quarta-feira, dezembro 27, 2023

MAYIM BIALIK, LYDDA FRANCO FARÍAS, MARTHA BATALHA, MUSGOS & LADAINHAS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Home Grown (Minor Music, 1985), Open on All Sides in the Middle (Minor Music, 1986), Twylight (Minor Music, 1989), Timeless Portraits and Dreams (Telarc, 2006), Flying Toward the Sound (Motéma, 2010) e A Child Is Born (Motéma, 2011), da pianista, compositora e educadora de jazz estadunidense, Geri Allen (1957-2017).

 

PELE BRASINDAFRO... - A cada dia vivo como quem caiu do céu nos cafundós de não sei quantos rincões. A pisada à paisana pelo piso falso me dá a sensação de quem foge pra longe sob o zunzunzum de gemínidas na cacunda franzina e aguentando Sol e lapadas da vida, quando o meu desejo era só voltar pra casa. Quem passa, quando não me enxerga, se faz de escárnio e sequer me reconhece. E se lhe peço informação: não sei, pergunte por aí. Vejo quem vem, mesmo quem não me queira ver a face. E também pergunto: Não sei, deve ser por aí. Valho-me, vez em quando, do socorro apressado de Ouida: Conheço mil bandidos; mas nunca conheci alguém que se considerasse assim. O autoconhecimento não é tão comum... Tire a esperança do coração do homem e você fará dele um animal predador... Sei disso porque não é à toa que há nas cercanias um exército de forças espaventosas que se faz inimigo de seu próprio lugar e gente. É fácil distingui-lo, servem aos mesmos que dão e tornam a tomar como se tivessem quepes prepotentes, com todos os cadeados de mando e morte. Não é fácil e retomo a caminhada porque Emily Carr arrepia meu íntimo: A arte sendo muito maior do que nós mesmos, não vai desistir uma vez que tomou conta... Não mudou de assunto, percebia, então ao ouvir alguém falar de Monã ao criar todas as coisas e o que estava no coco de tucumã da Cobra Grande, mostrava, ao mesmo tempo, o voo do cajubi com os raios e trovões de Tupã. Era Ano Novo. E se tudo que ouvi era um aviso, com certeza, esquecido estava porque nunca foi para assustar a nossa santa ingenuidade. Importava a festa para uma história que seria contada pras farras de celebração hedonista, nada mais. Menos pra mim porque Patti Smith jamais deixaria: Eu amei livros durante toda a minha vida. Não há nada mais bonito em nosso mundo material do que o livro... E mais ficava cônscio pela dor do saber – ah, como dói! Uma coisa disso ficou por certo: ninguém ficaria impune! Amanhã chegou logo e já se fez presente, ninguém percebia e sei disso porque sou brasindafro. Até mais ver.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não nasci para ocupar um espaço e nada mais. \ Não sei qual será a minha participação. \ Tive que ser mulher e não me queixo, \ tive que cair na humidade do tempo, \ na secura inóspita das estradas \ mas aqui estou \ entre escombros e desperdícios. \ Destrua minha epiderme ressentida, \ destrua meus sonhos, minha alegria, \ me aniquile \ mas não tente me punir \ porque um dia eu apareci na terra \ e tinha voz e gritei \ e tinha fronteiras e não queria acordar sem eles \ e eu tínhamos armas e ali estão \ delineados, imóveis, ranzinzas.

Poema da poeta venezuelana Lydda Franco Farías (1943-2004). Veja mais aqui.

 

