido por Fatij Akm. O que sei é que era linda, muito linda, a linda atriz turco-alemã Sibel Kekilli, para salvar minha existência perdida de bar em bar. A salvação duma muçulmana na minha solidão: não havia esperança alguma. Não havia clínica de recuperação e ela fugia da opressão familiar conservadora. E nos amamos até perdermos o controle, loucuras de amor ao chuveiro, a noite desencontrada, as manhãs torrenciais, o amor se precipitava porque ela gritava como se fosse o Zé-Ninguém de Reich: Um protesto contra os desígnios secretos e ignotos da peste emocional que, bem entrincheirada e em segurança, vem capciosamente envenenando o investigador honesto e estrênuo com suas setas ervadas... Dão-te o futuro, mas não te perguntam pelo passado. Tu és herdeiro de um passado terrível! E eu ouvia seus gritos e morríamos juntos como se nada mais restasse. O que seria de nós depois disso tudo, não sei, jamais saberia: a sua estrada perdeu a minha e sequer sei por onde vai.

 


Mestre Nuca... – Até que me vi só novamente e sempre. Não fosse a surpresa de dar de cara com Nuca dos Leões... sim, a arte do artesão ceramista Mestre Nuca de Tracunhaém (Manoel Borges da Silva – 1937-2014), e reviver a infância como se fosse aquele do engenho Pedra Furada de Nazaré da Mata, eu do outro lado, ainda criança levada para cidade sem descobrir seu oficio: ainda menino já fazia suas esculturas de cerâmica para vender na feira. Enquanto eu só brincava com os presentes que me trazia o avô, enrolando mané-gostoso, pipas, boi de barro, cavalo de pau, brinquedos tantos que me fez dizer do estalo da esposa Maria: O leão é meu. O cabelo é dela. Havia tudo para reviver a infância perdida na herança que ele deixou pros seus filhos artesões, Marco de Nuca e José Guilherme. Eu nem pudera demorar no sonho, havia muito por fazer rua estrada afora, onde nem sempre é possível chegar. Até mais ver.

 

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segunda-feira, julho 19, 2021

ANNE ASKEW, ESPIDO FREIRE, ARTHUR MOREIRA LIMA, CAMILA ROSA & MACIEL MELO

 

 

TRÍPTICO DQP – Notícias do Fecamepa... - Ao som Artur Moreira Lima interpreta Ernesto Nazareth (vols. 1 e 2, 1975), na interpretação do pianista Arthur Moreira Lima. - Tó Zeca era tampa! Viesse pra cima dele com lorota, ele destabocava peteando dobrado! Contasse não, só saía pinoia raçuda. Muitas dele passaram a fazer parte dos anais do anedotário, como a da domesticação de uma baleia-azul braba no Rio Una; dos murros nos maiores monstros, tudo servil dele no Riacho dos Cachorros; da peixa do açude, do namoro com todas as beldades das capas de revista, afora picadas homéricas em marcianas, venusianas, plutônicas e outras ETs; enfim, se parecia apologia, todos esperavam: Não é mentira não! E nenhuma façanha era repetida, tinha sempre uma cabeluda nova para impressionar e deixar todo mundo de queixo caído e sem dar um pio escondendo o riso. Sim, todo mundo sabia, ele não fazia mal a ninguém, nenhum morto nem matado, sequer prejuízos: todos sabiam que era potoca, nada demais. Mas para nossa infelicidade apareceu um concorrente à altura: o mico Coisonário, aí lascou tudo: cada uma que ele fala, arreia um; até agora matou mais de quinhentos mil e dá pra muito mais! Virou geral: esse mente que o cu apita. E na maior cara de pau! Já aí, todo mundo agora está evitando o cara: será o coisa-ruim metido a messias? Dizem: se não for é aparentado! Destá. E o Tó Zeca? Parece que se envultou: ninguém sabe, ninguém mais viu. Não deu outra, só Ievguêni Ievtuchenko: Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio é uma mentira. A autobiografia de um poeta é sua poesia. Qualquer outra coisa pode ser apenas uma nota de rodapé. Será o Fecamepa?

 


