segunda-feira, setembro 30, 2024

MARIA RAKHMANINOVA, ELENA DE ROO, TATIANA LEVY, ABELARDO DA HORA & ABYA YALA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Triphase (2008), Empreintes (2010), Yôkaï (2012), Circles (2016), Fables of Shwedagon (2018), Bright Shadows (2019), Sama (2020), Circles Live (2021) e S.H.A.M.A.N.E.S (2022), da baterista e compositora francesa Anne Paceo.

 

Poema das estrelas noite afora... – Sou a inquietude das águas e recolho a poesia sorridente das estrelas na boca da noite. Tudo é tão diferente ao meu redor: agora persistem séculos esquecidos e quase desconheço a festa pelo alarido da tragédia. Tudo é tão distante e quase não há outro lado depois da descoberta. Prossigo, quem sabe onde possa respirar tranquilo, com meu cambalear claudicante às passadas nos ponteiros de relógios invisíveis e a marcação da vitalidade à decadência dos dias pela dança das ruínas do futuro, pelos escombros do passado, porque o presente tornou-se um gatilho imprevisível. As mensagens da má notícia propagam o tiro no alvo da sorte: o sangue escorreu no Barro Branco. O que são crianças pedintes e adultos estirados pelos semáforos da hora... Nenhuma violência se justifica: o lamentável expediente da guerra! Onde há ganância, a vida estrangulada. A zoada dos que querem chamar toda atenção, só aleivosia e escárnio; e nada é mais importante que a grana acumulando posses e sonhos nos meios suntuosos da soberba: o coração vive apenas do decote e o servilismo pro abuso, todos querem a vida do outro pra si. Meus olhos se foram com as lágrimas; minhas mãos, com o que perdi; meus pés, no que andei; e meu coração não tinha para onde ir porque meu corpo sacrificado sequer soube se haveria depois. O amor não se explica e escuto os sussurros da alma de todos que sou. Outros clamores ecoam insones: estão tão longe e os sinto ainda aqui bem perto. Um só segundo vale a vida inteira: apenas uma vírgula antes do silêncio. Até mais ver.

 

Malika Mokeddem: Eu acho que não há nada verdadeiro além de misturas. Todo o resto é hipocrisia e ignorância... Veja mais aqui.

Annie Leibovitz: Todos nós pegamos o que nos é dado e usamos as partes de nós mesmos que alimentam o trabalho... É um passaporte para pessoas, lugares e possibilidades... Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

Stella Stevens: Fiz o melhor que pude com as ferramentas que tinha e as oportunidades que me foram dadas... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

MEU TIPO DE DIA: Eu gosto de um dia com um apito ventoso \ que arranca suas palavras uma rajada tempestuosa \ de um dia que golpeia, \ empurra e grita em seu rosto \ Um com uma explosão gelada para chicotear e picar \ suas bochechas que derruba, \ tropeça e trapaceia empurrando você \ para trás como um scrum de rúgbi \ Então grita por trás rugindo um vendaval \ chamando seu nome enquanto você corre, corre, corre \ com um mergulho para a linha.

PALAVRAS: Algumas palavras são simplesmente agradáveis \ como manteiga de maçã verde e gelo de limão azul \ ou travesseiros macios e musgosos \ por salgueiros sussurrantes e árvores de tamarindo \ em uma brisa quente de verão \ elas cantam na sua língua \ sem razão para ser algumas palavras \ apenas zumbem como o gato no seu joelho.

Poemas da premiada escritora neozelandesa Elena de Roo.

 

VISTA CHINESA - [...] A parte que tinha morrido era o meu corpo, e o meu corpo era o que estava mais vivo, gritando com a boca escancarada, os dentes à mostra. [...] Naquele momento em que quase morri, eu morri. [...] É desesperador quando a palavra não cola na imagem. Toda fenda é exasperante, mas esta dói no corpo. Eu tenho vontade de sair gritando, por favor, me deem a palavra certa, aí alguém diz, não existe, as palavras certas nunca existem, mas eu não acredito nisso, eu acho que para toda coisa existe uma palavra certa e se a gente falar falar falar uma hora a gente encontra. [...] Eu precisava tanto da presença das pessoas como da ausência delas. [...] Nunca vamos saber o que a vida teria sido se não fosse o que é. [...] Ouvi o silêncio, o deles e o meu. A certeza de que, por mais que eu falasse, nunca conseguiria expressar o turbilhão que havia dentro de mim, me trouxe também a certeza da solidão. A certeza de que somos sozinhos, não só eu, todos nós. [...] A loucura chega de uma vez ou vai chegando aos poucos?, isso é uma coisa que eu nunca entendi, se o louco nasce louco, se vira louco de um dia para outro ou se vai aos poucos virando louco, e quando é que a gente percebe que está ficando louca, ou que está quase lá, ou será que a gente nunca percebe, se a gente pergunta é porque ainda não é louca, eu me pergunto todos os dias se enlouqueci ou se estou enlouquecendo. [...]. Trechos extraídos da obra Vista Chinesa (Todavia, 2021), da escritora portuguesa Tatiana Salem Levy.