A VIDA INVISÍVEL DE EURÍDICE GUSMÃO – [...] Afundava a cara nos livros e se perdia em histórias. Quando levantava a cabeça achava tudo muito horrível, e sumia de novo, dentro de um livro qualquer. [...] Tudo errado, ele pensava, e quanto mais sabia sobre o mundo mais raiva ele sentia. Preconceito, pobreza, a falta de um pai, a vida dura das mães, todas essas coisas formavam as duas pontas de um mesmo barbante, que na época ele só sabia que estavam ligadas por intuição. [...] Eurídice estava desrespeitando um dos princípios básicos do Estatuto do Vizinho, que afirmava que a felicidade de um grupo só é possível quando todos desse grupo são iguais, desde o tamanho da conta bancária até as aspirações. [...] Alguns livros foram acrescentados por Antenor, que comprava livros como quem compra lanternas: é bom ter em casa os maiores pensadores do mundo, para se um dia precisarmos deles. [...] Nessas horas perdidas ela podia sentir a solidão se transformar em angústia, a angústia se transformar em loucura e a loucura sussurrar-lhe calma e firme: Um dia eu te pego, um dia eu te pego, um dia eu te pego. [...] Depois que o português renegou a filha arrependeu-se profundamente, desse jeito português de se arrepender, que implica não deixar ninguém nunca descobrir sobre o arrependimento. [...] Quando tocava podia acertar todas as notas, podia fazer a melodia perfeita. E por que a vida não podia ser também assim? Por que não podia fazer o que queria, por que não podia dizer tudo o que pensava, por que não podia tocar até exaurir seus dedos e cansar seus lábios, até não ter que pensar em nada? Quando tocava existiam apenas ela e a flauta, e aquele era um mundo perfeito, por ser um mundo pequeno [...] Se Eurídice queria casar? Talvez. Para ela o casamento era algo endêmico, algo que acometia homens e mulheres entre dezoito e vinte e cinco anos. Tipo surto de gripe, só que um pouquinho melhor. [...] Naquele momento Eurídice aprendeu que alguns olhares são diferentes de outros, e que existem olhares capazes de modificar a gente não só por dentro como também por fora, porque agora não havia meios de ela encontrar uma posição confortável na cadeira. [...] Esta é a história de Eurídice Gusmão, a mulher que poderia ter sido. [...]. Trechos extraídos da obra A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (Companhia das Letras, 2016), da escritora e jornalista Martha Batalha.

 

ALÉM DO SLING – [...] as mulheres ajudaram as mulheres a dar à luz, e há um apoio que um treinador de trabalho de parto treinado pode fornecer que muitos parceiros podem – e devem – não. O trabalho de parto pode prosseguir mais lentamente quando sua adrenalina está mais alta do que deveria, e um parceiro pairando sobre você pode fazer sua adrenalina disparar. Isto não se deve apenas ao fator de observação, mas também às complexas relações emocionais e psicológicas que estabelecemos com os nossos parceiros; expectativas, percepções preconcebidas sobre comportamento e apoio, e até mesmo conflitos não resolvidos podem inconscientemente chegar ao seu cérebro durante o trabalho de parto, e às vezes podem ser transferidos diretamente para o colo do útero, fazendo com que ele feche quando você deseja que abra! [...]. Trecho extraído da obra Beyond the Sling: A Real-Life Guide to Raising Confident, Loving Children the Attachment Parenting Way (Gallery Books, 2012), da atriz, escritora e neurocientista estadunidense Mayim Bialik, que também se expressa: Como a maioria das mulheres reais, eu não era uma coisa; Eu era muitas coisas diferentes...

 

ENEÁGONOS DE MUSGOS & LADAÍNHAS AZUIS

Toda alma é noturna \ em especial a do poeta...

Trecho do poema Contrário, extraído da obra Eneágonos de musgos & ladainhas azuis (CriaArte, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui, aqui e aqui.


 


terça-feira, dezembro 19, 2023

SINÉAD GLEESON, LEWIS GORDON, VANESSA MARTÍNEZ RIVERO & PERNAMBUCO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Villa-Lobos (1998), Aurora Luminosa (2005), Alma Brasileira (2006), Musica Viva (2007), Música Nova (2007) e Família Real (2007), todos da Orquestra Sinfônica Nacional – UFF, sob a regência da maestrina Ligia Amadio.

