segunda-feira, setembro 16, 2024

ESTHER PINEDA, SANU SHARMA, NIVIAQ KORNELIUSSEN & CABOCLINHOS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Paris, mon amour (Sony, 2015), Renascimento (Sony, 2021) e The Courtesan (SY11, 2023), da soprano operística búlgara Sonya Yoncheva.

 

Cantiga de curumim no meio da tarde... – Um dia menino, à sombra benfazeja de um cajueiro frondoso, a vida sorria e eu conversava sozinho coisas que saltavam das sensações. Interrompia minhas pensagens com a alegria de longe de um galo peralta, todo amostrado no terreiro, desde que o dia acontecera: uma felicidade que me contagiava todas manhãs desde sempre. Já era de tarde e o galo lá cocoricava como se fosse domingo de festa. E ficava ali entretido com todo aquele alvoroço, o que me fazia sentir toda a boniteza das paragens. Logo desaparecera, não se sabe pra onde e eu fiquei no ora, ora: Cadê-lo? Ousei levantar pra buscá-lo e uma voz diferente interrompeu minha saída arremedando: - Curumin, que é que há? Ali espantado, um convite: - Chega! Quem era? Do cajueiro ouvi: - Senta, vamos prosear! A tarde está tão linda... Era dele aquela estranheza. Até então ele e todas as árvores só me ouviam; agora era minha vez de escutá-lo. E me agachei atencioso: - Diga lá! Era como se fosse um oráculo e me contou dos segredos mais íntimos das coisas, o que saía e entrava pelos sete buracos da cabeça de gente. Como assim? E me falou da maior profundeza das coisas escondidas: que a Terra é a nossa Mãe, nosso abrigo; e a nossa família, todos ao nosso redor, assim como tudo e todas as coisas. Mais disse para que eu sentisse o cheiro de Sol por todos os lugares inundados pelo perfume das flores e delas o aceno alegre nos galhos: o ar era a vida que nos fazia existir, soprando a raiz de todos os ventos, o prazer das aragens que levavam e traziam o gosto mais maravilhoso de viver. Sopravam o fogo ensinando tudo o que passou e o que virá, como se vingassem nas labaredas das fogueiras e lambiam as estrelas maduradas na noite pela viagem de outro dia, que depois viria, quando menos se esperasse. Inspiravam o rio na metáfora do espelho e mexiam as correntes das águas regando o chão, como sobem as marés – o encontro do rio ao mar era a vida da gente, porque há um lugar e um tempo, pedaços de hestórias de semear e de colher, de fazer e sonhar. Conduziam as nuvens que choravam de alegria lavando a alma grata pela comida, pelo abrigo, pela claridade, pelo trabalho e pela dança dos espíritos invisíveis – os guardiões da herança de todas as estações e o respeito recíproco na benzedura da boa-fé de coração puro. As palavras pareciam soltas e soavam de dentro pro íntimo e era preciso silêncio para senti-las, sim: era o milagre da revelação do Grande Espírito. De repente o galo reapareceu e, pela primeira vez, entendi seu cocoricó: convocava o coro de todas as pedras e alturas, todos os troncos e plantas, todos os morros e estradas, todas as grutas e lonjuras, todos rastejadores e avoantes, o coro da celebração vital. Sim. Cantavam que todos temos uma missão: proteger a Mãe Terra e tudo que nela há! E eu felizardo cantei bebendo da chuva, como se aprendesse devoto das águas a gratidão dos nascidos e com todas as graças do coração a segui-las sempre adiante horizonte afora. Assim sou e estou, até mais ver.

 

Niviaq Korneliussen: Os devaneios são acompanhados de emoções proibidas... Veja mais aqui.

Rita Rudner: Eu nunca entro em pânico quando me perco. Eu apenas mudo para onde quero ir... Veja mais aqui.

Jodi Picoult: O dano era permanente; sempre haveria cicatrizes. Mas mesmo as cicatrizes mais raivosas sumiam com o tempo até que era difícil vê-las escritas na pele, e a única coisa que permanecia era a lembrança de quão doloroso tinha sido... Depois de juntar os pedaços, mesmo que pareça intacto, você nunca mais será o mesmo de antes da queda... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

DESEJO – Quão distante você reside \ dos confins do meu, \ não me preocupo. \ Quando as memórias, de \ dias passados ressurgem; \ com reflexão e reminiscência da \ minha infantilidade casual, \ que seus olhos umedeçam, \ que seus lábios se transformem em um sorriso \ revelado, mas oculto. \ Isso é tudo \ o que eu desejo.