 

DENÚNCIA DA TRADIÇÃO ANTIGA - [...] Na manhã de 24 de fevereiro, o dia em que a guerra começou, fui trabalhar como de costume. Naquele dia, eu deveria dar uma palestra sobre estética. Entrei no auditório e percebi que simplesmente não conseguia respirar. Não conseguia dar uma aula — pela primeira vez em 15 anos. Ficou claro que nenhum dos estudantes sabia de nada ainda. A maioria deles, infelizmente, não lê mídia independente. Eu me dirigi ao público: 'Caros colegas, infelizmente, hoje é um dia terrível.' Eu disse a eles em termos gerais o que eu sabia. As quatro primeiras fileiras da plateia choraram. Aquela palestra acabou sendo meu canto do cisne, mas eu não percebi isso na época. [...] A universidade lentamente, mas seguramente, pisou no caminho da propaganda e do apoio a cada movimento do regime. Logo, os alunos começaram a ser tirados da sala de aula para aulas de propaganda política, censurados e verificados quanto à lealdade. [...] Percebi que não podia mais trabalhar em tal ambiente e não queria. Decidi pedir demissão. No entanto, a lei exigia que eu trabalhasse mais duas semanas. Os alunos me disseram que os líderes estudantis foram solicitados a relatar como eu estava usando mal minha posição. [...] Ultimamente, minhas pinturas me mantiveram ativa: sou formada em arte e posso vender minhas obras. Mas trabalhar em instituições de arte contemporânea como artista agora também é difícil por causa da censura. [...] Às vezes eu lavo o chão. As pessoas me provocam sobre isso, mas nunca fiquei envergonhada por isso. Quando eu estava escrevendo minha tese de doutorado, fiz muita limpeza, já que gastei todo meu salário em impressões. Eu poderia ter conseguido alguma ajuda financeira, mas sempre que eu me inscrevia, os superiores me faziam escrever "não" na pergunta "Você está escrevendo uma tese de doutorado?" Eles simplesmente não acreditavam que eu escreveria minha dissertação e a defenderia. Nenhum acadêmico está separado do que está acontecendo no país. [...] A sociedade está derrotada, esmagada e dividida. Ela continuará morrendo e perdendo seu povo. Mas talvez algumas pessoas tenham uma nova experiência de ativismo social por meio dessa experiência de pesar, e um novo underground se formará. Mas duvido que isso seja possível sob o poderoso regime atual. Com tudo tão sem esperança, é claro que estou pensando em ir embora. Mas então de novo: se alguém tomou conta da minha casa, por que eu deveria ser a única a ir embora? [...]. Trechos do artigo Uma antiga tradição soviética está de volta: a denúncia (RAAM, 2022), da filósofa e cientista social russa Maria Rakhmaninova, que passou a ser abominada por seu posicionamento contra a invasão russa à Ucrânia, que foi demitida da universidade, reacendendo uma antiga prática: a denúncia de pessoas que não são politicamente confiáveis.

 

CENTENÁRIO DE ABELARDO DA HORA

[...] Eu fui preso mais de 70 vezes. Inclusive fui preso no golpe militar, que eu fui Secretário de Educação de 5 prefeitos do Recife… Eu era da direção do Partido Comunista, quando lançamos a candidatura de Arraes a prefeito do Recife. [...] A minha arte, desde o começo, é feita de amor e solidariedade. A solidariedade eu dedico inteiramente ao povo sofredor, e à sua capacidade criativa. A capacidade criativa do povo, não é? E o amor eu dedico às mulheres. Eu faço uma série de mulheres em várias posições, dedicando à mulher grande parte da minha obra, e o meu amor é todo dedicado à mulher, através das minhas esculturas. A solidariedade que eu faço em defesa do povo, influenciado pelo povo e pela criação popular, e pela vida popular. [...].