 

CADERNO DA TRAVESSIA: PRIMEIRO ATO – Escrevo pras minhas pouquíssimas, duas ou três leitoras, precipitando-me pela primeira ponte, na qual tirei a catinga do mijo. Durou quatro anos: a descoberta até uma estaca enfiada dilacerando o coração juvenil combalido. Quantas luas se passaram e eu rebarbativo ouvindo Stephenie Meyer: Ninguém te contou ainda? A vida não é justa... Disso já sabia: a fealdade denunciou minha punição, nunca reabilitado, subjugado pelo célebre silêncio - e ausência - alheias, desde menino. Dos perspicazes uma terrível constatação: todos estão tão negativos que, até quando concordam, falam por litotes. É que a obsessão se tornou a praga do desejo e este do querer. Ninguém se imagina aos olhos da posteridade... SEGUNDO ATO – A segunda travessia, eita! Essa durou quase cinquentanos: longeva nau, nem Odisseu foi tão avassaladoramente castigado - do Recife à Maceió sete mares se confundiam em polvorosa, horizonte de nenhum porto seguro. Era uma gangorra e eu mais que bumerangue, uma montanha russa pior que os catabís numa roleta pela Cordilheira dos Andes e nem saia do lugar, boiando, parecia. Consumiu a adolescência, o tino quase adulto e, avalie, com Ray Bradbury ao pé do ouvido: Temos tudo de que precisamos para sermos felizes, mas não somos felizes. Alguma coisa está faltando... Tantas, talvez muitas... TERCEIRO ATO, EX NIHILO – A terceira travessia e nutria zis esperanças. Psiu! Era Berkeley: Seja percebido. E mais me escondia, como se dois passos a mais e a lua saltasse aos meus olhos amedrontados pelas iterações. Nada benefectivo, seja lá o que for: o sangue fervia na veia. Estou sempre pulando no escuro de olhos abertos. Qual a graça disso? O lixo é meu tesouro, a fonte da libertação. Faço da vida a minha invenção e quando não serve mais reinvento e revivo. E vou tocar fogo no mundo e em tudo que aparecer pela frente. Surpresa maior foi o que disse Linda Woolverton: Eu posso deixar minha imaginação ficar louca. Eu apenas enlouqueço. Então, ao longo dos anos - leva anos para escrever essas coisas, fazer essas coisas acontecerem - há muitos, muitos, muitos rascunhos... E nada deu certo: desemboquei na velhice solitária, volição deprimente: era eu o Velho de Hemingway. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

RASTEJAR - Eu gostaria de ir com os fantasmas sobre os quais a nação caiu sobre eles, \ mas eu me cerquei de fogo \ eu não posso \ simplesmente \ ser mais que um lança-chamas. \ Minha longa cauda tem que abrir \ apenas um caminho para a fronteira, \ para esta rota criminosa onde \ meu fluxo do Pacífico. \ Não confio na extensão de arenques fantasmagóricos que engoli, \ Eles estão doentes, com frio, \ preenchido com o sangue de cereja que meus mortos comeram. \ Não confio, \ É por isso que tenho que seguir o alcatrão no Vulcano \ perto do sol do porto. \ Vou mudar de pele e beber do mar. \ Vou esticar meu lombo. \  Vou brincar com os barquinhos e colocar fogo em suas velas. \ Então seus excitados liliputianos narcotizarão minha alma. \ Eu serei o show da semana, \ a batida de circo do seu céu vai me esgotar \ e eu fugirei \ imitando minha casa em extinção, \ onde escondi meus meteoritos inebriantes. \ Aqui estou eu, o último da minha maldita casta, \ aquele que prevê suas perdas, \ que prevê \ deles \ perdas \ branco.

UMA MORTE - Uma morte \ ele é um homem morto, \ muitas coisas são. \ Muitas coisas ainda devo. \ Contemple sua geada desaparecendo em corpos felizes. \ Ele se desfigura na memória daqueles que ama, \ Perde a palavra inútil quando é habitada. \ Passarinho no bico, \ perna de chifre \ banhado em óleo, \ mar de aniquilação, \ de automóveis rudimentares \ e coração ortopédico. \ Ele manca pensando na vertigem, tantas vezes amada. \ Os mortos são reinventados \ em cada palavra negada. \ Eles reciclam uma asa como um braço, \ para sacudir sua geada ilusória. \ Eles cantam a temporada para nós \ do nosso próprio abraço.

