terça-feira, julho 20, 2021

REICH, ALEKSANDR SOKUROV, SIBEL KEKILLI & NUCA DE TRACUNHAÉM

 

 

TRÍPTICO DQP – Quem dera o seio materno... - Ao som de Pace, pace mio dio, da ópera La forza del destino (1835 – Sony, 2004), de Giuseppe Verdi, na interpretação da soprano italiana Anna Caterina Antonacci,. – Do outro lado do rio a paisagem idílica da mata enevoada, entre o visível e invisível, a tarde suave e transparente na dissonância da vida, o tempo escorria na existência e eu não sabia, memento mori. O braço da ama-seca me levava pela beirada e das águas os peixes seguiam nossos passos: era a infância envolvida numa camada de algodão, não poderia jamais ser um conto de fadas, nem de heróis. Tudo se parecia com as pinturas de Caspar David Friedrich. A saudade da mãe presente estava em todos os momentos, sobretudo no momento de folganças entre madrinhas, tias e achegadas. Ela distante, como sempre. E eu me via hoje na sua ausência eterna, como nas cenas de Mother and Son (Mat i syn - 1997), de Aleksandr Sokurov. Em mim o véu dissolvia a bolha em que tudo fracassou ou foi abortado no meio das ruínas que a turbulência adolescente jamais conseguira perceber, só na nebulosa dos horrores recônditos, o sigilo ameaçador e o desamparo da promessa não cumprida. O reencontro com o improvável útero em perigo nas andanças da eterna primavera e o interstício para a queda outonal que viria depois, antes de renascer e na hora errada, era a nossa história de amor com profundos laços emocionais, a pietá reversa, e nunca nos vimos reclinados sobre o silêncio de nossas distâncias, ela sempre exausta. Nunca penteei seus cabelos, nem alimentei sua fome, muito menos a cobri com um casaco nem a tomei em meus braços, eu que fui dependente de toda sua dedicação, mas nunca ouvi falar de amor, porque estávamos isolados por um céu de chumbo. Foi por isso que nunca voltei para casa depois da minha longa caminhada e só me restou o choro e a sentimento de falta. Eu ouvia sua voz no vazio de nosso encontro silencioso como se me recitasse um verso de Erik Axel Karlfeldt: ...tudo está esperando aqui, guardado a salvo por ti, ano após ano, Lindas canções aos milhares; Onde você esteve, onde, onde? Nem eu sabia onde estive nem para onde vou, sei que voo...

 


Contra a parede – Desamparado de sempre, seguia. Quase nem vi quando ela surgiu como se fosse a suicida Sibel do drama Gegen die Wand (2004), escrito e dirigido por Fatij Akm. O que sei é que era linda, muito linda, a linda atriz turco-alemã Sibel Kekilli, para salvar minha existência perdida de bar em bar. A salvação duma muçulmana na minha solidão: não havia esperança alguma. Não havia clínica de recuperação e ela fugia da opressão familiar conservadora. E nos amamos até perdermos o controle, loucuras de amor ao chuveiro, a noite desencontrada, as manhãs torrenciais, o amor se precipitava porque ela gritava como se fosse o Zé-Ninguém de Reich: Um protesto contra os desígnios secretos e ignotos da peste emocional que, bem entrincheirada e em segurança, vem capciosamente envenenando o investigador honesto e estrênuo com suas setas ervadas... Dão-te o futuro, mas não te perguntam pelo passado. Tu és herdeiro de um passado terrível! E eu ouvia seus gritos e morríamos juntos como se nada mais restasse. O que seria de nós depois disso tudo, não sei, jamais saberia: a sua estrada perdeu a minha e sequer sei por onde vai.

 


Mestre Nuca... – Até que me vi só novamente e sempre. Não fosse a surpresa de dar de cara com Nuca dos Leões... sim, a arte do artesão ceramista Mestre Nuca de Tracunhaém (Manoel Borges da Silva – 1937-2014), e reviver a infância como se fosse aquele do engenho Pedra Furada de Nazaré da Mata, eu do outro lado, ainda criança levada para cidade sem descobrir seu oficio: ainda menino já fazia suas esculturas de cerâmica para vender na feira. Enquanto eu só brincava com os presentes que me trazia o avô, enrolando mané-gostoso, pipas, boi de barro, cavalo de pau, brinquedos tantos que me fez dizer do estalo da esposa Maria: O leão é meu. O cabelo é dela. Havia tudo para reviver a infância perdida na herança que ele deixou pros seus filhos artesões, Marco de Nuca e José Guilherme. Eu nem pudera demorar no sonho, havia muito por fazer rua estrada afora, onde nem sempre é possível chegar. Até mais ver.

 

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