Trecho da entrevista Diálogo literário: Abelardo da Hora, Abelardo de toda a gente (Vermelho, 2010), concedida pelo escultor, desenhista, gravurista, pintor, ceramista, professor e poeta Abelardo da Hora (1924-2014), ao jornalista e escritor Urariano Mota. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

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ESCUELA LIVRE ABYA YALA – CURSOS

A Escuela Livre Abya Yala está com inscrições abertas para diversos cursos destinados aos indígenas de todo continente. Os cursos são: Visão Indígena – Produção de vídeo, ministrado por Yala Payayá e Nazareno Presentado; Os diferentes gêneros literários & formas diferentes de amar, por Luiz Alberto Machado e Mariela Tulián; Ilustração – memórias de amor para o futuro, por Horopakó Desana e Haylly Wichí; Diagramação de projeto, por Horacio Montes de Oca Ayala e Kadu Tapuya; e Comunicação com identidade, por Nazareno Presentado e Yala Payayá. Realização: Thidêwá & Red Abya Yala. Maiores informações aqui.

 

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segunda-feira, setembro 23, 2024

TANELLA BONI, YAEL VAN DER WOUDEN, SANDRA ROSAS & & DARELADAS – CENTENÁRIO DE DAREL

 

 Imagem: Dareladas – Centenário de Darel.

Ao som da Sonata for Viola & Piano (1919), da compositora e violista britânica Rebecca Clarke (1886-1979), inspirada no poema La nuit de Mai, do poeta francês Alfred Musset (1810-1857), na interpretação da violista japonesa Nobuko Imai e do pianista filipino Albert Tiu, no Yong Siew Toh Conservatory Concert Hall em Cingapura, 2023. Veja mais abaixo.

 

Dareladas... - A chuva lavou meus passos vida afora e o menino se fez esperança acesa para nunca ter que voltar. A imagem do lugar de antes se esvaiu retorcida no apagão das pegadas e o que havia de sereno seguiu firme pelos conflitos do que sou, jogando sementes para reflorir umbrais, como se pudesse reinventar a cidade perdida. Refiz ideias como fotomontagens: a prova não era um teste; um original na tradução dos rabiscos esquecidos pelos traços. A caligrafia de riscos não se apagou por inteiro: um esboço mais que vivo na paisagem das lembranças, que se alastravam com as multidões de anjos-máquinas e os alardes de suas pisadas. Era órfão deserdado na cena repetida dos ferros ferindo a pele, das engrenagens esmagando músculos, de britadeiras respingando o sangue da dor repisada - era como se paz desse as costas à guerra! Tudo se fizera pelos sórdidos becos, como se para lá fosse o não e por ali o sim, quando aqui tudo desconexo pelos ditos e desditos de narradores compulsivos pelas noites de Goeldi. Era como se me perdesse pelas tão fantasiosas linhas de contorno dos desenhos e identificasse o que separa e o que agrega. Era como se as hachuras fossem construídas pelo que foi vivido e o a ser feito. E as ilustrações do gestual nas gravuras reconstruíssem tudo a partir da paleta monocromática. O que havia de melhor era a emersão das silhuetas com os meneios de dança das ancas curvilíneas daquelas que são verdadeiras obras-primas da criação. Foram elas, belas e sintomáticas, que atravessaram comigo todas as labaredas das fogueiras dos dias. E dancei com o fogo porque o que ocorre dentro da gente vai pro lado de fora: inventando a própria verdade no tão denso e fragmentário repertório das memórias compartilhadas. Quando passar, tudo será passado e nada importará porque deixei o inferno para trás e dei meu terno sorriso até pra quem sequer acenasse ou desse por mim. Nunca dei adeus porque sou meteorito errante a repassar sem disfarce. Nunca precisei de esconder a escura face porque a tarde é parda e da noite virá amanhã. Nem parece que voltei, porque cheguei até aqui e não desperdicei o tempo ao vencer os simulacros às pedaladas. Foi a herança do Sol que me fez na crença de que devíamos fazer sempre todos juntos, para que tudo fosse melhor e quando será. Até mais ver.


Goeldi: Um sorriso por favor... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Ruth Stone: Como bandos de pequenos pássaros escuros, partes ocultas do eu choram... Veja mais aqui.