Poemas da escritora, atriz e artista multidisciplinar peruana Vanessa Martínez Rivero, autora dos livros A filha do açougueiro (2007), Couraça (2009), Carne (2012), Cartografias da carne (2012), Redondo (2015) e Um terceiro olho para o tempo da tristeza (2018).

 

CONSTELAÇÕES - [...] O derramamento de sangue tem sido historicamente visto como um ato de heroísmo masculino: desde brigas pelo direito de passagem até esportes de contato e combate. Eventos infrequentes e aleatórios vistos como marcos independentes; histórias para contar depois que a dor - e o tempo suficiente - passar. O sangramento feminino é mais mundano, mais frequente, mais complicado, apesar de sua existência ser a razão pela qual toda vida começa [...] Todo mundo está atordoado. Gritando silenciosamente, fazendo infinitas xícaras de chá. O luto é perplexidade. O luto está circulando pelas salas e conversando com parentes não identificados. O luto é uma dor de cabeça permanente e um nó no estômago. O luto é um momento de lentidão, de olhar para estranhos na rua e pensar 'como você pode agir como se nada tivesse acontecido?'. A tristeza é ficar com raiva porque o sol ainda está brilhando, sorrindo no céu. [...] O cabelo tem sido usado para definir as mulheres racialmente, sexualmente e religiosamente. Isso as transforma em tentadoras: representa uma troika de feminilidade, fertilidade, fodabilidade [...] Os livros que lemos pela primeira vez são aqueles que nos afetam indelevelmente. Os personagens se sentem mais próximos de pessoas reais, que simplesmente vivem em outro tempo e lugar. [...] A doação de sangue é aquela ocorrência rara e descomplicada de uma boa ação altruísta. [...] O corpo físico – a coleção visível de ossos e pele que apresentamos ao mundo – não pertence totalmente ao seu dono se o útero dentro dele contiver uma gravidez não planejada ou indesejada. Existem todos os tipos de pessoas prontas para fazer fila e lembrar isso a uma mulher. [...] Comprometer-se com a escrita, ou com a arte, é comprometer-se com a vida. Um prazo auto-imposto como meio de existência continuada. Levei muito tempo para escrever esse livro e aqui estou, muito longe daquela noite horrível [...]. Trechos extraídos da obra Constellations: Reflections From Life (Ecco, 2020), da escritora irlandesa Sinéad Gleeson.

 

PENSAMENTO - Se passarmos um ambiente insustentável para nossos filhos, falhamos com eles. O direito de ter o nosso ambiente protegido para o benefício das gerações presentes e futuras é o nosso direito humano mais importante... Não há nada mais poderoso do que a mente inventa. Agora, o que estamos explorando são todos os limites do esforço humano. Não é físico – está tudo na cabeça... Ir contra a maré nunca foi difícil para mim. Não foi nem uma decisão consciente, mas a consequência natural de seguir meu próprio instinto... As alterações climáticas são o Everest de todos os problemas, o desafio mais espinhoso que a humanidade enfrenta... Aprendi duas lições básicas no Everest. Primeiro, só porque algo funcionou no passado não significa que funcionará hoje. Em segundo lugar, desafios diferentes exigem mentalidades diferentes... Pensamento do filósofo jamaicano Lewis R. Gordon, que atua como chefe do Departamento de Filosofia da Universidade de Connecticut atuando como uma das grandes autoridades atuais nos temas relacionados ao racismo. É autor de obras como Bad Faith and Anti-black Racism (Atlantic Highlands, 1995) e Fanon and the Crisis of European Man (Routledge, 1995), além dos estudos Through the Zone of Nonbeing: A Reading of Black Skin, White Masks (2005) e What Fanon Said: A Philosophical Introduction to His Life and Thought (2015).

 

PERNAMBUCO

[...] como ocorre com as imagens nos retratos, à margem do que somos e viremos a ser, os indivíduos sobrevivem. Nesse sentido, capturados pelo olho da câmera, os contadores de história passaram a habitar a dimensão de um tempo que não morre. Eternizaram-se [...].