Dois passos na roda letal... - Imagem: arte da ilustradora Camila Rosa. - Maior farra no Gado-Bravo! Arrastado de pé, converseiro, compadrio, risadagens: tudo família. Lá pras tantas, o genro João Grande do Poço-Doce se estranhou com a sogra Marita e passou-lhe uma peixeirada lá no pé do umbigo dela, das tripas caírem fora. O sogro Inaçantonho ficou sem ação de nem ver a escapulida do indigitado. Seis testemunhas pinguças depuseram: provada a autoria, o réu foi pronunciado e libelado depois de réplicas e tréplicas no tribunal do júri, sentença transitada em julgado pelo douto julgador: condenado a galés perpétuas e nas custas! Tudo registrado no volume de Inocentes e culpados no Tribunal do Júri de São Bento: síntese história do homicídio 1818-1930 (CEGM/FIAM, 1986), do Sebastião Soares Cintra, autor de outros livros como Os Cintra de São Bento (CEPE, 1983) e do de poesias Cozes de Bentuna (Grafset, 1986). Sim, mas do caso, um dos comentários entre os assistentes: Esse lascou-se, sogra é pra isso mesmo! Três senhoras ouviram e se aproximaram, fiquei de mutuca. A primeira, era a jornalista, socióloga e ativista estadunidense Ida Wells (1862-1931): A maneira de corrigir os erros é direcionar a luz da verdade sobre eles. É melhor morrer lutando contra a injustiça do que morrer como um cachorro ou um rato em uma armadilha. Fiz um gesto com a cabeça, concordando. Em seguida, a escritora espanhola Espido Freire: Não sou daquelas que dizem: 'se eu nascesse de novo, faria o mesmo de novo. Não eu não. Eu estive errada muito. Julguei mal muitas pessoas. Ao seu lado, a poeta inglesa Anne Askew (1520-1546) recitou-me o poema Eu sou uma pobre cega, e disse-me repetindo: Deus me deu o pão da adversidade e a água da angústia. Sim, eu sabia que ela havia sido torturada no cavalete da Torre de Londres, condenada por heresia e queimada viva por causa do divórcio e por ser feminista. A execução teve um detalhe: o carrasco subornado por uma amiga dela, colocou pólvora amarrada ao seu pescoço; ao acender a fogueira, a explosão. Ainda hoje, lamentavelmente.

 


Mudando de assunto... - Estava eu na redação da emissora e recebi naquela tarde um telefonema do parceiramigo Santanna o Cantador. Sim? Marcava pra gente se encontrar na praça, final da tarde. Combinado, assim foi. Chegando lá, tive a grata satisfação de conhecer um poeta cantador do Iguaraci e dos bons, Maciel Melo. Sequer tinha ouvido seu nome, mas não deixei por menos: conversamos, trocamos ideias e rumamos para um bar ali perto. Violão para lá e para cá, lá para as tantas, ele me deu o álbum Desafio das léguas (1989), com participações de Elomar, Vital Farias e Décio Marques. Gente, ouvi na hora, bom demais. Fiquei empolgado e gravamos uma entrevista, viramos a noite bebericando e, no domingo de tarde, emplaquei destaque no meu programa radiofônico Panorama. Um sucesso! Foi aí que soube que ele já tinha música gravada pelo Quinteto Violado e a música Que nem vem vem estava de vento em popa, gravada por Elba Ramalho. A partir disso, nunca mais vi pessoalmente este grande autor, mas nas emissoras onde passei e por todos os meus programas fiz questão de sapecar seus álbuns na programação: Alegria de Nós Dois (1995), Janelas (1996), Retinas (1997), Jeito Maroto (1998), Sina de Cantador (1998), Isso Vale um Abraço (2000), Acelerando o Coração (2001), O Solado da Chinela (2002), Dê Cá um Cheiro (2005), Nascente (2006), o CD/DVD ao Vivo no Teatro Guararapes (2008), Sem Ouro e Sem Mágoa (2009) e Debaixo do Meu Chapéu (2010). Ainda hoje vou na maior cantarolada do Caboco sonhador! E vamos aprumar a conversa, até mais ver.

 

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quinta-feira, julho 15, 2021

ARTAUD, JOHN UPDIKE, PETRA COLLINS & BARBOSA LIMA SOBRINHO

 

 

TRÍPTICO DQP – O reino do imaginário - Ao som de An imaginary landscape, for orchestra (1971), do compositor britânico Harrison Birtwistle, com a BBC Symphony Orchestra, regência Paul Daniel.Não tenho a mínima ideia de como cheguei ao cenário. Sei que estava diante de um palco e era eu, ou melhor, o meu duplo em cena apresentando o primeiro manifesto da crueldade de Artaud. Não só. Também trechos dos Escritos de um louco e as aspirações anarquistas, porque havia queimado todos os versos para se tornar o poeta sem palavras. Mais ainda: do neutro feminino masculino nas delirantes internações por manicômios com tratamentos duvidosos, entre eletrochoques para perder o último dente que restava na boca, fratura das costelas e perda intermitente da memória, pensamento e corpo. E a voz era o gesto e ato: tremia, cavava, batia, espetava, agia. Era a manifestação da poesia e o exercício da técnica teatral no meio da guerra, do isolamento, do rebaixamento, da dependência desumana de um hospital psiquiátrico. Era para acabar com o juízo de Deus e da perda de si, diante de Van Gogh, o suicidado da sociedade. Afora trechos da linguagem e vida, de Heliogábalo ou o anarquista coroado, de textos surrealistas, dos Tarahumaras, da correspondência com Jacques Rivière e Aqui jaz. Ao final, os presentes aplaudiram a performance. Meio que desconfortável com aquilo tudo, olhei ao redor e vi o autor que veio, sentou-se ao meu lado e me disse do Nouveaux Ecrits de Rodez (Editorial Fundamentos, 1980): ... E assim é que a vida atual, por mais delirante que possa parecer esta afirmação, mantém sua velha atmosfera de depravação, anarquia, desordem, delírio, perturbação, loucura crônica, inércia burguesa, anomalia psíquica (pois não é o homem, mas sim o mundo que se tornou anormal), proposital desonestidade e notória hipocrisia, absoluto desprezo por tudo que tem uma linhagem e reivindicação de uma ordem inteiramente baseada no cumprimento de uma primitiva injustiça; em suma, de crime organizado. Olhei-o e tudo fazia para não perder a lucidez: Não quero que ninguém ignore meus gritos de dor e quero que eles sejam ouvidos. Afinal, estava recluso no quarto de Ivry-sur-Seine e o peyote no corpo sem órgãos: mímica, gritos e onomatopeias: ... de todo o modo, é preciso que essas chaves estejam aí, e isso nos diz respeito. De repente a luz apagou-se e era o meu país revolvendo as minhas entranhas como se a vida à deriva na imensidão sideral.