Charlotte Wood: Criar é desafiar o vazio. É generoso, afirma. Fazer é acrescentar ao mundo, não subtrair dele... Veja mais aqui.

Bell Hooks: Saber como ser solitário é central para a arte de amar. Quando podemos ficar sozinhos, podemos ficar com os outros sem usá-los como um meio de fuga... Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

QUE É O AMOR? - O que é o amor? \ Ser comido, mastigado,\ esmagado pela nuca\ pelos desejos do outro.\ O que é o amor?\ Pergunta a pele alisada\ que busca um lar.

A CIDADE QUE CAMINHO - A cidade que caminho se chama Eu. \ Embarco nela com a convicção\ de chegar ao meu destino.\ São os olhos postos na casa não construída,\ a massa na superfície das minhas mãos,\ o número que se repete nos meus sonhos,\ o corpo sobre as pontas dos meus dedos.

Poemas da escritora mexicana Sandra Rosas.

 

O GUARDIÃO – [...] Algo que parece triste tanto quanto parece amor. [...] É o que acontece quando as pessoas morrem. Elas se levam com elas e você nunca descobre nada de novo sobre elas. [...] As lembranças eram pesadas, coisas vazias no fundo de seu ser e só a irritavam: que sua própria porta pudesse ser tirada dela, que uma infância, uma juventude e uma vida vividas através daquela porta pudessem desaparecer em favor de uma única pessoa. [...] Isso a envergonhava, seu próprio reflexo. Ela tinha ideias fortes de beleza que não encontrava em si mesma: quão terno o rosto deveria ser, quão espesso o cabelo. Ela tinha pensamentos fortes sobre o que significava, importar-se demais com a beleza. Querê-la, procurá-la em si mesma. Em outro. Não eram pensamentos agradáveis [...] O que era alegria, afinal. Qual era o valor da felicidade que deixou para trás uma cratera três vezes maior que o tamanho do seu impacto. [...]. Trechos extraídos da obra The Safekeep (Avid Reader - Simon & Schuster, 2024), da escritora e professora israelita Yael van der Wouden.

 

O FUTURO TEM UM ENCONTRO COM O AMANHECERSorria e acumule o tempo que está chegando o vento tem um sentido o redemoinho também sorria para o tesouro. Poema extraído da obra The Future Has an Appointment with the Dawn (University of Nebraska Press, 2018), da filósofa e escritora marfinense Tanella Boni, autora de obras como Tolerância (1997), Escritos e saberes (1998), Internet, tempo e tradição oral (2001), entre outros. Numa entrevista concedida ao Mots Pluriels (fevereiro de 2002), ela explanou acerca da temática Exílio, violência e morte ambiental – como resistir e envolver-se com a sua arte?, observando que: […] nas “democracias” onde vivemos, matamos, torturamos, violamos mulheres que se atrevem a sair às ruas para expressar as suas ideias, massacramos... Tudo isto não é novo em África. Num tal clima, temos tempo para pensar livremente, para fazer investigação, teatro, cinema, arte numa palavra, para escrever? Para fazer sugestões em redações? Para quem escreveremos? vamos fazer arte? Os cérebros estão sujeitos à tirania de um pensamento único, aos discursos marciais dos detentores do poder político, ao controle dos partidos políticos sobre os meios de comunicação; o pensamento livre é praticamente inexistente. O pensamento crítico é uma joia rara. Não há debate de ideias. Existem apenas preconceitos. […] Os cérebros vão embora porque a vida é impossível. Basta visitar as nossas universidades e os nossos laboratórios para se convencer! Um pesquisador não tem como ficar “visível” em casa. Os resultados das pesquisas muitas vezes ficam nas gavetas. Se ele escreve ensaios, o intelectual aqui tem dificuldade de ser publicado e ouvido. E aí os preconceitos da sociedade contra ele são tantos que ele acaba se desgastando antes do tempo. Muitos intelectuais morrem jovens em África, poder-se-ia perguntar porquê. Morremos física ou simbolicamente: acabamos fazendo como todo mundo. “Juntamo-nos” ou “cantamos”, como disse em “Vida de Caranguejo”, em 1990. Existem outras alternativas? Talvez ir para o exílio? [...] Não posso dizer o que me mantém na Costa do Marfim. Afinal, é o meu país. Foi aqui que nasci e continuamos sempre ligados ao nosso país. Posso dizer também que sou um “cidadão do mundo”, viajo muito, sou convidado para inúmeros eventos internacionais, participando frequentemente em grandes debates sobre o futuro da humanidade. [...]. Veja mais aqui.