Trecho do prefácio Pernambuco, memória do povo, escrito por Fernando de Mello Freyre, extraído do volume Pernambuco – Contos Populares Brasileiros (Fundaj/Massangana, 1994), organizado por Roberto Benjamin. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 



terça-feira, dezembro 12, 2023

SOPHIE KINSELLA, LUCÍA SAORNIL, ANNE CONWAY & BESTA FUBANA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do premiado álbum Erosão (Risco\Fun In The Church, 2021), da baterista, cantora e compositora Mariá Portugal, uma expoente da musica experimental e fundadora do Quartabê – grupo formado por Maria Beraldo, Joana Queiroz e Chicão Montorfano.

 

ENTRE OBSESSÕES, IMPOSTURAS & COMPULSÕES... - Era a cidade feita de palavras ubíquas às diegeses insones. O que mais de assombroso quando se parecia um dia azul, outro nem tanto e a estupefação de nunca se saber como começou. Havia quem decodificasse algaravias ocultas, diziam das conversas de defuntos. O pior era um quase terror: as pessoas perderam a amabilidade e se empurravam umas às outras, e era para me escantear enrolado na trama da Trilogia da Estrada de Wim Wenders. O que de mim quase nada mais restou, apenas fruir dela Marion como se fosse radiante Lou Salomé, uma trapezista nas Asas do Desejo e um verso de Rilke: Uma única coisa é necessária: a solidão... O amor consiste nisso: dois solitários que se encontram, protegem e se cumprimentam... Graças a não sei quem havia a remissão à beira do rio: um elogio à imanência, entre o desvelar dos simulacros e a penitência. E a vida uma girândola com todos os fogos de artifícios atordoantes, para saber de Adélia Prado: Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais, é pra ensinar a gente a viver. Desdobrável. Cada dia mais rica de humanidade... Tudo então nos dividia e a divisão nos complementava – o contrário nos completava. A vida realizou a morte e quase nem se soube quandera manhã ou tarde, tanto faz, até a mesmice surpreendia, porque a sorte era só um aceno; a existência, uma lembrança. Então ali a praça fundiu casulos e conchas praquela rua que vai nem sei pra onde, porque nunca mais circos, só um monte púlpitos itinerantes, tudo muito chato, idolatria e o quão tedioso. Impotente, não havia dinheiro algum, não tinha nada, a doença do vazio – onde o tempo, qual espaço –, palimpsestos dos escarnecidos pecados incontáveis. Foi preciso Ella Baker: Uma das coisas que temos que enfrentar é o processo de espera para mudar o sistema, o quanto temos que fazer para descobrir quem somos, de onde viemos e para onde vamos... Dê luz e as pessoas encontrarão o caminho... Experimentei e tive consciência de matar a fome, mentir, maldizer, descalçar-me e desmascarar-me o quanto podia, sorria e chorava, nada mais. No decurso de um tempo qualquer que nem percebia, aparecia Rodin: Olhe pro jardim... E era Agnieszka Holland: Se você olhar com atenção, o mundo todo é um jardim.... Havia perdido o olhar e o duplo, nem de mim ali só, nenhuma aura fugitiva por interstícios das rachaduras do impermeável: o sonho era um filme e a vida, rendi-me ao afeto, afinal sou e sei como existíamos. Até mais ver.

 

HINO DAS MULHERES LIVRES

Imagem: Acervo ArtLAM.

Aponte para mulheres em todo o mundo \ para os horizontes gravídicos de luz \ devido a aceiros, o pé no chão a cabeça não é azul. \ Afirmar essas promessas dá vida \ Tradição do desafio \ Nós nos modelamos com argila quente \ de um mundo nascido de dor. \ Que o passado caiu num lugar nenhum. \ O que nos interessa aqui? \ Queremos escrever de novo. \ Uma palavra mulher. \ Vá em frente, mulheres do mundo, \ com um ponto elevado para azul. \ Em fogo quebrado, \ Vá em frente, diante dá luz.

Poema da escritora, jornalista e líder anarquista espanhola Lucía Sánchez Saornil (1895-1970). Veja mais aqui e aqui.