 


Das coisas do Brazil...- Com o retorno do fornecimento da energia elétrica, era outra pessoa sentada ao meu lado: o John Updike. Ele me sorriu e passou a mão um volume com o título Brazil: a novel (Orbis Fabri, 1994) e uma página com grifos no trecho: O Brasil tem poucos líderes; os portugueses não trouxeram a mesma disciplina e austeridade que os espanhóis. Até nós não fomos cruéis com eles, fomos somente brutais, sem dizer que éramos demasiados folgados para termos ideologia. A igreja foi demasiado indulgente e havia que os conventos eram bordeis. Esta era a síntese, a maneira de um professor ao que havia naquele tempo, a lição que havia dado no avião... Ao terminar de ler o trecho, virei-me para ele que deu de ombros e disse apenas tratar-se de uma versão abrasileirada de Tristão & Isolda nos anos 1960 a 1980, na verdade 22 anos de relacionamento entre uma jovem branca da classe alta e um jovem favelado de cor: privações, violências, cativeiro e reviravoltas da fortuna. Não entendi bem o que queria dizer com isso, mas não questionei, disse-lhe apenas que leria seu livro, a exemplo de outras das suas publicações. Despediu-se sorridente com uma frase: Os sonhos tornam-se realidade. Sem essa possibilidade, a natureza não nos incentivaria a tê-los. Do que me resta disso tudo são interrogações as quais não posso perder tempo em decifrá-las. Apenas me levantei e segui tentando encontrar o caminho de volta.

 


Quem se fantasia tem o direito de escolher o disfarce... - Imagem: arte da fotógrafa, modelo e artista visual canadense Petra Collins – A saída dali foi um tanto atrapalhada. Ao descer a escadaria do salão, havia muito gente dificultando o meu trajeto. Era que o memorável Barbosa Lima Sobrinho estava contando uma de suas histórias. Foi uma surpresa agradável porque dele já registrei Por amor às crianças pernambucanas e outro a respeito da Revolução Praieira. Desta feita, era um relato registrado do conto A supremacia feminina (Escrituras, 2007), no qual ele foi instado por um desses sujeitos do tipo “de Bem” que invadiu as dependências da redação e aboletou-se na sua frente para sapecar: Eu estava parado diante da Galeria Cruzeiro quando passou um cordão, um grupo de moças encantadoras. Lembravam-me as carnavalescas de outrora, promotoras da hegemonia do Brasil no continente. Considerei-as, por isso, cuidadosamente e descobri, entre elas, uma que era toda feita de graciosidade e sedução. Resolvi acompanhá-la, no desejo de verificar se merecia, da Liga dos bons costumes, a medalha de honra, prêmio de benemerência excepcional. Juro que era formosa e tinha a pele fina, olhos lânguidos e sorriso diabólico, um sorriso que descobria dentes alvíssimos e uma ânsia enorme de pecado. Movia-se o corpo flexuosamente; e os braços tinham contornos de que se adivinhava a suavidade; o colo fazia pensar em vertigens ardentes... Acompanhei-a duas horas, marcando sobre asfalto e paralelepípedo, sobre calçada e areia. Em toda a minha vida, nunca tinha visto jogo mais harmonioso de quadris! Quando lhe indaguei o nome, para inscrição no livro benemérito a que a Liga dos bons costumes desse homenagem... Ah! Água! Água! Que eu morro! (?!?) ...- Joãozinho La Garçonne! As gargalhadas soaram por todo ambiente folgando a passagem para que eu ganhasse a rua ainda com essa história ecoando no juízo para trazê-la aqui. Coisas do Brasil. Até mais ver.

 

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