 

DARELADAS – CENTENÁRIO DE DAREL

[...] Um dia sai para um lanche com colegas de trabalho, e resolvi abandonar o emprego, porque decidira que desejava mesmo era ser artista. [...] No meu entender, o ilustrador não deve procurar competir com o fotógrafo, mas se deixar contaminar pelo texto de tal modo que consiga alcançar aos níveis onde o leitor comum nem sempre consegue chegar [...] Sou rigoroso e exigente comigo mesmo, como ilustrador, pintor, litógrafo; sempre procedo dessa maneira [...] Sou ilustrador, sempre fui, de jornais e revistas, e muitas vezes perdi o emprego por ser um artista que se liga no que há de subjetivo no livro [...] Assim eu sou, como artista e como pessoa. [...].

Trechos da entrevista do gravador, pintor, desenhista, ilustrador e professor Darel Valença Lins (1924-2017), concedida ao editor José Mario Pereira, em 25 de abril de 2012, e publicada na Veja (9 de dezembro de 2017), coluna do Augusto Nunes. (Imagens: Leitoras de Darel). Veja mais aqui e aqui.

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COMITÊ DE CULTURA EM PERNAMBUCO NA MATA SUL

Nos dias 24 e 25 de setembro o Comitê de Cultura em Pernambuco promoverá Formação em Elaboração de Projetos com Foco na PNAB, em Palmares, detinada aos profissionais da cultura local e dos municípios de Joaquim Nabuco, Água Preta, Xexéu, Catende e Bonito. No dia 24, a partir das 8h, o encontro se dará na Biblioteca Fenelon Barreto, dando andamento ao Programa Nacional dos Comitês de Cultura. No dia 25, também a partir das 8h, acontecerá no Centro Municipal de Formação Douglas Marques. O evento de mobilização é gratuito e aberto ao público.

 

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segunda-feira, setembro 16, 2024

ESTHER PINEDA, SANU SHARMA, NIVIAQ KORNELIUSSEN & CABOCLINHOS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Paris, mon amour (Sony, 2015), Renascimento (Sony, 2021) e The Courtesan (SY11, 2023), da soprano operística búlgara Sonya Yoncheva.

 

Cantiga de curumim no meio da tarde... – Um dia menino, à sombra benfazeja de um cajueiro frondoso, a vida sorria e eu conversava sozinho coisas que saltavam das sensações. Interrompia minhas pensagens com a alegria de longe de um galo peralta, todo amostrado no terreiro, desde que o dia acontecera: uma felicidade que me contagiava todas manhãs desde sempre. Já era de tarde e o galo lá cocoricava como se fosse domingo de festa. E ficava ali entretido com todo aquele alvoroço, o que me fazia sentir toda a boniteza das paragens. Logo desaparecera, não se sabe pra onde e eu fiquei no ora, ora: Cadê-lo? Ousei levantar pra buscá-lo e uma voz diferente interrompeu minha saída arremedando: - Curumin, que é que há? Ali espantado, um convite: - Chega! Quem era? Do cajueiro ouvi: - Senta, vamos prosear! A tarde está tão linda... Era dele aquela estranheza. Até então ele e todas as árvores só me ouviam; agora era minha vez de escutá-lo. E me agachei atencioso: - Diga lá! Era como se fosse um oráculo e me contou dos segredos mais íntimos das coisas, o que saía e entrava pelos sete buracos da cabeça de gente. Como assim? E me falou da maior profundeza das coisas escondidas: que a Terra é a nossa Mãe, nosso abrigo; e a nossa família, todos ao nosso redor, assim como tudo e todas as coisas. Mais disse para que eu sentisse o cheiro de Sol por todos os lugares inundados pelo perfume das flores e delas o aceno alegre nos galhos: o ar era a vida que nos fazia existir, soprando a raiz de todos os ventos, o prazer das aragens que levavam e traziam o gosto mais maravilhoso de viver. Sopravam o fogo ensinando tudo o que passou e o que virá, como se vingassem nas labaredas das fogueiras e lambiam as estrelas maduradas na noite pela viagem de outro dia, que depois viria, quando menos se esperasse. Inspiravam o rio na metáfora do espelho e mexiam as correntes das águas regando o chão, como sobem as marés – o encontro do rio ao mar era a vida da gente, porque há um lugar e um tempo, pedaços de hestórias de semear e de colher, de fazer e sonhar. Conduziam as nuvens que choravam de alegria lavando a alma grata pela comida, pelo abrigo, pela claridade, pelo trabalho e pela dança dos espíritos invisíveis – os guardiões da herança de todas as estações e o respeito recíproco na benzedura da boa-fé de coração puro. As palavras pareciam soltas e soavam de dentro pro íntimo e era preciso silêncio para senti-las, sim: era o milagre da revelação do Grande Espírito. De repente o galo reapareceu e, pela primeira vez, entendi seu cocoricó: convocava o coro de todas as pedras e alturas, todos os troncos e plantas, todos os morros e estradas, todas as grutas e lonjuras, todos rastejadores e avoantes, o coro da celebração vital. Sim. Cantavam que todos temos uma missão: proteger a Mãe Terra e tudo que nela há! E eu felizardo cantei bebendo da chuva, como se aprendesse devoto das águas a gratidão dos nascidos e com todas as graças do coração a segui-las sempre adiante horizonte afora. Assim sou e estou, até mais ver.