 

À PROCURA – [...] Acho que percebi que a vida consiste em subir, descer e se levantar novamente. E não importa se você escorregar. Contanto que você esteja indo mais ou menos para cima. Isso é tudo que você pode esperar. Mais ou menos para cima. [...] O problema é que a depressão não traz sintomas úteis, como manchas e febre, então você não percebe isso a princípio. Você continua dizendo 'estou bem' para as pessoas quando não está bem. Você acha que deveria ficar bem. Você fica dizendo para si mesmo: 'Por que não estou bem? [...] Não será para sempre. Você ficará no escuro o tempo que for necessário e então sairá. [...] A maioria das pessoas subestima os olhos. Eles são infinitos. Você olha alguém diretamente nos olhos e toda a sua alma pode ser sugada em um nanossegundo. Os olhos das outras pessoas são ilimitados e é isso que me assusta. [...] Quanto mais você se envolve com o mundo exterior, mais será capaz de diminuir o volume dessas preocupações. Você verá que eles são infundados. Você verá que o mundo é um lugar muito movimentado e variado e que a maioria das pessoas tem a capacidade de atenção de um mosquito. Eles já esqueceram o que aconteceu. Eles não pensam sobre isso. Haverá mais cinco sensações desde o seu incidente. [...] Já enfrentei idiotas suficientes no meu tempo. Eles nunca percebem que são idiotas. Nem uma vez. Qualquer coisa que você diga. [...] Às vezes, espero estar acumulando um estoque de risadas perdidas e, quando me recuperar, todas elas explodirão em um ataque gigantesco que durará vinte e quatro horas. [...] Mesmo quando você pensa que se perdeu, o amor ainda pode te encontrar. [...]. Trechos extraídos da obra Finding Audrey (Doubleday Childrens, 2015), da escritora britânica Sophie Kinsella. Veja mais aqui.

 

PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS - [...] Eu digo, vida e figura são atributos distintos de uma substância, e como um mesmo corpo pode ser transmutado em todos os tipos de figuras; e como a figura mais perfeita compreende aquilo que é mais imperfeito; assim um mesmo corpo pode ser transmutado de um grau de vida para outro mais perfeito, que sempre compreende em si o inferior [...] Temos um exemplo de figura em um prisma triangular, que é a primeira figura de todos os prismas triangulares sólidos alinhados à direita, que é a primeira figura de todos os corpos sólidos alinhados à direita, onde em um corpo é conversível; e deste em um cubo, que é uma figura mais perfeita, e contém em si um prisma; de um cubo pode ser transformado em uma figura mais perfeita, que se aproxima mais de um globo, e deste em outra, que está ainda mais próxima; e assim ascende de uma figura, mais imperfeita, a outra mais perfeita, ad infinitum; pois aqui não há limites; nem pode ser dito que este corpo não pode ser transformado em uma figura mais perfeita: Mas o significado é que esse corpo consiste em linhas retas planas; e isso é sempre modificável para uma figura mais perfeita, e ainda assim nunca pode alcançar a perfeição de um globo, embora sempre se aproxime mais dele; o caso é o mesmo em diversos graus de vida, que têm de fato um começo, mas não têm fim; de modo que a criatura é sempre capaz de um grau de vida mais avançado e perfeito, ad infinitum, e ainda assim nunca pode atingir a igualdade com Deus; pois ele ainda é infinitamente mais perfeito do que uma criatura, em sua mais alta elevação ou perfeição, assim como um globo é a mais perfeita de todas as outras figuras, da qual ninguém pode se aproximar. [...]. Trechos extraídos da obra The Principles of the Most Ancient and Modern Philosophy (Cambridge University Press, 1996), da filósofa inglesa Anne Conway (1631-1679), que na obra Tangled Secrets (Usborne Publishing, 2015), expressa que: [...] Ele estava fazendo parecer que eu era forte e corajoso. Ele não percebeu o quão assustado eu estava por dentro. Como minha fita estava na minha bolsa. Como eu o encontrei enfiado na parte de trás da minha cama e ainda precisava dele apenas para passar o dia. Como eu nunca tinha feito nada corajoso em toda a minha vida. Seus olhos nunca deixaram meu rosto. “Se alguém pode entrar naquela sala, Maddie Wilkins – tarde, ou cedo, ou qualquer coisa – é você. [...]. Também noutra de sua obra Forbidden Friends (Usborne, 2013), também expressa que: […] Inclinei-me e, antes que pudesse mudar de ideia, beijei-o bem nos lábios. E então me virei e corri pela porta da frente. “Caramba, Abelha!” ele gritou atrás de mim. Mas quando olhei para trás, ele estava encostado no batente da porta, sorrindo. [...] Nós nos divertimos muito juntos [...] Ela é o tipo de pessoa que faz cara de corajosa mesmo quando tem vontade de chorar [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