POSSO TE CONHECER ALGUM DIA ASSIM – Que eu possa te encontrar um dia assim que \ não haja pressa em dizer adeus \ que não haja medo de interrupções \ que todas as emoções sejam derramadas, \ e cada canto e fenda do meu coração seja esvaziado. \ que eu não guarde arrependimentos dentro de mim \ que as memórias não nos assombrem mais tarde. \ Que eu nunca me canse de me expressar \ que eu possa encontrar contentamento em ouvir você \ que não haja restrições de tempo \ e que possamos estar unidos como um único nó \ você, o tempo e eu. \ Que eu possa te agarrar e cair em um sono profundo \ que não haja pressa em acordar \ que não haja medo de perder um momento \ que eu possa derreter em seu abraço, e \ me fundir em sua totalidade  \ assim como a alma se funde com o Ser Supremo \ Que não haja sonhos não realizados como este \ que haja realidades que me satisfaçam. \ Algum dia, que eu possa te encontrar \ assim.

Poemas da escritora, letrista e poeta nepalesa Sanu Sharma.

 

ONTEM À NOITE - [...] Os devaneios são acompanhados de emoções proibidas. [...] Foi uma honra segurar seu coração, mas minhas mãos estão todas ensanguentadas, então é melhor você pegá-lo ou eu vou ter que largar esse seu coração pegajoso. [...] A vida é tão maravilhosa que não vou ficar triste por não poder ter tudo. [...]. Trechos extraídos da obra Last Night in Nuuk (Grove Press, 2019), da escritora groenlandesa Niviaq Korneliussen. Veja mais aqui.

 

RACISMO & RESISTÊNCIA - [...] não basta erradicar o racismo e a desigualdade. por razões de género com reconhecimento nominal e iconográfico, a exposição e exibição grosseira dessas pessoas e mulheres historicamente invisibilizado, sem modificar a estrutura organizacional da sociedade em favor do reconhecimento e inclusão participativa; a diferença deve necessariamente traduzir se transformar em oportunidade, visibilidade, participação, e só isso pode ser alcançado através da descolonização, da despatriarcalização, descapitalização e desracialização das relações sociais. [...]. Trecho extraído da obra Racismo, endorracismo y resistência (Perro y la Rana, 2017), da poeta e socióloga venezuelana Esther Pineda G., que ainda se expressa: Sou negra e afirmo meu direito à existência. Afirmo o meu direito ao entrelaçamento dos meus cabelos encaracolados, à escuridão dos meus lábios, à escuridão implacável dos meus cotovelos, à escuridão visível da ponta dos meus dedos... A violência estética se baseia em 4 premissas: sexismo, gerontofobia, racismo e gordofobia, por isso exigirá sempre das mulheres feminilidade, juventude, branquitude e magreza. A violência estética faz com que as mulheres acreditem que elas e seus corpos são os que estão errados, fazendo-as sentirem-se culpadas, fazendo-as sentir vergonha, dizendo-lhes que só existem corpos válidos e bonitos e que para se aproximarem dessa beleza e valorização social devem modificar seus corpos; caso contrário terão que viver as consequências da desvalorização pessoal e social por não satisfazerem essa expectativa de beleza. Ela também é autora dos livros Roles de género y sexismo en seis discursos sobre la familia nuclear (2011) e Machismo y vindicación. La mujer en el pensamiento sociofilosófico (2017).

 

CABOCLINHOS

[...] a proteção e continuidade das manifestações culturais, cujos protagonistas, mesmo diante da identidade multifacetada, ecoam um grito contido de libertação e emancipação idealizada do seu lamentável equívoco do passado ancestral. [...]. Trecho do prefácio Okê caboclo! Calços, percalços e mais aprendizados em favor da memória cultural, da pianista, percussionista, compositora e etnomusicóloga Alice Lumi Satomi, extraído da obra Caboclinhos: subsídios para a salvaguarda e pesquisa (Appris, 2023), organizada por Sandro Guimarães de Salles, Washington Guedes de Souza, Climério de Oliveira Santos e Lucas Oliveira de Moura Arruda. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

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