 

Niviaq Korneliussen: Os devaneios são acompanhados de emoções proibidas... Veja mais aqui.

Rita Rudner: Eu nunca entro em pânico quando me perco. Eu apenas mudo para onde quero ir... Veja mais aqui.

Jodi Picoult: O dano era permanente; sempre haveria cicatrizes. Mas mesmo as cicatrizes mais raivosas sumiam com o tempo até que era difícil vê-las escritas na pele, e a única coisa que permanecia era a lembrança de quão doloroso tinha sido... Depois de juntar os pedaços, mesmo que pareça intacto, você nunca mais será o mesmo de antes da queda... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

DESEJO – Quão distante você reside \ dos confins do meu, \ não me preocupo. \ Quando as memórias, de \ dias passados ressurgem; \ com reflexão e reminiscência da \ minha infantilidade casual, \ que seus olhos umedeçam, \ que seus lábios se transformem em um sorriso \ revelado, mas oculto. \ Isso é tudo \ o que eu desejo.

POSSO TE CONHECER ALGUM DIA ASSIM – Que eu possa te encontrar um dia assim que \ não haja pressa em dizer adeus \ que não haja medo de interrupções \ que todas as emoções sejam derramadas, \ e cada canto e fenda do meu coração seja esvaziado. \ que eu não guarde arrependimentos dentro de mim \ que as memórias não nos assombrem mais tarde. \ Que eu nunca me canse de me expressar \ que eu possa encontrar contentamento em ouvir você \ que não haja restrições de tempo \ e que possamos estar unidos como um único nó \ você, o tempo e eu. \ Que eu possa te agarrar e cair em um sono profundo \ que não haja pressa em acordar \ que não haja medo de perder um momento \ que eu possa derreter em seu abraço, e \ me fundir em sua totalidade  \ assim como a alma se funde com o Ser Supremo \ Que não haja sonhos não realizados como este \ que haja realidades que me satisfaçam. \ Algum dia, que eu possa te encontrar \ assim.

Poemas da escritora, letrista e poeta nepalesa Sanu Sharma.

 

ONTEM À NOITE - [...] Os devaneios são acompanhados de emoções proibidas. [...] Foi uma honra segurar seu coração, mas minhas mãos estão todas ensanguentadas, então é melhor você pegá-lo ou eu vou ter que largar esse seu coração pegajoso. [...] A vida é tão maravilhosa que não vou ficar triste por não poder ter tudo. [...]. Trechos extraídos da obra Last Night in Nuuk (Grove Press, 2019), da escritora groenlandesa Niviaq Korneliussen. Veja mais aqui.