A BESTA FUBANA

[...] A desunião dos bichos era a desunião deles, empolgados e ambiciosos. A volúpia do poder enxotara o pássaro-guia e os deixara órfãos de luz e de proteção, entregues à sanha do inimigo [...].

Trecho extraído da obra O romance da Besta Fubana (Bagaço, 2019), do escritor Luiz Berto. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 


quarta-feira, dezembro 06, 2023

COLOMBE SCHNECK, ALANNA COLLEN, MYRIAM SCOTTI, TEJUCUPAPO & ARTE NA USINA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns A Dog's Purpose (Soundtrack, 2017), Their Finest (Score, 2017), Ask the river (Classical, 2020), Godmothered (Soundtrack, 2020) e Beyond the Screen (Crossover, 2023), da compositora britânica Rachel Portman.

 

SOU DA PAZ EM PÉ DE GUERRA – Em minha alma sufocada o apito ancestral. Era inevitável ouvir os lúgubres ventos ecoando os lamentos de soterrados seculares das matas devastadas, aruspícios primaveris jamais olvidados pelas indeléveis andanças. Nada mais restava e se desfazia no mormaço do meio dia daquela sexta feira no Córrego do Feijão, e um suposto terremoto trazia de longe o lixo tóxico como se reaparecesse Pompeia sobre Brumadinho no delíquio do tempo. Próximo! Ouvi ao longe a voz de Dionne Brand: Se estou em paz…não é paz, /está me acostumando com o mal... Era a dor da mulher deprimida, vítima de não sei quantas injustiças. Próximo! Seguia só. Não bastasse topar com o ermo e lá distante coisonazifacistas necrófilos escureciam o céu azul desatado, infortúnios estradafora e um rio de lama varria Bento Rodrigues do mapa naquela tarde depois de novembro e ninguém se lembrava mais das enchentes do Una de 2010. Próximo! Aplaquei um pouco a passada, olhei dos lados e, ao perscrutar, fui alertado pela Christina Rossetti: É melhor esquecer e sorrir do que recordar e entristecer-se... O silêncio é mais musical do que qualquer canção... Próximo! Era como se nunca chegasse a minha vez e as lembranças tomavam todas as formas corpóreas, próximo! E era como se eu estivesse prestes a ser despejado, abrigo embaixo da ponte, já que não tinha mais quem amasse e a companhia de quem parecesse nem mais existir, reduzindo-me a anfitrião de micróbios, bactérias, fungos, vírus, arqueias e outros sei lá quantos micro-organismos, perdido nas dimensões quânticas e a vertigem nas asas dos sonhos. Próximo! Havia alguém por perto, eu sabia, e ela era tal invisível Samantha do Her de Spike Jonze - um corpo de luz vers&prosa como gotas de chuva escorrendo poema livre na minha pele suada. Próximo! Já se fazia uma tarde cinza de quase agosto e ela me chamava: Theodore! Virei-me e pude ver-lhe o último aceno, como se fosse Mariana a deusa grávida enlameada, inexoravelmente tragada pela estrondosa tragédia. Quem veria meu lado tristonho e se parecesse divertida a minha aflição: em minha carne a dor dos mortos dali e dalém. Assim mesmo, ainda ouvia Irene Solá: Gosto de escrever pensando nas pessoas, porque é como um presente... A voz dela e a ventania forte nos meus passos perdidos por minas que são pedras falsas de areias movediças e mais me sentia lixo escorrendo pela sonda perdida: Sombras do chão no céu de Maceió... Até mais ver.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Como a chuva que cai p’ra limpar \ Nuvens carregadas que se espremem \ Tantas mulheres chovem p’ra vazar \ O que um coração quebrado sente. \ Pois que o choro nunca é fraqueza, \ natureza a cuidar do corpo, \ Levando os rejeitos para longe, \ Devolvendo o sorriso que se esconde. \ Chuva que limpa céu torrencial, \ Lágrimas que lavam a alma triste, \ Aliviam dor exponencial, \ Sem levar em conta dor que persiste. \ Desafio se há mulher que chova \ Sem transbordar angustia qu’insiste.