 

RACISMO & RESISTÊNCIA - [...] não basta erradicar o racismo e a desigualdade. por razões de género com reconhecimento nominal e iconográfico, a exposição e exibição grosseira dessas pessoas e mulheres historicamente invisibilizado, sem modificar a estrutura organizacional da sociedade em favor do reconhecimento e inclusão participativa; a diferença deve necessariamente traduzir se transformar em oportunidade, visibilidade, participação, e só isso pode ser alcançado através da descolonização, da despatriarcalização, descapitalização e desracialização das relações sociais. [...]. Trecho extraído da obra Racismo, endorracismo y resistência (Perro y la Rana, 2017), da poeta e socióloga venezuelana Esther Pineda G., que ainda se expressa: Sou negra e afirmo meu direito à existência. Afirmo o meu direito ao entrelaçamento dos meus cabelos encaracolados, à escuridão dos meus lábios, à escuridão implacável dos meus cotovelos, à escuridão visível da ponta dos meus dedos... A violência estética se baseia em 4 premissas: sexismo, gerontofobia, racismo e gordofobia, por isso exigirá sempre das mulheres feminilidade, juventude, branquitude e magreza. A violência estética faz com que as mulheres acreditem que elas e seus corpos são os que estão errados, fazendo-as sentirem-se culpadas, fazendo-as sentir vergonha, dizendo-lhes que só existem corpos válidos e bonitos e que para se aproximarem dessa beleza e valorização social devem modificar seus corpos; caso contrário terão que viver as consequências da desvalorização pessoal e social por não satisfazerem essa expectativa de beleza. Ela também é autora dos livros Roles de género y sexismo en seis discursos sobre la familia nuclear (2011) e Machismo y vindicación. La mujer en el pensamiento sociofilosófico (2017).

 

CABOCLINHOS

[...] a proteção e continuidade das manifestações culturais, cujos protagonistas, mesmo diante da identidade multifacetada, ecoam um grito contido de libertação e emancipação idealizada do seu lamentável equívoco do passado ancestral. [...]. Trecho do prefácio Okê caboclo! Calços, percalços e mais aprendizados em favor da memória cultural, da pianista, percussionista, compositora e etnomusicóloga Alice Lumi Satomi, extraído da obra Caboclinhos: subsídios para a salvaguarda e pesquisa (Appris, 2023), organizada por Sandro Guimarães de Salles, Washington Guedes de Souza, Climério de Oliveira Santos e Lucas Oliveira de Moura Arruda. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

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quarta-feira, setembro 11, 2024

AXEL HONNETH, VIRGINIA FINOZZI, LYNN PAINTER & MARCUS ACCIOLY

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns I Am Not (New Amsterdam, 2010), The World is (Y)ours (Arcantus, 2019), Dance (Avie, 2020) e The Kreutzer Project (AVIE, 2022), da compositora inglesa Anna Clyne.

 

Passos de Belerofon... - A campainha tocou naquela noite insone. Abri a porta e quem era no limiar da surpresa: pareceu-me Anticleia, a que jamais poderia ser recusada. De longe o seu olhar me dizia que era ela e, pareceu-me, ao mesmo tempo, que nela havia uma outra: a inevitável que tanto se rejeita – como se fosse Estenebea que me acusou falsamente e expôs minha cabeça às armadilhas de Ióbates. Ali, àquela distância, me fez crer que se não fosse Polido, jamais poderia superar às cuspidas de fogo de Kimera, nem domar Pégaso na Fonte dos Pirinéus com a rédea dourada que me deu Athena e findar no exílio em Tirinto. Não fosse mesmo isso nem teria êxito diante dos Solimos, nem com as Amazonas, muito menos me livraria das emboscados dos guerreiros lídios. Num átimo previra: aqueles olhos eram a pedra âmbar desvelando o segredo da Betelgeuse no turismo do fim do mundo - nada mais que um tolo adivinhando bulhufas. Enquanto descia a escadaria viajava pelas névoas das ideias de todas as cenas em que a vira, como se tivesse sido tomado pelo espasmo das vaguidades incompreensíveis, das afecções vitimizadoras e da carta oculta das intermitências, das ambíguas lembranças trazidas do nada e os timoratos fanatizados pela enfatuação dos de execrável memória. Assim descia como se me sentisse o cerne das insignificâncias, rachaduras e craqueados difusos, uma lástima: quantos degraus ainda por descer na miséria - fazia-me sentir mesmo odiado pelos deuses. Quedei-me porque em seus olhos vi-me o quanto fui de Hipponous e o que jamais teria sido de Leofontes: o peso de sucessivos malogros, uma vida toda de banalidades e incuráveis parvoíces – como se não bastasse viver com os próprios erros, nem fosse o suficiente. E o que não tinha o menor cabimento era o que vigia daí por diante. Ela entrou passeando pelos degraus escada acima, como se um rastilho do sórdido invadisse casa adentro. Aboletou-se confortavelmente como se me dissesse quase zero depois de vírgulas, pontos e quantas reticências, aspas, parêntesis e parágrafos inauditos. E me deixou a sensação de que teríamos tempo, sabia-se lá como. Olhou-me ternamente como se fosse a hora do ajuste de contas e eu tivesse que descer ao núcleo do mais profundo ventre da terra e lá ardesse até incinerar-me no reino das excrescências. Cada qual a sua própria morte: pressurosas ilusões, lisonjeiras cumplicidades, interminável pesadelo. Premiou-me com um leve sorriso, como se me dissesse que poderia ser pior e fez parar o tempo para que eu sentisse o eco das palavras ainda não ditas. Inquieto ruminava com a sua presença de bem-vinda naquele instante, porque todos os meus passos teimavam viver e sentia-me como um suspeito sob alvo de voyeurs ou de paparazzi: pego em flagrante delito - porque não é palavra vã a simples queda de um mendigo no vazio. Viu-me desolado e não me disse mais nada, ofereceu-me os lábios entreabertos e mais uma vez e outra: seus beijos eram a fonte de Pìrene para que tomasse sedento das águas fartas da poesia. E ficou em mim para que acontecesse o que já havia escrito. Até mais ver.