Poema extraído da obra Mulheres chovem (Penalux, 2020), da escritora Myriam Scotti, que também assim se expressa: A gente já sabe o que esperar dos vermes, das pessoas, não.

 

DEZESSETE ANOS – [...] Manter a gravidez significaria renunciar. Quero fazer ciência política, ser jornalista no Le Monde, apresentar o jornal das 20 horas, ser debatedora no rádio, ler livros proibidos, casar e ter filhos o mais tarde possível [...]. Trecho extraído da obra Dix-sept ans (Relicário, 2015), da escritora, jornalista e cineasta francesa Colombe Schneck, que expressa: Escrevo porque é através da escrita que chegamos a uma forma de verdade. Capitulamos, ordenamos, corrigimos, arrumamos as coisas, há uma espécie de artifício, e ainda assim, é só por meio da escrita que podemos chegar à realidade. Se posso ser a mulher que sou hoje, foi porque pude fazer um aborto aos 17 anos. Veja mais aqui.

 

QUANTO DE HUMANOS SOMOS – [...] Com quase 20 mil genes, o genoma humano [...] Mas esses 20 mil genes não controlam nosso corpo sozinhos. Não estamos sós. Cada pessoa é um superorganismo, uma coletividade de espécies vivendo lado a lado, em cooperação, para controlar o corpo que nos sustenta. Nossas células, embora bem maiores em volume e peso, são superadas à razão de dez para uma pelas células dos micróbios que moram dentro da gente e sobre nosso corpo. Esses 100 trilhões de micro-organismos – conhecidos como a microbiota – são predominantemente compostos por bactérias: seres microscópicos constituídos de uma só célula. Junto com elas, há outros: vírus, fungos e arqueias. [...] Os nossos micróbios são importantes para o nosso corpo [...]. Cada um de nós contém comunidades de micro-organismos tão singulares quanto nossas impressões digitais. [...] Passamos a depender de nossos micróbios, e sem eles seríamos uma mera fração do que somos.  [...] Tanto como indivíduos quanto na sociedade como um todo, passamos do frugal ao exagero; do tradicional ao progressivo; da escassez ao excesso de luxo; da assistência médica precária aos serviços médicos de excelência; de uma incipiente a uma próspera indústria farmacêutica; da vida ativa à sedentária; do provinciano ao globalizado; do fazer-e-consertar para o reformar-se e substituir; do decoro à desinibição. [...] Muitos pais esperam transmitir o melhor de si aos seus filhos, além de proporcionar a eles o ambiente mais feliz e saudável possível. O microbioma – com sua influência genética e um controle ambiental – dá aos pais o poder de fazer as duas coisas.  [...] Acolher os micróbios que viajaram conosco por milhões de anos é o primeiro passo para aprendermos a valorizar o que realmente somos e, no fim, nos tornarmos 100% humanos. [...] Trechos extraídos da obra 10% humano: como os micro-organismos são a chave par a saúde do corpo e da mente (Sextante, 2016), da bióloga, escritora e zoóloga britânica Alanna Collen.

 

FESTIVAL ARTE NA USINA: INOVAR & EVOLUIR

De 7 a 10 de dezembro, na Usina de Arte. Veja mais aqui.

&

TEJUCUPAPO

[...] Mesmo reconhecido pelo exército como o episódio onde se deu a primeira participação de mulheres brasileiras em conflito armado, a Batalha de Tejucupapo toi banida dos livros escolares [...].

Trecho extraído da apresentação da obra Tejucupapo: história, teatro, cinema (Bagaço, 2004), organizado por Cláudio Bezerra. Veja mais aqui, aqui e aqui.