 

Anna Kingsford: Há homens e mulheres demais; há muito pouca Humanidade. ... Há uma carência de entendimento, de nudez de espírito. Todos nós estamos vestidos demais; nenhum homem sabe que coração bate no peito do seu vizinho... Veja mais aqui.

Ailton Krenak: É preciso ter poesia em nossa experiência de luta... Veja mais aqui e aqui.

Sidarta Ribeiro: Durante o sonho lúcido, a pessoa se torna consciente dos sonhos e é capaz de moldá-los... Se quisermos ficar por aqui, é vital entender o que são os sonhos para o bem comum e reaprender a arte de compartilhá-los com nossa família, amigos e vizinhos planetários... Veja mais aqui.

 

CORPOS COMO METÁFORAS APUNHALADAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

Está mais fácil do que pensei \ há uma ideia cristalinamente genial \ batendo a cabeça nas paredes de minha mente \ eu lhe acenderia a luz \ porém não alcanço o interruptor \ e não consigo parar \ por os pés na terra \ não vou articulá-la em palavras \ ou torna-la discurso com ou sem lógica \ porque ninguém vai mesmo escutar \ é tão duramente abstrata \ e não se pode tocar \ eu vou lhe atar uma corda no tornozelo \ e fazer com que realize \ ideias concretas fáceis transmissíveis \ envolventes como corpos \ os gestos das pessoas quando se entendem \ e se reconciliam e se abraçam \ e a pele também compreende \ e se torna tangível \ às vezes.

Poema da poeta uruguaia María Virginia Finozzi, que ainda expressa: Somos todos os testemunhos silenciosos que irrompem contra a parede dos olhos que não são interlocutores...

 

MELHOR QUE OS FILMES... - [...] Você fica melhor quando é você mesmo. [...] Às vezes ficamos tão presos à ideia do que achamos que queremos que perdemos a oportunidade de ver a maravilha que realmente poderíamos ter. [...] Eu fiz o que tinha que fazer. Tudo é justo no amor e no estacionamento. [...] O amor é paciente, o amor é gentil, o amor significa perder lentamente a cabeça. [...] A música tornou tudo melhor. [...]. Trechos extraídos da obra Better than the Movies (Simon & Schuster, 2021), da escritora estadunidense Lynn Painter.

 

O SOCIAL & A SOCIEDADE - Somente se todos os membros da sociedade puderem satisfazer as necessidades que compartilham com todos os outros – intimidade física e emocional, independência econômica e autodeterminação política – confiando na simpatia e no apoio de seus parceiros na interação, nossa sociedade se tornará social no sentido pleno do termo... Pensamento do filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth, autor de obras tais como: Die Armut unserer Freiheit. Aufsätze 2012–2019 (Suhrkamp, 2020), entre tantas outras.

 

ÉRATO, DE MARCUS ACCIOLY

Quando se deita o amor o tempo é nulo \ e somente há espaço neste espaço \ onde só tu existes e eu me anulo \ (ah cego nó do amor) ah cego laço \ de braços e de abraços (cego pulo\ para o fundo do abismo)...

Trecho do poema extraído da obra Érato: 69 poemas eróticos e uma ode ao vinho (Cepe, 2023), do poeta Marcus Accioly (1943-2017). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

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